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Ano: 2001  Vol. 5   Num. 4  - Out/Dez Print:
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Nariz e Seios Paranasais: Evolução
Nose and Paranasal Sinuses: Evolution
Author(s):
Aracy P. S. Balbani*, Marcello Caniello**, Gustavo Passerotti**, Ossamu Butugan***.
Palavras-chave:
nariz, seios paranasais, anatomia, animal, evolução.
Resumo:

Ainda é controverso o papel estrutural e funcional dos seios paranasais nos diferentes animais. O nariz externo e as fossas nasais desenvolveram-se para oferecer mecanismos de proteção das vias aéreas contra a entrada de água, ao mesmo tempo em que cresceu a importância da mucosa olfativa nos carnívoros. A posição das narinas na parte superior da cabeça e o surgimento da válvula nasal são aquisições importantes de defesa contra o afogamento. As conchas nasais, observadas já nos anfíbios, répteis e aves, participam dos fenômenos de aquecimento e umidificação do ar inspirado. As conchas etmoidais são responsáveis pela olfação, assim como grande parte da mucosa que reveste os seios maxilares, frontais e esfenoidais nos carnívoros. O gorila e o homem são as únicas espécies que possuem seios esfenoidais volumosos e não olfativos, e o homem é o único animal que possui um labirinto etmoidal verdadeiro. Há poucas evidências de que os seios paranasais sejam responsáveis pela redução do peso do crânio, ressonância da voz, crescimento facial, condicionamento do ar, produção do muco, isolamento térmico do encéfalo e olfato no ser humano. Existem indícios de que os seios paranasais possam ter papel fisiológico e estrutural na produção e armazenamento de óxido nítrico, fazendo parte dos mecanismos de defesa das vias aéreas.

Introdução

"A natureza não faz nada sem um propósito".
Goss (1968)

Os seios paranasais têm despertado o interesse dos cientistas há séculos. Leonardo da Vinci, por volta de 1489, foi um dos primeiros a descrever a anatomia dos seios frontal e maxilar na espécie humana1. Desde então, já foram publicados inúmeros estudos sobre a morfologia, a fisiologia e os aspectos clínicos dos seios paranasais nos humanos e animais, e houve o desenvolvimento extraordinário de modelos experimentais das rinossinusites2-7, de métodos de imagem das cavidades paranasais8-11 e das cirurgias endoscópicas funcionais em diversas espécies12-14. Por esse motivo, o estudo anatômico das fossas nasais e seios paranasais é do interesse dos médicos veterinários e otorrinolaringologistas.

Apesar de todo o conhecimento acumulado desde a Renascença, o propósito do surgimento dos seios paranasais por obra da natureza permanece obscuro. Os livros atuais ainda apresentam teorias limitadas sobre essas cavidades nos animais. Diz-se que elas têm papel15:

a) estrutural

 reduzem o peso do crânio;

 protegem as estruturas intra-orbitais e intracranianas na eventualidade de traumas, absorvendo parte do impacto;

 participam do crescimento facial; e

b) funcional

 são "caixas de ressonância" da voz;

 condicionam o ar inspirado, aquecendo-o e umedecendo-o;

 contribuem para a secreção de muco;

 promovem o isolamento térmico do encéfalo;

 equilibram a pressão na cavidade nasal durante as variações barométricas (espirros e mudanças bruscas de altitude);

 são coadjuvantes na olfação;

Nesta revisão, os autores apresentam parte da vasta literatura existente sobre a evolução filogenética do nariz e seios paranasais.

Revisão de Literatura

Nariz externo

As vias aéreas superiores sofreram modificações profundas ao longo dos milhões de anos da evolução das espécies, o que possibilitou a adaptação à vida terrestre. Nesse sentido, desenvolveram-se progressivamente diversos mecanismos para proteger os animais contra a entrada de água no aparelho respiratório, evitando a morte por afogamento. Uma estratégia é o posicionamento das narinas na parte superior do corpo. O crocodilo, por exemplo, possui as narinas na região superior do focinho, conseguindo manter-se com a boca submersa na captura de presas sem que a respiração e, conseqüentemente, o olfato, sejam afetados. Nas baleias e outros cetáceos, o orifício respiratório passou a localizar-se no dorso da cabeça, o que lhes permite manter a entrada da via aérea na superfície enquanto o restante do corpo permanece mergulhado. Graças a isso as baleias podem respirar continuamente e garantir a oxigenação necessária ao gasto metabólico durante os fenômenos migratórios, quando são percorridas em alta velocidade longas distâncias em alto-mar16.

Outra aquisição adaptativa foi o mecanismo ativo de fechamento da via aérea sob a água. Nos peixes, as cavidades nasais correspondem a um par de bolsas cefálicas sem comunicação com a boca, de função puramente olfativa. Esse órgão nasal encontra-se permanentemente aberto, fazendo com que haja fluxo contínuo de água no seu interior. Já no subgrupo dos peixes pulmonados, há intercomunicação entre a boca e as bolsas cefálicas, e a cavidade nasal adquire também a função respiratória quando o animal está fora da água17. Nos répteis (crocodilos, cobras) e anfíbios (salamandras, sapos), passou a existir a válvula nasal, cujo fechamento pela ação da musculatura lisa impede a entrada de água nas vias aéreas quando o animal está submerso. No sapo em particular é encontrada uma estrutura anatômica especializada na extremidade anterior da mandíbula, cuja elevação bloqueia as narinas durante a submersão18. A válvula também é encontrada nos cetáceos (baleias e golfinhos), elefantes-marinhos, leões-marinhos e ursos polares. No homem, um fato interessante é que é praticamente impossível vedar as narinas pela contração da musculatura da válvula; contudo, é muito fácil dilatá-la com o objetivo de melhorar a respiração e o olfato. Na foca ocorre algo semelhante, porém quando o animal relaxa a musculatura da válvula, há colabamento da narina. O mecanismo de válvula tornou-se tão útil que mesmo o camelo se utiliza dele, para que não entre areia nas fossas nasais durante as tempestades no deserto. Também o fechamento da glote sob a água no caso das aves (como o Martim-pescador e o pingüim), do urso polar e da lontra é importante para impedir o afogamento durante o mergulho em busca das presas17,18.

De forma genérica, o comprimento do focinho é inversamente proporcional à capacidade de preensão dos alimentos com os membros anteriores. Animais que utilizam as patas dianteiras para arrancar frutos ou castanhas (p. ex., macacos e esquilos) ou capturar pequenas presas (gatos) possuem a maxila estreita e focinho curto. Em contrapartida, animais que desfolham árvores e arbustos com os dentes (ungulados, roedores e marsupiais) e predadores maiores (cães, ursos e guaxinins) tendem a possuir a maxila volumosa e o focinho alongado. Não existe nenhuma explicação satisfatória para as razões que levaram o nariz externo do homem a tomar esse formato. Algumas informações de caráter especulativo apontam que a proeminência da parte cartilaginosa do nariz parece tê-lo tornado mais vulnerável aos traumas, mas, funcionalmente, isso facilitaria o fechamento da válvula nasal e promoveria a deflexão da água durante a natação e o mergulho, reduzindo a probabilidade de inundação das fossas nasais. Além disso, no homem, a abertura das fossas nasais com maior área de secção transversa é a coana, ao contrário dos demais primatas, que possuem narinas largas. Uma exceção digna de nota é o macaco-tromba (Nasalis larvatus), o único primata semi-aquático: sua principal característica anatômica é o nariz externo de grandes proporções - uma enorme probóscida18 (Figura 1).

Fossas nasais

Nos anfíbios, répteis e aves, a parede nasal lateral apresenta pequenas projeções em direção medial (lamelas), que correspondem a conchas nasais primitivas cuja principal função é olfativa. Para que ocorra umidificação do ar inalado, o recurso usado pelos anfíbios é reter o ar na cavidade bucal por alguns instantes. Nos mamíferos (Tabela 1), desenvolvem-se as conchas nasais (antes denominadas corpos maxilo-turbinais) na parede lateral, cujas circunvoluções são variáveis entre as espécies. Nos cães, raposas, gatos, ursos, texugos, lontras, doninhas, guaxinins, furões, quatis, mangustos e tigres, as ramificações das conchas nasais são extremamente numerosas. Alguns autores entendem que isso se deva ao papel preponderante da olfação na captura do alimento por essas espécies. É também descrito um conjunto de conchas nasais inseridas no osso etmóide (conchas etmoidais ou corpos etmoturbinais), revestidas por epitélio olfativo, muito proeminentes no coelho16.

O homem é o único mamífero terrestre que não depende exclusivamente da respiração nasal para sobreviver. Assim, ele é capaz de adaptar-se ao quadro de obstrução nasal às custas da respiração bucal, embora isso implique em inúmeras desvantagens: piora do olfato, menor eficiência no controle da temperatura e umidade do ar inalado e redução da filtração do material particulado presente no ar. A perda de eficiência desses meios de defesa pode ocasionar aumento da freqüência das infecções respiratórias. Situação idêntica só é encontrada em alguns poucos animais como os cães pequineses, nos quais a seleção artificial de raças levou à diminuição do comprimento das fossas nasais18.

Algumas das principais modificações evolutivas dos seres vivos ocorreram no período Plioceno, por volta de 9 milhões de anos atrás e que duraram quase 5 milhões de anos. Pesquisas com fósseis de 3,5 milhões de anos encontrados na África Ocidental mostram que, naquela época, houve uma evolução dramática num grupo particular de primatas: o Australopithecus abandonou a postura quadrúpede e passou a locomover-se com duas pernas. A teoria Darwiniana postula que a evolução do primata que habitava as árvores para o homem ancestral deu-se por causa de mudanças climáticas e comportamentais na savana africana. Sir Alister Hardy publicou a "teoria aquática" em 1960, propondo que a inundação da África Ocidental no Plioceno transformou o meio ambiente e favoreceu a evolução dos primatas. Segundo o autor, os primatas aquáticos gradualmente assumiram a postura ereta para conseguir expandir seu território em áreas alagadas mais profundas, desenvolvendo a habilidade para natação e mergulho e propiciando a fuga dos predadores. Do ponto de vista puramente físico e anatômico, uma explicação coerente para o desenvolvimento dos seios paranasais naquele contexto foi a tentativa de facilitar a flutuação do crânio no meio aquático, pois o aparecimento de cavidades cranianas aeradas cada vez maiores e mais numerosas seria realmente uma grande vantagem adaptativa. Após o término da inundação da savana, os primatas passaram a locomover-se definitivamente como bípedes, aproveitando os membros superiores livres para carregar objetos e apanhar alimentos, o que os tornou grandes predadores nesse novo ambiente terrestre. Conservaram-se os seios paranasais18.

Seio maxilar

Nas focas e texugos (Meles), as conchas nasais são volumosas a ponto de "invadir" a maxila, originando o seio maxilar e assim ampliando a superfície de mucosa respiratória e olfativa. O seio maxilar aparece de forma rudimentar em grande parte dos roedores, ungulados e em alguns marsupiais, com exceção do canguru. No coala, o maxilar é um grande recesso quase completamente aberto na fossa nasal, enquanto nos monotremados não há seio maxilar. Coelhos, cavalos, porcos, ovelhas e morcegos também apresentam seio maxilar volumoso em relação ao seu tamanho16.

Em alguns animais (por exemplo, cachorro), a cavidade maxilar pode invaginar-se através do palato, pilar interorbital e o zigoma. Entre os primatas, o seio maxilar tende a aumentar de volume proporcionalmente ao crânio, chegando algumas vezes a pneumatizar toda a maxila19. Alguns autores levantam a hipótese de que, por isso, os seios paranasais não possuem nenhum papel funcional, mas meramente estrutural: eliminar o conteúdo ósseo supérfluo entre os pilares do esqueleto facial20. Outros relacionam a extensão do seio maxilar ao comprimento da maxila. Na medida em que a função mastigatória tornou-se essencial aos vertebrados, cresceu a importância da maxila e, portanto, aumentaram seu volume e o espaço para implantação das raízes dentárias. Nos répteis e anfíbios, as fossas nasais têm pequeno volume, e o restante da maxila é sólido. Nos mamíferos, a conformação da maxila passa a ser muito variável, geralmente expandindo-se em altura para acomodar as raízes dos dentes molares, e parte de seu volume é preenchida pelos seios paranasais16,20.

Seio etmoidal

Paralelamente à redução da área de mucosa olfatória nos primatas superiores, os corpos etmo-turbinais involuíram e foram substituídos pelas células aéreas que compõem o seio etmoidal. Estudos anatômicos mostram que o chimpanzé tem uma pequena célula etmoidal anterior que se abre no seio frontal e outra célula posterior, enquanto o gorila possui uma cavidade etmoidal anterior e duas posteriores18. No homem, o desenvolvimento do seio etmoidal ocorre de forma singular, formando um labirinto com número variável de células (3 a 18 em cada lado), cuja altura pode chegar a 3cm, comprimento a 1,5cm e volume a 30cm3.

Seios frontal e esfenoidal

Os seios frontal e esfenoidal são bem desenvolvidos nos animais dotados de grande capacidade olfativa, especialmente os carnívoros, nos quais a mucosa olfativa se expande por esses seios.


Figura 1. Nariz do macaco-tromba (Nasalis larvatus).


Figura 2. Anatomia do seio frontal nos artiodáctilos: pneumatização dos chifres. 1, seio frontal rostral lateral; 2. seio frontal rostral medial; 3, seio frontal caudal, em continuidade com o chifre. Adaptado de Sisson; Grossman, 1981.


Estudos de Embriologia sugerem que o seio frontal origina-se da expansão do labirinto etmoidal. Assim, dentre os primatas, apenas os chimpanzés (Pan), gorilas (Pongidae) e hominídeos (Homo) possuem seio frontal verdadeiro, já que também são os únicos a possuir seios etmoidais completamente desenvolvidos. Esse é mais um indício favorável à afinidade evolutiva entre a raça humana e os grandes primatas africanos. A análise volumétrica do seio frontal em gorilas mostra que não há proporcionalidade entre o volume da cavidade nasal e do seio frontal e parecem existir variações raciais entre os gorilas de diferentes regiões africanas quanto à presença/ausência e ao tamanho do seio frontal21.

O seio esfenoidal é ausente ou insignificante na maioria das espécies, excetuando-se o gorila e o homem, nos quais a mucosa de revestimento dessa cavidade não contém células olfativas18.

Em linhas gerais, nada mudou nos seios paranasais do Homo sapiens nos últimos 5.000 anos. O estudo por tomografia computadorizada da Múmia de Innsbruck, conservada por 5.300 anos numa geleira da Áustria e descoberta em 1991, revelou que as características dos seios paranasais daquele indivíduo são similares às encontradas atualmente na população ocidental22. Na espécie humana, os estudos de tomografia computadorizada têm mostrado inúmeras variações anatômicas: os seios maxilares podem estar ausentes, serem hipoplásicos ou septados. Os seios frontais, além da agenesia, podem sofrer septações assimétricas ou estender-se posteriormente até a asa menor do esfenóide. Entre as variantes possíveis dos seios etmoidais encontram-se: a extensão anterior entre o assoalho da órbita e o teto do seio maxilar, formando as chamadas células de Haller; o surgimento do agger nasi no assoalho anterior do seio frontal; a pneumatização do processo uncinado e a fusão das células etmoidais posteriores numa cavidade única (célula de Onodi). O seio esfenoidal pode sofrer agenesia, septações múltiplas ou deiscências ósseas para a artéria carótida interna23. A análise do volume das cavidades paranasais pela tomografia computadorizada com reconstrução tridimensional das imagens mostra que, numa amostra da população japonesa, não há dimorfismo sexual das cavidades, exceto pelo seio frontal, que é significativamente menor no sexo feminino11.

Discussão

O significado funcional e adaptativo dos seios paranasais permanece como uma das questões mais intrigantes da evolução. Inúmeras críticas têm sido feitas às hipóteses sobre o significado e a função dos seios paranasais16,18:

1. Embora seja atribuída aos seios paranasais a redução do peso do crânio, poupando o trabalho da musculatura do pescoço, um estudo de Braune e Clasen (1877)24 mostrou que o total do peso craniano não aumentaria mais do que 1% se o volume correspondente aos seios fosse maciço. Além disso, os primatas quadrúpedes permanecem com a cabeça inclinada anteriormente, o que requer maior contração dos músculos cervicais. Já o homem na sua postura ereta não está submetido a essa condição, e a cabeça encontra-se apoiada sobre os côndilos occipitais na linha média da base do crânio, sem necessidade, portanto, de alívio de peso na região craniana anterior. Parece lógico, então, que as cavidades paranasais não tenham se desenvolvido no homem com a finalidade única de reduzir o peso do crânio.

2. Algumas espécies apresentam grande extensão das cavidades paranasais em direção supracranial, como é o caso do elefante, cujo aspecto do crânio é descrito como "favo de mel" 16. Em outras, a pneumatização pode incluir todo o osso frontal, os chifres e os ossos parietal e occipital, e todas as cavidades aeradas se intercomunicam, desde as fossas nasais até os chifres (Figura 2). Esse pode ser um mecanismo de proteção contra a concussão cerebral nas espécies cujos machos costumam lutar entre si atacando com a cabeça, como na ordem Artiodactyla17. Fica a ressalva de que, em algumas espécies de ungulados como os veados do continente americano, os chifres estão inseridos diretamente no crânio, sem espaços aéreos intermediários 15.

3. O primeiro autor a relacionar a existência dos seios paranasais ao crescimento facial foi Proetz em 1922. Segundo ele, os seios corresponderiam a espaços vazios deixados pelo crescimento de estruturas craniofaciais nobres. A teoria pode aplicar-se aos seios maxilares e etmoidais, mas jamais justificaria a presença do seio esfenoidal volumoso na espécie humana, já que ele não faz parte da estrutura facial. Outro contra-argumento é o de que indivíduos com pequenos seios paranasais não apresentam, obrigatoriamente, alteração do crescimento craniofacial 18.

4. Howell, em 1917, sugeriu que o ar no interior dos seios paranasais tem função na ressonância vocal, modificando ou amplificando os sons produzidos pela glote. Sua hipótese foi baseada na observação de que os aborígines Maoris da Nova Zelândia possuíam "vozes peculiarmente cavernosas devido a um pequeno desenvolvimento dos seios acessórios"15. No entanto, nos animais não existe relação clara entre a presença/ausência ou tamanho dos seios paranasais e a vocalização. A girafa e o coelho, apesar de possuírem enormes cavidades paranasais25, em geral são silenciosos, enquanto os gatos e leões, que possuem importante função vocal, têm seios pouco pneumatizados16,18.

5. Nos animais homeotermos (capazes de auto-regular a temperatura corpórea) fez-se necessário condicionar o ar inspirado, aquecendo-o e umedecendo-o para alcançar as condições ideais para as trocas gasosas nos pulmões. Supõe-se que a mucosa respiratória que reveste as cavidades paranasais desempenhe papel coadjuvante nesse processo, mas a presença de pequenos óstios de drenagem nos seios paranasais leva a trocas gasosas apenas discretas nos seios maxilares, por exemplo, sem que haja grande circulação de ar. Por esse motivo, estima-se que seja pequeno o aquecimento do ar nas cavidades paranasais. Nas espécies animais que vivem nos pólos, o aquecimento é feito às custas do turbilhonamento do ar nas extensas ramificações dos corpos maxilo-turbinais16,18.

6. Haller, em 1763, propôs que a mucosa dos seios paranasais seria grande produtora de muco. Todavia, enquanto no nariz existem cerca de 100.000 glândulas submucosas, os seios paranasais não possuem mais do que 50 a 100 glândulas15.

7. Proetz, em 1953, sugeriu que os seios paranasais seriam responsáveis pelo isolamento térmico da órbita e do encéfalo. Mas, ao contrário do que se poderia imaginar, os esquimós possuem seios frontais muito pequenos, enquanto os negros africanos apresentam ossos frontais extensamente pneumatizados15. Nos cavalos, apesar do grande volume dos seios paranasais, outra estrutura anatômica parece estar muito mais ligada à função de isolamento térmico do encéfalo: a bolsa gutural, um divertículo da tuba auditiva. Estudos com ventilação mecânica e bombas de perfusão mostram que, nos eqüinos, a insuflação da bolsa gutural durante a simulação do esforço físico é capaz de resfriar o sangue na artéria carótida interna em até 5oC26.

8. A função da equalização da pressão do ar na cavidade nasal durante variações bruscas é limitada, também pelo fato de os óstios de drenagem dos seios paranasais serem muito estreitos. Clinicamente, muitas vezes observa-se que mesmo pessoas sem queixas nasais apresentam cefaléia durante os espirros e situações de variações bruscas de pressão (vôo e mergulhos).

9. O papel dos seios paranasais na olfação é preponderante nos carnívoros, sobretudo os de hábitos noturnos, nos quais a mucosa dos seios é olfativa. Entretanto, nos hominídeos, o processo de aumento da massa encefálica parece ter-se tornado prioridade no aspecto evolutivo do crânio, enquanto a superfície de mucosa olfativa simplesmente foi reduzida.

Talvez um dos campos mais promissores para pesquisa sobre o papel fisiológico dos seios paranasais seja a medida de concentração do óxido nítrico (NO) nasal. A mucosa dos seios paranasais é a principal fonte de NO constitutivo, o qual é continuamente lançado na corrente aérea nasal e alcança os alvéolos pulmonares ao final da inspiração. O NO está envolvido na regulação do tônus da musculatura lisa brônquica e vascular, na neurotransmissão autonômica, na mediação da resposta inflamatória das vias aéreas27,28 e parece contribuir para o fluxo sangüíneo pulmonar e para os mecanismos de defesa do aparelho respiratório. O NO nasal já foi detectado em ratos, porquinhos-da-Índia e cavalos. Estudos em humanos, macacos rhesus e elefantes (mamíferos com seios paranasais volumosos) mostram que há alta concentração de NO no ar expirado. Já nos babuínos (Papio hamadryas), únicos primatas desprovidos de seios paranasais, o NO praticamente não é detectável no ar expirado, de modo semelhante ao que ocorre nos recém-nascidos humanos, cujas cavidades paranasais ainda são muito pouco pneumatizadas. Uma hipótese atual é a de que os seios paranasais representem uma evolução anatômica e funcional como produtores e reservatórios do NO, um espaço morto onde o gás não seria reabsorvido ou neutralizado28. Portanto, os seios paranasais participariam primordialmente dos mecanismos de defesa das vias aéreas, e suas demais funções descritas na literatura seriam secundárias.

Comentários Finais

O conhecimento atual sobre o papel estrutural e funcional dos seios paranasais ainda é incompleto, mas as pesquisas sobre a síntese de NO na mucosa dessas cavidades podem fornecer indícios mais precisos sobre sua real finalidade na evolução das espécies.

Agradecimento

Os autores agradecem ao Prof. Dr. Horst König, Diretor do Instituto de Anatomia da Universidade de Medicina Veterinária de Viena, pela inestimável colaboração com a bibliografia, e à Sra. Sueli Loureiro Knoll pelas ilustrações.

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Tabela 1. Classificação zoológica: classe dos mamíferos. Adaptada de Negus, 1958.

Ordem Exemplos

Artiodactyla Camelo, dromedário, bois (Bos indicus, Bos taurus), búfalo, bisão, porcos, ovinos, lhama, alpaca, veado, gazela, antílope, girafa
Carnivora Texugo, urso, felídeos, canídeos (cães e raposas), furão, lontra, foca, doninha, quati, zorrilho, mangusto, ariranha (Pteronura brasiliensis)
Cetacea Golfinhos, delfins, baleias, orcas
Chiroptera Morcegos, raposas voadoras
Dermoptera Lêmures voadores (Cynocephalus)
Edentata Tatu, preguiça, tamanduá
Insectivora Ouriço, toupeira, musaranho
Lagomorpha Coelho, lebre
Marsupialia Canguru, coala
Monotremata Ornitorrinco, equidinos (porco-espinho)
Perissodactyla Cavalo, asno, zebra, rinoceronte
Primata Lêmur, marmota, macaco, chimpanzé, babuíno, Homo
Proboscidea Elefante, mamute
Rodentia Chinchila, capivara, hamster, rato, esquilo, porquinho-da-Índia
Sirenia Dugongo, manati (vaca marinha)
Tubulidentata Gimbo (porco-formigueiro)

* Médica Doutoranda do Curso de Pós-Graduação.
** Alunos do Sexto Ano de Graduação em Medicina.
*** Professor Associado.
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