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Ano: 2002  Vol. 6   Num. 3  - Jul/Set Print:
Original Article
Zumbido em Pacientes Submetidos a Implante Coclear: Frequência de Ocorrência e Evolução
Tinnitus in Cochlear Implant Patients: Frequency and Evolution
Author(s):
Luciana Miwa Nita*, Fábio Tadeu Moura Lorenzetti*, Tanit Ganz Sanchez**, Rubens Vuono de Brito Neto***, Ricardo Ferreira Bento****.
Palavras-chave:
zumbido, estimulação elétrica, implante coclear.
Resumo:

Introdução: O zumbido é um sintoma freqüente em pacientes com disacusia neurossensorial. A estimulação elétrica das vias auditivas pode induzir ou suprimir sensações auditivas temporárias. O implante coclear é um dos tipos de estimulação elétrica disponíveis atualmente e que pode alterar a sensação do zumbido. Objetivo: Avaliar a freqüência de zumbido entre os pacientes com surdez profunda bilateral submetidos à colocação de implante coclear multicanal em nosso serviço, assim como sua evolução após o estabelecimento da estimulação elétrica. Material e Métodos: Todos os pacientes submetidos à colocação de implante coclear entre abril de 1999 e novembro de 2001 foram entrevistados pelos autores, respondendo a um questionário sobre as características do zumbido antes e depois do implante. Foram excluídos apenas os pacientes que residiam fora do Brasil ou sem código lingüístico mínimo para compreensão da pesquisa. A amostra final constou de 21 indivíduos. Resultados: A presença de zumbido previamente ao implante foi notada em 13 pacientes (61,9%). Após 2 meses de uso constante do implante, o zumbido apresentou melhora importante em 8 casos (61,5%), permaneceu inalterado em 3 (23,1%) e piorou em 2 casos (15,4%). Nenhum dos 8 pacientes sem zumbido pré-implante passou a apresentar o sintoma após o seu uso. Conclusões: Nossos resultados reforçam que o implante coclear pode ser útil no controle do zumbido dos indivíduos que apresentam disacusia neurossensorial com indicação de cirurgia.

INTRODUÇÃO

O zumbido é um sintoma referido por cerca de 80% dos indivíduos com doenças otológicas, sendo mais freqüente nos casos de disacusia neurossensorial (1).

Nem sempre o grau de incômodo é importante, porém em alguns casos, o zumbido pode incapacitar as atividades rotineiras dos pacientes (2).

A despeito dos avanços da medicina moderna, nenhum dos tratamentos atualmente disponíveis pode ser considerado totalmente eficaz para o controle do zumbido. Segundo DAUMAN et al.

(1993a), a tolerância natural do paciente com surdez profunda ao zumbido depende de dois principais fatores:

1. fisiológicos, representados principalmente pelo número de fibras nervosas envolvidas;
2. psicológicos, como o estado emocional do paciente.

Com relação aos fatores fisiológicos, tem sido demonstrado que a estimulação elétrica das vias auditivas pode tanto induzir quanto suprimir sensações auditivas, inclusive o zumbido (3). O conceito de supressão do zumbido através da estimulação elétrica das vias auditivas não é recente. Grappengiesser, em 1801, relatou pela primeira vez o uso da estimulação elétrica por meio de corrente direta para melhora do zumbido.

Duchenne de Boulogne, em 1885, pensou ter encontrado a cura definitiva do zumbido utilizando eletrodos no meato acústico externo.

Em 1883, Politzer registrou os efeitos de correntes direta e alternada sobre as doenças da orelha, incluindo vertigem, deficiência auditiva e zumbido.

Mais recentemente, vários estudos têm sido realizados com enfoque na estimulação elétrica das vias auditivas, através dos mais variados sítios de estimulação: transcutânea, promontório, tronco cerebral, janela redonda e intracoclear, sendo esse último principalmente após o advento do implante coclear (2, 4-7). O objetivo deste estudo foi avaliar a freqüência de zumbido entre os pacientes com surdez profunda bilateral submetidos à colocação de implante coclear multicanal, assim como sua evolução após o estabelecimento da estimulação elétrica.

CASUÍSTICA E MÉTODO

Foram analisados todos os pacientes com surdez profunda bilateral já submetidos a implante coclear multicanal pela equipe de otologia da Divisão de Clínica Otorrinolaringológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo no período de abril de 1999 a novembro de 2001. Os critérios de inclusão adotados foram:

1. Uso de implante coclear multicanal da marca Nucleus (22 ou 24 canais) com estimulação elétrica constante há pelo menos 2 meses.

2. Ciência da pesquisa e assinatura do termo de consentimento pós-informação. Foram excluídos apenas os pacientes residentes fora do Brasil ou sem código lingüístico mínimo para compreensão da pesquisa. Assim, nossa amostra foi composta por 21 indivíduos, sendo 10 do sexo masculino (47,6%) e 11 do sexo feminino (52,4%).

A idade variou de 7 a 74 anos, com média de 37,5 anos e mediana de 38 anos.

Em relação ao tipo de surdez, 15 pacientes apresentavam deficiência auditiva pós-lingual (71,4%) e 6 eram pré-linguais (28,6%). A avaliação foi sempre realizada pelos mesmos dois pesquisadores por meio de entrevista individual com os pacientes, usando-se um questionário com perguntas envolvendo a perda auditiva e as características do zumbido no pré e pós-operatório. O incômodo do zumbido foi avaliado subjetivamente por meio da escala análogo-visual, onde 0 significa ausência de incômodo e 10, incômodo no grau máximo, comparando-se os valores obtidos no pré e pós-operatório. O efeito da estimulação elétrica do implante coclear sobre o zumbido também foi avaliado pela resposta à pergunta “o que aconteceu com o seu zumbido após o uso do implante coclear?”. Antes de serem submetidos ao implante coclear, todos os pacientes haviam sido homogeneamente selecionados com base na presença de disacusia neurossensorial profunda bilateral e discriminação menor do que 30% em teste de sentenças abertas com uso de aparelho de amplificação sonora individual potente.

A escolha do lado a ser implantado foi sempre baseada em critérios audiológicos e radiológicos, não havendo envolvimento da presença do zumbido como fator determinante dessa escolha (8).

RESULTADOS

A freqüência de ocorrência do zumbido em pacientes com disacusia neurossensorial profunda previamente ao implante coclear foi de 61,9% (13 pacientes), como demonstrado no Gráfico 1.

A localização do zumbido nesses 13 pacientes era: bilateral em 6 casos (46,2%), unilateral em 3 (23,1%), na cabeça em 2 (15,4%) e em ambas as orelhas e cabeça em 1 (7,7%). Um paciente não conseguiu definir a localização de seu sintoma.







Doze dos 13 pacientes (92,3%) com zumbido préimplante apresentavam surdez pós-lingual. Já nos 8 pacientes (38,1%) sem zumbido pré-implante, 3 (37,5%) apresentavam surdez pós-lingual e 5 (62,5), pré-lingual (Gráfico 2). Após um mínimo de 2 meses de estimulação elétrica pelo implante coclear, 8 dos 13 pacientes (61.5%) com zumbido referiram melhora do sintoma, 3 (23,1%) permaneceram sem alteração e 2 (15,4%) referiram piora (Gráfico 3).

Entre os indivíduos com melhora pós-operatória, todos referiram melhora bilateral, mesmo em uso de implante unilateral. Dos 3 pacientes com zumbido unilateral, um foi operado do lado ipsilateral e 2 do lado contralateral ao zumbido.

Estes dois últimos apresentaram melhora importante do zumbido na orelha contralateral, mas a paciente submetida a implante no lado ipsilateral ao sintoma referiu não haver qualquer alteração do mesmo após a cirurgia. Nenhum dos pacientes sem zumbido prévio teve seu aparecimento após a cirurgia propriamente dita ou após a estimulação elétrica. A única complicação pós-operatória ocorreu em uma das pacientes que referiram piora do zumbido pósimplante. Inicialmente recebeu o implante Nucleus 22 do lado esquerdo e cerca de 30 dias após a programação inicial do processador de sons, apresentou novamente perda auditiva, não sendo detectado nenhum problema com o aparelho; após 8 meses, foi submetida a nova cirurgia do outro lado e, depois de 12 dias de funcionamento do novo implante, ocorreu o mesmo problema.

Não foi encontrada nenhuma explicação possível para justificar este caso.

A outra paciente que apresentou piora do zumbido após o implante deixou de usá-lo exclusivamente pelo aumento do sintoma quando o aparelho está ligado, apesar do resultado satisfatório em relação à audição.

DISCUSSÃO

Várias formas de tratamento para o zumbido têm sido propostas, desde o uso de medicamentos até a estimulação elétrica das vias auditivas, mas nenhuma tem se mostrado totalmente eficaz para tal objetivo.

Desde que Grapengiesser, em 1801, obteve melhora temporária do zumbido ao aplicar a corrente direta em eletrodos locados no meato acústico externo, vários autores têm estudado os efeitos que a estimulação elétrica apresenta sobre as vias auditivas, particularmente sobre o zumbido.

Atualmente, o uso da corrente elétrica direta foi abandonado pela possibilidade de danos teciduais extensos na cóclea, sendo substituída pela corrente alternada, considerada mais segura por não produzir reações eletroquímicas lesivas à cóclea (2, 4, 5). Embora o objetivo inicial do uso do implante coclear seja restaurar a audição a níveis aceitáveis em pacientes com disacusia neurossensorial severa ou profunda bilateral, seu uso também auxilia na melhora do zumbido em uma proporção apreciável de pacientes (1, 2, 6, 9-15). Nossos resultados são coincidentes com a literatura. HOUSE, em 1976, estudou 11 pacientes submetidos a implante coclear que apresentavam zumbido prévio à cirurgia, obtendo supressão em três, melhora parcial em cinco e inalteração em três pacientes quando em uso do aparelho, portanto com bom resultado em 8 dos 11 pacientes (9).

Em 1985, THEDINGER et al. realizaram análise de cinco pacientes submetidos a implante coclear, mas que foram selecionados pela gravidade do zumbido e refratariedade a outros tratamentos, e não pela perda auditiva. Dois pacientes notaram melhora ou supressão do sintoma e dois não notaram nenhuma alteração. Uma paciente submetida a implante bilateral permaneceu com zumbido inalterado em um dos ouvidos e com piora no outro, sendo necessária a retirada do aparelho a pedido da paciente.

Neste estudo com pacientes sem perda auditiva severa, houve piora importante dos limiares auditivos após a cirurgia (16). MCKERROW et al, em 1991, analisaram seis pacientes submetidos a implante coclear multicanal, obtendo supressão bilateral em dois pacientes e melhora em três, portanto com efeitos benéficos em cinco dos seis pacientes (11). Em 1992, Souliere et al estudaram 28 pacientes, dos quais 15 relataram diminuição, 12 permaneceram inalterados e um notou piora do zumbido.

Quanto ao incômodo provocado pelo mesmo, 12 notaram melhora, 14 não notaram diferença e dois relataram piora. Uma melhora estatisticamente significante tanto na intensidade quanto no incômodo provocado pelo zumbido foi demonstrada (10). ITO, em 1997, realizou estudo com uma grande amostra, incluindo 60 pacientes submetidos a implante coclear.

Quanto à intensidade do zumbido, houve melhora importante em 19 (35%) casos, melhora relativa em 16 (30%), inalteração em 17 (31%) e piora em 2 casos (4%) (13). Embora não tenha sido objetivo do nosso estudo, observamos uma possível ação central da estimulação unilateral, uma vez que alguns pacientes relataram melhora do zumbido também no lado contralateral ao implante coclear. Assim, com o advento do implante coclear para melhora da audição em pacientes com disacusia neurossensorial profunda, uma nova forma de melhora do zumbido também foi possível.

Todos os estudos realizados no sentido de analisar o efeito do implante coclear sobre o zumbido nesses pacientes apresentaram resultados favoráveis. Alguns fatores têm sido descritos para explicar tal fenômeno.

Inicialmente a própria estimulação elétrica das vias auditivas, como já vem sendo estudado há séculos, tem efeito sobre a supressão do zumbido. Além disso, aventa-se um efeito de mascaramento produzido pelas sensações auditivas quando o processador de sons está em funcionamento.

Finalmente, um possível efeito central também pela estimulação elétrica das vias auditivas pode ser considerado através da observação de que alguns pacientes relatam melhora também no lado contralateral ao estímulo. Portanto, é possível que, no futuro, a presença do zumbido venha a representar um papel mais importante no processo de seleção do lado a ser implantado.

CONCLUSÃO

A estimulação elétrica por meio do implante coclear proporcionou melhora do zumbido em 61,5% dos pacientes que já o apresentavam antes da cirurgia e não induziu seu aparecimento em nenhum paciente sem sintoma prévio.

AGRADECIMENTOS

Os autores gostariam de agradecer às fonoaudiólogas M. Valéria S. Goffi Gómez, Sandra B. Giorgi Sant’Anna e Mariana Guedes pelo auxílio na convocação e na atualização dos dados de alguns pacientes.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Ito J, Sakakihara J. Suppression of tinnitus by cochlear implantation. Am J Otolaryngol, 15(2): 145-148, 1994.
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3. Dauman R, Tyler RS, Aran JM. Intracochlear electrical tinnitus reduction. Acta Otolaryngol, 113: 291-295, 1993a.
4. Miniti A, Elizabetsky M, Bento RF. A eletroestimulação no tratamento do zumbido idiopático. Rev. Bras. Otorrinolaringologia, 55 (3): 134-141, 1989.
5. Steenerson RL, Cronin GW. Treatment of tinnitus with electrical stimulation. Otolaryngol Head Neck Surg, 121 (5): 511-513, 1999.
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16. Thedinger B, House WF, Edgerton BJ. Cochlear Implant for Tinnitus, case reports. Ann Otol Rhinol Laryngol, 94: 10-13, 1985.

* Médico Residente da Divisão de Clínica Otorrinolaringológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
** Professora Colaboradora Doutora da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
*** Médico Assistente Doutor da Divisão de Clínica Otorrinolaringológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
**** Professor Associado da Disciplina de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.

Divisão de Clínica Otorrinolaringológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo
Apresentado no XXXIV Conventus ORL Latina, em 2 a 4 de maio de 2002, em São Paulo, recebendo o prêmio de 3º melhor trabalho científico
Endereço para correspondência: Dra. Tanit Ganz Sanchez – Rua Pedroso Alvarenga, 1255 – cj. 27 – São Paulo /SP CEP 04531-012 – Telefone: (11) 3167-6556 –
Fax: (11) 3079-6769 – E-mail: tanitgs@attglobal.net
Artigo recebido em 1º de abril de 2002. Artigo aceito em 4 de maio de 2002
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