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Ano: 2002  Vol. 6   Num. 2  - Abr/Jun Print:
Original Article
Comparação entre a Solução Salina Fisiológica e a Hipertônica Tamponada após Cirurgia Endoscópica Nasossinusal
Comparision between Normal Saline and Buffered Hypertonic Saline After Endoscopic Sinus Surgery
Author(s):
Christian Wiikmann*, Daniel Chung**, Fábio Lorenzetti***, Marcus Lessa**, Richard Voegels****, Ossamu Butugan*****.
Palavras-chave:
Solução salina, lavagem nasal, cirurgia endoscópica nasossinusal.
Resumo:

Introdução: Lavagem nasal com soluções salinas tem sido prescrita há muitos anos no tratamento de rinossinusopatias em geral e no pós-operatório de cirurgias nasossinusais. Entretanto, poucos estudos com tratamento estatístico vêm sendo realizados para determinar a eficácia de tais procedimentos. Objetivo: Comparar o efeito clínico das soluções salinas hipertônica e fisiológica em pacientes em pós-operatório de cirurgias endoscópicas nasossinusais funcionais (FESS). Casuística e Método: Foi realizado um estudo prospectivo, duplo-cego com 30 pacientes submetidos a FESS por sinusite crônica e polipose nasal. Os pacientes foram divididos em dois grupos de 15 pacientes, cada um utilizando um tipo de solução: fisiológica (NaCl 0,9%) ou hipertônica (NaCl 2% + NaHCO3 6%). Sete parâmetros foram avaliados com uma semana e um mês de pós-operatório: sintomas (cefaléia, obstrução nasal, hiposmia, secreção nasal) e aspecto à endoscopia nasal (edema, presença de crostas, secreção). Resultado: Os pacientes que usaram solução hipertônica apresentaram melhores resultados na primeira semana de pós-operatório, com diferença significativa em 4 parâmetros: obstrução nasal, hiposmia, edema e presença de secreção nasal à endoscopia. Com um mês de pós-operatório, os resultados tenderam a ser menos diferentes. Três dos 15 pacientes em uso de solução hipertônica não deram continuidade ao tratamento, devido a prurido e ardor nasal exagerado. Conclusões: A solução salina hipertônica ajuda a promover uma melhora mais rápida dos sintomas e do aspecto da mucosa nasossinusal em pacientes submetidos a FESS; A solução salina hipertônica não é tão bem tolerada quanto a solução fisiológica.

INTRODUÇÃO

A lavagem nasal com soluções salinas tem sido amplamente utilizada no tratamento das mais diversas afecções nasossinusais (1-5) e no pós-operatório de vários procedimentos cirúrgicos do nariz e seios paranasais (1). Em nosso serviço, há dezenas de anos, prescreve-se lavagem nasal no tratamento das mais variadas afecções nasossinusais, por exemplo, rinite alérgica, sinusites aguda e crônica, polipose nasal e também no pós-operatório das mais variadas cirurgias nasossinusais. Apesar de ser amplamente recomendada em diversos livros e periódicos para o tratamento de doenças nasossinusais, apenas recentemente têm sido realizados estudos que comprovam estatisticamente a eficácia da lavagem nasal com soluções salinas, principalmente em rinite alérgica, rinossinusites agudas ou crônicas (1,3,6,7).

Diversos tipos de solução salina podem ser utilizados. Em nosso meio, utilizou-se solução salina fisiológica -SSF- (NaCl 0,9%) por muito tempo, com boa impressão clínica. Há alguns anos, iniciou-se a utilização de solução salina hipertônica -SSH- (NaCl 2%) tamponada com bicarbonato de sódio 6% no tratamento de pacientes com manifestações nasossinusais de mucoviscidose, com excelente impressão clínica. Publicações recentes demonstraram a superioridade da SSH em relação a SSF na promoção de melhora do transporte mucociliar "in vivo" (8) e no tratamento de afecções nasossinusais (1).

O objetivo deste estudo é comparar a eficácia da utilização de SSH com a utilização de SSF, especificamente em pacientes em pós-operatório recente de cirurgias endoscópicas nasossinusais funcionais (FESS).

CASUÍSTICA E MÉTODO

Inicialmente, foram produzidos frascos contendo tipos diferentes de solução salina. Os frascos contendo SSF (NaCl 0,9%) foram rotulados como solução A. Os frascos contendo SSH (NaCl 2%) tamponada com bicarbonato de sódio 6% foram rotulados como solução B. Nenhum dos médicos envolvidos no estudo, tampouco os pacientes, conheceram o tipo de solução contida em cada frasco até o término do estudo.

Trinta pacientes submetidos a FESS por sinusite crônica e/ou polipose nasal entre março e junho de 2001, foram incluídos no estudo. Os pacientes foram divididos em dois grupos, A e B, com 15 pacientes cada, de maneira alternada, à medida que se realizavam os procedimentos. Aos pacientes do grupo A, foi prescrita lavagem nasal com solução A e aos pacientes do grupo B, foi prescrita solução B. Todos os pacientes deveriam realizar lavagem nasal com 10 ml da solução em cada narina, administrados com uma seringa comum, quatro vezes por dia, durante 30 dias após a cirurgia. A solução deveria ser mantida em temperatura ambiente. Além da lavagem nasal, foram prescritas outras medicações, de maneira padronizada para todos os pacientes: antibióticos, corticoesteróides tópicos e antihistamínicos.

Os parâmetros avaliados prospectivamente no pós-operatório foram: 1- sintomas (cefaléia, obstrução nasal, hiposmia e secreção nasal), através de sistema de pontuação variando de um a dez, em que o paciente deveria atribuir nota a determinado sintoma, sendo um a ausência de sintoma e dez o sintoma de máxima intensidade; 2- aspecto à endoscopia nasal (edema, crostas e secreção), em que o médico atribuía os conceitos ausente, leve, moderado e acentuado para cada um dos três parâmetros estudados.

Cada paciente foi avaliado com uma semana e um mês de pós-operatório. Para cegar o estudo, o médico que realizou a entrevista e o exame pós-operatórios não conhecia qual solução o paciente estava usando.

Para a comparação dos grupos em relação às variáveis ordinais (sintomas), foi utilizado o teste "U" de Mann-Whitney. Para as variáveis nominais (aspecto endoscópico) foi utilizado o teste do Qui-quadrado. Em ambos, o nível de significância foi de 5%.

RESULTADOS

Inicialmente, observou-se que três dos 15 pacientes (20%) do grupo B (SSH) não deram continuidade à lavagem nasal, alegando intenso ardor nasal, sendo excluídos da análise estatística. Todos os pacientes do grupo A (SSF) toleraram o tratamento.

Os resultados individuais de cada paciente, em relação aos sintomas, encontram-se na Tabela 1. Em todos os sintomas, tanto com uma semana quanto com um mês de pós-operatório, a média das notas atribuídas pelos pacientes no grupo B foi menor do que no grupo A. Contudo, só se observou diferença estatisticamente significante nos seguintes parâmetros: obstrução nasal com uma semana de pós-operatório (p=0,000209) e hiposmia com uma semana de pós-operatório (p=0,002918).

Os resultados individuais de cada paciente, em relação ao aspecto endoscópico, encontram-se na Tabela 2. Para todos os parâmetros endoscópicos (edema, crosta e secreção), tanto com uma semana quanto com um mês de pós-operatório, o grupo B mostrou-se com maior índice de "ausente" e menores índices de "moderado" e "acentuado". Contudo, só se observou diferença estatisticamente significante nos parâmetros: edema com uma semana de pós-operatório (p<0,0003) e secreção com uma semana de pós-operatório (p<0,003).

Tabela I. Graduação de cada sintoma (cefaléia, obstrução nasal, hiposmia e secreção nasal) por paciente. Cada paciente está representado pela letra da solução que utilizou.

Legenda: cef = cefaléia; obs = obstrução nasal; hipo = hiposmia; sec = secreção nasal; 1s = uma semana de pós-operatório; 1m = um mês de pós-operatório.

Tabela II. Resultado da avaliação endoscópica no pós-operatório, em relação à graduação das alterações estudadas (edema, crostas, secreção). Cada paciente está representado pela letra da solução que utilizou.

Legenda: sec = secreção; 1s = uma semana de pós-operatório; 1m = um mês de pós-operatório. Observação: os itens não (N), leve (L), moderado (M) e acentuado (A) mostram o número de vezes que tais respostas se repetiram.


DISCUSSÃO

Diversos tipos de solução salina podem ser utilizados no tratamento de afecções nasossinusais e no seguimento pós-operatório de cirurgias endoscópicas nasossinusais e ainda não há consenso sobre a melhor opção. A solução salina fisiológica (SSF) é a que tem sido utilizada há mais tempo, talvez devido à sua grande disponibilidade no mercado. Mais recentemente tem-se utilizado soluções salinas hipertônicas (SSH), especialmente em pacientes com mucoviscidose (9), apresentando bons resultados (10). A SSH comprovadamente mostrou-se superior que a SSF em melhorar o transporte mucociliar "in vivo", tanto em pacientes sadios (8), quanto em pacientes com sinusites (3). Além disso, a SSH diminui a viscosidade do muco do epitélio respiratório "in vitro" (11). A utilização da solução salina tamponada pode ser explicada pelo fato do pH alcalino propiciar a apresentação do muco em estado sol, menos viscoso, facilitando seu transporte pelas células ciliadas do epitélio respiratório (12). Alguns autores preferem ainda utilizar solução de ringer lactato (13).

Enfim, pode-se postular mecanismos que expliquem o efeito benéfico das soluções salinas em afecções nasossinusais: 1- melhora do transporte mucociliar (3,8); 2- diminuição da viscosidade do muco (11); 3- diminuição do edema da mucosa (1); 4- influência sobre mediadores inflamatórios (14); 5- limpeza mecânica de crostas e debris (1,8).

Por muitos anos, utilizamos lavagem nasal com SSF no tratamento pós-operatório de cirurgias nasossinusais, inclusive de FESS. Devido ao sucesso na utilização de SSH tamponada no tratamento de pacientes com sinusite e mucoviscidose e às recentes publicações evidenciando sua superioridade em relação a SSF, elaborou-se esse estudo, para averiguar a eficácia do uso de SSH em pós-operatório de FESS. Não foi possível encontrar, na literatura, um estudo comparativo entre o uso de SSH e SSF, especificamente em pós-operatório.

De acordo com os resultados, houve uma tendência à melhora nos sintomas e do aspecto endoscópico dos pacientes que usaram SSH em relação aos pacientes que usaram SSF. Contudo, só se observou diferença estatisticamente significante nos parâmetros: obstrução nasal, hiposmia, presença de edema e de secreção ao exame endoscópico, com uma semana de pós-operatório. Com um mês de pós-operatório, nenhum dos parâmetros apresentou diferença estatisticamente significante entre os dois grupos. Tais resultados demonstram que a SSH deve promover uma melhora sintomática e uma estabilização da mucosa ao exame físico mais rápidas que a SSF. Contudo, com o decorrer do tempo, tal superioridade aparentemente não se mantém.

A única desvantagem da SSH em relação a SSF, é que ela pode não ser bem tolerada por alguns pacientes, como ocorreu em 20% dos pacientes que a utilizaram.

CONCLUSÕES

1. A lavagem nasal com solução salina hipertônica deve ser prescrita preferencialmente por promover uma melhora mais rápida dos sintomas e do aspecto endoscópico da mucosa de pacientes submetidos a FESS do que a lavagem com solução salina fisiológica.

2. Para pacientes que apresentarem intolerância à solução salina hipertônica, deve-se prescrever lavagem nasal com solução salina fisiológica, que é mais bem tolerada.

AGRADECIMENTO

Os autores gostariam de agradecer ao Dr. Gilberto Guanes Simões Formigoni, Médico Assistente Doutor da Divisão de Clínica Otorrinolaringológica do HCFMUSP pela análise estatística.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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* Médico Preceptor da Divisão de Clínica Otorrinolaringológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
** Doutorando do Curso de Pós-graduação em Otorrinolaringologia pela FMUSP.
*** Médico Residente da Divisão de Clínica Otorrinolaringológica do HCFMUSP.
**** Professor Doutor da Disciplina de Otorrinolaringologia da FMUSP.
***** Professor Associado da Disciplina de Otorrinolaringologia da FMUSP.

Trabalho desenvolvido na Disciplina de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Apresentado no II Congresso de Otorrinolaringologia da USP, em São Paulo-SP, 22 a 24 de novembro de 2001. Endereço para correspondência: Christian Wiikmann - Rua Cristiano Viana, 671 - Apto. 151 - 05411-001 - São Paulo / SP - Telefone: (11) 3085-8056 ou 9875-0453 - Fax: (11) 3088-0299 - E-mail: cwiikmann@uol.com.br Artigo recebido em 13 de dezembro de 2001. Artigo aceito em 25 de abril de 2002.
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