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Ano: 2000  Vol. 4   Num. 1  - Jan/Mar Print:
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Tratamento cirúrgico da rinite atrófica
Author(s):
Marcelo L. Mendonça, Richard L. Voegels, Luiz U. Sennes, Ossamu Butugan
Palavras-chave:
rinite atrófica, obstrução nasal, turbinectomia.
Resumo:

Ozena é uma doença nasal crônica com mecanismo etiopatológico ainda desconhecido, caracterizado por atrofia osteomucosa progressiva sem ulceração, crostas amarelo-esverdeadas, sensação de obstrução nasal e fetidez intensa. A rinite atrófica secundária pode ser decorrente de uma cirurgia nasal, tornando-se cada vez mais comum como consequência de turbinectomia total, manifestando-se principalmente por sensação de obstrução nasal e dor intranasal durante a inspiração. A rinite atrófica pode ser tratada cirurgicamente com o estreitamento das fossas nasais. Acreditamos que o implante de material biológico na parede lateral do nariz seja a melhor técnica cirúrgica e nos parece ser o tratamento mais fisiológico, apresentando melhores resultados em pacientes portadores de rinite atrófica secundária pós-turbinectomia. Nosso trabalho analiza esta técnica, com revisão da literatura sobre o assunto.

Segundo classificação de Cadar1, as rinites atróficas podem ser classificadas como primária, secundária e ozenosa. A primária (simples) é uma doença nasal crônica de etiologia desconhecida, em que existe uma atrofia moderada da mucosa, normalmente assintomática2. A rinite atrófica secundária ocorre após uma agressão da mucosa nasal, como infecção local, doença granulomatosa, trauma ou cirurgia nasal. A RA secundária está se tornando cada vez mais comum, principalmente como conseqüên­cia de turbinectomia inferior total, cirurgia intranasal que causa importante mutilação local, alterando de forma danosa a anátomo-fisiologia nasal. A ozena é caracterizada pela tríade sintomática composta de atrofia osteomucosa sem ulcerações, crostas amarelo-esverdeadas e fetidez intensa.

Embora rara em países desenvolvidos3,4, é frequente em países com nível sócio-econômico baixo, sendo que 90% dos casos são pacientes de origem rural5. A raça amarela é a mais atingida, seguinda da branca e negra, sendo o sexo feminino mais acometido. O maior número de casos é encontrado na faixa etária entre 15 a 35 anos. A RA secundária ocorre preferencialmente na 3a década de vida enquanto a ozena, na 4a década. Embora discreta, há uma tendência da RA secundária acometer pacientes mais jovens do que a ozena. Essa tendência pode ser justificada pelo fato das cirurgias sobre as conchas nasais serem geralmente indicadas em adultos jovens, propiciando a RA secundária quando realizadas de forma intempestiva. Já a ozena, embora também acometa adultos jovens, sua instalação é progressiva e lenta, favorecendo os sintomas mais tardios.

O mecanismo etiopatológico da rinite atrófica ainda não é totalmente conhecido, existindo inúmeras hipóteses para tentar explicá-lo. A teoria da infecção bacteriana causada pela Klebsiella ozaenae, é defendida por Ssali6, Chatterji7 e Fergusson8. Entretanto, outras teorias consideram como possíveis etiopatogenia o espasmo simpático (diminuindo o suprimento sanguíneo), as síndromes distróficas reflexas, alterações imunológicas, infecção viral e carência nutricional (principalmente ferropriva).

O quadro clínico clássico da RA é caracterizado por presença de crostas amarelo-esverdeadas, secreção nasal fétida e sensação de obstrução nasal. Não existe ulceração da mucosa das fossas nasais, porém atrofia da mesma é geralmente pronunciada. Nos pacientes com RA secundária pós turbinectomia é frequente a queixa de dor intranasal, principalmente durante a inspiração e em dias frios. É importante salientar que estes pacientes, apesar de serem classificados como portadores de RA, não apresentam atrofia de mucosa. Há portanto uma tendência de maior predomínio de sintomas dolorosos e obstrutivos na RA secundária do que na ozena, que por sua vez mostra uma maior tendência de sintomas relacionados a secreção, crostas e fetidez.

Na RA secundária pós-turbinectomia inferior total, o direcionamento do fluxo aéreo pelas estruturas de uma parede lateral normal é desejável para que ocorra umidificação, aquecimento e filtragem do ar de forma fisiológica, evitando sintomas dolorosos. Já nos casos com ozena, as fossas nasais são também amplas, mas em geral as estruturas ósseas (conchas) estão preservadas, existindo atrofia da mucosa que as recobre. Desta forma, o relevo nasal é preservado, existindo, embora em menor grau, melhor orientação do fluxo aéreo inspiratório. Assim poderíamos imaginar que a dor é menos prevalente por existir menor choque aéreo direto, ou, quem sabe, por existir uma redução da sensibilidade da mucosa acompanhando essa atrofia. A atrofia, por sua vez, prejudica o "clearance" muco-ciliar, propiciando a estase de secreções, levando à formação de crostas com consequente fetidez.

Na literatura são descritas inúmeras formas de tratamento, incluindo higiene nasal com lavagem nasal utilizando solução fisiológica ou hipertônica, mucolíticos e uso de mel, antibioticoterapia tópica e/ou sistêmica, terapia com vitamina A, ferro e autoimunização com extrato dializável de leucócitos1,7,9-12. Entretanto, os resultados são usualmente pobres.

Nielsen13, utilizando Ciprofloxacim 500-750mg via oral, duas vezes ao dia por 1 a 3 meses, refere excelentes resultados no tratamento da ozena, debelando a superinfecção por K.ozaenae. Jian14 utiliza aminogli­cosídeos endovenosamente como terapia adjuvante pós sinusectomia endonasal, com 92,6% de sucesso no tratamento de pacientes portadores de ozena.

A rinite atrófica permanece como doença rebelde e incurável através de métodos clínicos, havendo concordância entre os autores que a cirurgia para estreitamento das fossas nasais promove melhores resultados. Entretanto, ainda se discute qual a melhor técnica cirúrgica a ser empregada, não existindo consenso entre os autores.

As técnicas para estreitamento da fossa nasal baseiam-se no implante de materiais sintéticos ou biológicos abaixo do mucoperiósteo ou mucopericôndrio das fossas nasais. Machado15 idealizou a técnica de inclusão submucosa por via sublabial, através de uma incisão do sulco gengivolabial superior, expondo-se a abertura piriforme e descolando o mucoperiósteo da parede lateral. Essa técnica foi utilizada e divulgada por Eyriè16. Saunders17 preconiza a colocação de um implante em um túnel mucoperiosteal lateral às conchas média e inferior. Já Goodman e De Souza18 estenderam o enxerto ao longo da parede anterior do assoalho nasal e parte do septo.

Com relação aos implantes, também não há concordância na literatura quanto ao melhor material. Numerosos e variados tipos de enxerto de tecidos vivos ou implantes sintéticos são utilizados. A maioria dos artigos cita a preferência pelos implantes sintéticos (silicone, acrílico, parafina, marfim e celulóide) pela facilidade de aquisição e por evitar um segundo acesso cirúrgico no mesmo paciente. Paradoxalmente, muitos autores que preferem os implantes sintéticos citam o alto índice de eliminação dos mesmos. Por outro lado, os enxertos homólogos (cartilagem, costela, tíbia, crista ilíaca, gordura e tendão) têm um menor percentual de rejeição, além de serem de menor custo. Bertrand19 utiliza como implante o Triosite, uma mistura de hidroxiapatita (60%) com trifosfafato de cálcio (40%), associado a cola de fibrina, permitindo uma moldagem mais fácil do implante, durante o ato cirúrgico, sem rejeição ou extrusão do material. Meirelles20 utilizou implante de enxerto ósseo homólogo de costela em 39 pacientes com RA ozenosa, sendo bem tolerado e propiciando melhora significativa da sintomatologia.

A utilização da técnica de Eyriè-Machado, com implante em parede lateral da fossa nasal, mimetizando o volume da concha inferior, nos parece a mais fisiológica. Consideramos que esse aspecto seja ainda mais importante quando estamos tratando as RA secundárias pós-turbinectomia. Na RA ozenosa, onde o relevo da fossa nasal está parcialmente preservado, o implante no septo, "redimensionando" o volume da cavidade nasal ao volume das conchas nasais atróficas, nos parece também eficaz.

Existem várias publicações que referem complicações frequentes com esses implantes. Piaget 21 relata índices de eliminação de implantes de acrílico variando entre 5 e 39% no primeiro mês de pós-operatório. Dogheim22 apresenta rejeição de silastic (polímero de dimetilsiloxane) em 30% dos pacientes. Para Sinha23, 80% dos pacientes rejeitaram implante de material sintético em período de dois anos. Zohar24 cita 100% de eliminação de implante de Dacron em um ano de evolução. Porém Cadar1, seguindo a técnica de Eyriè-Machado, refere ótimos resultados (80%) com uso de bastonetes de acrílico.

Em nosso Serviço temos procurado evitar os materiais sintéticos, seja pelo custo, seja porque acreditamos em uma maior integração dos materiais biológicos. Embora consideramos o uso do osso muito adequado, temos dado preferência a cartilagem pela facilidade de obtenção (concha do pavilhão auricular ou cartilagem do septo nasal, por exemplo). Sempre que possível, evitamos a utilização de cartilagem de banco (pós-septoplastia) por riscos de contaminação.

Em trabalho realizado pelos autores25, foram analizados12 pacientes portadores de rinite atrófica submetidos a tratamento cirúrgico para estreitamento das fossas nasais. A maioria dos pacientes foi submetida a implante submucoso na parede lateral do nariz. Em um caso foi realizado implante em septo nasal. Utilizou-se como material para implante cartilagem (oito pacientes), silicone (três) e osso (um). Todos os pacientes tiveram melhora significativa após cirurgia, com seguimento mínimo de um ano. Ocorreu complicação em dois pacientes: extrusão de implante de silicone em um e sinéquia no caso do implante septal.

Nos pacientes com R.A secundária pós-turbinectomia, todos os sintomas tendem a desaparecer, inclusive a dor inspiratória. Entretanto, nos pacientes com ozena, apesar de importante diminuição dos sintomas, frequentemente permanecem queixas de secreção e formação de crostas.

Como já referimos, a principal diferença entre estes dois grupos é a presença de atrofia da mucosa, que não pode ser corrigida cirurgicamente. Este fato pode efetivamente justificar essa diferença com relação aos resultados. A redução do volume da fossa nasal resulta em melhora dos sintomas, como já discutimos. Nas RA secundárias, onde a mucosa é a princípio normal, a cirurgia restabeleceu as condições originais da fossa nasal, com desaparecimento dos sintomas. Entretanto, na ozena, a atrofia de mucosa não foi resolvida, e assim, o "clearance" muco-ciliar permaneceu prejudicado, tendendo a persistir a formação de crostas, porém em menor quantidade, uma vez que houve redução do turbilhonamento de ar pelo estreitamento da fossa nasal.

Recentemente alguns autores têm utilizado a sinusectomia endonasal como meio de diminuir a superinfecção pela K. ozaenae, com bons resultados14,26. Os mesmos se baseiam no fato de que o controle da infecção pode ser um importante fator no sucesso do tratameto da RA, já que a sinusite crônica parece sempre acompanhar esta patologia, tendo papel preponderante na sua etiologia.

A nossa experiência sugere que a rinite atrófica pode ser tratada cirurgicamente com o estreitamento das fossas nasais, melhorando significativamente os sintomas, sem maiores complicações. Acreditamos, também, que o implante de material biológico na parede lateral das fossas nasais pela técnica de Eyriè-Machado apresenta bons resultados, parecendo-nos a mais fisiológica. Melhores resultados são esperados nos pacientes com R.A secundária pós-turbinectomia, pois não apresentam atrofia da mucosa nasal.

Tornamos a realçar a turbinectomia inferior total como etiologia direta da RA secundária, devendo este procedimento ser definitivamente excluído do arsenal cirúrgico otorrinolaringológico. A turbinectomia inferior, quando estritamente necessário e baseado em indicações restritas, deve ser realizada sempre de forma parcial.

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Trabalho realizado na Divisão de Clínica Otorrinolaringológica Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Univerisidade de São Paulo.
Endereço para correspondência: Departamento de Otorrinolaringologia - Av. Enéas de Carvalho Aguiar, 255 - 6o andar - sala 6021 - São Paulo/SP, CEP: 05403-000, Telefone: (0xx11) 3067-6288 - Fax: (0xx11) 270-0299.

1- Pós-graduando em nível de Doutorado da Divisão de Clínica Otorrinolaringológica Hospital das Clínicas da FMUSP.

2- Médico Chefe da Enfermaria da Divisão de Clínica Otorrinolaringológica Hospital das Clínicas da FMUSP.

3- Professor Doutor da Disciplina de Clínica Otorrinolaringológica da FMUSP.

4- Professor Associado da Disciplina de Clínica Otorrinolaringológica da FMUSP.
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