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Ano: 2009  Vol. 13   Num. 4  - Out/Dez Print:
Case Report
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Hipoacusia e Zumbido Associada à Otosifilis
Hypacusis and Tinnitus Associated to Otosyphilis
Author(s):
Neide Fátima Cordeiro Diniz Oliveira1, Renata Cristina Cordeiro Diniz Oliveira2.
Palavras-chave:
sífilis, hipoacusia neurossensorial, zumbido.
Resumo:

Introdução: Tanto a sífilis congênita quanto a adquirida pode causar disfunção cocleovestibular. Na literatura, perda auditiva neurossensorial, zumbido e desequilíbrio têm sido descritos na sífilis secundaria e terciária. Objetivo: O objetivo do trabalho foi enfatizar a necessidade de identificação etiológica para tratamento e controle dos indivíduos com sintomas cocleovestibulares. Relato do Caso: Descrevemos o caso de uma paciente de 64 anos, negra, com queixas de diminuição da acuidade auditiva lenta e progressiva desde há cerca de 12 anos, associada a zumbido e desequilíbrios ocasionais. Na avaliação laboratorial e audiométrica, após exclusão de outras causas relacionadas, chegamos ao diagnóstico adicional de otosífilis. Considerações Finais: A sífilis deve ser sempre considerada em pacientes com manifestações cocleovestibulares independentemente da faixa etária e de pertencerem ou não a grupos de risco, e do número de parceiros de cada paciente. O diagnóstico etiológico é de suma importância no controle e tratamento desses pacientes.

INTRODUÇÃO

Em 1887, Politzer e em 1893, Gradenigo já haviam encontrado comprometimento cocleovestibular em pacientes portadores de sífilis secundária (1,2).

A sífilis é uma doença multisistêmica causada pelo Treponema pallidum ssp. que pode afetar o ouvido interno (3, 4). Apesar de ter sido quase erradicada após a era da penicilina, sua incidência tem aumentado nos últimos 15 anos na Europa, Rússia, Estados Unidos e Canadá, particularmente entre homo e bissexuais, usuários de drogas intravenosas, pacientes HIV positivos e com hepatite B e C (3, 4, 5).

Estudos revelam que tanto a forma congênita quanto as formas adquiridas podem causar disfunção cocleovestibular. A incidência de hipoacusia na sífilis primária é de 17%, na secundária de 25% e de 54% na terciária ou neurosífilis (6).

Nos adultos acometidos, os achados anátomo-patológicos mais encontrados são infiltrados de leucócitos mononucleares, endarterite obliterante e hidropisia endolinfática. Na forma congênita a malformação do ducto endolinfático, do sáculo e dos canais semicirculares tem sido observados (3, 4, 5). Apesar desses achados, o diagnóstico definitivo de otosífilis, muitas vezes, não é confirmado pela presença do treponema no fluido do ouvido interno e/ou no exame histológico do osso temporal. A ocorrência de otosífilis nos estágios primário e secundário reforça a hipótese de que o acometimento vascular primário possa ser a causa dos sintomas (5).

Os testes diagnósticos básicos incluem VDRL e FTA Abs (5). O estudo do líquido cérebro-espinhal, tem sido realizado preferencialmente nos pacientes com suspeita clínica de neurosífilis recente isto é de perda visual ou auditiva súbita e para controle de eficácia de tratamento a longo prazo, pois o treponema cresce lentamente nos estágios tardios da afecção (6, 7).

Dessa forma, seu diagnóstico usualmente é baseado na positividade da sorologia de pacientes com sintomas cocleovestibulares, sem outras causas relacionadas (3, 4, 5, 6).

A raridade do caso, a faixa etária da paciente e a forma de apresentação clínica da sífilis foram pontos relevantes que incentivaram a descrição do caso. O presente estudo relata o caso de uma paciente com otosífilis.


RELATO DE CASO

Paciente CVS, 64 anos, feminina, negra, natural de Santa Maria de Suaçuí (MG), residente em Belo Horizonte procurou atendimento otorrinolaringológico no ambulatório da Faculdade de Ciências Médicas da Unifenas-Campus BH, com queixas de hipoacusia bilateral lentamente progressiva, zumbido e desequilíbrios intermitentes, desde há aproximadamente 12 anos. Trabalhou como gari no serviço de limpeza urbana por 10 anos. Fazia uso de Captopril 75mg/dia, Tiroxina Sódica 50mg/dia e Sinvastatina 10mg/dia regularmente. O exame físico otorrinolaringológico, a pesquisa do equilíbrio estático e dinâmico foi normal e não foi detectado nistagmo espontâneo ou semi-espontâneo. A audiometria tonal e a imitânciometria (Figuras 1 e 2 respectivamente) mostraram disacusia sensorioneural bilateral. Os exames laboratoriais, incluindo hemograma, glicose, colesterol, triglicérides, TSH e sorologia para HIV estavam normais. O FTA-Abs IgG era positivo e o VDRL = 1/64. A ressonância nuclear magnética (RNM) de encéfalo e ossos temporais mostrou leve redução volumétrica difusa do encéfalo e ausência de outras anormalidades significativas.

A paciente foi encaminhada para infectologista para tratamento e fez uso de penicilina benzatina.

Seis meses após tratamento foi realizada nova audiometria tonal que mostrou melhora audiométrica de 10 a 20 dB e da discriminação vocal. A paciente relatou desaparecimento do zumbido e dos desequilíbrios. A seguir encaminhamos a mesma para adaptação de aparelho de amplificação sonora.



Figura 1. Audiometria tonal liminar.



Figura 2. Imitanciometria.




DISCUSSÃO

Os sintomas da otosífilis são, basicamente, resultantes do comprometimento cocleovestibular e a hipoacusia, o zumbido e os desequilíbrios as formas mais comuns de sua apresentação (3, 4).

O diagnóstico de otosífilis foi baseado no resultado do VDRL, do FTA Abs e dos achados audiométricos (3, 4, 5, 6, 7). No caso da paciente, o tempo de duração da afecção era desconhecido e a mesma teve relacionamento com dois parceiros durante toda a vida.

Estudos prévios sugerem que a perda auditiva neurossensorial, simétrica ou não, uni ou bilateral, geralmente progressiva é a apresentação mais comum, não existindo um padrão de perda auditiva audiométrica específica e a discriminação vocal pode ser compatível ou não com a perda (8, 9, 10). Outros sintomas podem ocorrer como desequilíbrio e plenitude auricular (3, 4).

A duração dos sintomas pode variar de dias a até 20 anos ou mais, visto que o T. pallidum tem uma reduzida taxa de crescimento durante os estágios posteriores da sífilis. O tratamento utilizando a penicilina G e por vezes esteroides, juntamente com controles periódicos de cura são os mais recomendados (10, 11).

Atualmente, alguns autores revelam que as evidências sugerem que pacientes com VDRL>1:32 ou HIV - positivo com CD4<350x10/L têm maior risco de comprometimento do sistema nervoso central, e se beneficiam do exame do líquor cefalorraquidiano mesmo na ausência de sintomas (9, 10).

Tanto a tomografia computadorizada, quanto a ressonância nuclear magnética do encéfalo são úteis no acompanhamento e evolução dos pacientes, ao detectar possíveis lesões no canal auditivo interno, comprometimento meníngeo, lesões parenquimatosas cerebrais e/ou infartos vasculares que sugeririam diagnostico concomitante de neurosífilis e/ou de outras patologias do ouvido interno (11, 12).


CONSIDERAÇÕES FINAIS

A sífilis deve ser sempre considerada em pacientes com manifestações cocleovestibulares independentemente da faixa etária e de pertencerem ou não a grupos de risco, e do número de parceiros de cada paciente. O diagnóstico etiológico é de suma importância no controle e tratamento desses pacientes.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Politzer A. Lehrbuch der Ohrenheilkunde fur Praktische Arzte und Studierende. Ferdinand Enke-Verlag, Stuttgart, 1887.

2. Gradenigo G. Krankheiten des Labyrinthes Und des Nervus Acustius. In: Schwartze H, ed. Handbuch Ohrenheilkunde, Leipsg, Verlag FCW Vogel. 1893:352-354.

3. Brown TJ, Yen-Moore A, Tyring S K. An Overview of Sexually Transmited Diseases. Part I. J Am Acad Dermatol. 1999, 41:511-532.

4. Klemm E, Wollina U. Otosyphilis: Report on Six Cases. J Eur Acad Dermatol Venereol. 2004, 18(4):429-34.

5. Sando I, Orita Y, Miura M, Balaban CD. Vestibular Abnormalities in Congenital Disorders. Ann NY Acad Sci. 2001, 942:15-24.

6. Mishra S, Walmsley SL, Loutfy MR, Kaul R, Logue KJ, Gold WL. Otosyphilis in HIV- coinfected Individuals. A Case Series from Toronto, Canada. AIDS Patient Care STDS. 2008, 22(3):213-9.

7. European Guideline on the Manegement of Syphilis, 2008.

8. Yimtae K, Srirompotong S, Lertsukprasert K, Kaen K. Otosyphilis: A review of 85 cases. Otolaryngology-Head and Neck Surgery, 2007, 136, 67-71.

9. Young H, Syphilis. Serol Dermatol Clin. 1998, 16:691-698.

10. Marra CM, Maxwell CL, Smith SL, et al. Cerebrospinal Fluid Abnormalities in Patients with Syphilis; Association with Clinical and Laboratory Features. J Infect Dis. 2004, 189:369-376.

11. Petzold D, Jappe U, Hartmanm M, Hamouda O. Sexually Transmitted Diseases in Germany. Int J Std AIDS. 2002, 13:246-254.

12. Yimtae K, Srirompotong S, Lertsukprasert K. Otolayngol Head Neck Surg. 2007, 1369(1):67-71.









1. Mestrado em Ciências da Saúde/UFMG. Diretora Cclínica da Otomed e Preceptora do 11º e 12º período dos Acadêmicos da Faculdade UNIFENAS/BH/MG.
2. Acadêmica da Faculdade de Medicina de Barbacena, FAME - MG.

Instituição: Faculdade de Ciências Médicas UNIFENAS. Belo Horiozente / MG - Brasil. Endereço para correspondência: Renata Cristina Cordeiro Diniz Oliveira - Rua Ascânio Bulamarque, 199 - Mangabeiras - Belo Horizonte / MG - CEP: 30315-030 - Fax: (+55 31) 3273-2000 -E-mail: dinizrenata@yahoo.com.br

Artigo recebido em 2 de Novembro de 2008. Artigo aprovado em 19 de Março de 2009.
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