Title
Search
All Issues
5
Ano: 2006  Vol. 10   Num. 3  - Jul/Set Print:
Original Article
Versão em PDF PDF em Português TextoTexto em Inglês
Pontos-gatilho Miofasciais: Ocorrência e Capacidade de Modulação em Pacientes com Zumbido
Myofascial Trigger Points: Occurrence and Capacity to Modulate Tinnitus Perception
Author(s):
Carina Andréa Costa Bezerra Rocha1, Tanit Ganz Sanchez2, José Tadeu Tesseroli de Siqueira3
Palavras-chave:
Zumbido. Síndromes da dor miofascial/diagnóstico. Músculo-esquelético. Estudos de casos e controles.
Resumo:

Introdução: Alguns pacientes com zumbido podem ter o seu sintoma influenciado pela presença de pontos-gatilho miofasciais na musculatura mastigatória e cervical, porém este tema é pouco abordado na literatura. Objetivos: Investigar uma possível associação entre zumbido e pontos-gatilho miofasciais e sua capacidade de modular o zumbido. Casuística e Método: Neste estudo caso-controle foram avaliados 94 pacientes com zumbido e 94 assintomáticos. Todos foram submetidos a um protocolo de avaliação e à pressão digital para pesquisa de pontos-gatilho em 9 músculos bilateralmente da região de cabeça, pescoço e cintura escapular. A intensidade do zumbido foi avaliada por uma escala numérica de 0 a 10, considerando-se como modulação o aumento ou diminuição imediata de pelo menos um ponto na escala e/ou mudança no tipo de som. Resultados: Os pontos-gatilho estavam presentes em 72,3% dos pacientes com zumbido (OR= 4.87; p< 0,001) e 55,9% deles relataram modulação temporária do sintoma durante a pressão digital dos pontos-gatilho. A modulação do zumbido foi predominantemente ipsilateral ao ponto-gatilho examinado em 6 dos 9 músculos avaliados. Houve correlação de lateralidade entre a orelha com pior zumbido e o lado do corpo com maior número de pontos-gatilho em 56,5% dos casos (p< 0,001). Conclusões: Os pontos-gatilho miofasciais foram surpreendentemente comuns nos pacientes com zumbido e provocaram um alto índice de modulação do sintoma durante sua palpação digital. Assim, sua presença deve ser melhor investigada como possível fator etiológico ou coadjuvante do zumbido.

INTRODUÇÃO

O zumbido é uma sensação sonora endógena, ou seja, é qualquer som percebido pelo indivíduo sem a existência de uma estimulação acústica externa (1,2). Sua prevalência estimada é da ordem de 10% a 17% da população mundial (3,4) e acomete cerca de um terço dos norte-americanos com mais de 55 anos de idade (2). No Brasil, acredita-se que mais de 28 milhões de indivíduos sejam portadores de zumbido, o que o torna um problema de saúde pública (5).
Apesar dos recentes avanços na literatura específica, a fisiopatologia do zumbido ainda não foi completamente elucidada, o que a torna um grande desafio para a comunidade científica. No entanto, mesmo com tais dificuldades, é de suma importância compreender melhor a cascata de eventos da geração, detecção e percepção do zumbido, com o intuito de investigar e controlar a(s) causa(s) específicas encontradas em cada paciente.
As causas do zumbido nem sempre são eminente¬mente otológicas. Na verdade, sua gênese pode ser influen¬ciada por fatores neurológicos, metabólicos, farmacológicos, vasculares, musculares, odontológicos e até mesmo psíquicos (6-8). Além disso, não é raro encontrar a manifestação de mais de uma das causas em um mesmo indivíduo (7).
Os pontos-gatilho miofasciais (PGM) são pequenas áreas hipersensíveis localizadas em bandas musculares tensas palpáveis no músculo-esquelético que, espontanea¬mente ou sob estímulo mecânico, desencadeiam dor local e referida em áreas distantes ou adjacentes (9).
Os PGM são considerados ativos quando sua estimulação gera dor referida que reproduz a queixa dolorosa preexistente do paciente (9,10). Encontram-se freqüentemente nos músculos posturais da região cervical, na cintura escapular, pélvica e musculatura mastigatória, onde provocam dor espontânea ou ao movimento (9,11). Já os PGM latentes estão localizados em áreas assintomáticas e só provocam dor local e referida quando estimulados (9,11). No entanto, são menos dolorosos à palpação e muito mais freqüentes na população em geral (11).
Os PGM são detectados nos pacientes com síndrome dolorosa miofascial que, comumente, se queixam de zumbido. Nossa experiência prévia com pacientes diagnosticados com dor miofascial da região de cabeça e pescoço, nos deram algumas razões para suspeitarmos de uma possível interação entre os PGM e o zumbido: a palpação dos PGM provocou modulação temporária do zumbido em alguns pacientes e durante o tratamento de desativação destes pontos houve uma diminuição e até mesmo o desaparecimento do zumbido.
Até o momento, a literatura é bastante deficitária em relação à possível influência dos PGM na geração ou perpetuação do zumbido. Assim, inúmeros questionamentos ainda precisam ser respondidos.
Os objetivos deste estudo foram investigar uma possível associação entre:
1) zumbido e a presença de PGM;
2) a orelha com pior zumbido e o lado do corpo pesquisado com maior número de PGM;
3) a presença de PGM e sua capacidade de modular o zumbido.

CASUÍSTICA E MÉTODO

Este estudo foi aprovado pela Comissão para Análise de Projetos de Pesquisa do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (CAPPesq), sob o protocolo de número 774/02, e delineado como um estudo caso-controle.

1. Grupo dos casos (G1)

Foram incluídos 94 pacientes com queixa de zumbido constante (uni ou bilateral), há pelo menos três meses, de qualquer sexo, raça ou faixa etária, atendidos de forma consecutiva no Grupo de Pesquisa em Zumbido da Divisão de Clínica Otorrinolaringológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. A coleta de dados da amostra ocorreu entre os meses de agosto de 2002 e agosto de 2004 e os critérios de exclusão envolveram pacientes com (1) queixa de dor envolvendo três ou mais quadrantes do corpo, independente da causa; (2) infiltração com anestésico local e/ou tratamento específico de desativação dos PGM nos últimos 6 meses; (3) uso de medicamento para o tratamento da dor; (4) Impossibilidade de compreender as orientações fornecidas e/ou de dar informações sobre o efeito da palpação dos PGM no zumbido; (5) Ausência de percepção do zumbido no momento da avaliação e (6) zumbido pulsátil ou mioclonia.
Os sujeitos selecionados foram submetidos a uma avaliação específica, pela mesma pesquisadora, em ambiente silencioso para facilitar a percepção da modulação do zumbido. Inicialmente os pacientes foram questionados quanto à localização do zumbido (investigando o lado pior nos casos bilaterais) e o tempo da queixa.
A avaliação da intensidade do zumbido foi investigada antes e apenas durante o exame de palpação dos PGM quando houvesse modulação do sintoma, por meio de uma escala numérica que variava de 0 (ausência de zumbido) a 10 (pior zumbido imaginável). Considerava-se como modulação o aumento ou diminuição imediata de pelo menos um ponto na escala e/ou mudança no tipo de som do zumbido. Durante a avaliação foi investigada também a presença ou não de dor regional freqüente por no mínimo três meses (dor crônica) nas regiões de cabeça, pescoço e cintura escapular, assim como o tempo de sintoma, cuja localização foi registrada em um diagrama corporal pelo próprio sujeito.
Os critérios de diagnóstico para os PGM ativos e latentes foram: presença de uma banda de tensão muscular palpável com ponto hipersensível à palpação ao longo desta banda, assim como uma anormalidade sensitiva ou dor referida à distância pelo PGM examinado, padronizado para cada músculo. Para os PGM ativos, esta dor referida deve corresponder à queixa de dor preexistente do indivíduo. A hipersensibilidade dos PGM foi confirmada pelo "sinal do pulo" (jump sign) demonstrado pelo paciente, que pode ser manifestada por expressões faciais, como caretas, respostas verbais que sinalizam dor ou por movimento de fuga corporal. Nesta pesquisa, a resposta contrátil localizada (twitch response) dos PGM não foi condição necessária para o desfecho do diagnóstico. Esta contração muscular visível é observada, principal¬mente, durante o estímulo com agulha no PGM (9).
Inicialmente foi realizada uma palpação transversa às fibras musculares, em busca da banda tensa e do nódulo hipersensível. A palpação dos PGM foi realizada uma única vez em cada músculo, sempre na mesma porção, por meio da parte distal do dedo indicador ou em "pinça" (indicador e polegar). Uma pressão sustentada no PGM foi mantida por até 10 segundos. Foram pesquisados nove músculos bilateralmente nas regiões de cabeça, pescoço e cintura escapular, de acordo com os critérios descritos por TRAVELL & SIMONS (9): infra-espinal (nos dois terços mediais da fossa infra-espinal da escápula), levantador da escápula (acima do ângulo superior), trapézio superior, esplênio da cabeça (região do processo mastóide), escaleno médio, divisão esternal do esternocleidomas¬tóideo, digátrico posterior, masseter superficial e temporal anterior.
Durante a pressão digital dos PGM em cada músculo, foram realizados os seguintes questionamentos após ter sido detectado a banda tensa muscular palpável e o ponto hipersensível: (A) "Você percebe alguma sensação diferente em outra área do corpo além do local que estou pressionando?" Se a resposta fosse "não", o próximo músculo seria palpado. Se a resposta fosse afirmativa e o sujeito não apresentasse queixa de dor, o PGM seria considerado latente. Nos casos de presença de queixa de dor, a seguinte pergunta era realizada: (B) "Esta sensação é exatamente a queixa de dor que você apresenta?" Se o sujeito respondesse "sim", o PGM era considerado ativo. Por fim, para os pacientes do grupo dos casos que respondessem "sim" para o questionamento "A", o exami¬nador questionaria o seguinte: (C) "O seu zumbido mudou de intensidade ou de tipo de som?" Se a resposta fosse afirmativa, a escala numérica de 0 a 10 seria aplicada para a nova intensidade e/ou o novo tipo de som seria registrado.

2. Grupo controle (G2)

Foram incluídos 94 sujeitos sem zumbido, pareados em sexo e idade com o grupo dos casos. Os critérios de exclusão foram os mesmos adotados previamente para o outro grupo, exceto os de número 5 e 6. Na avaliação inicial só foram incluídas perguntas à cerca das queixas de dor crônica, nas mesmas regiões questionadas para o grupo anterior. Durante o exame de palpação dos PGM, apenas a pergunta "C" não foi realizada.

3. Análise estatística

Na análise estatística para cada parâmetro foram utilizados os testes de Qui-quadrado, Qui-quadrado de McNemar, t de Student, o valor Kappa e o cálculo da razão de odds (OR) com seu respectivo intervalo de confiança (IC 95%). Admitiu-se nível de significância estatística p £ 0,05, como preconizado para testes biológicos.

RESULTADOS

Dos 94 sujeitos avaliados em cada grupo, 55 (58%) eram do sexo feminino e 39 (41%) eram do sexo masculino (p= 1.00, teste de Qui-quadrado). No G1 as idades variaram de 29 a 84 anos (média = 53 anos) e de 29 a 80 anos (média = 52.6 anos) no G2 (p= 0,82, teste t de Student). O tempo de zumbido no G1 variou de 3 meses a 40 anos (média = 6,0 anos) e metade dos pacientes apresentava o sintoma há no máximo três anos.
O incômodo do zumbido relatado pelos pacientes, no momento da avaliação, por meio da escala numérica variou de 0 a 10 (orelha direita: média = 6,7; orelha esquerda: média = 7,0) e 49 (52%) pacientes apresentaram zumbido bilateral. Destes, 21 (42%) referiram sentir maior incômodo à esquerda. Trinta e um pacientes com zumbido (33%) apresentaram queixa de dor crônica nas regiões avaliadas, com duração de 6 meses a 30 anos (média = 4,6 anos).

1. Associação entre zumbido e PGM

Os PGM foram detectados em pelo menos um músculo em 68 (72,3%) pacientes do G1 e em apenas 34 (36,2%) sujeitos do G2. Assim, pacientes com queixa de zumbido apresentaram maior risco de PGM (OR= 4,87; IC 95%: 2,50 a 9,53; p< 0,001 correspondente ao teste de Qui-quadrado).

2. Associação entre a orelha com zumbido (ou orelha com pior zumbido)
e o lado do corpo pesquisado com
maior número de PGM

No G1 foi observada uma concordância de lateralidade de 56,5% (Kappa = 0,29; p < 0,001) entre a orelha afetada pelo zumbido (ou a orelha com pior zumbido nos casos bilaterais) e o lado do corpo avaliado com maior presença de PGM (Tabela 1).



3. Modulação do zumbido mediante compressão dos PGM

3.1. Freqüência, localização e tipo de PGM

A modulação do zumbido durante a compressão digital dos PGM ocorreu em 38 (55,9%) dos 68 pacientes do G1. Destes pacientes, observou-se que um total de 136 PGM apresentou a capacidade de modular o sintoma, sendo que 30 (22,1%) eram ativos e 106 (77,9%) eram latentes.
A mudança na intensidade do zumbido foi o que mais representou a modulação do sintoma pelos pacientes. Porém, a alteração no tipo de som também foi relatada em alguns casos (Figura 1).



A modulação do zumbido foi observada em todos os músculos pesquisados durante a pressão digital dos PGM. Entretanto, o principal músculo com PGM que modulou o zumbido foi o masseter, seguido do esplênio da cabeça, do esternocleidomastóideo e do temporal (Figure 2).



3.2. Características dos pacientes com modulação do zumbido

Dentre os 38 pacientes que modularam o zumbido, 25 (65,7%) eram do sexo feminino e 22 (58%) apresentaram zumbido bilateral. Observou-se também que 21 (55,3%) deles se queixaram de dor nas regiões avaliadas. A idade destes pacientes variou de 34 a 78 (média = 52,2) anos e o tempo de zumbido destes pacientes variou de 3 meses a 33 anos (média = 4,9).
Comparando-se os 38 pacientes do G1 com PGM que modularam o zumbido e os 30 pacientes que não modularam, não houve diferença estatisticamente significante quanto ao sexo, idade ou localização do zumbido. Já a queixa de dor apresentou-se como uma forte condição para o paciente modular o zumbido durante a palpação sustentada no PGM (p= 0,008, teste de Qui-quadrado).

3.3. Modulação do zumbido ipsilateral e contralateral ao PG examinado

Dos 136 PGM que provocaram modulação do zumbido, 77,9% era ipsilateral à orelha com zumbido que modulou e 22,1% era contralateral. Apenas um PGM localizado no músculo esternocleidomastóideo modulou um zumbido bilateral ao mesmo tempo.
Considerando-se cada músculo quanto à concordância entre o PGM e o zumbido que modulou, os resultados mostram que seis dos nove músculos apresentaram respostas estatisticamente significantes quanto à ipsilateralidade (Tabela 2).




DISCUSSÃO

Há evidências de que os PGM ativos e latentes associados à síndrome dolorosa miofascial sejam condição comum em diversas especialidades clínicas (12,13). A pesquisa que desenvolvemos no Grupo de Pesquisa em Zumbido mostrou que este sintoma otorrinolaringológico também apresenta uma forte associação com a presença de PGM nas regiões de cabeça, pescoço e cintura escapular. A surpreendente prevalência de PGM em 72,3% dos 94 pacientes com zumbido tornou-se ainda mais relevante quando observamos que a chance de um paciente com zumbido apresentar PGM é quase cinco vezes maior do que a de um sujeito assintomático, de acordo com o cálculo da razão de odds. ERIKSSON et al. (14) também relatam uma diferença estatisticamente significante em relação à presença de PGM ao comparar indivíduos com e sem zumbido. FRICTON et al. (15) observam que 42,1% dos pacientes com síndrome dolorosa miofascial nas regiões de cabeça e pescoço também se queixam de zumbido. Esta associação também é verificada em publicações que utilizam a desativação dos PGM, por meio de infiltração com anestésico, para o tratamento do zumbido e sua conseqüente melhora (16,17).
Uma contribuição importante para a compreensão dos mecanismos fisiopatológicos do zumbido surge com a publicação do modelo neurofisiológico de PAWEL JASTREBOFF em 1990 (18). Segundo este autor, vários sistemas neuronais estão envolvidos na percepção do zumbido clinicamente importante, incluindo as vias auditivas periféricas e centrais, com significativa participação dos sistemas límbico e nervoso autônomo. Em outras palavras, a percepção do zumbido pode ser ativada em maior ou menor grau dependendo da participação de outras estruturas do sistema nervoso central não pertencentes à via auditiva.
Uma das características dos PGM é a presença de reações autonômicas referidas à distância de seu local de origem (19), o que acentua a semelhança com o zumbido pelo modelo neurofisiológico. Segundo ESTOLA-PARTANEN (20), é possível que o zumbido que melhora com a infiltração dos PGM também seja mediado pelo sistema nervoso autônomo, justificando sua melhora ou abolição quando a influência deste sistema na via auditiva for alterada. Este mesmo autor comenta que a melhora do zumbido após infiltrações dos PGM pode ser justificada pelo bloqueio das vias que conduzem o zumbido do ouvido até o córtex auditivo, onde ele é percebido, apesar de a infiltração não atuar na origem do zumbido propriamente dita.
Um outro achado da nossa pesquisa que sustentaria a hipótese da influência dos PGM como fator etiológico ou coadjuvante do zumbido é a correlação de lateralidade de 56,5% (p< 0,001) entre a orelha com zumbido (ou a orelha com pior zumbido) e o lado do corpo com mais PGM, principalmente nos indivíduos com assimetria de intensidade entre os dois ouvidos, acompanhados de queixa de dor. No estudo de ESTOLA-PARTANEN (20) também se observa um resultado estatisticamente significante (p<0,0001) quanto ao lado do corpo com maior tensão muscular - relacionado com a presença de PGM nos músculos cervicais e da cintura escapular - que se encontra ipsilateral ao lado da queixa de zumbido. BJORNE (21), em 1993, avalia 39 indivíduos com zumbido, dos quais 29 pacientes com queixa unilateral apresentam pontos hipersensíveis no músculo pterigóideo lateral, que coincide com o lado da orelha com zumbido. TRAVELL (16) e WYANT (17) também relatam que os PGM relacionados com o zumbido estão localizados ipsilateralmente ao sintoma. HÜLSE (22), em 1994, relata a existência de uma conexão entre os aferentes proprioceptivos e nociceptivos da região cervical e o núcleo coclear, o que poderia justificar, nos casos de tensão muscular, a correlação ipsilateral com o zumbido. LEVINE (23), em 1999, sugere que estímulos somáticos podem desinibir o núcleo coclear dorsal ipsilateral, gerando uma atividade neuronal excitatória nas vias auditivas que resulta no zumbido. Segundo WRIGHT e RYUGO (24), o núcleo medular dorsal, formado pelos núcleos cuneiforme e grácil, ocupa uma posição no sistema somatossensorial parecida com a do núcleo coclear no sistema auditivo, recebendo informações diretas da raiz dorsal que, por sua vez, recebe informações dos receptores proprioceptivos, táteis e vibratórios da superfície corpórea. Assim, o núcleo cuneiforme lateral é o ponto de chegada das fibras aferentes do pescoço, do ouvido e dos músculos suboccipitais, que fornecem informações sobre a posição da cabeça e do pavilhão auditivo necessárias ao processamento da informação acústica (24).
Um dos achados mais interessantes desta pesquisa foi o desencadeamento da modulação do zumbido em 55,9% dos pacientes sintomáticos, ocorrendo mais freqüentemente ipsilateral em seis dos nove músculos avaliados. Este fenômeno de modulação do zumbido é citado por LEVINE (23) e SANCHEZ et al. (25), que utilizam outro tipo de metodologia, onde pacientes com e sem zumbido são submetidos a manobras de contração isométrica dos músculos da região de cabeça, pescoço e membros. Em outros estudos, a modulação do zumbido também é observada por meio de estimulação elétrica do nervo mediano e movimentos voluntários de desvio ocular (26,27).
Dentre os pacientes que apresentaram modulação do zumbido em nosso estudo, mais de 65% relataram piora temporária, enquanto outros afirmaram que houve diminuição ou mudança no tipo de som. Estes resultados também são observados por LEVINE (23) e SANCHEZ et al. (25). O aumento do zumbido pode ser explicado pela descrição experimental de uma grande projeção do núcleo cuneiforme sobre o núcleo coclear, com numerosas terminações ricas em glutamato, um neurotransmissor excitatório (24). Dessa forma, a atividade neuronal aberrante nas vias auditivas dos pacientes com zumbido pode ser exacerbada pela estimulação excitatória do núcleo grácil e cuneiforme sobre o núcleo coclear dorsal, o que justifica o aumento do zumbido como o efeito mais comum nos pacientes que apresentam algum tipo de modulação (24).
A presença de queixa de dor crônica nas regiões avaliadas foi a única característica significante observada quando comparamos o grupo com modulação de zumbido e o grupo sem modulação. Ao analisarmos as semelhanças entre zumbido e dor crônica, observamos que ambos são sensações subjetivas, apresentam causas diversas, podem ser influenciados pelo sistema nervoso central e sofrer modulações em sua intensidade ou em suas características ao longo do tempo. Seu controle adequado depende de uma abordagem terapêutica multiprofissional e individualizada. O forte componente psicológico que os acompanha sustenta a hipótese de que outras áreas cerebrais não diretamente responsáveis pela percepção sensorial (sistemas límbico e autônomo) também estejam envolvidas (28). Além disso, a localização anatômica das estruturas neurais que geram a dor crônica e o zumbido difere das estruturas para onde estes sintomas são referidos (29). Outra similaridade é que os sistemas auditivos e somatos¬sensorial apresentam uma rede de fibras eferentes bem desenvolvida que parece exercer algum controle sobre a atividade aferente (28). A favor dessas semelhanças, ISAACSON et al. (30), em 2003, observam que 54,2% de 72 pacientes com dor crônica também apresentam zumbido.
Os PGM capazes de produzir modulação do zumbido foram identificados como ativos ou latentes para servir de guia na prática clínica e como ferramenta para futuras estratégias terapêuticas. Inicialmente acreditávamos que apenas os PGM ativos seriam capazes de modular o zumbido devido ao seu grau de atividade e à sua capacidade de reproduzir a sensação dolorosa prévia do paciente ao ser pressionado. Entretanto, os PGM latentes também modularam o zumbido, sugerindo que são capazes de provocar uma excitação e sensibilização relevante de estruturas envolvidas na detecção e processamento do estímulo nociceptivo muscular; o que produziria, durante a palpação, uma zona de referência com uma intensidade e extensão suficiente para modular o zumbido. Talvez isso ocorra prioritariamente nos casos em que os PGM latentes permanecem no indivíduo durante períodos prolongados de tempo. Os trabalhos de TRAVELL e SIMONS (9) e de ERIKSSON et al. (14) não descrevem o tipo de PG que produz zumbido em um indivíduo assintomático ou que modula o zumbido de um paciente a partir da compressão de um PGM no músculo esternocleidomastóideo, o que dificulta a comparação de nossos achados.
A localização muscular dos PGM que mais freqüentemente modularam o zumbido assemelhou-se às afirmações de TRAVELL (16) e TRAVELL e SIMONS (9), que relacionam o zumbido com a presença de PGM no músculo masseter, embora estes autores não tenham estudado o fenômeno da modulação. Os PGM localizados nos músculos da cabeça e pescoço produziram mais modulação do zumbido do que aqueles presentes na região da cintura escapular, o que faz lembrar os achados de LEVINE (23) e SANCHEZ et al. (25), em que as manobras de contração dos músculos da cabeça e pescoço produzem mais modulação do zumbido do que aquelas realizadas pelos membros superiores e inferiores. Estes resultados podem ser explicados por meio da neuroanatomia, onde as conexões entre as vias somática e auditiva no nível cefálico são muito mais ricas.
Por fim, considerando-se que o zumbido pode apresentar mais de uma causa em um único paciente, não devemos ignorar o possível papel que os PGM e o sistema somatossensorial poderiam desenvolver na origem ou persistência da percepção do zumbido.

CONCLUSÕES

Os PGM foram surpreendentemente comuns nos pacientes com zumbido, quando comparados a um grupo controle, e provocaram um alto índice de modulação temporária do sintoma durante sua palpação digital. A alta concordância de lateralidade entre a orelha com pior zumbido e o lado do corpo avaliado com maior presença de PGM fortalecem a hipótese de que o sistema somatossensorial pode influenciar a via auditiva. Futuros ensaios clínicos aleatórios que analisem o efeito do tratamento de desativação dos PGM sobre o zumbido poderão reforçar estes achados, assim como esclarecer se a sua presença nos pacientes com zumbido é um fator etiológico e/ou coadjuvante do sintoma.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Jastreboff PJ, Sasaki CT. An animal model of tinnitus: a decade of development. Am J Otol 1994, 15:9-11.
2. Lockwood AH, Salvi RJ, Burkard RF, Galantowicz PJ, Coad ML, Wack DS. Neuroanatomy of tinnitus. Scand Audiol 1999, 28:47-52.
3. McKee GJ, Stephens SDG. An investigation of normally hearing subjects with tinnitus. Audiology 1992, 31:313-17.
4. Attias J, Urbach D, Gold S, Shemesh Z. Auditory event related potencials in chronic tinnitus patients with noise induced hearing loss. Hear Res 1993, 73:106-13.
5. Sanchez TG, Knobel KA, Ferrari GMS, Batezati SC, Bento RF. Grupo de apoio a pessoas com zumbido (GAPZ): metodologia, resultados e propostas futuras. Arq Otorrinolaring 2002, 6:278-84.
6. Moller AR. Pathophysiology of tinnitus. Ann Otol Rhinol Laryngol 1984, 93:39-44.
7. Sanchez TG, Levy CPD, Medeiros IRT, Ramalho JRO, Bento, RF. Zumbido em pacientes com audiometria normal: caracterização clínica e repercussões. Rev Bras de Otorrinolaringol 2005, 71:427-31.
8. Camparis CM, Formigoni G, Teixeira MJ, De Siqueira JTT. Clinical evaluation of tinnitus in patients with sleep bruxism: prevalence and characteristics. J Oral Rehabil 2005, 32:808-14.
9. Travell J, Simons DG. Myofascial pain and dysfunction: The trigger point manual, upper half of body. ed 2. Baltimore: Williams & Wilkins; 1999.
10. Aronoff GM. Myofascial pain syndrome and fibromyalgia: a critical assessment and alternate view. Clin J Pain 1998, 14:74-8.
11. Bonica JJ. Management of myofascial pain syndrome in general practice. JAMA 1957, 164:732-38.
12. Nielsen AJ. Case study: myofascial pain of the posterior shoulder relieved by spray and stretc. J Orthop Sports Phys Ther 1981, 3:21-6.
13. Rubin D. Myofascial trigger point syndromes: an approach to management. Arch Phys Med Rehabil 1981, 62:107-14.
14. Eriksson M, Gustafsson S, Axelsson A. Tinnitus and trigger points: a randomized cross-over study. In: Reich GE, Vernon JA (eds): Proceedings of the Fifth International Tinnitus Seminar. Portland; 1995, pp. 81-3.
15. Fricton JR, Kroening R, Haley D, Siegert R. Myofascial pain syndrome of the head and neck: a review of clinical characteristics of 164 patients. Oral Surg 1985, 60:615-23.
16. Travell J. Temporomandibular joint pain referred from muscle of the head and neck. J Prosthet Dent 1960, 10:745-63.
17. Wyant GM. Chronic pain syndrome and their treatment II. Trigger points. Canad Anaesth Soc J 1979, 26:216-19.
18. Jastreboff PJ. Phantom auditory perception (tinnitus): mechanisms of generation and perception. Neurosci Res 1990, 8:221-54.
19. Travell J, Bigelow NH. Referred somatic pain does not follow a simple "segmental" pattern. Fed Proc 1946, 5:106.
20. Estola-Partanen M. Muscular tension and tinnitus: an experimental trial of trigger point injections on tinnitus. Tampere, 2000 (Dissertation - University of Tampere).
21. Bjorne A. Tinnitus aereum as an effect of increased tension in the lateral pterygoid muscle. Otolaryngol Head and Neck Surg 1993, 109:969.
22. Hülse M. Cervicogenic hearing loss. HNO 1994, 42:604-13.
23. Levine RA. Somatic modulation appears to be fundamental attribute of tinnitus. In: Hazell JPW (ed.): Proceedings of the Sixth International Tinnitus Seminar. Cambridge; 1999, pp. 193-6.
24. Wright DD, Ryugo DK. Mossy fiber projections from the cuneate nucleus to the cochlear nucleus in the rat. J Comp Neurol 1996, 365:159-72.
25. Sanchez TG, Guerra GCY, Lorenzi MC, Brandão AL, Bento RF. The influence of voluntary muscle contractions upon the onset and modulation of tinnitus. Audiol Neurootol 2002, 7:370-5.
26. Moller AR, Moller MB, Yokota M. Some forms of tinnitus may involve the extralemniscal auditory pathway. Laryngolscope 1992, 102:1165-71.
27. Cacace AT. Expanding the biological basis of tinnitus: crossmodal origins and the role of neuroplasticity. Hear Res 2003, 175:112-32.
28. Moller AR. Similarities between chronic pain and tinnitus. Am J Otol 1997, 18:577-85.
29. Moller AR. Similarities between severe tinnitus and chronic pain. J Am Acad Audiol 2000, 11:115-25.
30. Isaacson JE, Moyer MT, Schuler HG, Blackall GF. Clinical associations between tinnitus and chronic pain. Otolaryngol Head Neck Surg 2003, 128:706-10.
  Print:

 

All right reserved. Prohibited the reproduction of papers
without previous authorization of FORL © 1997- 2024