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Ano: 1999  Vol. 3   Num. 3  - Jul/Set Print:
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Aparelho de amplificação sonora digital - características e vantagens
The digital hearing aids - Characteristics and advantages
Author(s):
1Maria Helena Untura Caetano, 2Silvio Antonio Monteiro Marone, 3Marisa Ruggieri
Palavras-chave:
Introdução

O fato dos pavilhões auriculares e dos canais auditivos externos (C.A.E.) estarem localizados em lados opostos da cabeça, facilita a ocorrência de importantes fenômenos perceptuais auditivos. Esta disposicão do sistema auditivo colabora para que a sincronização da informação auditiva, a localização sonora e a discriminação auditiva sejam perfeitas15.

Baseando-se nessas informações, a tecnologia digital dos aparelhos de amplificação sonora (AAS) tenta tornar estes fenômenos o mais similar possível ao da natureza. Com o desenvolvimento da tecnologia digital, espera-se que a qualidade de som desenvolvida pelo processador de sinal digital (PSD) venha diminuir os sinais de interferência , possibilitando uma melhor recepção do sinal de fala10,12.

Para tanto, os pesquisadores estão procurando estudar mais a fisiologia auditiva binaural para que, em linhas gerais, a engenharia eletrônica possa se aproximar o melhor possível do sistema auditivo15.

Benefícios da Audição Binaural

Sabe-se que a localização do som no plano horizontal é realizada através das diferenças interaurais dadas pelo sistema auditivo central (S.A.C.).

Para um mesmo estímulo, há diferenças interaurais de nível e de fase dos sinais nas duas orelhas. O S.A.C. separa os sinais de cada orelha e os compara. Dependendo da localização da fonte sonora, existem diferenças no nível interaural (ILDs) e no tempo interaural (ITDs) entre as orelhas2,3 (Figura 1).

Figura 1. Quando a fonte sonora está a 00,as diferenças de nível interaural (ILDs) e as diferenças de tempo interaural (ITDs) são zero. Para uma fonte sonora a +900, ITD é 600 microseg a 700 microseg e o ILD pode chegar a 20 dB nas frequências acima de 1KHz.


Figura 2. O espectro de fala (sentenças), ruído e limiares de audição normal expressos em nível de pressão sonora ( SPL ). Com as fontes de ruído e fala a 00, o espectro de fala e ruído são idênticos nas duas orelhas. BILD=diferença de inteligibilidade binaural.



As diferenças do nível interaural resultam do fato de que a cabeça delineia uma sombra acústica para freqüências agudas quando comparado ao tamanho da cabeça; este efeito de "sombreamento da cabeça" é relativo principalmente às freqüências acima de 1.000 Hz. Conseqüentemente os níveis dos sinais de alta freqüência serão menos intensos na orelha oposta à fonte sonora2,3.

As diferenças de tempo interaural ocorrem em função da chegada do som mais rápido na orelha mais próxima à fonte sonora.

No plano vertical, o modelo de filtro complexo promovido pelo pavilhão é o que proporciona as pistas de localização efetiva15.

As pesquisas de campo demonstram que as características de fase e magnitude das orelhas externas são necessárias para a audição binaural normal9,11.

Inteligibilidade da Fala

Sabe-se que quando o ruído está separado do sinal de fala, o ouvinte normal pode alcançar a mesma inteligibilidade com um nível de ruído mais alto do que quando o ruído e a fala estão vindos de uma mesma fonte.

Dois componentes contribuem para a diferença de inteligibilidade binaural: sombreamento da cabeça e interação binaural15.

A orelha oposta ao ruído (orelha sombreada) apresenta uma melhor relação sinal/ruído (S/R) porque os componentes das freqüências altas do ruído são atenuados pelo sombreamento da cabeça12 (Figura 3).

Figura 3. O espectro de fala (sentenças), ruído e limiares de audição normal expressos em nível de pressão sonora ( SPL ). Com a fonte de fala a 00 e fonte de ruído a 900, o sombreamento da cabeça melhora no ouvido esquerdo.

BILD=diferença de inteligibilidade binaural


Olsen e Carhart (1967) já observavam que um ouvinte monoaural teria uma desvantagem considerável quando o ruído está no lado da orelha melhor13.

Experiências com ouvintes monoaurais estão sendo realizadas para tentar melhorar a discriminação da fala sob ruído, tendo como objetivo secundário melhorar também a localização sonora14.

Vantagens do Sistema Digital

O PSD promete melhorar os esquemas do proces­samento do sinal do AAS. O fato utilizarem compressão multicanal, microfones direcionais, filtros de equalização e outros acessórios tecnológicos , parece contribuir para a melhora das características do sinal acústico15.

Promover inteligibilidade da fala sob ruído , através do aumento da relação S/R parece ser uma das tarefas do PSD.

Os deficientes auditivos podem precisar de uma relação S/R de 10 a 14 dB maior do que ouvintes normais para a percepção da fala sob ruído.

As estratégias para melhorar o reconhecimento de fala sob ruído são:

- Melhorar a relação S/R na membrana timpânica.

- Fazer uso de microfones direcionais.

- Adaptação de AAS binaurais.

Pelo menos uma orelha deve ter uma relação S/R favorável em todas as condições para que as pistas auditivas cheguem ao S. A. C. e possam permitir a melhora da percepção S/R1,15.

Vantagens no uso de AAS binaural

Existem algumas razões importantes para se indicar o uso de AAS binaurais, sendo algumas delas, a saber4,5:

- Detectar a fonte sonora em qualquer situação.

- Ampliar o campo auditivo de 180º para 360º, promover o senso de equilíbrio e melhorar a qualidade de som com audição binaural.

- Menor distorção e melhor reprodução de sons amplificados com dois AAS.

- Percepção de sons oriundos de maiores distâncias.

- Recepção balanceada do som.

- Maior tolerância a sons altos uma vez que a intensidade do som pode ser menor com 2 aparelhos do que com um.

- Menor chance de retroalimentação com a utilização de menos intensidade.

- Melhora do zumbido em até 40% das pessoas que usam 2 aparelhos.

O sistema auditivo normal maximiza a inteligibilidade da fala sob ruído através da audição binaural.

Ambas as orelhas levam vantagem se os sinais forem diferentes em cada uma delas. O SNC é capaz de analisar as diferenças interaurais relativas entre os sinais de fala e ruído oferecendo vantagens extras de 2 dB ou mais15 (Figura 4).

Figura 4. Esquema representativo do campo sonoro representado pela audição binaural normal considerando o movimento da cabeça no plano horizontal


O fenômeno perceptual auditivo binaural depende de vários fatores adicionais:

- Conhecimento das características do sinal.

- Refinamento das pistas interaurais realizadas provavelmente pelos movimentos da cabeça.

- A relação entre a energia direta e reverberante no sinal.

- Disponibilidade das pistas visuais para a localização da fonte sonora6,7.

Qualquer técnica de processamento de sinal idealizada para maximizar a audição binaural deve preservar a integridade de três pistas auditivas15.

- Diferenças nos níveis interaurais (sombreamento da cabeça).

- Diferenças interaurais de tempo.

- Características de filtros da orelha externa1.

Processador de Sinal Digital (PSD)

As características são diferentes para cada orelha na adaptação binaural. Os esquemas devem prever o uso da compressão multicanal, devido a maior flexibilidade para se trabalhar o sinal acústico, como também o uso dos microfones direcionais melhorando a recepção do sinal de fala1, 15.

Qualquer AAS sendo um acessório eletrônico inserido no CAE, altera as características de filtragem da orelha externa (OE) e as diferenças interaurais de tempo, principalmente por se tratar de dois AASs diferentes.

O filtro de equalização digital (EQ filtro) remove os efeitos da magnitude e da fase da inserção dos AAS.

Para tanto, deve-se sempre realizar os seguintes procedimentos durante a adaptação do AAS: 15

- Medir a ressonância natural da orelha aberta.

- Medir a perda desta ressonância com AAS EQ filtro.

O sinal na membrana timpânica deve, em tese, ser o mesmo daquele encontrado com a orelha aberta.

Espera-se que o EQ filtro apenas devolva as características de escuta da orelha aberta.

Quando o ganho de inserção apropriado é computado, o sistema de adaptação promove um filtro de fase linear de compensação da perda auditiva para alcançar o ganho de inserção prescrito.

O EQ filtro associado às características do filtro de compensação da deficiência auditiva (DA) são combinados através de processos matemáticos quando o filtro final é, então, ativado dentro do AAS1.

Deve-se enfatizar o ganho das freqüências altas para maximizar o acesso das pistas dadas pelo sombreamento da cabeça, acima de 1.000 Hz.

Apesar de existirem diversos tipos de filtros digitais específicos para perdas auditivas pouco comuns, estes se mostram mais apropriados quando comparados aos filtros analógicos dos AAS15.

A retroalimentação ocorre mais comumente nas freqüências acima de 1.000 Hz. As freqüências altas são necessárias para maximizar o acesso às pistas dadas pelo sombreamento da cabeça. Entretanto, a redução no ga­nho dessas freqüências reduz a retroalimentação1.

O ideal seria que o EQ filtro pudesse escolher antes de realizar a compensação da DA, os seguintes processos matemáticos:

- Permitir que o sistema de adaptação reduza o ganho de inserção nas freqüências de maior retroalimentação; ou,

- Ajustar manualmente o ganho de inserção para as freqüências de retroalimentação.

PSD: Limites e Possibilidades

A experiência auditiva do paciente está limitada pela natureza e extensão da lesão do sistema auditivo, não importando, muitas vezes, quão potente seja o AAS digital. Quanto menos severa for a D.A., maior será a expectativa para compensá-las através do uso de AAS8,9.

A audição para a adaptação do AAS deve ter:

- Algum resíduo auditivo nas freqüências altas para que as pistas dadas pelo C.A.E. ocorram;

- Algum resíduo funcional das estruturas cocleares e neurônios auditivos para propiciar as pistas de tempo interaural;

O sistema pode ser capaz de:11,12

- Acessar o sombreamento da cabeça;

- Promover ganho para as freqüências altas;

- Proporcionar inteligibilidade de fala sob ruído.

Reabilitação Auditiva

A seleção do AAS é apenas parte do processo de adaptação. A seleção do AAS sem a reabilitação é insuficiente para o processo de adaptação. O treinamento auditivo é condição imprescindível para a melhora da comunicação.

Acredita-se que os trabalhos de treinamento auditivo realizados com pacientes deficientes auditivos com aparelhos auditivos digitais possam melhorar ainda mais a inteligibilidade da fala, principalmente se este treinamento for precedido pelo trabalho de localização sonora.

Em nossa experiência isto pode ser percebido quando utilizamos instrumentos musicais antes do treinamento auditivo propriamente dito. O agogô vem sendo utilizado de forma sistemática para iniciar o treinamento auditivo. Posteriormente vamos concluir as experiências realizadas com localização sonora e treinamento auditivo utilizando as diversas posições do espaço entre o pacien­te e seu interlocutor. De maneira geral, o treinamento auditivo parece estar facilitando o trabalho de inteligibilidade de fala e em situações de vida diária do deficiente auditivo2,3,5.

Conclusões

Os recursos e os estudos de engenharia propiciam continuamente melhoria dos esquemas digitais e consequentemente melhoram o desempenho dos filtros, aperfeiçoam os projetos dos modelos intra-canais, intrauriculares e micro-canais, reduzem o ruído do pré-amplificador no silêncio (sleep mode), diminuem a retroalimentação binaural e há a possibilidade de controle remoto opcional. Em contrapartida, a medicina também, de forma semelhante, estuda a fisiologia do sistema auditivo da biomecânica e bioeletricidade celular e molecular. Acredita-se que este conjunto de experimentos e tecnologia possam vir a contribuir muito para a melhoria da recepção e da inteligibilidade de fala sob ruído quando do uso de AAS.

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15. Van Tasell, DJ: New DSP instrument designed to maximize binaural benefits. The Hearing Journal 1998: 51(4) 1-4.

Trabalho desenvolvido no setor de fonoaudiologia da divisão de seleção e adaptação de aparelhos de amplificação sonora (AAS) da Otorhinus Clínica Médica - SP.
Endereço para correspondência: Otorhinus Clínica Médica - R. Cubatão, 1140 - Vila Mariana - CEP 04013-004.
São Paulo - SP - Telefone: (0xx11) 572-0025.

Fonoaudióloga da Clínica Otorhinus, Pós Graduanda em Fisiopatologia Experimental da FMUSP.
Professor Doutor da Disciplina de ORL da FMUSP.
Fonoaudióloga, Auxiliar de Ensino da Disciplina de ORL da FMABC, Pós-Graduanda em Fisiopatologia Experimental da FMUSP.
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