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Ano: 2004  Vol. 8   Num. 1  - Jan/Mar Print:
Case Report
Mucopiocele do Seio Maxilar com Assimetria de Face. Relato de Caso
Maxillary Sinus Mucopyocele with Facial Asymmetry. A Case Report
Author(s):
Washington L. C. Almeida*, Luiz Ricardo L. Martin**, Paulo S. L. Perazzo***, César A. Lira dos Anjos**, Marcelo Rosa Lima**.
Palavras-chave:
mucopiocele, seio maxilar, tomografia computadorizada.
Resumo:

Introdução: A mucopiocele é uma doença pouco freqüente e, quando presente, acomete geralmente os seios frontal e etmoidal. Objetivo: Relatar um caso de uma grande mucopiocele isolada de seio maxilar esquerdo com deformidade facial e confrontar seus principais achados clínicos e cirúrgicos com a literatura médica. Relato de caso: Paciente do sexo masculino, 17 anos, com quadro de edema progressivo em hemiface esquerda há cerca de 06 meses, dor e obstrução nasal ipsilateral. Apresentava intensa assimetria de face, abaulamento de palato e grande desvio septal para fossa nasal esquerda. A tomografia computadorizada revelou presença de extensa massa homogênea em seio maxilar, de densidade líquida. Foi submetido a cirurgia endonasal que confirmou a presença de uma grande mucopiocele isolada de seio maxilar esquerdo, cuja origem deveu-se ao desvio septal que bloqueava o meato médio e obstruía o óstio do seio. Conclusão: Apesar da raridade da mucocele isolada em seio maxilar, devemos tê-la em mente como parte do diagnóstico diferencial de massas expansivas em seios da face. A cirurgia endoscópica nasossinusal é uma via de abordagem efetiva para o tratamento das mucoceles.

INTRODUÇÃO

A mucocele é uma formação expansiva pseudocística dos seios paranasais, cuja parede é constitu ída por uma mucosa da cavidade sinusal mais ou menos modificada. No seu interior encontramos um líquido asséptico, em geral de consistência espessa e viscosa, que posteriormente pode sofrer contaminação, passando a mucopiocele (1,2). Segundo a literatura, o seio maxilar é pouco acometido por mucoceles (3% a 10% dos casos). Quando o é, geralmente vem associado ao comprometimento de outros seios paranasais (1,3,4). Clinicamente, a mucocele caracteriza-se por um período inicial silencioso, de duração indeterminada, seguida por um segundo período em que sua exteriorização promove deformidades e complicações (1,5). A tomografia computadorizada de alta resolução é o exame de escolha por mostrar claramente o grau de destruição das paredes ósseas do seio comprometido e a relação com estruturas nobres adjacentes (6). O tratamento é sempre cirúrgico, seja por técnicas convencionais ou por cirurgia endoscópica (1,2,4,7,8,11,12). O objetivo deste trabalho é relatar o caso de um paciente com mucopiocele isolada de seio maxilar e assimetria de face, cuja origem deveu-se a um grande desvio septal para fossa nasal esquerda com bloqueio do meato médio e conseqüente obstrução do óstio de drenagem do seio.

RELATO DE CASO

Paciente do sexo masculino, 17 anos de idade, compareceu ao serviço de otorrinolaringologia do Hospital Otorrinos em Feira de Santana / BA, com quadro de edema progressivo em hemiface esquerda há cerca de 6 meses. Também relatava dor, febre, halitose e intensa obstrução nasal ipsilateral. Ao exame otorrinolaringológico, foi evidenciada uma intensa assimetria da face (Figura 1), com edema facial importante e obstrução total da fossa nasal ipsilateral devido à presença de grande desvio septal.

Este desvio apresentava-se em contato com parede lateral nasal com bloqueio do meato médio e conseqüente obstrução do óstio do seio maxilar, além de abaulamento ao nível do sulco gengivo-bucal e de palato no seu terço médioposterior (Figura 2). A radiografia simples da face mostrou completa opacificação do seio maxilar esquerdo e a tomografia computadorizada de seios paranasais confirmou a presen- ça de uma extensa massa homogênea, causando consider ável expansão do seio maxilar esquerdo. Essa massa não sofreu qualquer alteração após infusão de contraste e a densidade de seu conteúdo era tipicamente líquida (Figura 3). A cirurgia planejada foi uma septoplastia com corre- ção do acentuado desvio septal e conseqüente desobstrução do meato médio esquerdo, liberando a oclusão sobre o óstio de drenagem do seio maxilar.

Já com a correção septal, observou-se drenagem espontânea de abundante secreção purulenta de odor fétido vindo do meato médio. Por via endoscópica, foi realizada uma ampla meatotomia média, com marsupialização de mucopiocele por fossa nasal, seguida de aspiração complementar de secreção purulenta (Figura 4). Foram realizadas lavagens sucessivas do seio maxilar esquerdo com solução fisiológica. O paciente recebeu alta hospitalar ao final do dia, sem complicações pós-operatórias imediatas e fazendo uso de antibioticoterapia via oral: axetil-cefuroxima (500 mg de 12/12 hs) e metronidazol (500 mg de 8/8hs) por 10 dias. A revisão cirúrgica após 5 dias não evidenciou nenhuma complicação pós- operatória, encontrando-se o paciente assintomático. O acompanhado foi feito até o 4º ano de pósoperat ório, sem evidências de recidiva da lesão.









DISCUSSÃO

As mucoceles são lesões pouco freqüentes dos seios paranasais. Como os seios maxilares são cavidades amplas e bem ventiladas, são naturalmente impróprias para o surgimento destas (1,7). Existem poucos casos descritos na literatura americana e européia, havendo maior prevalência no Japão (5,8). Não há um predomínio pelo sexo e geralmente atinge os pacientes na idade adulta (8). Quando presente em pacientes pediátricos, está comumente associado à fibrose cística (9).

O conteúdo da mucocele é denso e de coloração grisácea. O exame bacteriológico é sempre negativo, tratando-se de um líquido asséptico que contém células epiteliais, gotas de ácidos graxos e mucina (1). Histologicamente, a mucocele é formada per epitélio colunar pseudo-estratificado, com reduzido número de células ciliadas e “goblet cells” hipertrofiadas. Na camada submucosa podemos encontrar infiltrado linfocitário, células plasmáticas, além de granulócitos neutrofílicos e eosinofílicos (3). Há consenso em todas as publicações de que os seios frontal e etmoidal são os mais acometidos.

NATVIG; LARSEN (3) estudaram 112 pacientes com mucocele, dos quais 86 (77%) localizavam-se exclusivamente no seio frontal e 16 (14%) no complexo fronto-etmoidal. O envolvimento do seio maxilar geralmente está associado ao comprometimento de outros seios, correspondendo a 03% a 10% dos casos (3,4,10-12). O comprometimento do seio esfenoidal é bastante raro (4). O que caracteriza a mucocele é a sua capacidade de destruição óssea, a qual pode ser gerada por um aumento da pressão intraluminal, conseqüente à produção exagerada do muco e completa obstrução do óstio de drenagem. Essa pressão permanente leva a uma atrofia das paredes ósseas circundantes, com posterior herniação da mucocele para as cavidades adjacentes, como órbita e crânio (1). Várias teorias tentam explicar a origem e o desenvolvimento dessa doença.

Estas podem ser divididas em fatores extrínsecos e intrínsecos. Dentre os fatores extrínsecos, destaca-se o trauma causado por cirurgia prévia, como a de Caldwell-Luc, sendo o tempo médio de aparecimento dos sintomas entre 10 a 30 anos após a intervenção. Mais raramente, pode ser decorrente de trauma acidental, cirurgia odontológica ou de causas anatômicas (3,4,6, 10). BUTUGAN et al. (8), em um estudo com 16 pacientes com mucocele do seio maxilar, relataram que apenas 2 apresentavam antecedentes de cirurgia odontológica prévia. Quanto aos fatores intrínsecos, qualquer situação que incremente a estase da secreção dentro da cavidade sinusal pode justificar o aparecimento da mucocele, como processo inflamatório crônico, alergia, tumores nasossinusais benignos e malignos ou hipersecreção mucosa (1,3,4,6,10-12). Quanto ao quadro clínico, enquanto a lesão está dentro do seio o paciente é assintomático.

Em uma fase mais adiantada, há erosão da parede óssea anterior, formação de um edema da hemiface comprometida, chegando inclusive a uma massa tumoral na gengiva superior, palato ósseo e cavidade nasal. Quando há infecção secundária, o paciente pode referir dor (2,8). Exoftalmia e diplopia podem surgir por protrusão da mucocele dentro da órbita (5). Em nosso caso, o paciente relatou evolução dos sintomas em um período de cerca de 6 meses, não referindo qualquer intervenção cirúrgica ou traumas que justificassem o processo, a não ser o acentuado desvio septal para fossa nasal esquerda encontrado ao exame. Queixava-se de dor facial, febre intermitente e obstrução em fossa nasal esquerda.

Apresentava importante edema hemifacial esquerdo inclusive com assimetria facial, abaulamento ao nível do sulco gengivo-bucal e de palato no seu terço médio-posterior. A exploração radiológica constitui um elemento essencial para estabelecer o diagnóstico. Na radiografia simples é possível evidenciar completa opacificação do seio maxilar com expansão para a cavidade nasal (1). Segundo SOM; SHUGAR (13), a tomografia computadorizada em cortes axiais e coronais é sem dúvida o exame de eleição, pois permite visualizar o grau de expansão sinusal, destruição óssea e o envolvimento de estruturas adjacentes. Além disso, é possível fazer o diagnóstico diferencial com neoplasias, já que a mucocele não sofre qualquer realce com a administração de contraste. O diagnóstico diferencial da mucocele, independentemente de sua localização, deve ser feito com: anomalias congênitas, adenoma de pituitária, craniofaringeoma, meningeoma, gliomas, cordoma intracranial, tumores miscelâneos da nasofaringe e seios, angiofibroma juvenil, pólipos benignos, mieloma, plasmocitoma, pneumosinus dillatans e aneurisma da carótida interna (4). A cirurgia é a modalidade terapêutica de eleição no tratamento da mucocele do seio maxilar.

A técnica preconizada por vários autores é uma ampla sinusectomia tipo Caldwell-Luc com total excisão da cápsula da mucocele, criando uma extensa comunicação com a cavidade nasal (3-5,10,12).

No caso relatado, optamos por realizar a cirurgia com acesso endoscópico do seio maxilar após a correção do importante desvio septal, por acharmos ser esta a etiologia da mucopiocele.

CONCLUSÕES

Apesar de rara, a mucocele de seio maxilar isolada deve fazer parte do diagnóstico diferencial das lesões expansivas que acometem tal seio.

Devemos considerar existência de mucoceles mesmo em pacientes que não apresentam classicamente história de trauma, intervenção prévia em seios da face ou cirurgia odontológica.

Normalmente, a dor ocorre quando há infecção secundária, tornando- se mucopiocele.

A tomografia computadorizada dos seios da face é o exame padrão para o estudo destas lesões, permitindo melhor avaliação do grau de destruição das paredes ósseas e relação com estruturas nobres.

A cirurgia endoscópica endonasal é uma via de abordagem excelente para o tratamento das mucoceles, permitindo também correção de possíveis fatores causadores da patologia. Contudo, deve ser realizada somente por cirurgião experimentado com a técnica para evitar-se possíveis complica ções e diminuir a chance de recidiva.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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* Doutor em Otorrinolaringologia pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
** Residentes de Otorrinolaringologia do Hospital Otorrinos.
*** Mestrando em Otorrinolaringologia pela Santa Casa de Misericórdia de São Paulo e Professor da Disciplina de ORL para o curso de Fonoaudiologia da UNEB.

Trabalho desenvolvido no Hospital Otorrinos . Doenças do Ouvido, Nariz, Garganta e Cirurgia de Cabeça e Pescoço - Residência de Otorrinolaringologia, Feira de
Santana / BA.
Endereço pra correspondência: Dr. Washington Luis de Cerqueira Almeida - Rua Barão de Cotegipe, 1141 - Feira de Santana / BA - CEP: 44025-030 - Telefone:
(75) 623-4455 - Fax: (75) 223-4117 - E-mail: otorrinos@uol.com.br
Artigo recebido em 1º de fevereiro de 2003. Artigo aceito com modificações em 22 de novembro 2003.
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