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Ano: 2006  Vol. 10   Num. 3  - Jul/Set Print:
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Estrutura e Ultra-estrutura da Orelha Interna dos Mamíferos com Ênfase na Cóclea
Structure and Ultrastructure of the Mammalian Inner Ear with Emphasis in the Cochlea
Author(s):
Andre Luiz Lopes Sampaio1, Carlos Augusto Costa Pires de Oliveira1
Palavras-chave:
Orelha interna. Mamíferos. Estrutura e ultra-estrutura
Resumo:

Introdução: É a nossa firme convicção de que os conhecimentos das áreas básicas que compõem a medicina são fundamentais para a formulação do raciocínio clínico adequado. Na área da otologia, são inúmeros os agravos que ocorrem na orelha interna, resultando em poucos sinais e sintomas que comumente são insuficientes para o diagnóstico final. Sendo assim, o entendimento da fisiopatologia forma a base para a prevenção e tratamento baseado em evidências dessas doenças. Tal base não seria possível sem os avanços recentes que culminaram com o esclarecimento da estrutura e ultra-estrutura da orelha interna. Embora os estudos iniciais tenham sido realizados em espécimes humanos, muitas informações decorreram dos trabalhos em roedores e, mais recentemente, em gatos e cães. Comparando-se os achados entre as espécies, é possível se estabelecerem várias semelhanças estruturais e organizacionais da cóclea. As informações apresentadas constituem um sumário dessa proximidade, portanto as diferenças qualitativas e quantitativas não serão enfocadas. Objetivo: Descrever os conhecimentos acumulados a respeito da estrutura e ultra-estrutura da orelha interna típicas de um mamífero. Material e Método: Foi realizada uma revisão sistemática da literatura baseada nos estudos originais que contribuíram de forma decisiva para o conhecimento da estrutura e ultra-estrutura da orelha interna dos mamíferos. Conclusão: Apesar de esta revisão tratar de maneira separada dos diversos componentes da orelha interna, não se deve esquecer que essas estruturas atuam em conjunto para desempenhar a função auditiva e vestibular. A maioria das pesquisas recentes está baseada exatamente na natureza dessas interações e em como as alterações morfológicas estão relacionadas com as modificações na função.

INTRODUÇÃO

A otopatologia, estudo do osso temporal por meio de cortes histológicos, constitui uma área do conhecimento que foi impulsionada sobretudo após a Segunda Guerra Mundial, quando as coleções de ossos temporais na Europa e nos EUA foram expandidas de forma significativa. Entretanto, no nosso meio e para o nosso conhecimento, ainda hoje, não há laboratórios processando o osso temporal rotineiramente para cortes histológicos. Este fato deve-se ao grau de complexidade do processo e aos gastos necessários para a obtenção de espécimes de boa qualidade para o estudo. Sendo assim, é importante a revisão de alguns tópicos básicos da estrutura e ultra-estrutura dos vários compartimentos da orelha interna.
O objetivo deste artigo é descrever os conhecimentos acumulados a respeito da estrutura e ultra-estrutura da orelha interna típicas de um mamífero. Embora os estudos iniciais tenham sido realizados em espécimes humanos, muitas informações decorreram dos trabalhos em roedores e, mais recentemente, em gatos e cães. Comparando-se os achados entre as espécies (1), é possível se estabelecerem várias semelhanças estruturais e organizacionais da cóclea. As informações apresentadas constituem um sumário dessa proximidade, portanto as diferenças qualitativas e quantitativas não serão enfocadas. Apesar de esta revisão tratar de maneira separada dos diversos componentes da orelha interna, não se deve esquecer que essas estruturas atuam em conjunto para desempenhar a função auditiva e vestibular. A maioria das pesquisas recentes está baseada exatamente na natureza dessas interações e em como as alterações morfológicas estão relacionadas com as modificações na função.

REVISÃO DA LITERATURA

A cóclea, dentro da orelha interna, contém as células responsáveis pela percepção do som e apresenta a forma de um caracol. Infelizmente, para os pesquisadores, esse órgão encontra-se no interior do osso temporal, que é uma estrutura óssea altamente mineralizada, densa e de difícil acesso. A despeito dessas dificuldades, a anatomia microscópica e a histologia da cóclea foram muito bem descritas em meados do século XIX por Retzius, Huschke, Reissner, Kolliker, Deiters, Hensen e Corti, nomes familiares ainda no presente. De acordo com os seus estudos, sabe-se que a cóclea é composta por um labirinto ósseo, dentro do qual é encontrada uma estrutura celular que é o labirinto membranoso. Esses detalhes são facilmente visualizados em uma secção histológica da cóclea paralela ao seu eixo maior (Figura 1).



O labirinto ósseo inclui a cápsula ótica, o limite ósseo externo da cóclea, e o modíolo (MO), um tubo ósseo que forma o eixo central da cóclea. Formando uma espiral ao redor do modíolo, da base para o ápice da cóclea, o labirinto ósseo é dividido em três microcompartimentos ou escalas. O compartimento apical - a escala vestibular (EV) - está separado da escala média (EM) pela membrana de Reissner (MR). A escala média separa-se da escala timpânica (ET) - o compartimento inferior - pela membrana basilar (MB), sobre a qual repousam as células do órgão de Corti, e pela lâmina espiral óssea (LO). As escalas timpânica e vestibular comunicam-se por uma pequena abertura no ápice coclear denominada de helicotrema (H). A escala timpânica finaliza-se na base da cóclea na janela redonda, que é recoberta por uma fina membrana sobre a cápsula ótica (Figura 1).
As escalas timpânica e vestibular constituem o espaço perilinfático, preenchido por um líquido rico em sódio chamado de perilinfa, enquanto a escala média compreende o espaço endolinfático, composto por um fluido rico em potássio - a endolinfa. Inicialmente acreditava-se que os limites entre os espaços correspondiam às membranas que limitavam essas regiões. Portanto, os termos "ducto coclear" e "espaço endolinfático" constituem uma região delimitada que inclui a membrana de Reissner, a membrana basilar, o limbo espiral (LE), a estria vascular (EsV) e o ligamento espiral (L). Atualmente sabe-se que os limites entre as escalas não são necessariamente os mesmos que delimitam os fluidos. Para a endolinfa, por exemplo, as estruturas que a separam compreendem as tight junctions entre as células epiteliais adjacentes. Essas junções celulares especializadas impedem a difusão livre da endolinfa entre as células epiteliais (Figura 2).



Assim sendo, as tight junctions das células marginais da estria vascular separam a endolinfa da perilinfa, que parece circular livremente no ligamento espiral na parede lateral da cóclea. As tight junctions entre as células da membrana de Reissner também separam os dois fluidos anteriores. E, finalmente, as tight junctions da superfície apical das células sensoriais e das células de suporte formam uma barreira secundária, impedindo a difusão da perilinfa para a superfície apical das células ciliadas, uma vez que ela circula livremente pela membrana basilar. Portando, o corpo das células sensoriais e de suporte está banhado por perilinfa, enquanto a superfície apical está em contato direto com a endolinfa. Outros tipos de contatos intercelulares estão presentes no órgão de Corti, atuando não só na separação dos compartimentos de endolinfa e perilinfa, como também na manutenção da integridade desse órgão durante o processo de dissipação de energia mecânica na estimulação sonora. Dessa forma, as adherens junctions, os desmossomas e as gap junctions são outras áreas de adesões intercelulares presentes.
Na espécie humana, a cóclea apresenta dois giros completos e três quartos de um novo giro. Em roedores e alguns mamíferos, como, por exemplo, os gatos e os cães, o ducto coclear é maior. Nos cães ele tem pelo menos três giros completos. Determinadas regiões dentro do ducto coclear passam por um alto grau de diferenciação e formam, a partir de células epiteliais, a região sensorial da cóclea - o órgão de Corti - formado pelas células ciliadas externas (CE), célula ciliada interna (CI) e células de suporte (CS), que repousam sobre a membrana basilar (MB) (Figura 3). Por meio da microscopia de luz, é possível identificar nas células ciliadas uma superfície apical, onde estão os estereocílios, e uma região basolateral, onde as fibras nervosas se aglomeram. Essas fibras nervosas atravessam a lâmina espiral pelos orifícios denominados de Habenulae perforatae.
As estruturas cocleares podem ser descritas de forma espiral ou radial. Quando os elementos são descritos em espiral, o órgão de Corti enrola-se ao longo da membrana basilar da base ao ápice da cóclea, sendo constituído por aproximadamente 20.000 células ciliadas, entremeadas por células de suporte. Em termos radiais, o epitélio sensorial é constituído por células ciliadas internas formando uma única fileira, localizada medialmente e próxima ao modíolo. As células ciliadas externas formam três fileiras de células lateralmente à célula ciliada interna e estão separadas desta pelas células do pilar de Corti (PC) (Figura 3). As estruturas espirais e radiais também incluem os vasos cocleares espirais modiolares e radiais, além dos nervos.



Embora o diâmetro do labirinto ósseo diminua da base para o ápice coclear, as estruturas do labirinto membranoso apresentam um aumento nítido (2). Portanto, no órgão de Corti, as células localizadas no giro apical são maiores que aquelas localizadas no giro basal. Os estereocílios (3) e a membrana basilar são mais longos, enquanto a membrana tectorial apresenta-se mais volumosa (1) no ápice coclear. Essas medidas variam de espécie para espécie e estão relacionadas com a capacidade perceptiva de determinadas freqüências. Em algumas espécies, ocorre uma variação linear ao longo do comprimento da cóclea e em outras existe um exagero em determinadas posições da cóclea, que está de acordo com a especialização funcional dessas regiões (1).
As células ciliadas do órgão de Corti estão diferenciadas em dois tipos celulares de acordo com a disposição dos seus estereocílios e da sua ultra-estrutura: as células ciliadas internas e externas. Inicialmente acreditava-se que as células ciliadas internas (CI) e externas (CE) eram diferentes em número e em forma, mas que desempenhavam funções sensoriais similares (Figura 4). Os estudos clássicos da ultra-estrutura das células ciliadas e das células de suporte (2,4,5), bem como da sua inervação (6) esclareceram que essas células apresentam diferenças funcionais marcantes. Enquanto as células ciliadas internas têm primariamente a função sensorial, baseada no fato de que a maior parte das fibras nervosas aferentes apresentam sinapses com elas, as células ciliadas externas, embora conduzindo também estímulos ao sistema nervoso central (SNC), modificam as propriedades mecânicas da membrana basilar e do órgão de Corti.



As células ciliadas internas apresentam a forma globosa com um núcleo disposto centralmente e formam uma fileira única disposta ao longo do epitélio espiral sensorial. Seus estereocílios estão dispostos em U na superfície apical e há uma ponte filamentar que liga a fileira de estereocílios mais longos à membrana tectorial. Na sua superfície, elas apresentam microvilosidades responsáveis pelo transporte iônico com a endolinfa e adesão à membrana tectorial (MT) (Figura 4). Seu citoplasma é preenchido por inúmeras mitocôndrias arredondadas, complexo de Golgi, vesículas, lisossomas e retículo endoplasmático bem desenvolvido. Contornando a membrana citoplasmática, há uma camada simples de cisternas membranosas descontínuas. A base da célula não entra em contato com a membrana basilar.
As células do sulco interno ou células marginais internas (SI) formam uma camada fina na face modiolar das células ciliadas internas. As células falangeais internas (FI) situam-se entre as células ciliadas internas e as células pilares internas (PI) e estão dispostas em uma fina camada celular (Figura 4). As células ciliadas internas, à semelhança das externas, apresentam tight junctions na zona reticular onde entram em contato com as células adjacentes. Entretanto, ao contrário das células ciliadas externas, na região próxima ao núcleo, não há separação intercelular evidente com a possibilidade de comunicação direta entre as células ciliadas adjacentes.
As células ciliadas externas têm o formato cilíndrico e os seus núcleos localizam-se na porção basal da célula. Elas apresentam diâmetro menor que as células ciliadas internas, e, em número, ocorrem cerca de 4 vezes mais que as células ciliadas internas. Na sua superfície apical, também estão interconectadas com as células de suporte, assim como no pólo basal. Entretanto, em várias espécies, a sua face lateral está em contato apenas com o fluido. Os seus estereocílios estão dispostos em W em três ou quatro fileiras, sendo maiores e mais finos que os seus equivalentes nas células ciliadas internas. O citoplasma está preenchido por ribossomas, mitocôndrias e retículo endoplasmático acima do núcleo. Abaixo do núcleo, os microfilamentos e os microtúbulos são abundantes e, na base celular, há sinapses aferentes e eferentes. Evidências apontam para o papel modificador do SNC, por meio de neuroefetores, sobre as propriedades mecânicas das células ciliadas externas e conseqüentemente da membrana basilar. Essa teoria é sustentada pela presença de receptores do ácido gamaminobutírico (GABA) e de acetilcolina na base dessas células (7,8). Lateralmente, logo abaixo da placa cuticular, há um sistema de membranas dispostas paralelamente, e denominadas de cisternas, que estão conectadas à membrana citoplasmática por estruturas semelhantes a pilares. Os pilares estão conectados entre si por uma rede de filamentos. Acredita-se que esse complexo formado pelos pilares e filamentos estabiliza a superfície celular e contém componentes elásticos e móveis que podem estar envolvidos nas alterações da forma das células ciliadas desencadeadas pelo estímulo sonoro.
As células de suporte, estruturalmente, são divididas em células com e sem filamentos. As células pilares internas (PI), externas (PE) e células Deiters (D) são estruturalmente semelhantes, apresentando microfila¬men¬tos e microtúbulos citoplasmáticos, formando uma rede de suporte firme no órgão de Corti (9) (Figura 4). Conforme relatado anteriormente, as células ciliadas externas não entram em contato com a membrana basilar, e portanto, estão sujeitas a um estresse mecânico significativo durante o estímulo sonoro. As células de suporte são especializadas na função de absorção do estresse mecânico, manutenção da integridade da lâmina reticular, transmissão do estímulo mecânico da membrana basilar para a lâmina reticular e das células ciliadas externas para a membrana basilar.
As células pilares internas e externas separam as células ciliadas internas das externas, formando uma base de suporte triangular para o epitélio sensorial além de um túnel preenchido por líquidos - o túnel de Corti (TC), que dá passagem para filetes nervosos em direção às células ciliadas externas (Figura 4). As células pilares internas separam as células ciliadas internas do fluido do interior do túnel de Corti e existem, aproximadamente, na proporção 1:1. Na superfície apical, há tight juctions com as células ciliadas internas, com as células pilares externas e com as células falangeais internas. As células pilares externas são mais numerosas e existem na proporção de uma para cada célula ciliada externa. Na superfície apical apresentam tight juctions com as células pilares internas, células ciliadas internas e externas e com as células de Deiters. Algumas evidências mostram que além da sua função de sustentação, as células pilares também realizam transporte de substância por pinocitose (10).
As células de Deiters estendem-se desde a membrana basilar até a lâmina reticular, estando em contato íntimo com as células ciliadas externas. A sua base está em contato com a membrana basilar e a sua porção média relaciona-se com as células ciliadas externas, onde há maior concentração de mitocôndrias e retículo endoplasmático sugerindo ser essa uma zona de transporte (11). Nessa mesma região, há microfilamentos que explicam a sua função de suporte. Dessa região partem processos falangeais em direção à lâmina reticular. As células de Deiters aumentam de tamanho da base para o ápice coclear e da primeira fileira para a região lateral. Dentro da cóclea apresentam um gradiente longitudinal, de concentração de organelas revelando diferentes funções em regiões de freqüências específicas. As descobertas da década passada da presença abundante de creatina quinase, sugerem que há um alto consumo energético dentro dessas células e, portanto, outras funções além do simples papel de suporte podem estar sendo desempenhadas (11).
Muito pouco é conhecido a respeito das células de suporte que não apresentam estrutura filamentar organizada como as anteriores. Acredita-se que a sua função é o transporte iônico, uma vez que apresentam microvilosidades proeminentes. Com base nesses achados citológicos formulou-se a hipótese de que essas células participam na formação do fluido que circunda as células ciliadas. Sendo assim, as células de Hensen (H) localizam-se adjacentes à terceira camada de células Deiters, onde delimitam o túnel de Corti externo (TE) com as células Deiters da terceira fileira. Essas células repousam sobre as células Boettcher (B) e apresentam aspecto colunar. As células Claudius (C) apresentam aspecto cuboidal e localizam-se sobre a membrana basilar preenchendo a distância entre as células Deiters (D) e a parede lateral da cóclea. Elas não são consideradas parte do órgão de Corti embora estendam-se a partir dele em sentido lateral. Diferenciam-se das células de Hensen, pois são mais achatadas (Figura 4).
As células de Boettcher (B) são encontradas no giro coclear basal entre as células de Claudius e a membrana basilar, portanto as suas superfícies apicais nunca entram em contato com a endolinfa. Esse tipo celular apresenta citoplasma com maior densidade que as outras células localizadas sobre a membrana basilar. Finalmente, as células do sulco externo (SE) estão localizadas na junção da membrana basilar com as células da parede lateral. Algumas apresentam-se cobertas pelas células de Claudius enquanto outras entram em contato com a endolinfa. Muitas emitem prolongamentos em forma de dedos em direção ao ligamento espiral (L) próximo à proeminência espiral (PE) (Figura 4).
A membrana tectorial (MT) (Figura 4) é uma estrutura semelhante a um gel composta por uma matriz extracelular que recobre a lâmina reticular do órgão de Corti e parece ter um papel fundamental como transdutor sensorial devido ao seu íntimo contato com os estereocílios. De acordo com a descrição original da sua estrutura, ela assemelha-se a um emaranhado denso de fibras embebido numa matriz microfibrilar (4,12). Na sua composição molecular, encontram-se três tipos de colágenos e várias glicoproteínas. Ela está inserida no limbo espiral e está em íntima associação com as células interdentadas (I) (Figura 4), que são responsáveis pela secreção de um material que participa da composição da membrana tectorial. As três fileiras de células ciliadas externas apresentam seus estereocílios imersos na membrana tectorial em todas as espécies estudadas até o momento, enquanto essa associação ainda é questionada para as células ciliadas internas. A membrana tectorial apresenta um aumento da base para o ápice coclear.
A membrana basilar (MB) (Figura 4), que é a estrutura sobre a qual o órgão de Corti repousa, é composta principalmente por uma matriz extracelular com fibras embebidas em uma substância homogênea (13). Do ponto de vista molecular ela é composta de colágenos dos tipos II e IX (14) além de fibronectina (15). Na borda da escala timpânica, existe uma camada de células mesoteliais ligadas entre si por desmossomas que permitem a passagem da perilinfa. Assim sendo, considera-se a membrana basilar permeável à perilinfa. As suas propriedades alteram ao longo da cóclea, sendo que na base ela é curta e espessada e no ápice larga e delgada, diminuindo, dessa forma, a sua elasticidade no sentido do ápice coclear. Duas regiões são descritas: a zona tecta ou arqueada (ZT), que se prolonga desde o limbo espiral (LE) até a célula pilar externa (PE), e a zona pectinata (ZP), que se prolonga desde aí até a crista basilar do ligamento espiral (CB) (Figura 4). Assim sendo, o limbo espiral, a membrana basilar e o ligamento espiral atuam como uma unidade funcional no controle da tensão.
A membrana de Reissner (MR) é composta por uma camada de células epiteliais e outra de células mesoteliais que separam a escala média (EM) da escala vestibular (16) (EV) (Figura 4). A camada de células epiteliais está voltada para a superfície endolinfática enquanto a camada de células mesoteliais está dirigida para a escala vestibular. As células mesoteliais são achatadas e formam uma camada descontínua por poros prolongando-se com as células que limitam a escala vestibular. As células epiteliais estão ligadas por tight Juncitons e estão separadas das células mesoteliais por uma membrana basal. A membrana de Reissner apresenta alta atividade metabólica apesar de ser pobremente vascularizada.
Os conhecimentos sobre a inervação da cóclea datam de estudos antigos quando se descobriu que algumas fibras nervosas trafegavam da cóclea em direção ao SNC - as fibras aferentes - e outras, do SNC em direção à periferia - as fibras eferentes (17,18). Após esses estudos iniciais, inúmeros outros achados foram relatados sobre os padrões de inervação e estruturas das sinapses nas células ciliadas. Estruturalmente dois achados são marcantes em uma sinapse aferente nas células ciliadas: o espessamento das membranas pré e pós-sinápticas e um terminal pré-sináptico com vesículas nas células ciliadas. Já as sinapses eferentes com as células ciliadas apresentam um acúmulo de vesículas no terminal nervoso e uma cisterna subsináptica nas células ciliadas. Algumas diferenças foram verificadas de acordo com a espécie estudada.
Em termos gerais pode-se descrever a inervação da cóclea como sendo realizada por dois grandes sistemas (19). Com relação ao sistema aferente vários estudos (20,21,22), utilizando diferentes técnicas, têm demostrado que ele divide-se em dois tipos de fibras. As fibras espessadas mielinizadas que se originam das células ganglionares do tipo I (I) e se conectam às células ciliadas internas (CI), e as fibras finas não mielinizadas que procedem das células ganglionares do tipo II (II) e conectam-se às células ciliadas externas (CE). Esses dois grupos de fibras podem ser subdivididos em pelo menos outros cinco subgrupos. A inervação eferente divide-se em dois subsistemas. O sistema medial (M), que faz sinapses com as células ciliadas externas (CE), e o sistema lateral (L), que está concectado com as fibras aferentes das células ciliadas internas (CI) (Figura 5).



Estudos pioneiros em gatos (6) demonstraram que cerca de 90-95% das fibras que estão no nervo acústico fazem sinapse com as células ciliadas internas e que cada célula ciliada interna recebe cerca de vinte fibras nervosas (23). O número de fibras que inerva cada célula ciliada varia dentro da cóclea e não segue um gradiente. Esse número parece ser maior em regiões funcionalmente importantes. Assim, nos gatos e na espécie humana esse número é maior nas células ciliadas do meio da cóclea. De acordo com as características morfológicas e topográficas, essas fibras podem ser divididas em dois tipos: as fibras com diâmetro grande, baixo limiar de excitação e com alta taxa de despolarização espontânea que fazem sinapse próximas aos pilares e, por outro lado, as fibras com diâmetro menor, alto limiar de excitação e baixa taxa de despolarização espontânea que estão localizadas próximas ao modíolo. Todas as fibras seguem pela lâmina óssea espiral para uma região na borda timpânica da membrana basilar denominada de habenulae perforatae. Desse ponto em diante, tornam-se mielinizadas. As células ganglionares do tipo I são as mais numerosas e compreendem cerca de 95% de todas as células do gânglio espiral. Elas apresentam um prolongamento central e outro prolongamento periférico. O corpo celular é rico em mitocôndrias, retículo endoplasmático, complexo de Golgi, ribossomas, microtúbulos e neurofilamentos.
O sistema de fibras eferentes das células ciliadas internas origina-se no SNC, na porção superior e lateral do complexo olivar ipsilateral e contralateral no tronco cerebral, entra na cóclea na região basal e média e encaminha-se para a base e para o ápice coclear. Essas fibras trafegam radialmente entre as células do gânglio espiral e penetram na lâmina óssea espiral pela habenulae perforatae quando transformam-se em fibras não mielinizadas. Essas fibras, que correspondem de 50-100% das fibras eferentes que entram na cóclea, ramificam-se no interior da lâmina óssea e formam varicosidades antes de fazerem sinapses com os dendritos do sistema aferente que deixam as células ciliadas internas. Foram descritas regiões de sinapses diretamente com a célula ciliada interna (24) que ocorrem principalmente em animais jovens (25). Regiões com sinapses recíprocas, onde o mesmo nervo apresenta ambas sinapses, aferente e eferente, foram encontradas nas células ciliadas internas em culturas do órgão de Corti (26).
A inervação aferente das células ciliadas externas é altamente ramificada de maneira que cada célula tem sinapses com várias fibras (27) aferentes. Assim sendo, cada fibra nervosa pode receber informação de 6 a 100 células ciliadas externas, geralmente do mesmo giro coclear. O padrão de ramificação das fibras aferentes não é uniforme e muda sistematicamente da base para o ápice coclear. De maneira geral, a densidade de inervação aferente das células ciliadas externas correlaciona-se com o número de fibras não mielinizadas que cruzam a base da lâmina óssea espiral e com o número de células ganglionares do tipo II que suprem a região. Assim sendo, o maior número de células ganglionares do tipo II conecta-se às células ciliadas externas do primeiro giro coclear. A maior parte das células ganglionares restantes conecta-se às células ciliadas externas do ápice coclear.
Estruturalmente a sinapse com a fibra aferente apresenta uma depressão na célula ciliada e uma evaginação na superfície do terminal nervoso. Há uma fenda entre ambos os terminais onde podem ser visualizadas vesículas e material eletrodenso. Ao contrário das fibras aferentes que conectam-se às células ciliadas internas, as fibras aferentes das células ciliadas externas não apresentam bainha de mielina ao emergirem da habenulae perforatae. Após seguirem trajeto radial, essas fibras fazem conexão com o corpo celular das células ganglionares do tipo II. Essas células são menores que as células do tipo I e são pseudounipolares. Elas não apresentam bainha de mielina e são envolvidas por uma camada de células de Schwann.
O sistema de inervação eferente das células ciliadas externas origina-se de fibras que partem dos corpos celulares do núcleo olivar superior medial. As projeções podem ser ipsilaterais e contra-laterais que se dirigem para a periferia da cóclea pela região intra-gangliônica espiral. Poucas fibras partem do núcleo anterior em direção a ambas as cócleas. Após penetrarem pela habenulae perforatae, as fibras permanecem mielinizadas, se espiralizam dentro da lâmina óssea, atravessam o túnel de Corti e, em sentido radial, caminham para as células ciliadas externas (28). Próximas das células ciliadas, essas fibras ramificam-se em todas as direções e terminam com uma dilatação cheia de vesículas na base das células ciliadas externas. Algumas fibras eferentes terminam no sistema aferente em uma união do tipo axodendrítica (29).
Vários estudos têm demonstrado que há semelhanças importantes entre a anatomia vascular da cóclea nas várias espécies de mamíferos incluindo o ser humano (30). O arranjo geral dos vasos apresenta um componente espiral - a artéria modiolar (AM) e a veia modiolar (VM) - e um componente radial - a arteríola radial (AR) e a vênula coletora (VC). Dessa forma, as artérias e as veias calibrosas espiralizam-se no modíolo, enquanto os vasos menores apresentam um curso radial na lâmina óssea espiral para suprir as células e a parede lateral da cóclea (Figura 6). Existem diferenças importantes nesse sistema vascular ao longo da cóclea. O ápice é caracterizado por apresentar poucas arteríolas radiares e a estria vascular fina. Já a base da cóclea apresenta a estria vascular espessada com arteríolas radiares bem organizadas que seguem seu curso ao longo da borda inferior da estria vascular. Nessa região existe um maior número de comunicações entre artérias e veias no ligamento espiral que faz com que o fluxo sangüíneo seja desviado da estria vascular. Ainda é de importância funcional os capilares na parede lateral da cóclea apresentarem um diâmetro largo e, freqüentemente, são vistos com eritrócitos trafegando no seu interior. Em cócleas de animais velhos ou animais com doenças cocleares, é possível encontrarem-se regiões avasculares ou capilares com a luz mínima, muitas vezes sem eritrócitos no seu interior.
A artéria e a veia modiolar espiral, (AM) e (VM), são as estruturas vasculares predominantes e seguem um curso tortuoso ao longo do modíolo. As arteríolas radiais (AR) são ramos da artéria modiolar que seguem para a parede lateral da cóclea pelo osso acima da escala vestibular (EV). Os ramos dessas arteríolas suprem os capilares da região supra-estrial (1) e da estria vascular (2), as arcadas arteriovenosas (3), os capilares da proeminência espiral (4) e os capilares inferiores do ligamento espiral (5). Os capilares são drenados pelas vênulas coletoras que deixam a parede lateral da cóclea pelo osso que recobre a escala timpânica (ET) escoando na veia modiolar espiral (VM) (Figura 6).



Existem três regiões dentro da cóclea que apresentam células e vascularização estruturalmente semelhantes e que estão provavelmente relacionadas com o transporte de íons. A região do ligamento espiral acima da estria vascular, a proeminência espiral e a região do limbo, próxima à inserção da membrana de Reissner, são altamente vascularizadas e possuem fibroblastos com citoplasma rico em ribossomas, retículo endoplasmático, complexo de Golgi e mitocôndrias. Essas células não apresentam tight junctions e há alta atividade de ATPase Na+ K+ (31). A presença desses fibroblastos semelhantes em ambos os lados da membrana de Reissner sugere que eles devem estar envolvidos com a produção e/ou manutenção da perilinfa ou ainda regular o balanço eletrolítico entre o sangue e a perilinfa.
O ligamento espiral é formado por células do tecido conjuntivo, células epiteliais, vasos sangüíneos e uma matriz extracelular. Ele está situado adjacente à cápsula ótica e promove o suporte para a estria vascular e para a membrana basilar, à qual ele está funcionalmente ligado. Na região superior e inferior, os fibroblastos estão em contato direto com a perilinfa das escalas vestibular e timpânica. Posteriormente à estria vascular, o ligamento espiral entra em contato com as células da camada basal. Na região inferior ou seja, na proeminência espiral, células epiteliais ligadas por tight junctions impedem que ocorra mistura da perilinfa da escala timpânica com a endolinfa da escala média. Segundo Henson (32), o ligamento espiral pode ser dividido em cinco regiões de acordo com a orientação, a forma e a relação do tecido conjuntivo com a matriz extracelular. Essas regiões são mantidas em várias espécies. A região periférica (P) localiza-se atrás da estria vascular (EsV). A região central (C) está na região da proeminência espiral (PE). A região subcentral (SC) localiza-se próxima da crista basilar (CB), adjancente à inserção da membrana basilar. A região hialina (H) encontra-se dentro da crista basilar e adjacente à região subcentral. A região marginal (M) é composta por fibroblastos relacionados com a tensão da membrana basilar. As células do sulco externo, próximas à proeminência espiral, são células cuboidais cuja superfície apical entra em contato com a endolinfa. Em algumas espécies, essas células são recobertas pelas células de Claudius. Assim como as células da proeminência espiral, elas apresentam alta atividade da ATPase Na+ K+ e, portanto, devem desempenhar função na regulação dos fluidos do ducto coclear (Figura 7).



De acordo com a divisão do ligamento espiral em áreas propostas por Henson (32), o estroma celular pode ser classificado em quatro tipos de fibroblastos que seguem grosseiramente as áreas propostas por Henson. Os fibroblastos do tipo I (I) contêm grande quantidade de creatina quinase e anidrase carbônica. Eles estão distribuídos homogeneamente na área posterior à estria vascular (EsV). Os fibroblastos do tipo II (II) estão situados na região supra-estrial, acima do limbo e na área da proeminência espiral. Eles têm o citoplasma rico em ATPase Na+ K+ e mitocôndrias. Os fibroblastos do tipo III (III) estão próximos à cápsula ótica (CO), na porção inferior do ligamento espiral, e apresentam o citoplasma com anidrase carbônica e creatina quinase. Os fibroblastos do tipo IV (IV) estão localizados mais superficialmente na porção inferior do ligamento espiral e contêm no seu citoplasma anidrase carbônica e ATPase Na+ K+. Além da presença da enzima ATPase Na+ K+ em grande quantidade, observações morfológicas evidenciam que os fibroblastos estão envolvidos com transporte de íons. Os fibroblastos do tipo II estão conectados uns aos outros e às células da camada basal da estria vascular por inúmeras gap junctions (33) o que implica a associação elétrica ou iônica entre eles. Acredita-se que o potássio seja bombeado para fora da perilinfa, difundindo-se entre as células do ligamento espiral até a estria vascular, sendo, então, bombeado em direção à endolinfa. Portanto, a alta concentração de fibroblastos do tipo II na região basal da cóclea, para alguns autores (34), pode ser responsável pela geração e manutenção do amplo potencial endococlear avaliado nessa região (Figura 7).
A estria vascular é composta por um tecido epitelial altamente vascularizado e está localizada na parede lateral da cóclea. Ela é considerada o único tecido epitelial que apresenta vasos localizados entre duas camadas de células unidas por tight junctions. As suas células são ricas em ATPase Na+ K+ (31). Acredita-se, portanto, que a estria vascular secreta ativamente potássio na escala média, contribuindo diretamente para a gênese do potencial endococlear. Uma vez que ela desempenha um papel tão importante na função coclear, vários estudos morfométricos foram realizados para avaliar o seu comprimento, largura, volume relativo das suas células, assim como os capilares e o número das células marginais (35,36,37). Existem basicamente três tipos de células na estria vascular: as células marginais, as intermediárias e as basais. O espaço intersticial está protegido da endolinfa pelas tight junctions das células da camada marginal (38), assim como da difusão da perilinfa pela presença das tight junctions das células da camada basal (38). Entretanto, existem gap juctions que unem as células da camada basal aos fibroblastos adjacentes do ligamento espiral e às células da camada intermediária (39). Portanto, a glicose e o potássio podem ser transportados ativamente da perilinfa por meio das células da camada basal para as células da camada marginal. Esse acesso seletivo de íons e metabólitos ao espaço perilinfático associado à permeabilidade limitada dos capilares da estria (40) colaboram com a hipótese de que a endolinfa deve ser provavelmente derivada da perilinfa e não do sangue.
As células da camada marginal apresentam aparência escurecida com algumas microvilosidades na sua superfície apical voltada para a endolinfa. Elas têm citoplasma rico em mitocôndrias, microtúbulos e citoqueratina. Existe uma relação linear entre o tamanho da estria vascular e o número de células da camada marginal. Extensões citoplasmáticas das células da camada marginal circundam a maioria dos capilares dentro da estria vascular. As células dessa camada estão unidas umas às outras por meio de tight junctions e adherens junctions. Abaixo do complexo juncional, a membrana basolateral de cada célula dobra-se e suas projeções estão associadas às mitocôndrias. Assim sendo, a superfície lateral de cada célula apresenta interdigitações especializadas e o espaço extracelular é escasso. Essas células apresentam atividade de ATPase Ca2+ na membrana apical (41) e ATPase Na+ K+ nas suas membranas basolaterais (31) além de serem coradas positivamente para creatina quinase (42,43). Por último, alguns estudos mostram que, no interior do citoplasma das células marginais há um retículo endoplasmático bem desenvolvido, uma grande concentração de vesículas, vacúolos e glicogênio (42). Essas especializações são características de células com alta atividade metabólica com funções secretórias e de transporte (44).
As células intermediárias formam uma camada descontínua ao longo das células marginais. Elas não entram em contato com a endolinfa e constituem um grupo de células claras. O fato de estarem em posição intermediária faz com que elas entrem em contato com as células da camada basal e marginal, e assim especula-se que elas exerçam papel importante na geração do componente positivo do potencial endococlear. Apesar de serem consideradas as células "claras" da estria vascular, acredita-se, há várias décadas, que essas células são melanócitos derivados da crista neural com a capacidade de produzir melanina.
CONLEE e col. (45), trabalhando com cobaias albinos, cujos melanócitos são amelanóticos, ou seja, não sintetizam o pigmento, verificaram que as células da camada intermediária ocupavam menor volume que o usual e que havia um aumento compensatório no volume nas células da camada marginal. Os mutantes com manchas brancas apresentavam ausência das células da camada intermediária e o potencial endococlear estava próximo de zero. Isto sugere que a atividade das células intermediárias é fundamental para o desenvolvimento ou função das células da camada marginal ou para promover o movimento do potássio em direção à endolinfa(46).
A células basais têm a forma achatada e estão unidas por tight junctions formando uma camada contínua de células que separa as demais células e capilares da estria vascular do ligamento espiral e da perilinfa. Essa camada estende-se acima e abaixo da estria vascular e entra em contato com a superfície endolinfática. As tight junctions localizadas entre as células basais na superfície endolinfática são mais fundidas que aquelas das outras regiões da cóclea. Existem gap junctions conectando as células basais entre si, ligando as células basais e as células intermediárias, e, finalmente, unindo as células basais às células do ligamento espiral. Em modelo animal de gerbils, o carreador proteico de glicose GLUT1 parece ser uma característica particular das células da camada basal da estria vascular (44). Acredita-se, portanto, que a glicose é transportada ativamente do espaço intersticial do ligamento espiral pelas células basais da estria vascular.
O aparelho vestibular é composto pelo vestíbulo, onde estão localizados o sáculo e o utrículo, e pelos três canais semicirculares. À semelhança da cóclea, ele está dividido em uma parte óssea e uma porção membranosa. O sáculo está localizado no recesso esférico do vestíbulo. No homem e na maioria dos mamíferos, ele ocupa a posição vertical quando o pólo cefálico do animal está em posição ortostática. A sua parede membranosa superiormente entra em contato com o utrículo. A porção lateral da parede membranosa apresenta um espessamento - a área reforçada - e está localizada adjacente à parede óssea do vestíbulo. O epitélio sensorial do sáculo, denominado de mácula, dispõe-se em posição vertical. O sáculo comunica-se com o ducto endolinfático pelo ducto sacular e com a cóclea pelo ducto reunens. O utrículo constitui um tubo oval e irregular que está localizado no recesso elíptico do vestíbulo superior ao sáculo. A mácula utricular localiza-se no plano horizontal. O ducto endolinfático comunica-se com o saco endolinfático.
Os três canais semicirculares têm comunicação com o utrículo por meio de cinco aberturas, uma das quais é formada pela junção das extremidades não ampulares dos canais semicirculares superior e posterior, denominada de cruz comum. Próximos ao utrículo, cada canal apresenta uma dilatação na sua extremidade denominada de ampola. Um septo semelhante a uma crista, e assim denominado, cruza a base das ampolas e sofre uma diferenciação formando o epitélio sensorial, que está distribuído sobre tecido conjuntivo, vasos sangüíneos e fibras nervosas. O órgão sensorial das ampolas é recoberto por uma cúpula gelatinosa que se estende para a outra extremidade da parede da crista. No final de cada crista, existe uma porção de células cuboidais ou cilíndricas formando uma meia-lua denominada de plano semilunar. Nessa região transicional, existe um acúmulo de células escuras que desempenham uma função secretória.
O epitélio sensorial vestibular está contido na mácula do sáculo, do utrículo e nas cristas dos canais semicirculares. A sua estrutura é relativamente preservada entre as várias espécies de mamíferos. Essa região, à semelhança da cóclea, contém dois tipos de células ciliadas, presumidamente com funções diferentes (46). As células ciliadas do tipo I, que, por analogia, representam as células ciliadas internas da cóclea, têm a forma de garrafas de vinho grego e são envolvidas por um cálice nervoso. Ocasionalmente, duas ou três células ciliadas são englobadas pelo mesmo cálice nervoso. Já as células ciliadas do tipo II, que se assemelham às células ciliadas externas da cóclea, têm forma cilíndrica. Filogeneticamente, as células ciliadas do tipo II apareceram nos vertebrados inferiores e são consideradas mais antigas que as células do tipo I. As células ciliadas do tipo I predominam nas cristas ampulares, enquanto que nas máculas elas existem em igual número às células do tipo II.
Os cílios variam em tamanho nos diferentes órgãos sensoriais vestibulares, sendo menores nas máculas, onde também são encontrados em menor número e estão embebidos na cúpula otolítica. No interior da mácula e da crista, parece existir uma polaridade anatômica e funcional ainda não muito bem esclarecida. Na espécie humana, próxima à crista ampular do canal semicircular posterior, aparece, de forma inconsistente, uma outra região sensorial, a crista neglecta. Em alguns mamíferos, como por exemplo, os gatos, essa porção é preservada individualizadamente. A inervação aferente é representada por fibras mielinizadas que são mais espessadas quando relacionadas às células ciliadas do tipo I. As fibras que inervam as cristas também apresentam um envoltório de mielina mais espesso. As fibras eferentes entram em contato direto apenas com as células ciliadas do tipo II. Vários cílios projetam-se da borda livre das células ciliadas. As células ciliadas das cristas apresentam visivelmente maior inervação que as células ciliadas da mácula (47,48). A velocidade de condução dentro de uma fibra nervosa é diretamente proporcional ao diâmetro dessa fibra. Pelas características descritas anteriormente, a percepção da aceleração angular - captada pelas cristas - ocorre mais rapidamente que a percepção da aceleração linear - captada pelas máculas.
A membrana otolítica e a cúpula recobrem os órgãos sensoriais da mácula e da crista respectivamente. A membrana otolítica é composta por uma camada gelatinosa, constituída de fibras onde repousam os cristais da camada otoconial. A camada subcupular sustenta a camada gelatinosa e repousa sobre as células sensoriais. Na espécie humana, a camada otoconial é composta por cristais de carbonato de cálcio e pequenas quantidades de sódio, magnésio, fosfato, cloro e potássio. Os cristais maiores repousam sobre as células ciliadas. Acredita-se que essas substâncias sejam secretadas pelas células de suporte do epitélio sensorial macular. A maturação da camada otoconial ocorre no período tardio da gestação, sendo possível a verificação de cristais com forma imatura em recém-nascidos. A camada otoconial parece ser particular do sáculo e utrículo, no entanto, cristais degenerados podem ser visualizados próximo à superfície das células escuras na cúpula do canal semicircular posterior. Acredita-se que isso ocorre pelo desprendimento da camada otoconial utricular alterada (49).
Os neurônios vestibulares primários, localizados dentro do gânglio de Scarpa, na porção lateral do conduto auditivo interno, são células bipolares cujos prolongamentos periféricos são direcionados para os órgãos sensoriais vestibulares e os centrais, para os núcleos vestibulares e cerebelo. O nervo vestibular divide-se em dois troncos. O ramo vestibular superior segue o trajeto do nervo facial, superior à crista transversa, uma projeção óssea no conduto auditivo interno, e se ramifica em dois ramos para suprir a crista ampular anterior e lateral, além do utrículo. A divisão inferior segue o nervo coclear abaixo da crista transversa e se ramifica para inervar a ampola posterior e o sáculo. O gânglio de Scarpa também está dividido pela crista transversa em duas porções na espécie humana.
A despeito de a maturação coclear ser alcançada na vigésima quinta semana de gestação na espécie humana e no início da vida pós-natal em outros mamíferos, os elementos neurais vestibulares apresentam desenvolvimento mais lento e ocorrem após a maturação coclear. Da mesma forma, a perda inicia-se precocemente, sendo que, no ser humano, aos oitenta anos de idade, ocorre a perda de, aproximadamente, 60% desses elementos.
O saco endolinfático segue parcialmente no interior de uma região óssea na superfície posterior do osso petroso e dentro da duramáter da fossa posterior. Está conectado ao sistema endolinfático por intermédio do ducto endolinfático, que se inicia no aqueduto vestibular, um canal ósseo localizado no vestíbulo. A sua luz é extremamente irregular, com dobras profundas preenchidas por restos celulares e estruturas semelhantes à otocônia. Do ponto de vista histológico e anatômico, o saco endolinfático é dividido em três regiões. A região proximal apresenta revestimento epitelial semelhante ao ducto endolinfático. A região intermediária, a mais distinta, é revestida por epitélio cilíndrico alto com numerosas papilas e criptas. A parte distal está em íntima associação à duramáter.
Por fim, o aqueduto coclear, um tubo pequeno preenchido por fluido, conecta o espaço perilinfático da escala timpânica ao fluido cerebrospinal do espaço subaracnóideo. Ele é formado por um canal ósseo. A sua função parece estar relacionada com a manutenção da pressão e do fluido entre a orelha interna e o espaço subaracnóideo. Foi descrito, inicialmente em 1684, por Du Verney e foi, sistematicamente, medido por Bachor em 1997 em um estudo histológico do osso temporal em uma população pediátrica (50, 51).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

É a nossa firme convicção que os conhecimentos das áreas básicas que compõem a medicina são fundamentais para a formulação do raciocínio clínico adequado. Na área da otologia, são inúmeros os agravos que ocorrem na orelha interna resultando em poucos sinais e sintomas que comumente são insuficientes para o diagnóstico final. Sendo assim, o entendimento da fisiopatologia forma a base para a prevenção e tratamento baseado em evidências dessas doenças. Tal base não seria possível sem os avanços recentes que culminaram com o esclarecimento da estrutura e ultra-estrutura da orelha interna.
Esta pequena revisão da literatura constitui-se em uma coletânea de artigos originais dos principais autores que contribuíram de forma decisiva para o entendimento do funcionamento da orelha interna após caracterizarem os diversos compartimentos que a compõem. A realização de uma revisão sistemática da literatura científica é freqüentemente cercada de imperfeições dado o grande volume de informações que são acumuladas em proporções geométricas. A bibliografia consultada para a produção deste artigo constituiu-se apenas dos estudos originais que julgamos ter contribuído de forma singular para os avanços no conhecimento da estrutura e ultra-estrutura da orelha interna. Por outro lado, é impossível a citação de todos aqueles que acrescentaram de certa forma para o entendimento desta área do conhecimento. Esperamos que a lembrança dos autores citados anteriormente com as suas respectivas colaborações contribuam de forma significativa para o estabelecimento de uma base sólida para o estudo da orelha interna.

CONCLUSÕES

Os estudos anatômicos dos compartimentos celulares da orelha interna dos mamíferos nos permitiram inferir as diferentes funções que cada um deles desempenha na percepção do som. Entretanto, as células não funcionam isoladamente, e a audição depende fundamentalmente das interações entre esses grupamentos celulares. Algumas interações ocorrem entre células estruturalmente relacionadas e outras entre células espacialmente separadas. A maior parte das pesquisas conduzidas atualmente tem focalizado sua atenção na natureza dessas interações.
Alguns exemplos de questionamentos por serem esclarecidos são: A relação entre o estereocílio das células ciliadas e a membrana tectorial e a modificação desta interação com a idade e após trauma acústico. Ainda, a maneira como as células mantém a sua posição dentro do epitélio sensorial da cóclea, a forma de regeneração dessas células. Finalmente, o estudo estrutural e ultra-estrutural da orelha interna poderá elucidar questões básicas sobre a relação entre o dano à parede lateral da cóclea - estria vascular - e as repercussões na audição, ou como as alterações morfológicas estão correlacionadas com as modificações fisiológicas das fibras nervosas que se conectam perifericamente ao sistema auditivo.
Esperamos ter motivado os leitores, agora mais informados sobre a estrutura e ultra-estrutura da orelha interna, a iniciar ou continuar estudando os mecanismos básicos relacionados com a audição.

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