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Ano: 2005  Vol. 9   Num. 3  - Jul/Set Print:
Case Report
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Cisto Submucoso de Prega Vocal: Manifestação Clínica de Laringopatia Relacionada ao Trabalho
Submucous Cyst of the Vocal Cord: Clinical Finding of a Work-related Laryngeal Disease
Author(s):
Sandra Irene Cubas de Almeida.
Palavras-chave:
cisto submucoso de prega vocal, disfonia ocupacional, auto-avaliação vocal, incapacitação vocal.
Resumo:

Introdução: O cisto submucoso de pregas vocais apresenta prevalência de cerca de 4% na população de profissionais da voz e sua fisiopatologia indica íntima relação com o fonotrauma,constituindo uma conseqüência cicatricial do processo patogênico. Objetivo: Descrever um caso clínico de cisto submucoso de pregas vocais como doença relacionada ao trabalho, ressaltando as medidas preventivas necessárias ao controle e as implicações médico-legais. Relato do caso: Professora com diagnóstico laringoscópico de cisto submucoso de prega vocal foi demitida com incapacitação vocal para exercer a atividade laboral, embora já apresentasse os sintomas da síndrome disfônica há cerca de 18 meses da demissão. Conclusão: Profissionais da voz devem ser avaliados de acordo com o risco profissional. Cisto submucoso de prega vocal pode constituir uma manifestação clínica de doença relacionada ao trabalho. A auto- avaliação preconizada pela Comissão Triparitite de Normatização para Voz Profissional do Ministério do Trabalho,aplicada aos professores desde 2001, constitui um instrumento inicial de avaliação médico- legal, não excluindo os procedimentos laringoscópicos.

INTRODUÇÃO

As doenças benignas da laringe associadas ao exercício de atividades profissionais específicas são há muito relatadas (1). A dificuldade de estabelecer-se o nexo médico-legal entre as alterações estruturais e o esforço fono-articulatório gerou dúvidas que se foram dissipando com a evolução do conhecimento da fisiologia da emissão vocal e dos intrincados fatores que nela intervêm (2).

O cisto de prega vocal é uma estrutura revestida de superfície epitelial com conteúdo interno próprio e separado do meio no qaul está imerso. Constitui uma anormalidade da porção superficial da lâmina própria, abaixo do epitélio mas fora do musculo vocal (3), unilateral, e é classificado de acordo com a sua localização, sendo a mais comum na camada superficial submucosa.

Sua natureza é focal, afetando a forma e a borda da prega vocal acometida, com conseqüente distúrbio na propagação da onda mucosa. Uma de suas características principais é a unilateralidade que desencadeia reação de atrito na prega contra-lateral.

Tanto na sua localização mais superficial quanto na mais profunda, desequilibra a propagação da onda mucosa, tendo como sintoma clínico resultante a disfonia.

Etiologia: o fonotrauma desencadeia um processo inflamatório na prega vocal com resolução cicatricial, sendo que uma das conseqüências é a obstrução do ducto de glândulas submucosas. Há também relatos de indícios da etiologia congênita em alguns casos, mas obseva-se nítida distinção de evolução clínica (2,3,5).

O cisto submucoso fonotraumático tem predomínio de linhagem epitelial intracistal podendo adquirir características glandulares, ciliares ou oncolíticas (3).

A linhagem epidermóide em alguns casos fornece subsídios para a suposição da etiologia congênita, a qual, com os estudos prospectivos e a detecção laringoestro¬bós¬có¬pica, não tem apresentado embasamento fisiopatológico (3).

Há evidências clínicas irrefutáveis de que o trauma desencadeia um processo inflamatório com áreas hemorrágicas e a resolução cicatricial culminaria com a obstrução do ducto glandular e retenção cística (5).

Manifestação clínica: Nos casos de fonotrauma agudo, a instalação da disfonia é abrupta e observam-se áreas hemorrágicas à laringoestroboscopia. Mantendo-se um seguimento prospectivo evidencia-se a formação cística em cerca de 60 dias. A disfonia é acompanhada dos sintomas da síndrome disfônica que são: sensação de corpo estranho, pigarro, dor ou irritação na garganta. Concomitantemente são observados os processo de adaptação funcional do órgão à fonação, acarretando um círculo crescente de retroalimentação no qual a lesão orgânica desencadeia a disfunção funcional e piora crescente da manifestação disfônica (5). À laringoestroboscopia temos ausência de onda ou monocordite.

Prevalência entre professores: os raros estudos epidemiológicos evidenciam uma prevalência de 4,2% para cistos, significativa não só de cistos mas também de nódulos e pólipos, que também têm uma etiologia comum à do cisto submucoso (6).

Objetivo: descrever a evolução clínica da doença relacionada ao exercício da atividade profissional da pa¬ciente.

RELATO DO CASO

Paciente do sexo feminino, 39 anos. Professora há 20 anos no nível de ensino fundamental, recorreu à Subdelegacia do Trabalho SDT 1 Norte-SP porque havia sido demitida no último dia de aula do semestre letivo mesmo encontrando-se doente.

HPMA: a paciente relatou que há cerca de 1 ano antes da demissão começou a apresentar acessos espásticos de tosse acompanhados de disfonia constante com períodos de piora intermitente. Neste mesmo período foi diagnosticado cisto intracordal em prega vocal esquerda e proposto tratamento clínico com orientação fonoterápica.

Com estas medidas conseguiu manter a atividade laboral em sala de aula, sem afastamentos, mas passou a ter piora da disfonia. Durante as aulas,para amenizar o esforço passou a falar pouco,escrever mais na lousa e aumentou a hidratação oral. Refere que mesmo no período de férias que se sucedeu manteve a síndrome disfônica, mas em menor intensidade.

No início do novo semestre, para manter a atividade em sala, adquiriu microfone com recursos próprios. Esta medida é referida pela paciente como o fator principal que evitou os afastamentos médicos, mas a disfonia permaneceu constante e inalterada. Considera também que os alunos, que acompanharam as suas dificuldades para emissão vocal, tiveram uma atitude solidária e passaram a cooperar com o silêncio e a disciplina em sala de aula.

Ao exame físico deste período foram realizadas três videolaringoscopias que confirmaram o diagnóstico de cisto submucoso de prega vocal esquerda. O último exame foi realizado em 14/10/2004 e está exposto na Figura 1.


Figura 1. Cisto de Prega Vocal Esquerda. Ao lado esquerdo superior e inferior observamos o aspecto das pregas durante a fonação. Ao lado direito observamos o aspecto das pregas durante a inspiração.


Foi demitida em 30/06/2004 e no exame demissional foi considerada inapta e encaminhada à perícia do INSS que concluiu sobre a sua "incapacitação para o exercício da função", concedendo-lhe o auxílio doença.

Antecedentes Ocupacionais: Iniciou a sua atividade como professora do ensino fundamental aos 17 anos de idade, mantendo-a por 5 anos. Voltou a lecionar em 1993 com dupla jornada na rede privada e também municipal de ensino, totalizando 9 horas diárias e contínuas de trabalho em sala de aula. Até 2003 nunca apresentou sintomas vocais. Em 2003 passou a dar aulas numa sala que relata ter sido improvisada e que apresentava mofo evidente. Neste período inicia a sintomatologia descrita acima.

Auto-Avaliação. Conforme preconizado pela Comissão Tripartite de Normatização para a Voz Profissional (7) aplicamos a auto-avaliação que apresentou o seguinte resultado:

Organização do trabalho: até junho de 2004 estava vinculada a duas instituições de ensino, trabalhando com o nível fundamental de ensino. A carga horária diária era maior que 6 horas e os intervalos inferiores a 15 minutos. O número de alunos era de 31 a 50 alunos em sala. A atividade profissional de professor é a única que exerce (8).

Sintomas Clínicos: refere dor ou irritação na garganta,sensação de corpo estranho e necessidade de pigarrear nos períodos da manhã,tarde e noite. Sente dor no pescoço à noite. Tem rouquidão constante. Mantém cuidados com a voz, tais como hidratação e alimentação equilibrada.

Nunca foi tabagista,não ingere álcool,drogas nem medicamentos de uso contínuo. Sempre realizou pratica esportiva aeróbica, tais como corrida e natação.

Avaliação qualitativa vocal: respiração intercostal predominante com incoordenação pneumofono¬articulatória, tempo máximo de fonação reduzido, ressonância vocal laringo-faríngea; aspereza em grau moderado,tensão severa, soprosidade moderada, rouquidão leve. Tensão facial e cervical oscilante conforme a instalação de fadiga vocal evidente.

DISCUSSÃO

As laringopatias relacionadas ao trabalho constituem um conjunto de doenças que acometem o profissional que utiliza a voz como principal meio para a execução de seu trabalho, sendo que o sintoma clínico principal é a disfonia (8).

As laringopatias com lesão orgânica apresentam similaridades na sua história natural .Assim observamos a natureza pré-patogênica clínica comum dos nódulos, pólipos e cistos de pregas vocais (2). Para que se estabeleça o nexo causal com as suas respectivas implicações médico- legais, há a necessidade de interação dos fatores de risco,mas para fins de aplicação do conceito definem-se os fatores como:

1. fatores individuais: sexo, idade,prática de higiene vocal;

2. fatores ambientais: ruído, acústica, microfones, ergonomia ,organização do trabalho, poeiras;

3. fatores predisponentes: alterações hormonais fisiológicas ou não, acidez laríngea acompanhada ou não de refluxo gastro-esofágico, processos inflamatórios e alérgicos da mucosa,tabagismo, alcoolismo, auto-medicação, cafeína,estresse;

4. fatores desencadeantes: abuso e mau-uso vocal.

Os fatores desencadeantes isolados não são capazes de atuar na expressão da doença como causa etiológica única.

Assim, há a necessidade dos quatro tipos de fatores que se associam e atuam no surgimento do processo patogênico (7,8).

Portanto, quando detectamos a ação multifatorial agindo na instalação de doença, a sua prevenção apesar de mais complexa, pode ser alvo de atuação eficaz.

As medidas preventivas e os procedimentos populacionais podem auxiliar na detecção precoce dos casos sujeitos a alto risco de doença.

O caso apresentado ilustra bem essa questão fundamental.

Embora professora há 19 anos , o risco vocal não foi considerado em avaliações periódocas precedentes e,embora a professora já se encontrasse doente com o diagnóstico videolaringoscópico de cisto de prega vocal esquerda, foi considerada inapta apenas no processo demissional.

Este é um caso típico onde se depara com a dissociação entre o controle que se executa na população de professores que fazem um exame ocupacional periódico e a doença detectada pelo especialista que dispõe de técnicas sofisticadas de investigação.

Para que houvesse um vínculo racional para desencadear a indicação de procedimentos mais complexos, assim como a detecção dos sintomas sindrômicos da disfonia precocemente, desenvolvemos e aplicamos uma auto-avaliação que será muito útil ao médico que controla a população para selecionar os casos que deverão sofrer avaliação específica ou mesmo serem alvos de atuação preventiva.

Considerando que as laringopatias desenvolvem-se no decorrer de anos, racionalizar e determinar os procedimentos de atuação que se mostrarem necessários num certo momento direciona ações, assim como as modifica de acordo com o seguimento prospectivo das auto-avaliações.

Esta paciente encontra-se incapacitada para o trabalho, mas esforçou-se, dentro do que conhece, para manter a sua atividade sem afastamentos (11).

A auto-avaliação aplicada detectaria a síndrome disfônica precocemente.

A síndrome disfônica manifesta-se com sintomas caracterizados por:alterações de emissão vocal intermitentes, sensação de corpo estranho, necessidade de pigarrear, cansaço ao falar, rouquidão, odinofagia, odinofonia.

Estes sintomas precedem o aparecimento da lesão orgânica e deverão ser sistematicamente pes¬qui¬sados numa população que utilize a voz com fins pro¬fis¬sionais.

Na revisão de literatura encontramos avaliações aplicadas com propósitos diversos (12).

Consideramos que as avaliações deverão ter uma parte de sintomas clínicos padronizada e as demais questões, relacionadas à organização do trabalho e hábitos, adaptadas às populações em controle.

Cistos de prega vocal estão relacionados ao abuso vocal como resultado da resolução de processos inflamatórios, geralmente acompanhados de hemorragia (5).

Sua prevalência não é conhecida, exceto na população de professores (6).

Na fisiopatologia do processo é relatado que os traumas repetidos e os outros fatores intervenientes desencadeiam a obstrução ductal (2).

Nos sintomas clínicos, ocorrem variações relacionada ao tipo de abuso e/ou mau uso vocal. Assim, cantores apresentam quadros abruptos de instalação da disfonia (5). Pode haver diplofonia quando a lesão orgânica estiver associado com paralisia vocal (3).

Muitas vezes o aspecto é de monocordite.

A superfície de vibração da prega vocal é composta por uma camada complexa estratificada, sendo que os traumas repetidos nessa região associam-se aos fatores citados, formando lesões benignas como conseqüência cicatricial.

Assim, altera-se o fechamento glótico e instala-se a diplofonia.

O diagnóstico diferencial deve ser realizado com as outras lesões benignas de laringe tais como nódulo, pólipo e tumores intra-cordais.

Tratamento: a cirurgia com a ressecção do cisto apresenta a resolução do processo, mas a qualidade vocal resultante nem sempre é satisfatória. O controle foniátrico é imprescindível tanto no pré-operatório quanto no seguimento posterior. A intervenção medicamentosa é necessária para o controle dos fatores individuais e predisponentes. A orientação para os fatores ambientais também é parte do controle clínico (13).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O Cisto Submucoso de pregas vocais podem constituir manifestação clínica de laringopatia relacionada ao trabalho, e devem ser verificados habitualmente nos profissionais de voz.

A Auto-avaliação proposta e aqui reproduzida fornece elementos úteis para controle destes profissionais como procedimento inicial com caráter médico- legal, mas não exclusivo, não eliminando a necessidade de avaliações laringoscópicas.

Agradecimentos a Carlos Alberto Angelini, Subdelegado do Trabalho na região Norte de São Paulo -SP ,que nunca mediu esforços no apoio à implementação das medidas de prevenção do Programa de Disfonia Ocupacional.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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7. Ministério do Trabalho e Emprego. Delegacia Regional do Trabalho no Estado de São Paulo. SDT 1 Norte/SP. Programa Disfonia Ocupacional de Professores. Cubas de Almeida SI & Angelini CA, 2003.

8. Ministério do Trabalho e Emprego.Subdelegacia do Trabalho SDT 1 Norte/SP.Comissão Tripartite de Normatização para a Voz Profissional.Questionário de auto-avaliação para professores.2002.

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12. Jacobson BH. The voice handicap index (VHI): development and validation. Am J Speech-language Pathol, 1997;6:66-70.

13.Sulica L, Behrman, A. Management of benign vocal fold lesions: a survey of current opinion and practice. Ann. Otol. Rhinol. Laryngol,2003;112(10):827-833.
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