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Ano: 2009  Vol. 13   Num. 1  - Jan/Mar Print:
Case Report
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Schwannoma de Forame Jugular: Relato de Caso
Jugular Foramen Schwannoma: Case Report
Author(s):
Joana R. P. Tavares1, Andre Luiz Lopes Sampaio2, Denise B. L. Ferreira1, Jalusa B. Cavalheiro1, Mercêdes F. S. Araújo3, Carlos A. C. P. Oliveira4
Palavras-chave:
forame jugular, tumores, Schwannoma
Resumo:

Introdução: As lesões do forame jugular são raras, sendo os paragangliomas os tumores mais comuns desta região seguidos pelos schwannomas. Os schwannomas são tumores benignos de crescimento lento e origem principalmente nos nervos cranianos sensitivos. Quando localizados no forame jugular, apresentam-se clinicamente com perda auditiva, ataxia e cefaleia, sendo comuns as alterações dos nervos cranianos IX, X e XI. A excisão cirúrgica é a opção terapêutica de escolha. Relato do Caso: Relatamos o caso de um paciente adulto jovem que procurou o serviço de Otorrinolaringologia do Hospital Universitário de Brasília com quadro de otalgia e otorreia piossanguinolenta no ouvido esquerdo, associada a zumbido, hipoacusia e tumor no conduto auditivo externo. Iniciada investigação diagnóstica com tomografia computadorizada e biópsia, ambas com resultados inconclusivos. Realizadas então nova biópsia e ressonância nuclear magnética, com diagnóstico definitivo de schwannoma do foram jugular. Na ocasião a lesão foi definida como tipo D pela classificação de Kaye-Pellet, por envolver o forame jugular, apresentar formato de halter e componentes intra e extracraniano. Realizada cirurgia por craniotomia com excisão parcial do tumor. Não houve sequelas do procedimento, apesar da persistência dos sintomas otológicos. Comentários Finais: O caso é um exemplo de uma doença rara, com pouco mais de duzentos casos relatados na literatura, e apresentação clínica incomum. O desafio diagnóstico e terapêutico é enfrentado pelas equipes de Otorrinolaringologia e Neurocirurgia, que programam para breve nova abordagem cirúrgica combinada para extirpação completa do tumor.

INTRODUÇÃO

As Lesões do forame jugular são raras, sendo os paragangliomas e os schwannomas os tumores mais comuns nesta localização (1). Os schawannomas são tumores benignos, encapsulados, bem delimitados, de superfície lisa e crescimento lento. Sessenta por cento se originam dos nervos cranianos, e dentre estes, os nervos sensitivos são os mais frequentemente envolvidos. Os schwannomas vestibulares são os mais comuns no sistema nervoso central, com incidência anual de 1:100.000, seguidos pelos schwannomas do trigêmeo (2).

Os schwannomas do forame jugular apresentam-se clinicamente com perda auditiva, ataxia e cefaleia, sendo bastante comuns alterações dos nervos cranianos IX, X e XI. A quinta década de vida é a mais acometida. Os exames de imagem são usados para auxílio diagnóstico e a opção terapêutica de escolha é a excisão cirúrgica (1).

Schwannomas com origem no forame jugular são extremamente raros, havendo cerca de duzentos casos descritos na literatura. Estes representam 2,9 a 4% dos schwannomas intracranianos e menos de 4% de todas as lesões do osso temporal (3).


RELATO DO CASO

Trinta e um anos, masculino, branco, casado, servente de pedreiro, natural de Cocal / PI, residente e procedente de Valparaízo / GO. Procurou o serviço de Otorrinolaringologia do Hospital Universitário de Brasília com queixa de otalgia e otorreia piossanguinolenta no ouvido esquerdo associada a zumbido constante e hipoacusia. Referia início dos sintomas há 6 anos após barotrauma por fogos de artifícios. Há 2 meses, queixava-se de tontura, náuseas e vômitos, além de cefaleia frontal irradiada para todo o crânio. Neste período apresentou três episódios de síncope.

À otoscopia esquerda notava-se otorreia e presença de tumor no conduto auditivo externo. O exame neurológico sumário do paciente era normal assim como a função de todos os pares cranianos. Realizada biópsia incisional da lesão cujo laudo histopatológico foi de tecido de granulação exuberante com áreas de depósito de material fibrinoide e colônias bacterianas associadas a processo inflamatório granulomatoso e lâminas de queratina.

A audiometria evidenciou limiares auditivos normais a direita com queda para 8 kHz e perda auditiva mista severa à esquerda. Realizada tomografia computadorizada que mostrou lesão heterogênea com realce importante pelo contraste e invasão extensa da fossa posterior com deslocamento contralateral da ponte (Figura 1).


Figura 1. Tomografia computadorizada de Mastoides - corte axial - mostrando uma lesão heterogênea invadindo a fossa craniana posterior com deslocamento contralateral da ponte.



A ressonância nuclear magnética com gadolíneo evidenciou lesão expansiva extensa na base do crânio, heterogênea, com intenso realce pelo contraste, invadindo o espaço parafaríngeo, osso temporal e cerebelo à direita, além de hidrocefalia importante, compatível com diagnóstico de schwannoma do forame jugular (Figura 2, 3).


Figura 2. Ressonância Nuclear Magnética com gadolíneo - corte coronal - mostrando uma lesão expansiva na base do crânio, heterogênea e captando intensamente o contraste.


Figura 3. Ressonância Nuclear Magnética com gadolíneo - corte sargital - mostrando uma lesão em forma de alteris com expansão extracraniana a partir da base do crânio.



Realizada então nova biópsia, cujo laudo histopatológico foi de schwannoma (Figura 4). O estudo imunohistoquímico revelou expressão difusa do marcardor da proteína S-100 e não expressão dos marcadores CD34 (antígeno de células hematopoiéticas e pericitos) e NGFR (receptor para fator de crescimento de nervo).


Figura 4. Fotomicrografia, H&E 20x. Os núcleos tendem a organizarem-se paralelamente uns aos outros. Este aspecto é chamado de paliçada típico dos schwannomas.



Optou-se pela internação hospitalar do paciente e avaliação conjunta com a equipe da Neurocirurgia. Realizada arteriografia que demonstrou tratar-se de tumor pouco vascularizado. Durante a internação, o paciente evoluiu com turvação visual quase constante e sinais de hipertensão intracraniana. Realizada derivação ventrículo-peritoneal com válvula tipo Phoenix de alta pressão. O paciente evoluiu com ataxia, vertigens e sinais de compressão cerebelar quando foi submetido à ressecção subtotal do tumor cujo laudo histopatológico e imunohistoquímico confirmou tratar-se de schwannoma.


Figura 5. Fotomicrografia, imunohistoquímica 40x. Marcador celular tumoral proteína S-100 positivo típico dos schwannomas.



Atualmente, há persistência de otorreia fétida e abaulamento do conduto auditivo externo pelo tumor e sua exteriorização pelo poro acústico externo e melhora importante do desequilíbrio e ataxia, sem sinais clínicos de hipertensão intracraniana.


DISCUSSÃO

As lesões do forame jugular são raras, sendo os paragangliomas os tumores mais comuns desta região, seguidos pelos schwannomas, meningiomas, metástases, tumores de células gigantes, condrossarcomas, plasmocitomas, cistos epidermoides, amiloidomas e tumores do saco endolinfático que também são descritos nesta localização como lesões primárias e expansivas. As lesões originadas no nervo glossofaríngeo são as mais comuns nesta região, seguidas pelos tumores de vago, acessório e, mais raramente, hipoglosso (1,3,4). Estruturas neurovasculares importantes do forame jugular, base de crânio, região cervical alta e áreas da fossa posterior podem ser envolvidas por estas lesões (4). O paciente em questão é um caso raro, em que apesar da extensão extracraniana considerável, a função dos nervos do forame jugular estava preservada ao exame clínico.

Os tumores nesta localização são classificados por Kaye et al quanto à extensão e local de origem em quatro tipos. O tipo A se refere às lesões originadas intracranialmente, com mínima extensão óssea. Lesões do tipo B são aquelas primárias do osso com ou sem componente intracraniano. As do tipo C são primariamente extracranianas com mínima extensão para osso ou para a fossa posterior do crânio. Pellet et al acrescentaram o denominado tipo D, que se refere ao tumor em formato de ampulheta, envolvendo forame jugular, com componente intra e extracraniano. (2,5,6). O paciente em questão enquadra-se nesta última classe.

Os sintomas iniciais dos tumores do forame jugular dependem da sua origem. A apresentação clínica dos estágios tardios decorre tanto da origem do tumor quanto do seu tamanho e localização, podendo ocorrer sintomas referentes à compressão de estruturas adjacentes (1,5). Os sintomas precoces dos tumores originados no forame jugular são, na maioria dos casos, perda auditiva e zumbido; assim como no caso relatado. Outras lesões podem ocasionar paralisia dos pares cranianos baixos como primeiro sintoma (4).

Os tumores que se expandem para fossa posterior costumam manifestar-se primariamente com surdez, vertigem e ataxia, mimetizando, dessa forma, lesões com origem no nervo vestíbulo-coclear, quadro exemplificado na evolução do caso em questão. Já as lesões do forame jugular que se expandem extracranialmente apresentam-se com rouquidão, diminuição do reflexo da tosse e redução da força motora da cintura escapular, sintomas representativos da típica síndrome do forame jugular, que esteve ausente no caso relatado (1,2,3,7).

Exames de imagem podem indicar a extensão do tumor, assim como auxiliar na diferenciação entre os schwannomas e outros tumores do forame jugular, como os meningiomas e os paragangliomas. Se presente, a forma de ampulheta é quase patognomônica das lesões de forame jugular.

Os schwannomas são usualmente sólidos, circunscritos e bem delimitados, podendo haver degeneração cística ou cistos primários. Aqueles de localização intracraniana diferem dos vestibulares pelo envolvimento do canal auditivo interno nestes últimos.

À tomografia pode-se visualizar alargamento do forame jugular com margens ósseas bem definidas. O exame sem contraste demonstra tumor hipo ou isodenso com captação reduzida de contraste, características que o diferenciam dos meningiomas, que apresentam captação importante de contraste, além de esclerose e erosão do osso subjacente (5).

A ressonância nuclear magnética demonstra hipersinal em T2 e hiposinal em T1, com forte realce após administração de gadolínio. Pode apresentar-se como tumor heterogêneo também pela presença de necrose ou formações císticas (5,7,8). A expressão difusa do marcador da proteína S-100 confirma, à imuno-histoquímica o diagnóstico de schwannoma (9).

Angiografia cerebral também pode ser realizada para o auxílio diagnóstico. A ocorrência de vascularização moderada diferencia os schwannomas dos paragangliomas desta localização, que são intensamente vascularizados (5).

A abordagem terapêutica deste tumor deve ser multidisciplinar, com neurocirurgiões, otorrinolaringologistas e neuroradiologistas intervencionistas atuando em conjunto e permitindo melhor avaliação diagnóstica e pré-operatória, além de melhor manejo destes pacientes (1,4).

A remoção cirúrgica completa ainda é um desafio, apesar do desenvolvimento de novas técnicas operatórias aplicadas à base do crânio. A ressecção radical com preservação de vasos e de nervos cranianos constitui o principal objetivo terapêutico. A extensão do tumor ao seio cavernoso, clivus ou tronco cerebral são fatores limitantes à remoção total da lesão.


COMENTÁRIOS FINAIS

Os tumores do forame jugular são lesões incomuns da base do crânio e os schwannomas nesta localização correspondem a apenas 2 a 4% dos schwannomas intracranianos. O paciente em questão é um caso raro, tanto pela idade incomum ao diagnóstico da doença, pela baixa incidência e prevalência da sua doença, quanto por sua apresentação clínica. Apesar da extensão extracraniana considerável, a função de seus nervos do forame jugular - IX, X, XI - permaneceu íntegra, mesmo após meses de evolução da doença, com presença de sintomas compressivos no sistema nervoso central, e da intervenção neurocirúrgica.

As dificuldades diagnósticas ocorreram inicialmente pelo resultado histopatológico inconclusivos, além da tomografia computadorizada incompatível com o esperado para os schwannomas (lesão heterogênea com realce importante pelo contraste). Foi necessária nova biópsia com imunohistoquímica e avaliação por ressonância nuclear magnética para o diagnóstico definitivo.

O desafio terapêutico atual é enfrentado pelas equipes da Otorrinolaringologia e Neurocirurgia, sendo optada pela excisão cirúrgica parcial inicial da lesão e instalação da derivação ventrículo peritoneal para resolução do quadro agudo de hipertensão intracraniana e restabelecimento das suas condições clínicas. O paciente, que se apresenta sem sequelas pós-operatórias, apesar dos sintomas otológicos, deverá ser submetido em breve a novo procedimento operatório combinado na tentativa de extirpação completa do tumor.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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3. Wilson MA, Hillman TA, Wiggins RH, Shelton C. Jugular Foramen Schwannomas: Diagnosis, Management, and Outcomes. Laryngoscope. 2005, 115:1486-1492.

4. Ramina R, Maniglia JJ, Fernandes YB, Paschoal JR, Pfeilsticker LN, Neto MC. Tumors of the Jugular Foramen: Diagnosis and Management. Operative Neurosurgery. 2005, 57:59-68.

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9. Stefansson K, Wollmann R, Jerkovic M. S-100 protein in soft-tissue tumors derived from Schwann cells and melanocytes. Am J Pathol. 1982, 106(2):261-268.










1. Residente do Serviço de ORL - UnB.
2. Doutor em Ciências da Saúde. Médico Assistente do Serviço ORL UnB.
3. Mestre em Ciências da Saúde - UnB. Médica Assistente do Serviço ORL - UnB.
4. Professor Titular da Disciplina de Otorrinolaringologia da Universidade de Brasília.

Instituição: Serviço de Otorrinolaringologia Hospital Universitário de Brasília - HUB Universidade de Brasília - UnB. Brasília / DF - Brasil.

Endereço para correspondência:
André L. L. Sampaio
SQN 205 - Bloco B - Apto 506 - Asa Norte
Brasília / DF - Brasil - CEP: 70843020
Fax: (+55 61) 3443-3397
E-mail: andremarjy@uol.com.br

Artigo recebido em 11 de Fevereiro de 2008.
Artigo aprovado em 23 de Agosto de 2008.
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