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Ano: 2007  Vol. 11   Num. 4  - Out/Dez Print:
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Avaliação do Tratamento Fisioterápico na Vertigem Cervical (Estudo Preliminar)
Evaluation Of the Physiotherapic Treatment on Cervical Vertigo (Preliminary Study)
Author(s):
Mário Edvin Greters1, Roseli Saraiva Moreira Bittar2, Marco Aurélio Bottino3, Priscila Melito Greters4
Palavras-chave:
Vertigem. Dor cervical. Fisioterapia.
Resumo:

Introdução: A associação entre vertigem e dor cervical é queixa freqüente no ambulatório de otoneurologia, porém o diagnóstico da vertigem cervical de origem proprioceptiva e seu tratamento são ainda controversos. Forma de Estudo: Prospectivo descritivo. Objetivo: Avaliar as possíveis interferências do tratamento fisioterapêutico nas vertigens de origem cervical. Casuística e Método: Descrição de 10 casos diagnosticados como vertigem de origem cervical, com queixas de tonturas e cervicalgia, atendidos no Ambulatório de Otoneurologia do Departamento de Otorrinolaringologia do Hospital das Clínicas da FMUSP, submetidos a tratamento fisioterápico, avaliados através de questionário e com as queixas quantificadas em escala visual-analógica, antes e após o tratamento. Resultados: Dos 10 pacientes 7 (70%) relataram melhora ou desaparecimento das tonturas e 8 (80%) obtiveram o mesmo resultado em relação à cervicalgia. Conclusão: Os resultados apontam o tratamento fisioterápico como uma opção válida nos casos de vertigem cervical.

INTRODUÇÃO

A orientação espacial do corpo é o resultado da integração de estímulos oriundos do aparelho vestibular, da visão e das aferências proprioceptivas pelo sistema nervoso central (SNC). Dessa maneira, qualquer comprometimento desse complexo sistema de integração pode dar origem ao desequilíbrio corporal.

A associação entre vertigem e dor cervical é comum no paciente otoneurológico, embora a existência de vertigem de origem cervical proprioceptiva e seu tratamento são motivos de controvérsia.

A vertigem de origem proprioceptiva cervical estaria enquadrada nas síndromes cervicais, definidas como síndromes que provocam sinais e sintomas cefálicos que tem na região cervical sua etiologia (1).

As hipóteses que relacionam alterações da coluna cervical com o desencadeamento de tonturas, baseiam-se na potencialização das aferências sensitivas da região cervical, no comprometimento do sistema simpático cervical ou ainda na compressão vascular (1,2). Essas alterações podem ser causadas por processos inflamatórios, traumatismos, posturas viciosas e cervico-artroses. Os traumatismos da coluna cervical, especialmente os relacionados com deslocamentos abruptos da cabeça e contragolpe em direção oposta, conhecidos como traumatismo em chicote (wiplash injury), podem provocar, além das lesões cervicais, alterações funcionais e/ou morfológicas do SNC, especialmente no tronco cerebral (3).

Lesões dos músculos suboccipitais profundos e das articulações relacionadas com os movimentos do pescoço tem a capacidade de provocar maior sensibilidade dos receptores locais, comprometendo o equilíbrio do corpo, com conseqüente ataxia e nistagmo (4). Segundo JONGKEES, alterações da propriocepção cervical podem originar nistagmo acompanhado de vertigem, otalgia, dor cervical que piora com a movimentação, tensão muscular, podendo ou não ser acompanhadas por zumbidos agudos e flutuação dos limiares auditivos (5). Para BRANDT as características da tontura originada no segmento cervical seriam a ataxia, instabilidade e desequilíbrio durante a marcha (6). O mesmo autor, questiona o uso do nistagmo provocado pela torção cervical como parâmetro de diagnóstico, uma vez que pode estar presente em sujeitos normais e ainda porque o reflexo cervico-ocular encontra-se acentuado em indivíduos com perda da função vestibular (7).

A sensibilidade proprioceptiva cervical é oriunda das cápsulas articulares das primeiras vértebras cervicais e dos músculos suboccipitais. Suas informações trafegam através das vias espino-vestibulares, que se dirigem aos núcleos vestibulares inferiores e ao vermis cerebelar, juntamente com as aferências oculares. A tensão muscular excessiva compromete o bom funcionamento dos proprioceptores cervicais, resultando em informação conflitante a respeito da situação de equilíbrio (8). O tratamento fisioterápico, com o intuito de reduzir a tensão da musculatura cervical, poderia aliviar a sensibilidade dos proprioceptores cervicais e, dessa forma, corrigir as aferências locais que alcançam o SNC.

A literatura descreve a boa resposta do desequilíbrio corporal de origem cervical ao tratamento fisioterápico (4,7,8). Um dos cuidados na manipulação da região cervical é o risco de provocar um acidente vascular, situação rara, que responde por 1 caso a cada 400.000 ou 1.300.000 manipulações, considerando-se todas as técnicas, sendo que 18% desses casos podem evoluir para óbito (9-12) A posturografia dinâmica computadorizada (PDC) é um teste utilizado no acompanhamento de várias patologias relacionadas com o equilíbrio, sendo que úlund e cols se utilizaram desse método de avaliação no acompanhamento da vertigem cervical (13).


OBJETIVO

Nosso objetivo foi avaliar as possíveis interferências do tratamento fisioterapêutico nas vertigens de origem cervical (VOC).


CASUÍSTICA E MÉTODO

Projeto aprovado pela Comissão de Ética para Análise de Projetos de Pesquisa sob nº 932/05 em 29/06/06.

Estudo prospectivo descritivo de 10 casos de pacientes procedentes do Ambulatório de Otoneurologia do Departamento de Otorrinolaringologia da FMUSP de ambos os sexos com idade média de 56,3 anos (dp=8,13), sendo 7 (70%) do sexo femenino e 3 (30%) do sexo masculino.

Para o diagnóstico clínico de VOC foram considerados: queixa de tonturas, dor e/ou contratura de musculatura cervical, ausência de outra condição patológica que pudesse estar associada à queixa.

Todos os pacientes foram submetidos à avaliação otoneurológica clássica que inclui história clínica, exame otorrinolaringológico, exame dos pares cranianos, provas cerebelares, eletronistagmografia (ENG) com estímulo a água, realizada de acordo com os critérios de FITZGERALD e HALPIKE (14), exame radiológico de coluna cervical na incidências frontal e perfil. Em 6 pacientes foi realizada a PDC antes a após o tratamento fisioterápico.

Foram considerados critérios de inclusão: Idade acima de 18 anos, tonturas, dor cervical, ENG, Rx de coluna cervical com sinais de osteartrose cervical, ou retificação da lordose fisilógica cervical. Foram considerados critérios de exclusão afecções concomitantes que pudessem ter relação com os sintomas apresentados, história de traumatismo cervical.

As queixas de tonturas, zumbidos, dor cervical e perda auditiva foram avaliadas de acordo com uma escala visual-analógica (EVA), em que os sintomas foram graduados de zero a dez, em que zero correspondia à ausência de sintomas e dez ao nível máximo de incômodo.

A partir do diagnóstico de VOC, foi orientado o tratamento fisioterápico. O prazo decorrido entre o diagnóstico e o início do tratamento variou de 3 a 6 meses, período no qual não foi utilizada qualquer droga de ação no sistema vestibular.

Foram considerados como variáveis do estudo os resultados da EVA.

O tratamento fisioterápico adotado seguiu o seguinte protocolo:

- Estimulação exteroceptiva.
- Massoterapia clássica.
- Pompage Cervical.
- Pompage Global.
- Alongamento Isométrico Excêntrico.

O objetivo das manobras empregadas foi o relaxamento da musculatura cervical com o mínimo de movimentação da cabeça, reduzindo ao máximo o estímulo vestibular e sua conseqüente habituação.

Terminadas as sessões de fisioterapia, o paciente foi submetido a uma nova avaliação clínica otoneurológica e realizada uma nova graduação dos sintomas através da EVA. Nos pacientes que haviam realizado a PDC o exame foi repetido.

A análise estatística das médias obtidas foi realizada por meio do teste t de Student. O nível de significância considerado foi de p< 0,05 conforme padrão adotado para estudos biológicos.


RESULTADOS

Dos 10 pacientes avaliados, 7 (70%) apresentaram melhora das tonturas, e destes, 6 (60%) apresentaram desaparecimento do sintoma. Os 3 (30%) pacientes restantes não relataram benefícios com o seguimento do programa (Gráfico 1).


Gráfico 1. Evolução do sintoma tontura no pré e no pós tratamento.



A dor cervical apresentou melhora em 8 (80%) pacientes sendo que em 6 (60%) deles houve desaparecimento da queixa. Dois pacientes que não apresentaram melhora do sintoma dor e também não apresentaram melhora das tonturas. (Gráfico 2).


Gráfico 2. Evolução do sintoma dor no pré e no pós tratamento.



As médias obtidas, anteriores e posteriores ao tratamento para o sintoma tontura nos pacientes que referiam melhora desse sintoma, foram 2,85 +/- 1,34 e 0,14 +/- 0,38 (t=5,72, p< 0,05) e no grupo com melhora da dor foram 5,87 +/- 3,35 e 0,25 +/- 0,46 (t= 4,89, p< 00,5).

Na amostra atual encontramos apenas uma paciente com queixa de zumbido que era bilateral, de caráter contínuo, agudo e que apresentou melhora após as sessões de fisioterapia.

Os achados mais freqüentes no exame eletronistagmográfico foram: presença de nistagmo posicional em 2 (20%) indivíduos, nistagmo foi de torção cervical em 5 (50%). As provas calóricas revelaram hiperreflexia em 50% dos indivíduos. A preponderância direcional ou predomínio labiríntico foram observados em apenas 3 (30 %) dos indivíduos.

Dentre os 6 (60%) indivíduos que realizaram a PDC antes do tratamento fisioterápico, 4 apresentaram resultados normais para sua idade e altura, que não se alteraram após o tratamento. Em 2 desses indivíduos, a PDC encontravase alterada na primeira avaliação, e após intervenção, um deles apresentou melhora, enquanto o outro apresentou resposta normal após a décima sessão de fisioterapia.

O diagnóstico radiológico de todos os pacientes foi o de sinais de osteoartrose cevical e 6 pacientes (60%) apresentavam retificação da lordose cervical.


DISCUSSÃO

É certo que a boa história clínica é a chave para a condução correta dos casos de desequilíbrio corporal. O diagnóstico bem feito possibilita um tratamento mais adequado.

Além de ser considerada como causa primária de vertigem, a alteração cervical pode ainda ser secundária, quando desencadeada por outra patologia vestibular. Neste caso, o paciente tenta, pela contratura dos músculos cervicais, fixar a cabeça, evitando estímulos labirínticos que provoquem tonturas, o que mantém a queixa de tontura, desta vez por estímulo proprioceptivo, mesmo após resolvida a doença vestibular que lhe deu origem.

Concordamos com as afirmações de BRANDT (6), não encontramos aos exames objetivos, alterações que pudessem, de forma isolada, confirmar o diagnóstico de VOC. Acreditamos que, da mesma forma que em doenças vestibulares, os dados de exame devem ser considerados em conjunto com a história e o exame clínico. Segundo os nossos achados, a história clinica de tonturas e dor cervical, associada ao encontro de contratura muscular ou dor à palpação, com presença de nistagmo posicional, nistagmo de torção cervical e hiperreflexia às provas calóricas durante a ENG sugerem o diagnóstico de vertigem cervical.

O tratamento fisioterápico mostrou-se efetivo em 70% dos pacientes, o que vai de encontro com os relatos de HULSE e HOLZL (8), que referem melhora significativa dos sintomas de tonturas em seus pacientes após manipulação do segmento cervical. Devemos, entretanto recomendar cuidado na execução das manobras, especialmente, evitando movimentos bruscos e tração da coluna cervical pelo risco de comprometimento da artéria vertebral (9-12).

O mecanismo pelo qual a fisioterapia cervical leva a melhora das tonturas, seria a diminuição da excitabilidade dos receptores proprioceptivos cervicais, através do alongamento da musculatura, diminuição da contração muscular e correção da postura, o que reduziria o conflito de informações no SNC.

Nos 3 pacientes que não obtiveram melhora das tonturas foi realizada nova avaliação otoneurológica na busca de outra possível etiologia. Num dos indivíduos, no qual o tratamento resultou no alívio total da dor cervical, porém não das tonturas, foi identificada arritmia cardíaca (vertigem cardiogênica), tendo sido encaminhado para tratamento com cardiologista. Nesse caso a contratura cervical possivelmente foi originada por alterações da postura, não participando da gênese das tonturas. Nos dois indivíduos, que permaneceram com dor cervical e tonturas o diagnóstico foi de distúrbio de ansiedade.

Embora a PDC neste estudo não tenha se mostrado um instrumento útil para o diagnóstico da vertigem de origem cervical, sugere tratar-se de um teste útil para acompanhar a eficácia do tratamento fisioterápico, naqueles pacientes que apresentam alteração da PDC na avaliação inicial. Entretanto a casuística de 6 indivíduos não permite inferências que extrapolem esse estudo, uma amostra maior poderá alterar esses resultados.

A melhora do quadro doloroso, assim como da tontura, está ligada ao relaxamento muscular promovido pelo alongamento da musculatura e, mudança da postura cervical, promovida pela estimulação proprioceptiva, que faz com que o paciente adquira uma melhor percepção do seu corpo.

No único caso em que o paciente apresentava queixa de zumbidos no início do tratamento, ao final das sessões de fisioterapia obtivemos remissão tanto das tonturas e da dor, quanto dos zumbidos. A melhora dos zumbidos poderia ser explicada pela modulação dos sinais auditivos pela via corticofugal, uma vez que os zumbidos podem ser originados nos núcleos somatossensoriais do tronco encefálico que recebem aferências das vias cervicais e do trato espinal do trigêmio (15).


CONCLUSÃO

Considerando a melhora das tonturas e da dor apresentada pelos pacientes além de nenhum dos indivíduos ter relatado desconforto ou efeito adverso, o presente estudo deverá ser continuado em busca de uma melhor compreensão da patologia e do tratamento proposto visando melhora da qualidade de vida dos portadores de vertigem cervical.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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15. Baner CA, Mechanisms of tinnitus generation. Curr Opin. Otolaryngol Head Neck Surg 2004, 12:413-7.













1. Especialista (Pós graduando da Disciplina de Otorrinolaringologia do Departamento de Oftalmoplogia e Otorrinolaringologia da FMUSP).
2. Doutor em Medicina. Doutor do Setor de Otoneurologia da Disciplina de ORL FMUSP.
3. Doutor em Medicina. Chefe do setor de Otoneurologia da Disciplina de ORL da FMUSP.
4. Fisioterapêuta. Fisioterapêuta observador do setor de Otoneurologia da Disciplina de ORL da FMUSP.

Instituição: Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da FMUSP.

Endereço para correspondência: Mário Edvin Greters - Avenida Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 255 - 6º andar - ICHC - São Paulo / SP - CEP: 05403-000 - Telefone:
(11) 3088-0299 - E-mail megorl@hotmail.com

Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da R@IO em 17 de agosto de 2007. Cod. 299. Artigo aceito em 21 de outubro de 2007.
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