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Ano: 2009  Vol. 13   Num. 2  - Abr/Jun Print:
Case Report
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Displasia Fibrosa de Seio Maxilar
Fibrous Dysplasia of Maxillary Sinus
Author(s):
Paulo Tinoco1, José Carlos Oliveira Pereira2, Rodolfo Caldas Lourenço Filho2, Fabrício Boechat do Carmo Silva3, Karol Pereira Ruela4
Palavras-chave:
displasia, monostótica, poliostótica, seio maxilar.
Resumo:

Introdução: A Displasia Fibrosa é uma doença benigna do osso, de crescimento lento e etiologia desconhecida. O envolvimento do esqueleto craniofacial não é incomum e, geralmente, produz assimetrias faciais. Relato do Caso: Neste artigo relatamos o caso de um paciente com displasia fibrosa ocupando todo o seio maxilar esquerdo com extensão orbitária confirmado pelo anatomopatológico. Comentários Finais: O tratamento cirúrgico permanece como principal abordagem terapêutica e o seguimento pós-cirúrgico faz-se necessário pelo caráter recidivante desta condição.

INTRODUÇÃO

A Displasia Fibrosa é uma lesão fibro-óssea caracterizada pela substituição dos elementos normais do osso por tecido fibroso desorganizado. Representa cerca de 2% dos tumores ósseos (1). O primeiro autor a descrever a lesão óssea característica, hoje conhecida como displasia fibrosa, foi Von Rechlinghausen em 1891, mas foi Lichtenstein, em 1938, que introduziu o termo displasia óssea fibrosa na literatura mundial (2).

Existem duas categorias primárias da doença: displasia fibrosa monostótica, que envolve apenas um osso e representa 70% dos casos; e displasia fibrosa poliostótica, que apresenta envolvimento de múltiplos ossos. Tende a desenvolver-se no fim da infância, com predomínio no sexo masculino (2:1) e maior predileção para a raça branca (3). O esqueleto crânio-facial é sede frequente da doença, podendo gerar distúrbios orgânicos, estéticos e psicológicos.

A suspeita do diagnóstico se faz por métodos clínicos e radiológicos, necessitando de confirmação anatomopatológico (4). O exame radiológico típico demonstra aspecto característico de "vidro fosco" envolvido por tecido cortical denso (5). O tratamento definitivo é a exérese cirúrgica da lesão. O acompanhamento clínico do paciente é fundamental para o diagnóstico precoce de recidiva. Apresentamos um caso de displasia fibrosa de osso maxilar que apesar de seu caráter benigno causou deformidade facial.


RELATO DO CASO

Paciente do sexo masculino, 11 anos, raça branca, natural de Itaperuna, foi encaminhado ao Serviço de Otorrinolaringologia do HSJA acompanhado de sua responsável com quadro clínico de aumento progressivo em hemiface esquerda. Negava cefaleia, déficit de acuidade visual, otalgia, obstrução nasal e odontalgia. Referia um quadro de sinusite há 1 ano.

Ao exame clínico, bom estado geral, avaliação dos aparelhos e sistemas orgânicos não revelava alterações. Ausência de linfonodomegalias e manchas cutâneas. Apresentava uma tumoração indolor em maxila e zigoma esquerdos com a pele e mucosa bucal subjacente normais (Figura 1).


Figura 1. Visão do paciente em decúbito dorsal evidenciando abaulamento na hemiface esquerda.



A Tomografia Computadorizada (TC) de seios da face mostrou uma massa hiperdensa, heterogênea, expansiva, de contorno irregular, com aspecto de "vidro fosco" envolvendo maxila, osso zigomático e seio maxilar esquerdo (Figuras 2 e 3).


Figura 2. Corte axial de TC de seios da face mostrando um tumor com densidade heterogênea ocupando o seio maxilar esquerdo, com aspecto de vidro fosco.


Figura 3. Corte coronal de TC de face mostrando extensão da massa para assoalho da órbita.



O paciente foi conduzido ao centro cirúrgico para biópsia da lesão. O acesso foi intra-bucal através da cirurgia de Caldwell-Luc e retirado fragmento da lesão para estudo histopatológico que revelou um quadro compatível com displasia fibrosa. Não foi submetido à busca sistêmica de outras lesões ósseas.


DISCUSSÃO

A Displasia Fibrosa (DF) é definida como doença óssea benigna caracterizada por um processo de reabsorção de osso normal, seguido por uma proliferação anormal de tecido fibro-ósseo desorganizado (1). Representa cerca de 7% de todos os tumores ósseos benignos, e pode afetar qualquer osso do esqueleto (6).

É classificada quanto ao número de ossos acometidos e a presença ou não de anormalidades extra-esqueléticas. A forma monostótica afeta somente um osso e corresponde a 70-80% dos casos de DF. A forma poliostótica, na qual múltiplos ossos são afetados, pode ser dividida em três subtipos: craniofacial, em que somente os ossos do complexo craniofacial estão envolvidos incluindo a mandíbula e maxila; Lichtenstein-Jaffe, em que além do envolvimento de múltiplos ossos do esqueleto encontram-se pigmentações café-com-leite na pele; Síndrome de Albright, caracterizada pelo acometimento de vários ossos, pigmentações café-com-leite na pele e comprometimento endócrino, com destaque para puberdade precoce em meninas. A forma poliostótica responde por 20-30% dos casos (7).

Os ossos craniofaciais são mais afetados na forma poliostótica (50-100%) do que na forma monostótica (20%) (4).

A etiologia da DF é controversa. Lee e col. propuseram que anormalidades na regulação intracelular de AMPc ou da proteína kinase são possíveis fatores etiológicos no desenvolvimento da DF. Outros pesquisadores têm identificado mutações no gene GNAS, resultando em alterações na atividade da GTPase, com consequente aumento das concentrações intracelulares de AMPc (8).

Manifesta-se mais frequentemente na infância, não sendo, entretanto, exclusivo desta faixa etária (4,9). Possui evolução usualmente lenta, tendência a se estabilizar após a puberdade e alta taxa de recidiva (2, 9, 10). Essas características têm forte implicação na abordagem terapêutica. Quanto à distribuição da doença por sexo, não há uniformidade entre os estudos (6, 9, 10).

Inicialmente a doença é assintomática. Os sinais e sintomas na DF são dependentes da localização da(s) lesão(ões) e o efeito compressivo nas estruturas vizinhas à medida que o tumor progride lentamente: assimetria e deformidade facial; fraturas patológicas; obstrução do seios paranasais gerando infecções de repetição, cistos e mucoceles; anosmia; cefaleia; perda da acuidade visual por compressão do nervo óptico; alteração dos movimentos oculares, ptose, exoftalmia, estrabismo; perda auditiva condutiva (4, 9, 11, 12).

A TC é o exame de eleição para estudo da(s) lesão(ões), avaliação de sua extensão e preparo cirúrgico (6,11). Basicamente, três padrões radiográficos na displasia fibrosa do crânio e ossos faciais são descritos: pategoide, alternando áreas radiodensas e radiotranparentes; esclerótica, homogeneamente densa; e padrão cístico, com área radiolúcida esférica ou ovoide circundada por limites densos (12). No caso relatado, as imagens tomográficas da lesão assumiram um padrão hiperdenso entremeado por áreas hipodensas de limites imprecisos, resultando no aspecto clássico de "vidro fosco". O diagnóstico definitivo da DF é feito pela correlação de achados clínicos, radiológicos e anatomopatológicos (13).

O exame macroscópico da DF revela uma expansão do trabeculado ósseo dentro de uma cortical fina; enquanto não existe cápsula definitiva, ocorre uma transição abrupta para osso sadio. A avaliação microscópica mostra um estroma de matriz colágena com fibroblastos em um padrão emaranhado com trabeculado ósseo semelhante à "escrita chinesa" (12).

O diagnóstico diferencial da DF inclui lesões malignas (sarcoma, lesões osteoblásticas metastáticas) e benignas (fibroma ossificante, doença de Paget, cisto ósseo aneurismático, osteíte fibrosa cística, ameloblastoma, osteocondroma, hipertireoidismo entre outras) (1, 6, 8, 10, 12).

Os principais fatores que norteiam a abordagem na DF são a presença e intensidade dos sintomas, a localização do tumor e a idade do paciente. A simples presença da lesão não justifica intervenção cirúrgica. As principais indicações para tratamento cirúrgico na DF são a presença de sintomas clínicos significantes e o controle de grandes deformidades estéticas (2, 9). Pela natureza benigna da lesão e pelo seu caráter recidivante (10-25%), a cirurgia deve ser relativamente conservadora com o objetivo primeiro a preservação da função (9). No caso em questão optou-se por uma conduta expectante, não somente pela ausência de alterações orgânicas e funcionais, a despeito do comprometimento estético, mas também pela idade do paciente. Este segue em acompanhamento ambulatorial trimestral até que seu crescimento e desenvolvimento puberal se complete.

A radioterapia está contra-indicada não só por ser o tumor radiorresistente como pelo provável aumento da capacidade de transformação sarcomatosa da displasia, que se calcula menores que 0,5% em sua evolução natural, para aproximadamente 44% após radioterapia (2, 9).

O tratamento clínico isolado ou associado à cirurgia tem sido relatado na literatura havendo discordâncias quanto aos seus benefícios na DF. Lustig relata que os bifosfonatos por inibirem os osteoclastos, são empregados no tratamento de pacientes com osteodistrofias, mas que seus efeitos na DF tem sido limitados (9). Moreno relata os seguintes benefícios em pacientes tratados com bifosfonatos: melhora da dor e sintomas inflamatórios, estabilização e diminuição da destruição óssea, aumento da densidade óssea, recalcificação das lesões osteolíticas em 50% dos pacientes, melhora dos aspectos radiológicos e do metabolismo ósseo (6).

Alguns autores defendem a necessidade de um estudo clínico, endocrinológico e cintilografia com Tc 99 nos pacientes com diagnóstico de Displasia Fibrosa Monostótica em busca de outras lesões em outros sítios e de envolvimento extra-esquelético (6, 11).

O seguimento clínico e radiológico por TC é fundamental nos pacientes com DF pelo moderado índice de recidiva da (s) lesão (ões), podendo chegar a 37% segundo alguns autores (9).


COMENTÁRIOS FINAIS

A Displasia Fibrosa reveste-se de importância para a otorrinolaringologia pelo fato da doença afetar ossos da face e do crânio, causando deformidades e disfunções. Apesar de seu caráter benigno, os sinais e sintomas resultantes da compressão de estruturas nobres na base do crânio e órbita podem gerar dúvidas diagnósticas quanto à possibilidade de uma lesão maligna.

O planejamento cirúrgico deve levar em conta o potencial deformador e recidivante da doença, optando-se por uma abordagem mais conservadora, removendo-se o máximo de tecido possível evitando mutilações e déficits funcionais.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Antunes AA, Filho JR, Antunes AP. Displasia Fibrosa Óssea: Estudo retrospectivo-revisão de literatura. Rev Bras Cirur Cab Pesc. 2004, 33(1):21-26.

2. Cruz OL, Pessoto J, Pezato R, Alvarenga EL. Osteodistrofias do osso temporal: Revisão dos conceitos atuais, manifestações clínicas e opções terapêuticas. Rev Bras Otorrinol. 2002, 68(1):119-26.

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5. Botelho RA, Tornin OS, Yamashiro I, Menezes MC, Furlan S, Ridelenski M, Yamashiro R, Chagas JFS, Souza RP. Características tomográficas da displasia fibrosa craniofacial: estudo de 14 casos. Radiol Bras. 2006, 39(4):269-272.

6. Moreno BA, Sànchez AL, Collado JA, Garcia AU, Cortês JM, Varela HV. Displasia fibrosa monostótica de seno esfenoidal. O.R.L. Aragon. 2007, 10(1):12-15.

7. Pontual ML, Tuji FM, Yoo HJ, Bóscolo FN, Almeida SM. Estudo epidemiológico da displasia fibrosa dos maxilares numa amostra da população brasileira. Odontol Clin.-Científ. 2004, 3(1):25-30.

8. Lee P, Van Dop C, Migeon C. McCune-Albright syndrome: long-term follow-up. JAMA. 1986, 256:2980-2984.

9. Alves AL, Canavarros F, Vilela DS, Granato L, Próspero JD. Displasia fibrosa: relato de três casos. Rev Bras Otorrinol. 2002, 68(2):288-292.

10. Lustig LR, Holliday MJ, McCarthy EF, Nager GT. Fibrous Dysplasia involving the skull base and temporal bone. Arch Otolaryngol Head Neck Surg. 2001, 127:1239-1247.

11. Fuster MA, Martín JÁ, Rodríguez-Pereira C, Navarro JM, Molina JV. Displasia fibrosa monostótica de seno frontal com extensión orbitária. Acta Otorrinolaringol Esp. 2002, 53:203-206.

12. Oliveira RB, Granato L, Korn GP, Marcon MA, Cunha AP. Displasia Fibrosa do osso temporal: relato de dois casos. Rev Bras Otorrinol. 2004, 70(5):695-700.

13. Infante VP, Goldman RS, Rapoport A. Displasia Fibrosa do seio maxilar: Relato de um caso. Rev Bras Cirur Cab Pesc. 2005, 34(1):47-48.










1. Especialista em Otorrinolaringologia. Coordenador do Serviço de Residência Médica em Otorrinolaringologia do Hospital São José do Avaí.
2. Residente de Otorrinolaringologia do HSJA.
3. Acadêmico Estagiário do Serviço de Otorrinolaringologia do HSJA.
4. Acadêmica Estagiária do Serviço de Clínica Médica do HSJA.

Instituição: Hospital São José do Avaí (HSJA). Itaperuna / RJ - Brasil.

Endereço para correspondência: Paulo Tinoco - Rua Major Porfírio Henriques, 240 - Centro - Itaperuna / RJ - Brasil - CEP: 28300-000 - Telefone: (+55 21)
3822-2836 - E-mail: paulo_tinoco@ig.com.br.
Artigo recebido em 15 de Julho de 2008. Artigo aceito em 17 de Abril de 2009.
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