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Ano: 2007  Vol. 11   Num. 4  - Out/Dez Print:
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Lesões Parciais no Segmento Intratemporal do Nervo Facial. Enxerto Total ou Reconstrução Parcial?
Partial Lesions of the Intratemporal Segment of the Facial Nerve. Graft or Partial Reconstruction?
Author(s):
Ricardo Ferreira Bento1, Raquel Salomone2, Rubens Brito Neto3, Robinson Koiji Tsuji4, Mariana Hausen5
Palavras-chave:
Paralisia facial. Trauma. Anastomose. Tratamento cirúrgico. Enxerto.
Resumo:

Introdução: Traumas na região de cabeça e pescoço podem produzir lesões parciais no segmento intratemporal do nervo facial. Quando isto ocorre, o cirurgião deve optar no intra-operatório pela reconstrução parcial ou eliminar o segmento parcialmente lesado e interpor um enxerto? Objetivo: Apresentar os resultados obtidos no reparo de lesões parciais no segmento intratemporal do nervo facial. Casuística e Método: Realizou-se um estudo retrospectivo de 42 pacientes no período entre 1988 e 2005 que apresentavam lesão parcial no segmento intratemporal do nervo facial. Estes pacientes foram divididos em: Grupo 1 - Casos em que foi interposto enxerto parcial na parte preservada do nervo (12 pacientes). Grupo 2 - Casos em que se manteve a parte preservada e realizou-se tubolização com fascia do músculo temporal ( 8 pacientes). Grupo 3 - Casos os quais se optou por seccionar as partes do nervo lesado (proximal e distal) e interpor enxerto total de nervo sural (22 pacientes). Resultados: Fratura do osso temporal foi a causa mais incidente em todos os grupos seguido por iatrogênia e projétil de arma de fogo (p>0.005). Pacientes com resultado menor ou igual a III na escala House-Brackmann somaram 8,3% (1) no grupo 1, 0,0%(0) no grupo 2 e 68.2%(15) no grupo 3(p<0.001). Discussão: Ainda existe muita controvérsia quanto ao tratamento de lesão parcial do nervo facial. Conclusões: Em nossa casuística os melhores resultados foram obtidos quando se optou pela realização do enxerto total do nevo facial quando comparado aos resultados dos grupos em que o nervo foi parcialmente preservado e/ou realizado tubolização

INTRODUÇÃO

Lesões traumáticas no segmento intratemporal do nervo facial podem ser causadas devido à fratura do osso temporal (1,2,3), ferimento por arma de fogo ou lesão iatrogênica ocorrida durante as cirurgias otológicas(1,2,3).

Apesar do numero de lesões iatrogênicas estarem diminuindo devido ao constante aperfeiçoamento dos cirurgiões otológicos e também a popularização do monitoramento intra-operatório do nervo facial, algumas centenas de casos foram tratados em nosso serviço nestes últimos 15 anos. Por outro lado, outras etiologias de lesões traumáticas deste nervo têm crescido principalmente nas grandes cidades, devido ao aumento da violência (acidentes automobilísticos, quedas, terrorismo e violência urbana).

Nosso hospital é referencia para os casos de emergências traumáticas ocorridas na cidade de São Paulo e também trabalha como referencia terciária para todo país.

Após a visualização de um segmento do nervo facial lesado o cirurgião depara-se com uma duvida: preservar o segmento intacto ou seccionar o segmento e interpor o enxerto autologo entre os cotos? E se optar pela preservação do segmento lesado, interpor um enxerto parcial ou deixar o coto parcialmente lesado e realizar uma tubolização?

O objetivo deste trabalho é apresentar uma série de pacientes que sofreram lesão parcial do nervo facial no segmento intratemporal e foram tratados por três diferentes técnicas de anastomose, com a finalidade de contribuir na decisão dos cirurgiões sobre a melhor maneira de agir nestes casos controversos.


CASUÍSTICA E MÉTODO

Foi realizado um estudo retrospectivo de 42 pacientes entre 1988 e 2005, os quais apresentaram paralisia facial periférica traumática e que durante o procedimento cirúrgico de exploração do nervo facial foi visualizado pelo menos 30% do diâmetro do nervo facial preservado. O acesso transmastoídeo foi realizado em todos os casos e todos os pacientes tiveram um segmento mínimo de um ano pós-cirúrgico. A escala House-Brackmann (HB) foi adotada para avaliação dos resultados pré e pós cirúrgicos.

Como critério para inclusão nós consideramos pacientes com menos um ano de lesão, paralisia facial periférica HB V ou VI e mais de 90% de degeneração do nervo no exame de eletroneurorografia realizado nos três ramos faciais (frontal, orbicularis oculis e orbicularis oralis) e/ou eletromiografia sem sinais de regeneração.

Todas as cirurgias, assim como as anastomoses (parcial ou total), foram realizadas pelo mesmo cirurgião (autor principal), de acordo com a técnica descrita previamente por este e fixadas com cola de fibrina (4). A tubolização foi realizada com fascia de músculo temporal envolvendo totalmente o segmento lesado do nervo (Figura 1).


Figura 1. Desenho esquemático da técnica cirúrgica de tubolização.



Os prontuários foram analisados para determinar a etiologia, tempo da paralisia e da cirurgia pós-trauma, tipo de cirurgia executada, segmento do facial onde foi encontrada a lesão, a extensão da lesão no comprimento do nervo facial, a extensão da lesão no diâmetro do nervo, a presença ou a ausência de neuroma e a apresentação clínica um ano após a cirurgia. Todos os neuromas encontrados foram removidos durante as cirurgias (Figuras 2 e 3).


Figura 2. Imagem de um neurona de seguimento mastóideo do nervo facial do esquerdo (seta azul).


Figura 3. Desenho esquemático de um neuroma de amputação.



O trabalho foi aprovado pela comissão de ética do Hospital das Clinicas de São Paulo (protocolo numero: 0291/07)

Os segmentos do nervo envolvido foram divididos em 4: Primeira segmento (porção labiríntica); Segundo segmento (porção timpânica); Terceiro segmento (segmento mastóideo) e Segundo e terceiro segmentos (timpânico + mastóideo).

A extensão de lesão (comprimento) também foi dividida em: menos de 5 milímetros; 6 a 10 milímetros e mais de 10 milímetros.

O diâmetro do nervo na porção lesada também foi classificado em: menos de 50% e mais que 50%. Todos os casos selecionados para este estudo apresentavam até 70% do diâmetro do nervo lesado com o mínimo de 30 % do diâmetro preservado (Figuras 4 e 5).


Figura 4. Imagem de uma lesão parcial do seguimento mastóideo (segundo joelho) do nervo facial esquerdo (seta azul).


Figura 5. Desenho esquemático de uma lesão parcial do nervo facial.



Em relação às cirurgias, os pacientes foram divididos em 3 grupos: Grupo 1 - Casos em que foi interposto enxerto parcial na parte preservada do nervo (12 pacientes) (Figura 6). Grupo 2 - Casos em que se manteve a parte preservada e realizou-se tubolização com fascia de músculo temporal. (8 pacientes). Grupo 3 - Casos os quais optou-se por seccionar as partes do nervo lesionado (proximal e distal) e interpor um enxerto total de nervo sural (22 pacientes) (Figuras 7 e 8).


Figura 6. Desenho esquemático da técnica cirúrgica de enxerto parcial.


Figura 7. Imagem de um enxerto total realizado com nervo sural em seguimento mastóideo de nervo facial esquerdo (setas).


Figura 8. Desenho esquemático de um enxerto total de nervo facial.



Analise estatística: As variáveis contínuas com homocedasticidade e igualdade de variâncias (avaliadas através do Teste de Levene) foram comparadas utilizandose o teste t de Student para amostras independentes. As variáveis contínuas que não preenchiam esses critérios e as variáveis ordinais foram submetidas ao teste não paramétrico U Mann-Whitney. As variáveis categóricas foram comparadas utilizando-se o teste do qui-quadrado e o teste exato do Fisher. O nível de significância adotado foi de 5% (p < 0,05).


RESULTADOS

A distribuição dos pacientes de acordo com sexo e idade não apresentou diferença significativa (p>0,005).

Em relação à etiologia, fratura do osso temporal foi a causa mais incidente em todos os grupos seguido por iatrogênica e projétil de arma de fogo (p=0.7) (Tabela 1).




O tempo decorrido entre a lesão e o procedimento cirúrgico foi de 27.8 (± 19.2) dias no grupo 1, 32.8 (± 23.8) no grupo 2 e 50.5 (±28.4) no grupo 3 (p=0.05) (Tabela 1).

Em todos os grupos, o segmento mais acometido foi o mastóideo, com 58.3% (7) pacientes do grupo 1, 87.5% (7) pacientes do grupo 2 e 63.6% (14) pacientes do grupo 3. Já o segmento timpânico foi acometido em 25.0% (3) dos pacientes do grupo 1, 12.5% (1) e 13.6% (3) dos grupos 2 e 3 respectivamente. Pacientes com acometimento de ambos os segmentos, timpânico e mastóideo, representaram 16.7% (2) no grupo 1, 0,0% (0) no grupo 2 e 22.7% (5) no grupo 3 (p=0.53) (Tabela 1). Em nenhum dos três grupos houve lesão do segmento labiríntico do nervo facial.

Quanto a extensão da lesão do nervo, 75.0% (9) pacientes do grupo 1 apresentavam lesão menor ou igual a 5 milímetros, 25.0% (3) pacientes com lesão entre 6-10 milímetros. No grupo 2, 87,5% (7) pacientes apresentavam lesão menor ou igual a 5 milímetros e 12.5% (1) apresentou lesão entre 6-10 milímetros. Não houve pacientes com lesão maior que 10 milímetros nos pacientes do grupo 1 e 2. Já no grupo 3, 40.9% (9) pacientes mostraram lesões menores ou igual a 5 milímetros, 18.2% (4) apresentaram lesões entre 6 e 10 milímetros e 40.9% (9) pacientes mostraram lesões maiores que 10milímetros (p=0.02) (Tabela 1). Quinze ( 35.7%) do total dos pacientes tiveram mais que 50% do diâmetro do nervo facial lesado (p=0.11). Apenas 31.0% (13) dos pacientes estudados apresentaram neuroma facial (p=0,73).

Sobre os resultados após um ano da cirurgia no grupo 1 66.7% (8) dos pacientes apresentaram HB IV, 25% (3) HB V. No grupo 2, 75% (6) pacientes tinham HB IV e 25% (2) com HB V. No grupo 3, 27.3 (6) evoluíram para HB IV e apenas 4.5% (1) apresentou HB V (p=0.001) (Gráfico 1 ). Pacientes com resultado menor ou igual a III na escala HB somaram 8,3% (1) no grupo 1, 0,0% (0) no grupo 2 e 68.2% (15) no grupo 3 (p<0.001) (Gráfico2).


Gráfico 1. Resultado expressado na escala House-Brackmann após 1 ano da cirurgia.


Gráfico 2. Paciente com resultados igual ou abaixo de III na escala House-Brackmann, após 1 ano da cirurgia



DISCUSSÃO

A posição do osso temporal favorece seu acometimento em ferimentos de cabeça e pescoço podendo gerar paralisia facial periférica (5).

Não há duvida sobre a dificuldade em comparar casos cirúrgicos de paralisia facial periférica. Não somente a diversidade de lesões que podem ocorrer, mas também há grande dificuldade em obter grupos com comparações sistemáticas.

É nossa opinião, tanto como de outros autores que o tratamento cirúrgico precoce (até 3 semanas do inicio da paralisia facial periférica) apresenta melhores resultados que o tardio (1-5-6-7-8). Devemos avaliar que parte razoável dos nossos pacientes nos procuram com pelo menos 60 dias de paralisia facial periférica. É nossa opinião que os resultados destes pacientes seriam melhores se fossem tratados mais precocemente.

É nossa rotina no departamento submeter cada paciente com trauma do osso temporal e paralisia facial periférica a Tomografia Computadorizada de ossos temporais, testes audiométricos e eletroneuromiografia (ENOG e EMG). O uso de ENOG/EMG em nossa opinião fornece uma indicação razoável de quando operar.

Todas as escalas de graduação para paralisia facial periférica são subjetivas e possuem suas imperfeições. A escala HB é uma escala de fácil uso e bem aceita (9-10).

O acesso cirúrgico depende do cirurgião e do paciente. Em nosso departamento nós tendemos para o acesso transmastoídeo nos pacientes com lesão intratemporal. Uma vez que nós diagnosticamos que a lesão afeta o gânglio geniculado ou o segmento labiríntico, optamos então pelo acesso translabirintico (se o paciente apresentar disacusia profunda), via fossa média (11) (e audição preservada) ou combinadas (12), dependendo do local da lesão.

Se houver rompimento total ou parcial uma anastomose deverá ser executada. É importante evitar o fechamento sob a tensão, e quando há uma lesão com perda de tecido neural de grande extensão, nós optamos pela realização de enxerto com nervo sural. A anastomose realizada entre os cotos é fixada com cola de fibrina já que a cola minimiza as reações de corpo estranho, as cicatrizes além de reduzirem a dificuldade com a sutura se comparado com a sutura com fio nylon (4-13-14-15-16).

Todos os pacientes atendidos em nosso departamento com paralisia facial periférica são incorporados em um programa de reabilitação do nervo facial o qual inclui fisioterapia, cirurgias reparadoras, testes eletrofisiológicos e acompanhamento psicológico.

Os pacientes estudados que permaneceram com paralisia facial periférica HB V ou VI foram encaminhados para avaliação de anastomose hipoglosso-facial.


CONCLUSÃO

Nesta série de 42 pacientes, os do grupo 3 (enxertia) tiveram melhores resultados se compararmos aos do grupos 1 (reconstrução parcial) e 2 (tubolização).


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1. Professor Titular da Disciplina de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Chefe do Departamento de Oftalmologia e Otorrinolaringologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - HC FMUSP.
2. Médica Otorrinolaringologista em Estágio de Complementação Especializada em Cirurgia Otológica e Base de Crânio no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - HC FMUSP.
3. Professor Livre Docente da Disciplina de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Médico Assistente da Divisão de Otorrinolaringologia do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo - HC FMUSP.
4. Médico Otorrinolaringologista Especialista em Neurotologia e Cirurgia de Base de Crânio. Pós-doutorando em Otorrinolaringologia pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - HC FMUSP.
5. Médica Otorrinolaringologista em Estágio de Complementação Especializada em Cirurgia Otológica e Base de Crânio no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - HC FMUSP.

Endereço para correspondência:
Ricardo Ferreira Bento
Departamento de Otorrinolaringologia, da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo
Avenida Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 255 - 6ºandar - sala 6167
São Paulo/SP - Brasil - CEP 05403-000
Telefone: 55 11 3088-0299
E-mail: rbento@gmail.com

Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da R@IO em 2 de novembro de 2007. Cod. 353. Artigo aceito em 7 de novembro de 2007.
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