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Ano: 2003  Vol. 7   Num. 3  - Jul/Set Print:
Original Article
Medidas de Telemetria de Resposta Neural em Usuários de Implante Coclear Multicanal
Neural Response Telemetry Measures in Patients Implanted with Nucleus 24®
Author(s):
Mariana Cardoso Guedes*, Maria Valéria S. Goffi Gomez**, Sandra B. Giorgi Sant.Anna***, Cristina G. Ornelas Peralta****, Rubens V. Brito Neto*****, Tanit Ganz Sanchez******, Ricardo Ferreira Bento*******, Arthur Menino Castilho*******.
Palavras-chave:
implante coclear, potencial de ação composto, estimulação elétrica, medidas objetivas.
Resumo:

Introdução: A possibilidade de implantar crianças menores requer o uso de medidas objetivas para auxiliar a programa ção do processador de fala. A telemetria de resposta neural (NRT) permite a obtenção do potencial de ação composto do VIII par (EAP) utilizando o implante como instrumento de estimulação e gravação para o estudo das propriedades neurais remanescentes e das condições dos eletrodos. Objetivo: Descrever a utilização do sistema de telemetria para a gravação do EAP, caracterizando as respostas obtidas e a sua prevalência. Material e Método: Medidas da telemetria de impedâncias e o EAP em um grupo de 17 indivíduos usuários do implante Nucleus 24® durante a cirurgia. Análise das respostas de acordo com a etiologia, o tempo de duração da surdez e a posição dos eletrodos dentro da cóclea. Resultados: Houve tendência de melhores respostas nos eletrodos apicais e limiares mais elevados nos casos de meningite e otosclerose. As demais características concordaram com a literatura estudada. Conclusão: A NRT é eficiente para a verificação da integridade dos eletrodos na condição intra-operatória e para a gravação do EAP, apresentando alta prevalência na população estudada.

INTRODUÇÃO

O implante coclear é reconhecido pela Associação Médica Americana e pela Academia Americana de Otorrinolaringologia como o tratamento padrão de escolha para a surdez severa e profunda sensorioneural bilateral (1). Desde 1990 foi aprovada pela Food and Drug Administration (FDA), nos Estados Unidos, a realização da cirurgia para colocação do implante coclear em crianças menores de 02 anos (2).

Um dos principais desafios no caso de implante em crianças muito pequenas consiste no acompanhamento pós-operatório, especialmente no estabelecimento dos níveis de estimulação que irão determinar a programação do processador de fala (3). O implante coclear requer uma programação de cada eletrodo para se obter níveis apropriados de estimulação elétrica.

Esse programa é colocado no processador de fala do paciente, que determina a maneira pelo qual o som é analisado e codificado através de uma estratégia de codificação de fala (2).

A unidade utilizada para a programa ção dos eletrodos é arbitrária e denominada “unidades de corrente” (UC) e variam de 1 a 255, correspondendo aproximadamente a 0.01mA e 1.75mA, respectivamente. O sucesso do paciente e a sua satisfação com o implante são extremamente dependentes da adequação do programa no processador de fala, pois é esse mapa que vai determinar a quantidade de som e as características a serem codificadas.

Porém, em crianças pequenas esse tipo de procedimento é muito difícil de ser realizado, podendo ser desgastante para a própria família. Nestes casos, a obtenção dos limiares comportamentais é limitada e as respostas não são consistentes, podendo não refletir os níveis reais de percepção e de desconforto.

A dificuldade pode ser maior ainda em crianças com perdas congênitas e em pacientes com múltiplas deficiências, devido à falta de conhecimento e familiaridade com os padrões sonoros, tempo de atenção reduzido e sem as habilidades lingüísticas e cognitivas necessárias para tal tarefa (4). Dessa forma, medidas objetivas vem sendo estudas e realizadas com o intuito de predizer os níveis de estimulação para a construção dos primeiros mapas e também para a verificação da integridade de todo o sistema.

É natural que esses níveis venham a se modificar ao longo do tempo, devendo ser complementados e ajustados com as medidas psicoacústicas conforme aumenta a capacidade do indiví- duo em detectar, reconhecer e responder de forma consistente ao estímulo sonoro (3). Existem muitos caminhos para obter medidas objetivas do nervo auditivo em usuários de implante coclear a partir da estimulação elétrica no sistema auditivo, como a audiometria de tronco cerebral (ABR), as respostas de média latência e os potenciais tardios (P300 e Mismatch Negativity) e a pesquisa do Reflexo Estapediano, muitos deles utilizados para monitorar a evolução do paciente ou para estabelecer um prognóstico do sucesso do indivíduo (5-8). A medida da atividade do nervo auditivo mais utilizada recentemente em usuários de implante coclear é o Potencial de Ação Composto Evocado Eletricamente (EAP, do inglês evoked action potential).

O EAP é tipicamente formado por um pico negativo (N1) com latência aproximada entre 0.2ms a 0.4ms, seguido de um pico positivo (P1). A amplitude da resposta (medida entre N1 e P1) varia conforme o aumento da intensidade do estímulo e é medida em mV. Os limiares do EAP podem ser úteis para predizer os níveis mínimos e máximos que deverão ser utilizados no mapeamento dos eletrodos para a programação do processador de fala, facilitando esse processo nas crianças e determinando os parâmetros de estimulação que resultar ão em melhor performance do indivíduo (6). O EAP apresenta muitas vantagens em relação ao ABR, especialmente por não precisar de eletrodos externos colocados na superfície cefálica, ser menos susceptível à interferência miogênica e de necessitar de menos estímulos para ser desencadeado.

Como são medidas captadas diretamente dos eletrodos intracocleares, a amplitude do EAP tende a ser maior que a dos outros potenciais (3, 8, 9). Além disso, o uso dessa medida pode ajudar na seleção e exclusão de eletrodos específicos durante a programação do processador de fala (6). Atualmente, a medida do EAP pode ser realizada por sistemas de telemetria.

O primeiro sistema pode ser usado para medir as impedâncias de cada eletrodo, o segundo monitora a adequação dos geradores de corrente elétrica e o terceiro, a Telemetria de Resposta Neural (NRT) é o método que possibilita a captação do potencial de ação da porção distal do nervo auditivo em pacientes usuários do implante coclear multicanal Nucleus 24® (CI24), utilizando o próprio implante para eliciar o estímulo e gravar as respostas. A série de eletrodos intracocleares do CI24 é composta de 22 bandas de eletrodos, numerados de 1 a 22, sendo o 22 o mais apical.

Além desses eletrodos intracocleares, o CI24 apresenta dois eletrodos extracocleares (MP1 e MP2) que permitem uma estimulação monopolar, permitindo que o eletrodo MP1 elicie o estímulo e que o MP2 seja usado como gravador das respostas do nervo auditivo (10).

A impedância está relacionada às resistências caracter ísticas do fluido e do tecido que envolve a cadeia de eletrodos e é um dos fatores que determina o consumo de energia do sistema de implante coclear (11,12).

A telemetria de impedâncias deve sempre ser realizada antes da telemetria de respostas neurais a fim de confirmar o funcionamento adequado do receptor e do estimulador e de verificar a existência de circuito aberto ou curto circuitos nos eletrodos intracocleares a partir da medida da voltagem dos mesmos (10). As medidas da telemetria apresentam um valor adicional quando são utilizadas em conjunto com os valores obtidos na pesquisa do reflexo estapediano para a determina ção dos níveis de conforto para o paciente.

Assim, ambos os procedimentos são de grande importância na programação dos implantes cocleares. Além disso, recomenda- se o uso do sistema da telemetria na condição intraoperat ória a fim de verificar não só a integridade da cadeia de eletrodos após a inserção na cóclea, mas também de poder utilizar intensidades de estímulos mais elevadas sem causar desconforto ao paciente, aumentando a chance de captação de respostas (7).

Os valores de NRT encontrados na condição intra-operatória já poderiam, portanto, ser utilizados na construção dos primeiros mapas (3). Dessa forma, as vantagens da realização das medidas da NRT durante a cirurgia vão além da verificação da integridade do sistema.

Muitas vezes, os níveis necessários para a obtenção da NRT ultrapassam os limites do conforto, especialmente nas crianças. A gravação intra-operatória não apresenta esse tipo de preocupação, já que o paciente está sedado e os valores obtidos são passíveis de utilização desde a primeira estimulação. As correlações entre os níveis de respostas obtidos com a NRT e os níveis obtidos pelo método comportamental vem sendo estudadas, com a finalidade de utilizar os dados de medidas objetivas para a programação e mapeamento dos eletrodos (4, 8, 9, 13, 14, 15). Dessa maneira, os limiares do EAP poderiam ser utilizados nos casos de pacientes que não conseguem determinar com precisão os níveis mínimos de resposta (níveis “T”) por meio do método comportamental, por representarem uma intensidade acima do limiar.

Portanto, ao estipular os níveis T próximos dos valores obtidos pelo EAP, haveria a garantia de estímulos audíveis e confortáveis (8). As pesquisas das respostas objetivas do nervo auditivo através da estimulação elétrica em usuários do implante CI24 mostram pouca variabilidade entre eletrodos adjacentes, com leve aumento dos limiares nos eletrodos basais, seguindo a configuração do mapa obtido pelo método comportamental.

Assim, foi desenvolvida uma fórmula para a previsão dos níveis de estimulação de todos os eletrodos baseado nas respostas objetivas da NRT associadas à resposta comportamental para um único eletrodo.

Em geral, os limiares obtidos com a NRT representam cerca de 61% do campo dinâmico de crianças usuárias da estratégia de codificação de fala SPEAK®. Como mostram os estudos, as medidas da NRT podem ser utilizadas na predição dos níveis elétricos a serem programados em crianças pequenas (3, 9). Em pacientes adultos, os limiares do EAP se aproximam dos níveis máximo de conforto (níveis “C”) obtidos psicoacusticamente, excedendo esse valor em alguns casos especialmente nos eletrodos basais (13). O EAP é facilmente gravado utilizando as características do CI24.

Os limiares da NRT podem ser usados para estimar os níveis elétricos, porém não podem predizer os valores exatos das medidas psicofísicas. Além disso, o valor da inclinação da curva de crescimento de amplitude (função I/O) pode fornecer dados sobre o campo dinâmico do paciente.

A vantagem de utilizar as medidas objetivas na construção do mapa é a de que são necessárias para o ajuste final do programa, apenas duas medidas de percep- ção de loudness (sensação de intensidade), enquanto no método tradicional o paciente precisa julgar 44 medidas, o que se torna muito cansativo, podendo interferir na performance (14, 15). O objetivo do presente estudo foi descrever e caracterizar as respostas do potencial de ação do nervo auditivo obtidas pelo método da telemetria de resposta neural (NRT), bem como a sua prevalência, em usuários do implante coclear Nucleus 24K®.

CASUÍSTICA E MÉTODOS

Amostra

Foram inclusos neste estudo 17 indivíduos usuários do implante coclear Nucleus 24K® (Cochlear Corporation), implantados sucessivamente pelo Grupo de Implante Coclear da Disciplina da Otorrinolaringologia da Divisão de Clínica Otorrinolaringológica do Hospital das Clínicas da FMUSP, entre janeiro e abril de 2003.

Procedimento

A gravação do potencial de ação (EAP) foi realizada através do software NRT 3.0, instalado em um microcomputador portátil acoplado à interface de programa ção portátil (PPS, do inglês portable programming system) e ao processador de fala modelo SPrint®, ambos produzidos pela Cochlear Corporation adequados ao trabalho com o CI24. Primeiramente, foi efetuada a avaliação da integridade do implante coclear (telemetria de impedâncias) durante a cirurgia, logo após a inserção dos eletrodos na cóclea, com o paciente anestesiado.

A telemetria de impedâncias foi realizada com uma corrente apresentada a 250 pulsos por segundo com duração de 25ms por fase a uma intensidade média de 100 unidades de corrente (equivalente a aproximadamente 0,2mA).

As impedâncias foram medidas nos modos monopolar MP1, monopolar MP2, monopolar MP1+2 e Common Ground (CG). Os valores foram considerados normais quando entre 1,5kW e 20kW.

Eletrodos com impedâncias alteradas não foram utilizados para a gravação da NRT, sendo substituídos por um eletrodo adjacente. A mensuração da telemetria de resposta neural (NRT), realizada em seguida, utiliza o paradigma do mascaramento antecipado e o método da subtração, no qual o estímulo é transmitido com um atraso específico em relação ao mascaramento (dado em seqüência) para obten- ção de vantagem do período refratário dos neurônios da via auditiva.

A resposta ao estímulo nesta condição é subtraída das respostas dos estímulos oferecidos isoladamente na tentativa de eliminar os artefatos e possibilitando a observa- ção do potencial. O método de subtração é utilizado automaticamente pelo software para a separação das respostas neurais dos artefatos elétricos.

O nível de mascaramento (masker level) foi colocado dez unidades de corrente acima do nível utilizado para a estimulação (probe level).

O intervalo interpulso foi fixado em 500ms e a velocidade de estimulação em 80Hz em séries de 25ms por fase. Os demais parâmetros, como ganho do amplificador, delay (intervalo de tempo entre o final do estímulo e a gravação da resposta) e distância entre MP1 e MP2, foram ajustados e modificados de acordo com o proposto por ABBAS et al., 1999 (6) para obtenção da melhor morfologia de onda possível. O ganho sugerido pelo fabricante é de 60dB, mas foi alterado para 40dB quando as respostas apresentaram saturação.

O delay foi estipulado conforme o número de artefatos a fim de permitir uma melhor visualização da onda N1. O número de apresentação dos estímulos variou de 100 a 200 para 60dB de ganho e 40dB, respectivamente. A curva de crescimento da amplitude foi obtida com a pesquisa de quatro a sete ondas com intensidades diferentes, apresentando um intervalo de cinco unidades de corrente entre cada uma, para os eletrodos testados (eletrodos 20, 15, 10, 5 e 3).

As latências dos picos N1 e P1 foram medidas manualmente. A amplitude do EAP foi determinada pela diferença de voltagem entre as ondas N1 e P1, sendo que o próprio programa aplicou um ajuste de regressão linear sobre a curva de crescimento de amplitude, determinando o limiar do EAP e a inclinação dessa curva (função I/O) para cada eletrodo estudado. Para a análise dos dados, os indivíduos foram divididos em grupos de acordo com a etiologia da surdez na orelha implantada e de acordo com o tempo de surdez.

Os eletrodos foram divididos de acordo com a sua posição dentro da cóclea em eletrodos apicais (22 a 16), mediais (15 a 8) e basais (7 a 1). A intensidade de corrente elétrica utilizada para a estimulação dos eletrodos (unidades de corrente) foi abreviada como UC.

RESULTADOS

Dos 17 indivíduos estudados, 06 eram do sexo feminino e de 11 do sexo masculino, com idade variando entre 04 e 60 anos (média de 35 anos e desvio padrão de 19,2).

Os dados da caracterização do grupo podem ser observados na Tabela 1. O tempo de surdez variou de 1 a 40 anos (média de 13 anos), sendo que 41,2% dos indivíduos apresentavam até 05 anos de surdez; 11,8% apresentavam de 05 a 10 anos de surdez; 11,8%, de 10 a 15 anos e 35,3% apresentavam mais de 15 anos de surdez.

Em relação à etiologia, a meningite foi determinante em 23,5% dos casos; a ototoxicidade em 17,6%; a otosclerose em 11,8%, a surdez congênita em 17,6% e o trauma crânio encefálico (TCE) em 5,9%.

Além disso, 23,5% dos pacientes apresentaram perda auditiva progressiva sem etiologia definida. Para a obtenção da morfologia adequada do potencial de ação composto obtido pelo sistema de NRT, o ganho do amplificador precisou ser reduzido em 30,6% dos eletrodos pesquisados; enquanto nos demais 69,3% apenas o delay foi alterado.

Foram testados 72 eletrodos. As respostas da NRT puderam ser obtidas em 82,5% dos pacientes avaliados e em 82% dos eletrodos testados, sendo que a prevalência foi maior nos eletrodos apicais (82,3%) em relação aos mediais (76,4%) e basais (76,2%). Apenas 17,6% dos indivíduos estudados não apresentaram respostas em nenhum dos eletrodos testados. O número de pacientes com alteração no teste de telemetria de impedâncias foi de 11,7% (N=2).

Do total de eletrodos, 08 apresentaram impedâncias elevadas (11,1%) e 02 apresentaram impedâncias baixas (2,8%).

Esses eletrodos não foram utilizados para a medida do potencial. O Gráfico 1 mostra os limiares do potencial de NRT obtidos em cada indivíduo de acordo com os eletrodos testados.

A variação média dos limiares para um mesmo indivíduo foi de 20 UC (mínima de 10 UC e máxima de 46 UC em um único paciente). O limiar médio do grupo foi de 190 UC (desvio padrão de 13,1). O Gráfico 2 mostra os limiares obtidos na pesquisa da NRT de acordo com a etiologia. A média da inclinação da curva de crescimento de amplitude do potencial (função I/O) foi de 8,13 (máximo de 12,17 e mínimo de 4,0).

A variação média intraindividual foi de 4,4 e nunca maior do que isso entre eletrodos locados na mesma região da cóclea. A Tabela 2 descreve a média da função I/O de acordo com a etiologia e o tempo de duração da surdez. A latência de N1 foi encontrada entre 0,41ms e 0,27ms em todos os indivíduos (média de 0,33ms) e não variou mais do que 0,09ms num mesmo paciente. Em relação ao tempo de duração da surdez, a média da latência foi igual em todos os grupos (0,34ms).

De acordo com as etiologias apresentadas, a média da latência variou entre 0,32ms (ototoxicidade, otosclerose e surdez idiopática) e 0,34ms (surdez congênita, por TCE e meningite). As características do potencial de ação do VIII par obtido pela NRT também foram analisadas de acordo com a posição do eletrodo na cóclea, como mostra a Tabela 3.











DISCUSSÃO

A proposta desde estudo foi descrever as características das medidas da telemetria de resposta neural, bem como a sua prevalência, obtidas nos pacientes usuários do implante coclear Nucleus 24K®. A telemetria de resposta neural (NRT) é de fácil e rápida aplicação.

Pode ser utilizada durante a cirurgia para medir as respostas da porção periférica do nervo auditivo a partir da estimulação elétrica e também para verificar a integridade da cadeia de eletrodos quando a mesma é inserida na cóclea (7). No presente estudo, o EAP foi obtido de maneira muito satisfatória com a utilização do sistema de telemetria desenvolvido pela Cochlear Corporation durante as cirurgias de implante coclear realizadas no Hospital das Clínicas da FMUSP, especialmente por ser um método relativamente rápido, não prejudicando o cronograma do cirurgião. A morfologia do potencial, a sua latência e a função da inclinação da curva de crescimento de amplitude (função I/O) observados neste trabalho foram semelhantes aos descritos em outros estudos (6, 8, 9, 14). A prevalência de respostas foi de 82% dos eletrodos (N=59), obtida em 82,35% dos indivíduos (N=14). As alterações de impedância foram encontradas em 11,7% dos indivíduos que apresentaram eletrodos com valores acima de 20kW (N=8) ou abaixo de 1,5 kW.

Dados semelhantes foram relatados previamente, nos quais as alterações de impedância foram observadas em 16% (8), 20% (9) e 23% (11) dos indivíduos. Valores elevados de impedância podem sugerir, por exemplo, cóclea “seca” ou parcialmente “seca”; bolhas de ar no interior da cóclea; eletrodos fora da cóclea (inserção parcial); eletrodos no espaço epitimpânico ou eletrodos em circuito aberto. Valores rebaixados por sua vez podem sugerir malformações cocleares ou cavidade comum; eletrodos se tocando (cadeia “enrolada” ou dobrada); excesso de solução salina na cavidade mastóidea ou eletrodos em curto circuito.

A vantagem de se realizar esse procedimento no momento intra-operatório é a de que, dependendo da alteração, o médico cirurgião pode tentar solucionar o problema antes do fechamento da cavidade, reposicionando os eletrodos, por exemplo. São descritas alterações de impedâncias mesmo em pacientes sem complicações cirúrgicas e com a cóclea pérvea (11).

No nosso estudo, em um dos pacientes com valores elevados na telemetria de impedâncias, a inserção dos eletrodos foi parcial (confirmada também pelo Raio X). As respostas de telemetria neural foram ausentes em todos os indivíduos com impedâncias alteradas, mesmo sendo usados outros eletrodos para a estimulação e gravação do potencial.

Para a programação do processador de fala, esses eletrodos foram desativados. SMOORENBURG et al (13) não conseguiram obter respostas na NRT em 14 dos 27 indivíduos estudados. Como o procedimento foi realizado em sessão póscir úrgica, os autores atribuem a baixa prevalência ao nível de desconforto desses pacientes que não possibilitou o aumento das unidades de corrente necessárias para a captação do potencial.

Nos demais pacientes (N = 13), foram encontradas respostas satisfatórias nos 20 eletrodos pesquisados.

Na nossa casuística a prevalência foi muito mais alta, possivelmente pelo fato do paciente estar anestesiado, o que possibilitou a pesquisa do potencial em intensidades de corrente elevada sem causar desconforto (3, 7). Os pacientes que não apresentaram respostas na condição intra-operatória devem ser reavaliados para confirmação dos resultados durante as primeiras estimulações, pois a ausência do potencial pode ter sido causada pela falta de adequação dos parâmetros de estimulação, já que durante a cirurgia muitas vezes não há tempo hábil para várias modificações ou alterações mais detalhadas. Como mostra a Tabela 3, há uma tendência dos limares da NRT serem mais elevados nos eletrodos basais. Esse achado concordou com estudos anteriores (3, 9, 13) que observaram também uma amplitude de resposta reduzida nesses mesmos eletrodos.

Acredita-se que as respostas à estimulação elétrica dos eletrodos poderiam variar de acordo com a sua posição dentro da cóclea e com a densidade e integridade da população neural (5). Dessa maneira, podemos inferir que existe uma ligação com a audição residual nas baixas freqüências, o que resultaria em menores limiares elétricos nos eletrodos apicais devido a maior concentração de neurônios funcionais nessa região da cóclea.

Por outro lado, a necessidade de uma intensidade de energia maior nos eletrodos basais também pode estar relacionada à posição dos eletrodos na rampa timpânica e a prováveis danos cirúrgicos na base. Sabe-se que a distância radial entre a cadeia de eletrodos e o modíolo está relacionada aos níveis de energia para a maioria dos usuários de implante coclear (12). A média dos limiares obtidos com a NRT neste estudo (190 UC) foi próxima àquela descrita em literatura (cerca de 187 UC e 185 UC), assim como a variabilidade entre os limiares para um mesmo indivíduo (8, 9). Em relação à etiologia da surdez, verificou-se que o caráter progressivo da perda auditiva cursou com limiares mais reduzidos da NRT do que nos casos de surdez súbita (14).

Na presente pesquisa, notamos um ligeiro aumento dos limiares de telemetria nos indivíduos com surdez por otosclerose e meningite (Gráfico 2).

Nestes dois processos etiológicos ocorre um crescimento ósseo patológico; na otosclerose causado por um aumento da atividade dos osteoblastos (com deposição de matéria óssea) que culmina com um aumento da cápsula ótica e, na cocleopatia ossificante da meningite, há também um aumento da cápsula ótica acrescido de oclusão das rampas timpânicas, coclear e vestibular, na maioria dos casos. Quando o osso que separa o canal de Rosenthal da escala timpânica tem a sua espessura aumentada (otosclerose), o fluxo de corrente poderia ser afetado e oferecer maior resistência à passagem de estímulos até as células ganglionares (12).

O excesso de tecido e de crescimento ósseo dentro da cóclea poderia alterar a passagem da corrente elétrica, resultando em aumento dos níveis de energia necessários para a estimulação e, conseq üentemente, em um aumento do potencial de ação auditivo (11). Não foi possível realizar uma análise detalhada do limar da NRT em relação ao tempo de duração da surdez porque os grupos de indivíduos com surdez entre 5 e 10 anos e com surdez entre 10 e 15 anos apresentavam um único paciente cada, já que os pacientes com respostas ausentes foram excluídos dessa avaliação. A função I/O da inclinação da curva de crescimento de amplitude foi maior nos indivíduos com menor tempo de surdez (Tabela 2).

Essa função estaria intimamente relacionada ao campo dinâmico e aos níveis máximo de conforto (níveis “C”) do paciente e que a inclinação da curva de crescimento de amplitude poderia fornecer dados sobre a quantidade de neurônios sobreviventes no gânglio espiral, podendo auxiliar no ajuste dos mapas (15).

Dessa forma, podemos inferir que os indivíduos com menos tempo de surdez teriam melhores mapas corticais de loudness (sensa- ção de intensidade sonora) e maiores campos dinâmicos que os indivíduos com muito tempo de privação que, por sua vez, estariam mais sujeitos ao desconforto, não permitindo níveis de estimulação muito elevados. Em relação à etiologia da perda de audição, a variação da função I/O foi pequena entre as diferentes patologias no grupo estudado (é importante observar que o grupo com etiologia de TCE foi composto por apenas um paciente, o que dificultou uma análise de significância mais apurada).

Da mesma maneira, alguns autores relatam que nas perdas súbitas de audição a função I/O deveria ser maior do que nas perdas progressivas, observando uma diferença nos valores obtidos pela inclinação das curvas de crescimento de ganho entre pacientes com surdez congênita e com surdez póslingual. Assim, essa inclinação seria mais íngreme nos casos de crianças pequenas com surdez pré-lingual (3,5,14). A latência foi a característica mais estável dentre as estudadas no potencial de ação captado pelo sistema de telemetria.

Nossos achados concordam com a literatura, em que a latência de N1 deveria estar entre 0,2ms e 0,4ms com média de 0,3ms (6, 14). A Tabela 3 apresenta as latências de N1 de acordo com a posição dos eletrodos na cóclea.

Há descrição de que a latência tende a ser maior nos eletrodos basais do que nos apicais, menor nas crianças pequenas (entre 12 e 24 meses) do que nos adultos e inversamente proporcional à amplitude, possivelmente pela menor degenera ção neural causada pela privação sensorial.

Assim, a redução da latência e o aumento da amplitude poderiam ser resultado da estimulação de uma grande porção de neurônios funcionais no gânglio espiral ou de uma grande resposta neural sincrônica (3). Portanto, a variação dos limiares, da função de inclina ção da curva de crescimento de amplitude (I/O) e das propriedades refratárias das respostas do potencial de ação do VIII par poderiam indicar diferenças na população neural dos indivíduos, podendo até mesmo se refletir na performance de percepção auditiva (6).

Então, outras pesquisas são necess árias para um maior conhecimento das características e da prevalência das respostas obtidas pela NRT, bem como para determinar a sua capacidade de previsão dos limiares comportamentais para que este procedimento possa ser utilizado de maneira adequada na programação dos eletrodos.

CONCLUSÃO

A Telemetria de Resposta Neural pode ser utilizada para a obtenção do potencial de ação composto evocado eletricamente (EAP). Esse sistema utiliza o implante coclear como equipamento para a estimulação e registro dos potenciais que refletem a atividade sincrônica dos neurônios do nervo auditivo. O método mostrou-se eficiente para a verificação da integridade da cadeia de eletrodos na condição intraoperat ória e para a gravação dos potencias, já que o paciente está anestesiado e possibilita o uso de intensidades mais elevadas sem causar desconforto, aumentando a chance de captação das respostas. Notou-se a tendência de melhores respostas nos eletrodos localizados no ápice da cóclea.

Apesar disso, a prevalência do potencial parece estar mais relacionada à impedância do sistema e às complicações cirúrgicas (como inserção parcial dos eletrodos) do que às etiologias espec íficas ou tempo de surdez. Como a NRT reflete apenas a atividade dos neurônios primários da via auditiva, as medidas comportamentais também são necessárias e importantes para a avaliação do processamento da informação ao longo de todo o trajeto do sistema nervoso central.

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* Fonoaudióloga Colaboradora do Grupo de Implante Coclear e Audiologia do HC-FMUSP. Especialização em Audiologia pela Irmandade Santa Casa de Misericórdia de SP.
** Fonoaudióloga Doutora em Ciências dos Distúrbios da Comunicação Humana pela UNIFESP.
*** Fonoaudióloga da Fundação Otorrinolaringologia. Mestranda em Fisiopatologia Experimental pela FMUSP.
**** Fonoaudióloga Colaboradora do Grupo de Implante Coclear do HC-FMUSP. Mestranda em fonoaudiologia pela PUC-SP.
***** Médico Assistente Doutor da Divisão de Clínica Otorrinolaringológica do Hospital das Clínicas da FMUSP.
****** Médica Assistente Doutora e Professora Colaboradora da Disciplina de ORL da FMUSP.
******* Professor Associado da Disciplina de ORL da FMUSP.
******** Médico Otorrinolaringologista em Estágio de Complementação Especializada em Cirurgia Otológica e de Base de Crânio.

Trabalho realizado no Grupo de Implante Coclear do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HCFMUSP) / Fundação
Otorrinolaringologia (FORL).
Vencedor do Prêmio de Terceiro Melhor Trabalho no III Congresso de Otorrinolaringologia da USP, realizado de 7 a 9 de agosto de 2003, em São Paulo.
Correspondência: Mariana Cardoso Guedes . Rua Pais de Araújo, nº 155 casa 06 . Itaim Bibi . São Paulo / SP . CEP 04531-090 . Telefax: (11) 3167-2156 .
E-mail: macguedes@hotmail.com
Artigo recebido em 30 de abril de 2003. Artigo aceito em 9 de agosto de 2003.
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