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Ano: 2002  Vol. 6   Num. 3  - Jul/Set Print:
Neoplasias Benignas das Glândulas Salivares
Benign Neoplasms of the Salivary Glands
Author(s):
João Aragão Ximenes Filho*, Rui Imamura**, Luiz Ubirajara Sennes***.
Palavras-chave:
neoplasia, glândula salivar, etiopatogenia, diagnóstico.
Resumo:

Introdução: As neoplasias benignas são responsáveis por 75% dos tumores que acometem as glândulas salivares. Pesquisas têm sido realizadas nos últimos anos na procura de fatores envolvidos na gênese de tais neoplasias. Novos métodos diagnósticos têm se somado aos antigos, incrementando a investigação clínica desta enfermidade. Objetivo: Nosso objetivo foi rever a literatura, destacando os recentes avanços na abordagem diagnóstica e a classificação histológica mais recentemente utilizada. Conclusões: Apesar de sua baixa freqüência relativa, cabe ao médico especialista estar sempre atento para a realização do diagnóstico precoce dessa enfermidade. Cabe ainda está atento para novos métodos diagnósticos utilizados na avaliação de pacientes com massas em topografia de glândulas salivares.

INTRODUÇÃO

O estudo das lesões neoplásicas das glândulas salivares vem passando por freqüentes mudanças, em decorrência de sua relativa baixa incidência, alterações na classificação histopatológica e variação importante em seu comportamento biológico. Anatomicamente, as glândulas salivares dividem-se em maiores (parótida, submandibular, sublingual) e menores (1).

A parótida é a principal e a maior delas, localizandose abaixo do crânio e posterior ao ramo da mandíbula e apresentando forma de prisma quadrangular.

Seu ducto secretor (Stensen, ou no Latim Stenon) desemboca na boca ao nível do colo do 1º molar superior. A glândula submandibular encontra-se numa loja delimitada externamente pela mandíbula, superiormente por musculatura do soalho da boca e inferiormente pela fáscia cervical superficial.

Seu ducto secretor (Wharton) passa entre os músculos milo-hióide e hioglosso, sendo cruzado pelo XII par craniano e a veia lingual superficial. A glândula sublingual localiza-se paralelamente ao corpo do maxilar.

Encontra-se posterior ao ramo da mandíbula, abaixo da mucosa bucal e acima do milo-hióide. Possui vários ductos de drenagem, sendo o maior deles chamado de ducto de Rivinus. As glândulas salivares menores são estimadas entre 600 a 1000 pequenas glândulas independentes, encontrando- se em toda a cavidade oral, tonsilas palatinas, faringe e laringe.

Cada glândula possui ducto secretor próprio que se abre na cavidade oral (1). As glândulas salivares originam-se como brotos de proliferações maciças do epitélio da boca durante a 6a e 7a semanas de gestação (2).

A parótida surge a partir de brotos do revestimento ectodérmico do estomodeu (boca primitiva), formando cordões sólidos que mais tarde desenvolvem luz e formam ductos. As extremidades são arredondadas e diferenciam-se em ácinos.

A submandibular desenvolve- se de brotos do endoderma do soalho do estomodeu. Seu ducto forma-se pelo fechamento do sulco paralingual. A glândula sublingual aparece um pouco mais tarde, desenvolvendo-se como brotos múltiplos do endoderma no sulco paralingual. A função das glândulas salivares é excretar saliva. Essa dissolve o alimento contido na boca, facilita a sensação gustativa, altera a constituição do bolo alimentar, umedece alimentos secos, bem como limpa continuamente a cavidade oral de impurezas (3).

Possui função digestiva, por conter amilase salivar, que degrada amido. Ao lubrificar o alimento, a saliva contribui na função de deglutição. Possui também lisozima, com ação bactericida. O fluxo salivar possui ciclo circadiano. É quase nulo durante o sono e pode chegar a 4 ml/min na vigília. Ao dia são produzidos cerca de 500 ml de saliva.

A viscosidade da saliva também difere entre as glândulas:

a parótida tem secreção menos viscosa, enquanto a submandibular produz saliva com maior viscosidade e a sublingual com viscosidade intermediária.

Estas três glândulas produzem cerca de 93% da saliva, cabendo os 7% restantes às glândulas salivares menores. O controle da salivação é complexo, participando os Sistemas Simpático e Parassimpático.

Algumas drogas diminuem a produção de saliva, devendo ser de conhecimento dos médicos:

analgésicos, anti-convulsivantes, anti-eméticos, anti-hipertensivos, anti-histamínicos, diuréticos, descongestionantes e psicotrópicos (3). O objetivo deste estudo é fazer uma revisão da literatura sobre as neoplasias benignas das glândulas salivares, enfocando os recentes avanços na sua abordagem diagnóstica.

REVISÃO DA LITERATURA

Epidemiologia

Os tumores das glândulas salivares são relativamente raros, constituindo cerca de 3 a 4% de todos os tumores da região cérvico-facial (4).

A maioria destes tumores origina-se na glândula parótida (70%), seguida pela glândula submandibular (22%) e pelas glândulas salivares menores (8%).

A glândula sublingual é apenas excepcionalmente acometida por doenças neoplásicas (4). A relação entre homens e mulheres é de 1:1, observando-se, no entanto, variações importantes em relação aos diferentes tipos histológicos. A idade média de aparecimento é de 45 anos, com pico entre a 5a e a 6a décadas.

Cerca de 75% dos tumores das glândulas salivares são neoplasias benignas, sendo o adenoma pleomórfico o tipo histológico mais comum. Os tumores malignos das glândulas submandibulares e glândulas salivares menores têm pior prognóstico quando comparado aos da glândula parótida.

Existe ainda diferença na incidência do câncer em relação às diversas glândulas: apenas 25% dos tumores da parótida são malignos, enquanto na glândula submandibular este número sobe para 43%, chegando a 82% nas glândulas salivares menores (4).

Fatores Etiológicos A etiologia das neoplasias das glândulas salivares permanece incerta, apesar dos avanços na patologia, citogenética e imunohistoquímica. No entanto, alguns fatores ambientais e genéticos têm sido apontados em diferentes estudos clínicos como envolvidos no desenvolvimento dessas doenças. A radiação é um desses fatores.

Um estudo em sobreviventes da bomba atômica (5) mostrou que estes indivíduos apresentam maior risco relativo de surgimento de tumores benignos e malignos comparado à população geral.

A irradiação da região cérvico-facial para o tratamento de neoplasias da cabeça e pescoço parece também aumentar a incidência dessas neoplasias (4). Existem evidências implicando o vírus Epstein-Barr (EBV) no surgimento de certas neoplasias das glândulas salivares, provavelmente relacionado a seu potencial oncogênico. Alguns grupos populacionais como esquimós e chineses apresentam maior incidência de linfoepiteliomas de glândulas salivares e esses têm sido atribuídos ao EBV através da detecção de oncoproteínas virais em cultura de células tumorais (6).

Parece haver associação do EBV com o surgimento dos tumores de Warthin múltiplos ou bilaterais, onde o genoma viral foi detectado em 86,7% dos casos. Nos tumores solitários, apenas 16,7% apresentavam o genoma do EBV (7).

A infecção crônica das células ductais pelo EBV pode ser a responsável pelo surgimento deste tipo tumoral. Apesar de não estar relacionado com o desenvolvimento de carcinomas de glândulas salivares, o tabagismo tem recentemente sido associado com o Tumor de Warthin (8).

A variação na incidência entre fumantes e não fumantes foi de 7,6 para homens e 17,4 para mulheres. Esta associação entre tabagismo e neoplasia fez com que a incidência proporcional deste tumor venha crescendo nos últimos 30 anos. Entre os anos de 1930 e 1949, o Tumor de Warthin representava cerca de 6,5% dos tumores da parótida. Entre 1968 e 1989, este número subiu para 24,2% (8).

Ainda devido a esta associação causal, ocorreu uma diminuição na predileção deste tumor pelo sexo masculino, aumentando o número de casos entre mulheres.

Não parece, contudo, haver associação do tabagismo com outras neoplasias benignas das glândulas salivares. Alterações cromossômicas como perda da porção q do cromossomo 12 tem sido relacionada com o surgimento do Adenoma Pleomórfico, com associação de 35% segundo a literatura (9).

Quadro Clínico

História clínica e exame físico geral são os passos iniciais na avaliação de pacientes com tumores benignos de glândulas salivares. Estes tumores manifestam-se comumente como massas de crescimento lento e indolor. Crescimento rápido sugere infecção, degeneração cística, hemorragia dentro da massa ou transformação maligna, e pode estar associado a sintomas álgicos (4). Como regra, lesões tumorais benignas são móveis, não apresentam ulceração em pele ou paralisia de pares cranianos.

A paralisia do VII par por uma massa parotídea sugere fortemente tumor maligno, apesar de não ser patognomônica, uma vez que pode ocorrer pela compressão ou estiramento do nervo por tumores benignos volumosos.

Existem 17 casos descritos na literatura de neoplasias benignas que cursaram com paralisia do VII par craniano (10). Outros sinais sugestivos de malignidade são fixação da massa na pele ou em estruturas adjacentes e linfadenomegalia cervical.

Contudo, estes são sinais tardios, que denotam extensão tumoral extra-glandular. A glândula parótida pode ser sítio de metástases de tumores malignos da pele, sendo que a história e a presença de lesão de pele devem ser sempre investigadas em toda região cérvico-facial na procura do sítio do tumor primário (4). O exame de orofaringe pode evidenciar acometimento do lobo profundo da glândula parótida, bem como de glândulas salivares menores no espaço parafaríngeo. Esses tumores podem deslocar a tonsila palatina medialmente, dando a falsa impressão de hipertrofia amigdaliana unilateral. Os tumores benignos das glândulas submandibulares manifestam-se como massas indolores no espaço submandibular e devem ser diferenciados de sialoadenites crônicas, que também podem cursar com aumento da glândula e levar a linfadenomegalia reacional, confundindo o diagnóstico.

Extensão perineural acometendo o nervo lingual causa dormência da língua, enquanto do nervo hipoglosso causa fraqueza em sua movimentação e alertam para a possibilidade de tumor maligno.

Os tumores das glândulas salivares menores, bem menos freqüentes, apresentam-se como massas de superfície lisa, recobertas por mucosa, ocorrendo geralmente no palato duro.

Punção Aspirativa por Agulha Fina

Nos últimos anos, a punção aspirativa por agulha fina (PAAF) tem conquistado grande aceitação entre cirurgiões e patologistas devido a seus altos índices de sensibilidade (85,5 a 99%) e especificidade (96,3 à 100%) (4,11). No entanto, esses resultados dependem da experiência do citopatologista na interpretação dos achados, da técnica utilizada e do processamento do material.

A principal causa de erro no exame parece ser a falha na coleta, com amostra inadequada (12). O impacto da PAAF na conduta cirúrgica foi estudado por HELLER et al. (13), onde os autores mostraram que houve mudança na conduta em cerca de 35% dos casos, além de ajudar na conscientização préoperatória do paciente quanto à possibilidade ou não de se tratar de neoplasia maligna. Algumas dificuldades diagnósticas ocorrem na diferenciação entre Adenoma Pleomórfico e o Carcinoma Adenóide Cístico (CAC) quando se utiliza a PAAF.

Ambos caracterizam-se por elementos mesenquimais e epiteliais, possuindo achados citológicos superponíveis.

Num estudo comparando achados citológicos desses dois tumores, houve concordância diagnóstica em 91% dos casos com o laudo anatomopatológico.

Os erros diagnósticos decorreram das variações citológicas presentes no Adenoma Pleomórfico como transformação cística e padrão cilindrohialino que sugerem diagnóstico de CAC (14).

Exames de Imagem

A Sialografia permite a avaliação do sistema ductal das glândulas parótidas e submandibulares. Foi utilizado pela primeira vez em 1904, sendo hoje empregada principalmente na diferenciação entre cálculos, doenças obstrutivas, lesões inflamatórias e trauma penetrante.

A técnica original foi sendo adaptada, incorporando novas tecnologias como o uso de contraste hidrossolúvel, uso associado de xerorradiografia, pneumografia com tomografia, sialografia secretora e sialografia com tomografia computadorizada.

É contra-indicada quando há sialoadenite aguda, bem como em pacientes com alergia ao iodo (15). Apesar dos avanços em sua técnica, a sialografia é de pouco auxílio no estudo de lesões tumorais, uma vez que se limita a demonstrar o efeito da compressão tumoral sobre o sistema ductal e não auxilia na diferenciação entre tumores benignos e malignos. As glândulas salivares podem também ser avaliadas mediante estudo cintilográfico, principalmente as glândulas parótidas (15-17).

Este método é utilizado para avaliar função do parênquima glandular e detectar lesões tumorais, não se prestando para o estudo do sistema ductal. O tecnécio tem sido a substância mais utilizada. Em estudo normal, a captação da parótida ocorre antes da realizada pela submandibular, e esta captação deve ser simétrica.

Em lesões tumorais, estima-se que este exame tenha acurácia de 78%, porém apresenta 22% de falso-negativo, mostrando ter baixa sensibilidade (16). Descrita pela primeira vez em 1971 (18), a ultrasonografia de glândulas salivares trás vantagens como baixo custo, não invasividade, simplicidade de execução e ausência de complicações.

Sua desvantagem é a limitação em avaliar massas profundas no interior da glândula. É útil na diferenciação entre lesões sólidas e císticas, bem como na distinção entre lesões intrínsecas e extrínsecas à glândula (4). Apresenta acurácia na diferenciação entre benignidade e malignidade em torno de 90% dos casos.

Nas lesões tumorais, sua principal utilização é como auxiliar na punção aspirativa (19). A ultrassonografia com Doppler é procedimento não invasivo que pode ajudar na avaliação pré-operatória, utilizando-a na avaliação da vascularização das neoplasias de glândulas salivares.

Por exemplo, a Síndrome de Sjögren e a Sarcoidose apresentam hipervascularização do parênquima glandular, tumores benignos mostram menor vascularização quando comparado aos tumores malignos e o Adenoma Pleomórfico mostra-se com hiperfluxo na periferia do tumor (20). Tumores onde há achados clínicos sugestivos de malignidade, bem como aqueles localizados no lobo profundo da parótida e espaço parafaríngeo ou das glândulas submandibular e sublingual são os mais beneficiados com a utilização da tomografia computadorizada e ressonância nuclear magnética.

Estes métodos permitem uma melhor avaliação da localização e extensão dos tumores, além da relação com estruturas neurovasculares adjacentes, disseminação perineural, invasão de base de crânio e intracraniana (4). A tomografia computadorizada (TC) apenas raramente sugere o tipo histológico mais provável, como nos casos de lipoma.

Pode, contudo ajudar na diferenciação entre tumor benigno (margens bem definidas) ou maligno. Achados de destruição óssea da mandíbula e base de crânio são mais bem avaliados pela TC do que pela Ressonância Magnética (RM), enquanto esta avalia melhor o acometimento de medula óssea.

A TC auxilia ainda na identificação de metástases cervicais caso estas estejam presentes. A RM é mais sensível e específica na avaliação de disseminação tumoral perineural (4).

Substituição de gordura perineural por tecido tumoral, aumento de volume do nervo, realce com uso de contraste gadolinium são sinais mais precoces de envolvimento perineural do que aqueles evidenciados na TC, como o aumento do diâmetro dos forames ósseos. A RM é também superior à TC na avaliação de destruição da arquitetura glandular e em delinear a interface entre o tumor e o tecido são.

É útil na avaliação de invasão de base de crânio, infiltração do V e VII pares cranianos, bem como do seio cavernoso. Essa análise pode contribuir na conduta cirúrgica, ou mesmo na sua contra-indicação. A RM é também superior à TC na avaliação da relação do tumor com a artéria carótida e o parênquima cerebral quando há invasão intracraniana.

Outra vantagem é na diferenciação dos tumores oriundos do mesênquima glandular daqueles originados de vasos. É um tumor que apresenta recidiva em 1,3 a 2,7%, sendo a principal causa sua exérese inadequada, em que as extensões digitiformes do tumor não são consideradas (27).

Apesar de ter cápsula esta apresenta fenestrações, sendo necessário a ressecção de uma margem de tecido parotídeo normal juntamente com o tumor, para evitar recidivas.

Quando ocorrem, a conduta é um problema complexo, pois além de poder ser multicêntrica, a sua exérese cirúrgica é difícil, podendo haver lesão do facial. Nesses casos deve-se usar a monitorização intra-operatória do nervo facial a fim de diminuir a seqüelas (27).

Quando o tratamento torna-se inviável, a radioterapia surge como opção, porém ainda com controvérsias na literatura.

Existem casos descritos de seguimento clínico de recidivas com resultados satisfatórios (28).

Tumor de Warthin

Também chamado de adenolinfoma ou de cistoadenoma papilífero linfomatoso, ocorre quase que exclusivamente na parótida e é responsável por 10 a 15% dos tumores desta glândula, sendo o 2o tipo mais freqüente das neoplasias benignas das glândulas salivares (4,29). Contém predominantemente tecido linfóide. Tem predileção pelo sexo masculino e é raro em negros. É bilateral em 10% dos casos.

Pode apresentar acometimento unilateral multifocal. Usualmente é assintomático, porém alguns pacientes queixam-se de queimação, edema, dor e outras alterações inflamatórias.

Geralmente é encontrado no lobo superficial da parótida, próximo ao ângulo da mandíbula. Também tem sido descrito no espaço parafaríngeo e menos comumente na glândula submandibular ou em glândulas salivares menores do palato ou lábio inferior. É capsulado, com superfície lobulada.

Cistos papilíferos são comumente encontrados ao seccioná-lo, e contém fluido mucóide escurecido.

Apresenta aparência glandular eosinofílica, por ser rico em mitocôndrias.

Na cintilografia, apresenta-se como nódulo quente, pois capta bem o tecnécio (4).

Seu tratamento é cirúrgico, usualmente parotidectomia com preservação do VII par.

A recorrência pode ser explicada pela excisão inadequada, bem como pela multicentricidade tumoral.

Mioepitelioma

Tumor de origem em células que se encontram entre o epitélio ductal e acinar.

Este tumor exibe diferentes padrões, podendo ser sólido, reticular, mixóide ou combinações destes.

O componente celular pode apresentar diferentes formatos:

plasmocitóide, epitelióide, claro ou a mistura de formas. São pouco dolorosos e de crescimento lento.

Não apresentam predileção por sexo e ocorrem tanto em glândulas salivares maiores como menores.

Histologicamente, sua diferenciação mais difícil é com o plasmocitoma, neurilemoma, fibroma, meningioma e leiomioma.

Pode, ocasionalmente, apresentar comportamento localmente agressivo.

Seu tratamento é cirúrgico.

Adenoma de células basais

Era classificado como adenoma monomórfico. Ocorre mais freqüentemente na parótida, de forma capsulada, e em glândulas salivares menores do lábio superior na forma não capsulada.

São tumores sólidos e bem circunscritos. A presença de membrana basal intacta ajuda na sua diferenciação com o adenoma pleomórfico.

Clinicamente, deve ser diferenciado de linfadenomegalia, cistos sebáceos, mucoceles, lipomas, cistos nasolabiais ou adenoma pleomórfico.

Na punção por agulha fina, pode ser confundido com CAC. Por vezes, a correta diferenciação entre ambos só é possível com estudo anatomopatológico. Seu tratamento é cirúrgico.

Oncocitoma

Representa menos de 1% de todas as neoplasias das glândulas salivares. Origina-se dos oncócitos, células epiteliais que também podem ser encontradas em outros órgãos como pâncreas, tireóide, rim, sendo sua maior incidência, no entanto, no lobo superficial da glândula parótida. Ocorre mais em idosos (55 a 70 anos ao diagnóstico), sem preferência por sexo.

É indolor, com crescimento lento, e capta tecnécio, aparecendo como nódulo quente na cintilografia. Sua diferenciação histológica se faz pela riqueza de mitocôndrias em suas células, podendo ser confundido com o carcinoma adenóide cístico, adenoma pleomórfico, carcinoma mucoepidermóide e o adenocarcinoma, além de metástases de carcinomas tireoideano e renal. Apesar de benigno, pode apresentar potencial destrutivo, devendo ser tratado cirurgicamente.

Adenoma canalicular

Apresenta aspecto basalóide e possui duas camadas de células escuras fixadas em um estroma vascular frouxo. Clinicamente, são neoplasias pequenas, encontradas principalmente no lábio superior. Seu tratamento é cirúrgico.

Adenoma sebáceo

Também chamado de linfadenoma sebáceo, é um raro tumor benigno das glândulas salivares. Surge em glândulas sebáceas normais presentes em tecido interductal em fundo cego, em meio a tecido glandular funcionante. Raramente ocorre em glândulas salivares menores. Não há casos descritos de malignidade. São clinicamente assintomáticos, de crescimento lento e usualmente ocorrem na parótida. Seu tratamento é cirúrgico.

Papiloma ductal

Divide-se em três tipos histológicos:

o papiloma ductal invertido, o papiloma intra-ductal e o sialoadenoma papilífero.

O primeiro origina-se do ducto excretor de glândulas salivares menores. São raros, com poucos casos descritos na literatura. Usualmente, manifestam-se como lesões elevadas, não ulceradas. Deve ser diferenciado de tumores como o lipoma e o fibroma. Excisão cirúrgica é o tratamento de escolha.

O papiloma intra-ductal é um raro tumor solitário do ducto excretório de glândulas salivares menores e o sialoadenoma papilífero, igualmente raro, apropria-se do nome do tumor de pele siringocistoadenoma papilífero. Apresenta crescimento lento a moderado, indolor, ocorrendo principalmente em homens de 60 anos ou mais. Origina-se do ducto extra-lobular superficial.

Deve ser diferenciado de outras lesões papilíferas como o papiloma escamoso, hiperplasia verrucosa ou carcinoma. É exofítico, podendo ser distinguido de outras lesões orais. Seu tratamento é cirúrgico.

Cistoadenoma

Divide-se histologicamente em duas formas: cistoadenoma papilífero e mucinoso.

O cistoadenoma papilífero lembra histologicamente o tumor de Warthin, porém sem o estroma linfóide. Origina-se principalmente na parótida, sendo tumor incomum. Não tem predileção por sexo, ocorrendo geralmente em paciente com 50 anos ou mais. São indolores e podem surgir na laringe (causando rouquidão ou tosse), nasofaringe, mucosa bucal ou palato. Usualmente são tumores solitários podendo, contudo, também ocorrer de forma múltipla.

Estes tumores podem refletir metaplasia ou hiperplasia de ductos de glândulas salivares, porém devem ser tratados com exérese cirúrgica.

O cistoadenoma mucinoso é um tumor cístico, circunscrito, onde há células produtoras de muco revestindo o cisto.

Sua importância é na diferenciação com carcinomas, mais freqüentes, que também contém células produtoras de muco.

Tratamento

O tratamento de eleição das neoplasias benignas das glândulas salivares é o cirúrgico, pois o objetivo é remover o tumor, corrigir defeitos estéticos e evitar complicações como compressão neural ou malignização. A quimioterapia e a radioterapia têm sido utilizadas apenas excepcionalmente no tratamento das neoplasias benignas. O principal problema do tratamento cirúrgico dos tumores da parótida é a lesão do nervo facial. Nos tumores da glândula submandibular o tratamento é a exérese total da glândula. A melhor forma de se abordar cirurgicamente a parótida ainda é motivo de alguma controvérsia. Porém dois pontos são fundamentais quando se aborda tal glândula: a exérese total da neoplasia com margens de segurança e a preservação do VII par e de seus ramos. Os procedimentos cirúrgicos mais usados são:

1. Parotidectomia Superficial - consiste na exérese de pequena porção de glândula, estando indicado apenas em pequenos tumores situados na superfície. A via de acesso a estes tumores é através de incisões paralelas ao trajeto dos ramos do nervo facial a fim de diminuir a possibilidade de lesão nervosa (30). Atualmente, possui poucos adeptos, pois é freqüente a abertura da cápsula tumoral, aumentando consideravelmente o índice de recidivas;

2. Lobectomia Superficial - consiste na remoção total do lobo superficial da parótida, onde se encontram 90% dos tumores. Considera-se plano superficial aquele que está acima do nível do nervo facial, e profundo o que estiver abaixo. Deve-se evitar o uso de relaxantes musculares se for utilizado a monitorização intra-operatória do nervo facial. As incisões em “S” e em “Y” são as mais utilizadas. O ponto central da tática cirúrgica é a identificação do tronco do nervo facial na sua emergência no forame estilo-mastóideo. Dissecando cada um de seus ramos é possível remover a glândula com baixos índices de complicação.

3. Parotidectomia Total - está indicada quando houver invasão do lobo profundo por tumor do lobo superficial ou por tumor primário daquele lobo. Após a dissecção do facial e seus ramos estes são afastados delicadamente para a abordagem mais profunda.

Em tumores muito volumosos, a secção do ligamento estilomandibular e a fratura da apófise estilóide podem aumentar o espaço cirúrgico para a total exérese do tumor. As complicações mais freqüentes decorrentes do tratamento cirúrgico são:

1. Recidiva - deve ser nula, uma vez que o objetivo do tratamento é a cura. No entanto o tipo histológico pode interferir com a taxa de recidiva, sendo mais freqüente no AP. Esse tumor possui cápsula fenestrada e pode haver saída de conteúdo tumoral pelos microporos. Outro fator contribuinte da recidiva no AP é a possível multicentricidade tumoral já discutida;

2. Lesão do Nervo Facial - é a complicação mais temida pelo cirurgião. Pode ocorrer lesão parcial ou total, temporária ou definitiva. Nos tumores benignos, não se justifica a secção do tronco do facial, como algumas vezes é necessário em tumores malignos. O ramo mandibular no nervo facial é o mais acometido.

Como opções de tratamento temos a enxertia nervosa, utilizando o grande auricular ou o nervo sural e a reinervação dos cotos distais do facial com os cotos proximais do hipoglosso ou do espinhal (4,16).

3. Síndrome de Frey - caracteriza-se por rubor e sudorese na região parotídea, usualmente durante a mastigação, podendo instalar-se no pós-operatório imediato ou tardio (mais freqüente). Sua incidência varia na dependência do interesse do cirurgião em diagnosticá-la (16). Parece ser causada por inervação cruzada das glândulas sudoríparas da pele por ramos simpáticos da parótida. Tratamento com anti-colinérgicos apresenta resultados precários.

Tratamento cirúrgico pode ser feito com a secção das fibras do nervo de Jacobson, ramo do IX par craniano, ou pela interposição de fáscia lata no leito cirúrgico. Regressão espontânea pode ocorrer;

4. Fístulas Salivares - ocorrência rara, com incidência entre 0,4 a 2,2 %. O tratamento é feito com curativos compressivos ou cauterização química do orifício externo da fístula;

5. Outras - podemos citar os hematomas pós-operatórios e infecções da ferida cirúrgica.

COMENTÁRIOS FINAIS

Alguns pontos importantes merecem destaque:

1. É necessário por parte do otorrinolaringologista e cirurgião de cabeça e pescoço o perfeito conhecimento da anatomia e fisiologia destas glândulas para uma correta abordagem clínica e cirúrgica;

2. Apesar de sua baixa freqüência relativa, cabe ao médico especialista estar sempre atento para a realização do diagnóstico precoce;

3. Novos aspectos etiopatogênicos estão sendo estudados, como a associação do Tumor de Warthin com o tabagismo e com a infecção crônica da glândula pelo Vírus de Epstein-Barr, necessitando, contudo, de mais estudos para a confirmação destas hipóteses;

4. A punção com agulha fina tem se mostrado um método diagnóstico seguro, devendo ser sempre utilizado na avaliação de massas em topografia de glândulas salivares;

5. A necessidade do estudo de imagens, em especial da Tomografia Computadorizada e da Ressonância Magnética, principalmente para facilitar a abordagem cirúrgica.

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* Doutorando do Curso de Pós-Graduação em Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da USP.
** Médico Assistente Doutor da Divisão de Clínica Otorrinolaringológica do Hospital das Clínicas da FMUSP.
*** Professor Associado da Disciplina de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.

Trabalho desenvolvido na Divisão de Clínica Otorrinolaringológica do Hospital das Clínicas da FMUSP.
Endereço para correspondência: João Aragão Ximenes Filho – Avenida Rebouças, 1101/92 – CEP 05401-150 – São Paulo /SP – Telefone: (11) 3063-0871 –
E-mail: joaoximenes@ig.com.br
Artigo recebido em 29 de fevereiro de 2002. Artigo aceito com correções em 6 de junho de 2002.
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