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Ano: 2006  Vol. 10   Num. 1  - Jan/Mar Print:
Original Article
TextoTexto em Inglês
Incidência de Sintomas Otológicos em Pacientes Submetidos a Hemodiálise
Incidence of Otologic Symptoms in Pacients on Regular Dialysis Treatment
Author(s):
Juliana Altavilla van Petten Machado1, Gustavo Magalhães Tôrres1, Alano Nunes Barcellos1, Licianny Tupinambá Valle2, Ludmilla Teixeira2, Marconi Teixeira Fonseca3
Palavras-chave:
Hipoacusia. Insuficiência renal crônica. Hemodiálise.
Resumo:

Introdução: A incidência de hipoacusia em pacientes em hemodiálise varia de 20 a 75%. O papel da hemodiálise na perda auditiva ainda não é claro e as alterações metabólicas e distúrbios hidroeletrolíticos parecem estar associados. Objetivo: Avaliar a incidência de hipoacusia e a prevalência de sintomas oto-vestibulares em pacientes submetidos à hemodiálise. Casuística e Método: Foram estudados 35 pacientes portadores de insuficiência renal crônica submetidos à hemodiálise. Foram analisados através de audiometria tonal, testes laboratoriais e questionário. Resultados: Dezoito pacientes apresentaram audiometria dentro dos limites da normalidade e 17 pacientes apresentavam hipoacusia, sendo oito com hipoacusia leve, seis com hipoacusia moderada e 3 com hipoacusia grave. As demais variáveis estudadas não apresentaram relação estatisticamente significativa com hipoacusia. Conclusão: A hipoacusia em pacientes submetidos à hemodiálise apresenta baixo impacto na qualidade de vida dos pacientes, sendo a hemodiálise, também, um tratamento seguro do ponto de vista otorrinolaringológico para os pacientes com insuficiência renal crônica terminal.

INTRODUÇÃO

Atualmente a Insuficiência Renal Crônica (IRC) decorre principalmente de diabete melito e da doença renal hipertensiva, que levam a destruição progressiva e irreversível da massa de néfrons. As glomerulonefrites, que no passado eram as principais causadoras de IRC, hoje ocupam apenas um lugar secundário devido aos tratamentos precoces que são realizados. Muitos pacientes portadores de IRC acabam por apresentarem um pobre controle com tratamento conservador, necessitando da realização de hemodiálise (HD). (1).
A expectativa de vida de pacientes com IRC submetidos à HD tem aumentado devido aos grandes avanços dos últimos anos, elevando a incidência de complicações tardias como a hipoacusia (2). A incidência de hipoacusia em pacientes em HD varia na literatura de 20 a 75% (1).
Bergstrom em seu estudo sugere que antes do advento da hemodiálise e do transplante renal, os pacientes com IRC não apresentavam uma maior incidência de hipoacusia em relação à população geral, possivelmente pela morte precoce destes pacientes. (12)
O papel da HD na perda auditiva ainda não é claro. Alterações metabólicas e distúrbios hidroeletrolíticos parecem estar associados, porém, a cóclea de pacientes em HD está susceptível a diferentes agressões inclusive relacionadas às doenças de base (4).
O objetivo do nosso estudo foi de avaliar a incidência de hipoacusia, zumbido e tontura em pacientes submetidos à HD relacionando as alterações encontradas com o tempo de HD, o uso de drogas ototóxicas, níveis de uréia sanguínea e de anemia.

CASUÍSTICA E MÉTODOS

Foram selecionados randomicamente 35 pacientes portadores de IRC submetidos à hemodiálise no CLINEMGE (Clínica de Hemodiálise de Minas Gerais). Os seguintes dados foram analisados: idade, sexo, tempo de HD, transplante renal prévio, anemia, hipercolesterolemia, uso de furosemida, e uso de eritropoetina, relacionando-os com a presença de tontura, vertigem, zumbido e hipoacusia. Consideramos como pacientes portadores de anemia aqueles que apresentavam níveis de hemoglobina menor que 12 mg/dl e 14 mg/dl para homens e mulheres, respectivamente. Presença de hipercolesterolemia foi considerada quando os níveis séricos de colesterol se encontravam acima de 240mg/dl. A presença de tontura, vertigem e zumbido foram avaliados por entrevista.
Foram excluídos do estudo pacientes com patologias do ouvido médio e hipoacusia de condução. Em todos os pacientes foi realizado otoscopia e audiometria tonal (Audiômetro Interacoustics AD28). Foram testadas as freqüências de 250, 500, 1000, 2000, 3000, 4000, 5000, 6000, 7000 e 8000 Hz. As perdas auditivas foram classificadas como leves (21 a 30dB), moderadas (31 a 60dB), graves (61 a 90dB) e profundas (acima de 91dB).
A análise estatística foi realizada através do programa Epiinfo 6.04b e foi considerado índice de significância de 95% (p<0,05).
O trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Socor em 6 de junho de 2005. Todos os pacientes foram devidamente informados sobre o estudo através do Termo de Consentimento livre e esclarecido.

RESULTADOS

Dos 35 pacientes estudados 24 são do sexo masculino e 11 do sexo feminino. A idade variou de 22 a 75 anos, com média de 50,2 anos.
O tempo médio que os pacientes eram submetidos à HD foi de 7,9 anos, variando de 2 a 19 anos (Gráfico 1).
Cinco pacientes haviam sido submetidos a transplante renal prévio e evoluíram com falência renal, necessitando permanecer em tratamento dialítico. Dos pacientes estudados, 28 (80%) apresentaram anemia e apenas três (8,6%) apresentaram hipercolesterolemia. Vinte e nove (82,9%) pacientes faziam uso de eritropoetina e 14 (40%) de furosemida.




A tontura estava presente em 3 (8,6%) pacientes de forma intermitente e o zumbido em 7 (20%) pacientes. Nenhum paciente apresentou queixa de vertigem.
Dezoito pacientes apresentaram audiometria dentro dos limites da normalidade e 17 (48,5%) pacientes apresentavam hipoacusia. Destes, oito (22,9%) com hipoacusia leve, seis (17,1%) com hipoacusia moderada e 3 (8,6%) com hipoacusia grave (Gráfico 2).
Dentre os pacientes com hipoacusia, 10 apresentaram perda neurossensorial em freqüências agudas, seis em freqüências graves e agudas (curva em U invertido) e 1 paciente em freqüências graves.
Para realizar análise estatística dividimos os pacientes em duas faixas etárias, com menos de 60 anos e com 60 anos ou mais.
Não houve relação estatisticamente significativa entre hipoacusia, zumbido e tontura quando relacionados à idade, sexo, transplante renal prévio, anemia, hipercoleste¬rolemia, uso de eritropoetina e furosemida.
Dos pacientes com hipoacusia 13 são do sexo masculino e 4 do sexo feminino (Quadro 1). Hipoacusia e tontura ocorreram simultaneamente em 2 pacientes (Quadro 2). Da mesma maneira, hipoacusia e zumbido ocorreram simultaneamente em 5 pacientes (Quadro 3) (p>0,05). O gráfico 3 ilustra a incidência dos sintomas otovestibulares.

DISCUSSÃO

Segundo nosso estudo a incidência de hipoacusia em pacientes submetidos à HD foi de 48,6%. Na literatura varia de 20 a 75% (1).






O tempo de hemodiálise não mostrou ser fator de risco para hipoacusia, tontura e zumbido em nosso estudo. Segundo Bazzi, que comparou a incidência de hipoacusia e o tempo de HD, os pacientes em HD há mais de dez anos apresentaram maior incidência se comparados aos pacientes com menos de dez anos de tratamento, porém sem significância estatística (1).
Apenas três pacientes apresentaram queixas de tontura e outros três queixa de zumbido, não estando relacionado com a incidência de hipoacusia. Nenhum paciente apresentou queixa de vertigem. Antes do advento da hemodiálise e do transplante renal, pacientes urêmicos apresentavam incidência aumentada de perda auditiva e sintomas vestibulares, atribuídos ao uso de medicação ototóxica, balanço hidro-eletrolítico e diálises inadequadas (12). Nenhum paciente apresentou tontura e zumbido simultaneamente.
A anemia não foi considerada fator de risco para hipoacusia, tontura e zumbido no presente estudo. A maior parte dos pacientes encontra-se em uso de Eritropoetina. O uso da eritropoetina para controle da anemia está relacionada à melhora significativa da audição sendo a anemia um fator importante para desordens auditivas em pacientes com IRC (8).
A maioria dos pacientes apresentou perda neurossensorial leve e moderada predominantemente em freqüências agudas. Nenhum paciente apresentou queixa de hipoacusia flutuante.
Ao analisarmos a curva audiométrica, observamos que seis pacientes (37,5%) apresentaram piora do nível auditivo em freqüências graves e agudas, caracterizando uma curva em "U" invertido. Vários estudos mostram hipoacusia predominantemente em freqüências agudas, possivelmente relacionadas ao uso de drogas ototóxicas, idade, viscosidade sanguínea (2, 9, 3). Em estudo realizado por Gatland, foi demonstrada incidência de hipoacusia de 41% em freqüências baixas, 15% em freqüências médias e 53% em freqüências altas. Foi demonstrada também melhora da audição em baixas freqüências após HD em 38% dos casos, podendo estar relacionada à ocorrência de hidropsia endolinfática que pode decorrer de alteração do equilíbrio hidro-eletrolítico (3).
No nosso estudo não podemos concluir se HD é fator de risco para hipoacusia por não existir grupo controle. Estudos na literatura mostram resultados divergentes. Segundo Mirahmadi a HD não é fator de risco para hipoacusia. Ele comparou os resultados de audiometria dos pacientes antes da primeira sessão de HD e após 1 a 5 anos, sem diferença estatisticamente significativa (5). Este dado foi confirmado por Henrich em follow-up de 1 a 4 anos, sugerindo que a deficiência auditiva é comum em pacientes portadores de IRC e é multifatorial (6). Comparando-se a audição dos pacientes em tratamento conservador, em HD e após transplante renal também não houve piora significativa (7). Gierek realizou emissão otoacústica e audiometria de tronco cerebral que se encontravam alterados em pacientes portadores de IRC antes e após a primeira sessão de HD e após 6 meses, não havendo piora dos limiares auditivos (14). Dado confirmado no trabalho de Serbetcioglu que não encontrou diferença nos resultados de audiometria tonal antes e após a sessão de HD (15). Já o estudo de Orendorz-Fraczkowska, que realizou audiometria tonal, audiometria de tronco cerebral e emissões otoacústicas antes e após sessões de HD em 20 pacientes, mostrou melhora dos limiares auditivos após a HD, fato foi atribuído à melhora dos parâmetros hemato¬lógicos (uremia, hipercalemia) (16).
Segundo Ozturan, que realizou audiometria tonal e emissão otoacústica por produto de distorção antes e após as sessões de HD, comparando o grupo com IRC e pacientes sem IRC conclui que a hipoacusia pode ser atribuída à insuficiência renal preexistente (11).

CONCLUSÃO

A hipoacusia em pacientes submetidos à HD apresenta baixo impacto na qualidade de vida desses pacientes. Não identificamos nenhum fator de risco estatisticamente significativo para a incidência de sintomas otológicos e a HD mostrou ser um tratamento seguro do ponto de vista otológico para os pacientes com IRC terminal.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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2. Orendorz-Fraczkowska K, Makulsla I, Pospiech L, Zwonlinska D. The influence of Haemodialysis on hearing organ of children with chronic renal failure. Otolaryngol Pol. 2002;56(5): 597-602.
3. Bazzi C, Venturini CT, Pagani C, Arrigo G, D'Amico G. Hearing loss in short-and long-term haemodialysed patients. Nephrol Dial Transplant. 1995 Oct; 10 (10): 1865-8.
4. Bergstrom L, Thompson P, Sando I, Wood RP. Renal disease. Its pathology, treatment, and effects on the ear. Arch Otolaryngol. 1980 Sep;106(9):567-72.
5. Kusakari J, Hara A, Takeyama M, Suzuki S, Igari T. The hearing of the patients treated with hemodialysis: a long term follow-up study. Auris Nasus Larynx. 1992:19(2):105-13.
6. Shaheen FA, Mansuri NA, al-Shaikh AM, Sheikh IA, Huraib SO, al-Khader AA, Zazgornik J. Reversible uremic deafness: id it correlated with the degree of anemia? Ann Otol Rhinol Laryngol. 1997 May; 106(5):391-3.
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13. Gierek T, Markowski J, Kokot F, Paluch J, Wiecek A, Klimek D. Electrophysiological examinations (ABR and DPOAE) of hearing organ in hemodialysed patients suffering from chronic renal failure. Otolaryngol Pol. 2002;56(2):189-94.
14. Orendorz-Fraczkowska K, Makulska I, Pospiech L, Zwolinska D. The influence of haemodialysis on hearing organ of children with chronic renal failure. Otolaryngol Pol. 2002;56(5):597-602.
15. Serbetcioglu MB, Erdogan S, Sifil A. Effects of a single session of hemodialysis on hearing abilities. Acta Otolaryngol. 2001 Oct;121(7):836-8.
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