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Ano: 2007  Vol. 11   Num. 2  - Abr/Jun Print:
Case Report
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Revisão de Estapedotomia com uso de 2-Cianobutilacrilato Fixando Prótese de Teflon-platina a Bigorna
Stapedotomy Revision Surgery Uusing 2-Cyano-butil-acrylate in Teflon-platina Prosthesis
Author(s):
Carlos Lúcio Pinto Vieira Filho1, Fayez Bahmad Júnior2, Heitor Dantas Guerreiro3, Kléber Alberto
de Souza Seabra4, Carina Carvalho Costa5, Carlos Augusto Carvalho Pires de Oliveira6
Palavras-chave:
Estapedotomia cianoacrilato prótese.
Resumo:

Introdução e objetivos: Os cianoacrilatos têm sido empregados em diversas áreas da medicina. Na otorrinolaringologia, a utilização de cianoacrilatos, em especial o 2-cianobutilacrilato (HISTOACRYL®), também tem sido freqüente considerando-se sua eficácia e baixa toxicidade. O objetivo é descrever a utilização do 2-cianobutilacrilato, em um caso, para fixar prótese de estapedotomia de teflon-platina à cadeia ossicular em timpanotomia exploradora. Método: Descrito um caso de revisão de estapedotomia onde o paciente apresentou mau resultado cirúrgico um ano e meio após a primeira cirurgia. Na timpanotomia exploradora, observou-se inexistência de prótese na janela oval e erosão da extremidade distal do ramo longo da bigorna. Fixada prótese de teflon-platina ao remanescente do ramo longo da bigorna com 2-cianobutilacrilato. Resultados: Paciente evoluiu com melhora auditiva até o terceiro mês pós-operatório e com desaparecimento do "gap" aéreo-ósseo na audiometria tonal. Conclusões: Conforme observado em outras aplicações na otorrinolaringologia e em outras áreas médicas, o uso da cola a base de cianoacrilato se mostrou útil para fixar tecidos e materiais inertes, como a prótese de estapedotomia. Neste caso relatado, não foram observados toxicidade para o ouvido interno, danos à cadeia ossicular ou a outras estruturas do ouvido. É um recurso extremamente útil para o cirurgião otológico que se depara com situações difíceis e inesperadas como erosão de ossículos e indisponibilidade de prótese apropriada à circunstância.

INTRODUÇÃO

Cianoacrilato é um termo genérico que se refere a substâncias como o metil-2-cianoacrilato ou o 2-octilcianoacrilato, também conhecido como Dermabond®. Algumas vezes são chamados de adesivos instantâneos. São substâncias que foram descobertas durante a segunda guerra mundial. Na forma líquida, essas substâncias consistem em monômeros de moléculas de cianoacrilatos com a composição (C 5 H 5 NO 2 ) CH 2 =C(CN)COOCH 3 e, quando em presença de água, mais especificamente íons de hidrogênio, rapidamente sofrem um processo de polimerização formando uma resina acrílica. Outra característica importante deste grupo de substâncias é a capacidade de solidificar-se em menos de um minuto em presença de água, diferentemente de outras colas. Os cianoacrilatos são melhor empregados em materiais não porosos e que contenham, ao menos, traços de água (6). O uso dos mesmos em tecidos do corpo humano ainda é objeto de estudo em diversas áreas tanto em relação a efetividade e emprego quanto no que se refere aos riscos e complicações de sua utilização.

Diversos cirurgiões têm usado os cianoacrilatos nas mais diversas áreas da medicina, em especial, em procedimentos endoscópicos, neurocirúrgicos, estéticos, ortopédicos e vasculares, além de otorrinolaringológicos. Inúmeros trabalhos têm sido publicados envolvendo seu uso. O início do seu emprego clínico e cirúrgico deu-se rapidamente quando verificou-se suas propriedades adesivas por COOVER em 1959 (1, 2). Comprovamos que a utilização destas substâncias avança rapidamente na medicina e que, nas áreas cirúrgicas, já são consideradas essenciais. As complicações com uso de cianoacrilatos não tem sido verificada com freqüência na prática clínica, contudo, existem complicações embólicas e endoscópicas relatadas na literatura (4, 5). Destaca-se, ainda, o poder bactericida dos acrilatos que dispensam a necessidade de esterilização destas substâncias (3).

Estudos em animais demonstraram que os cianoacrilatos têm se mostrado efetivos na fixação de ossos (8), o que também foi relatado tanto em animais quanto em humanos (7). Com base nestes estudos, observamos a efetividade dessas substâncias em aderirem ao tecido ósseo. Estudos envolvendo o uso de próteses são escassos e há necessidade de avaliar-se melhor a capacidade adesiva em materiais utilizados na confecção de próteses.

Além da capacidade bactericida citada anteriormente, os cianoacrilatos têm outras propriedades. Existem vários tipos de moléculas diferentes no grupo dos cianoacrilatos diferindo em suas propriedades físico-químicas de acordo com a composição e conformação dessas moléculas. Dentre os cianoacrilatos podemos enumerar o etil-2-cianoacrilato (Super-bonder®) e o metil-2-cianoacrilato, que são de cadeia curta, e o 2-cianobutilacrilato (Histoacryl®), octilcianoacrilato, isobutilcianoacrilato e o fluoroalkilcianoacrilato, de cadeia longa. Os cianoacrilatos de cadeia longa são menos tóxicos quando comparados aos de cadeia curta.

Os cianoacrilatos foram utilizados nos mais variados empregos dento da otorrinolaringologia e na cirurgia da cabeça e pescoço, entretanto, ainda são estudados quanto a eficácia destas utilizações e buscando novas aplicações para os mesmos. Dentre essas utilizações podemos citar suturas em cirurgias plásticas faciais, suturas externas de dacriocistorrinostomia, retalhos endonasais, fixação de ossículos do ouvido médio e reconstrução de cadeia ossicular.

Apenas um trabalho foi encontrado na literatura referindo-se ao uso de cianoacrilatos fixando prótese a cadeia ossicular em estapedotomia. Nesse trabalho, RIBEIRO et al. (3) relataram um caso de fixação da prótese de teflon à bigorna em revisão de estapedotomia com bom resultado, sem evidência de toxicidade dentro de 4 anos de acompanhamento e, também, nesse mesmo trabalho, outro caso, acompanhado por um ano, em que o paciente foi submetido a estapedotomia com fixação da prótese de teflon ao martelo depois de mau resultado de timpanoplastia com reconstrução de cadeia ossicular. Nenhum trabalho foi encontrado em que se referisse a utilização de prótese de teflon-platina sendo que a esta possui a haste que fixa a bigorna de metal.


RELATO DO CASO

Paciente de 35 anos, vigilante, casado, masculino, referia perda auditiva progressiva e bilateral há cerca de cinco anos, principalmente à esquerda, sendo submetido a estapedotomia há 3 anos e 6 meses, no ouvido esquerdo, com bom resultado nos primeiros meses pós-operatórios, segundo o próprio paciente, todavia, voltando a apresentar disacusia importante neste ouvido. Referia ter otalgia esquerda e zumbido tipo "bolhas de ar" nesta orelha. Confirmava, ainda, zumbido leve bilateral tipo apito. Realizou tomografia computadorizada após cirurgia que não demonstrou a prótese na caixa timpânica ou janela oval.

Apresentava ao exame físico, otoscopia sem alterações bilateralmente à exceção de aspecto cicatricial em membrana timpânica esquerda. O teste com diapasão mostrava Weber indiferente e Rinne negativo bilateralmente.

A audiometria realizada no pré-operatório mostrava perda mista moderada bilateralmente (Figura 1) e aimitanciometria, curva Ad à esquerda com ausência de reflexos e curva C à direita com ausência de reflexos.


Figura 1. audiometria pré-operatória.



Discutido com paciente os riscos e possibilidades operatórias, indicou-se timpanotomia exploradora esquerda. O paciente concordou em submeter-se ao ato operatório e assinou o termo de ciência de possíveis complicações, conforme rotina do serviço. Prescrito cefazolina 2g com antibioticoterapia profilática a ser administrada na indução anestésica. O ato anestésico ocorreu sem intercorrências.

A cirurgia transcorreu sob anestesia geral, sendo os achados transoperatórios: inspeção de caixa timpânica demonstrando fibrose contígua à mucosa envolvendo a cadeia ossicular. Procedendo-se a limpeza da cadeia ossicular, realizada nova inspeção de cadeia ossicular que mostrou afinamento e fratura do ramo longo da bigorna (porção distal), resquícios de cruras do estribo ligados à platina sem o restante da supraestrutura estapediana e sem o capítulo. Não encontrada prótese de cirurgia prévia. Platina encontrava-se rígida na janela oval. Prosseguiu-se a cirurgia, com realização de microfenestra e posicionamento da prótese de teflon-platina 7 x 0,45 mm na microfenestra. Era impossível que a haste da prótese envolvesse o corpo da bigorna ou o ramo longo que era exíguo. A bigorna foi, então, colada no remanescente da apófise longa com cola Histoacryl® e finalizada a cirurgia após reposicionamento do retalho timpanomeatal e colocação de curativo.

A medicação pós-operatória utilizada foi composta de analgésicos, antieméticos, hidratação e cuidados gerais.

No pós-operatório (P.O.) imediato, o paciente encontrava-se sonolento, porém, sem queixas. Negava dor, naúseas, vômitos ou tonturas. Curativo limpo e seco.

No primeiro dia P.O., paciente apresentou vômitos claros mas sem tonturas. Alimentou-se e teve restabelecimento dos hábitos intestinal e vesical. Sem nistagmo ou paralisia facial. Recebeu alta.

No décimo quinto dia P.O., negou melhora auditiva subjetiva significativa. Sem otorréia. WEBER estava indiferente e RINNE negativo bilateralmente. Gelfoam preenchia o conduto auditivo externo.

No primeiro mês P.O., referia melhora auditiva subjetiva à esquerda, sem novos sintomas. As membranas timpânicas estavam íntegras bilateralmente. WEBER lateralizou-se para a direita e RINNE positivo à esquerda e negativo à direita. Solicitada audiometria pós-audiometria.

No terceiro mês P.O., com melhora auditiva subjetiva à esquerda. Referindo zumbido como "escape de ar" no ouvido esquerdo e também "estalos". À otoscopia, apresentava membrana timpânica e conduto auditivo externo sem alterações à direita e membrana timpânica esquerda com retração cicatricial, porém, íntegra. Audiometria mostrava perda mista moderada em OD e perda neurossensorial leve em OE com rebaixamento profundo em freqüências agudas (Figura 2).


Figura 2. audiometria pós-operatória.



Após 1 ano e 4 meses da cirurgia referida, o paciente em questão foi reavaliado e submetido a nova audiometria. Manteve melhora auditiva clínica e audiométrica, sendo seu novo exame auditivo similar à audiometria realizada no terceiro mês P.O. e seu exame físico também permaneceu inalterado em relação à avaliação do terceiro mês após revisão de estapedotomia.


DISCUSSÃO

A estapedotomia é considerada por muitos cirurgiões otológicos, há vários anos, como uma cirurgia consagrada e com excelentes resultados na grande maioria dos pacientes que a ela se submetem. Todavia, em algumas situações os resultados podem não ser satisfatórios ou serem mesmo catastróficos variando de acordo com possíveis complicações que surjam no transoperatório ou no pós-operatório. Um grande dilema para o otorrinolaringologista é a descontinuidade da cadeia ossicular ou a impossibilidade de fixar uma prótese de modo habitual durante uma estapedotomia. É verdade que dispomos, hoje, de várias próteses que podem substituir a cadeia ossicular total ou parcialmente, contudo, a grande maioria destas próteses não são encontradas facilmente no Brasil e são, também, muito dispendiosas conforme observou RIBEIRO et al. (3).

A fixação da prótese de teflon-platina com cianoacrilato, devido ao diâmetro da parte metálica bem como à natureza deste material, é mais difícil quando comparada a prótese de teflon. Sabemos que a sustentação da prótese numa estapedotomia convencional baseia-se no fato da alça da prótese envolver o ramo longo da bigorna e, portanto, conferir estabilidade a essa prótese. Na ausência de parte da bigorna, essa manobra se torna impossível ou muito dificultada e a tentativa de fixar a prótese com cola e não pelo meio mecânico foi uma alternativa encontrada diante da perda do ramo longo da bigorna. Mesmo sabendo que a aderência dos cianoacrilatos a metais é menor que a outras superfícies, levou-se uma gota de cola com descolador otológico até o ponto onde a prótese tocava o remanescente do ramo longo da bigorna (Figura 3). Utilizou-se uma quantidade mínima de cianoacrilato e certicamo-nos de que outras estruturas da orelha média não foram fixadas pela cola. Apesar do metal não conter água, a umidade do tecido ósseo e do próprio ouvido foi capaz de promover a polimerização do cianoacrilato.


Figura 3. desenho esquemático da prótese fixada à bigorna (remanescente) com uso de cianoacrilato.



Ressalto que, apesar do cabo do martelo estar presente, estava reduzido de tamanho e não foi possível a colocação da prótese no mesmo e, ainda sim, permanecer com a porção de teflon dentro da janela oval já que o comprimento da prótese não era suficiente.

A despeito do pequeno tempo de controle pós-operatório, o paciente evolui bem, sem sinais de toxicidade otológica ou efeitos colaterais e, ainda, mantendo o ganho auditivo obtido após o procedimento cirúrgico. Salienta-se que a cirurgia transcorreu num espaço de tempo maior que habitualmente realizam-na, mesmo que conduzida por cirurgião com vasta experiência em estapedotomias e timpanotomias exploradoras. Todo o procedimento foi realizado com muito cuidado e, sobretudo, evitando-se a perda da prótese, fixação inadequada ou secagem da cola em local e tempo inapropriados.

Não há estudos suficientes a respeito da ototoxicidade dos cianoacrilatos, contudo, essas substâncias já foram utilizadas em cirurgias de reconstrução da cadeia ossicular referidas na literatura (1) e, em outro trabalho (3), com próteses de teflon e não há referência de perda auditiva ou sintomas labirínticos que possam ser relacionados com ototoxicidade. Por isso, utilizamos essa substância para fixação da prótese.

Seria recomendável a gravação, em meios de imagem, da cirurgia realizada, contudo, não dispúnhamos de equipamentos em condições técnicas para esse procedimento.

Ressalta-se que a possibilidade do uso de cianoacrilatos em cirurgias otológicas aumentou muito as possibilidades terapêuticas do cirurgião tanto na reconstrução de cadeia como na fixação de próteses.


CONCLUSÃO

A utilização de cianoacrilatos em estapedotomias fixando próteses e cadeia ossicular é uma arma valorosa à mão do otorrinolaringologista. Há necessidade de maiores estudos e outros relatos para avaliar-se melhor essa ferramenta todavia, os relatos feitos até o momento, tanto com próteses de teflon quanto de teflon-platina, foram bem sucedidos.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Ronis ML, Harwick, JD, Fung R, Dellavecchia M. Review of cyanoacrylate tissue glues with emphasis ontheir otorhinolaryngological applications. Laryngoscope, 1984, 94 (2 Pt1):210-3.

2. Toriumi DM, Raslan WF, Friedman M, Tardy ME. Histotoxicity of cyanoacrylate tissue adhesives: a comparative study. Arch Otolaryngol Head Neck Surg, 1990, 116(5):546-50.

3. Ribeiro FAQ, Doria S, Almeida R. Arq Otorrinolaringol,2005 , v.9, n.1, 76-80.

4. Yarce, JC. Gastrointest Endosc. 2005 Jan;61(1):186.

5. Turler A, Wolff M, Dorlars D, Hirner A. Gastrointest Endosc. 2001 Feb;53(2):228-30.

6. Cyanoacrylate - Enpsychlopedia - May 2005. http://search.psychcentral.com/psypsych/Cyanoacrylate

7. Amarante MT, Constantinescu MA, OConnor D, Yaremchuk MJ.Cyanoacrylate fixation of the craniofacial skeleton: an experimental study. Plast Reconstr Surg. 1995 Apr;95(4):639-46.

8. Guillermo E. Chacon DDS, James P. Ellis DDS, MS, John R. Kalmar DDS, PhD and Edwin A. McGlumphy DDS, MS. Using resorbable screws for fixation of cortical onlay bone grafts: An in vivo study in rabbits. Journal of oral and maxillofacial surgery. Volume 62, Issue 11 , November 2004, Pages 1396-1402.











1. Residência Médica em Otorrinolaringologia pelo HUB/UnB. Médico otorrinolaringologista.
2. Residência Médica em Otorrinolaringologia pelo HUB/UnB. Doutorando pela UnB e Harvard University.
3. Residência Médica em Otorrinolaringologia. Médico assistente do serviço de otorrinolaringologia do HUB/UnB.
4. Graduação em Medicina. Médico Residente em Otorrinolaringologia do HUB/UnB.
5. Residência Médica em Otorrinolaringologia pelo HUB/UnB. Médica Otorrinolaringologista.
6. Especialização e PhD - University of Minesotta Pós-doutoramento - Massachusets, Eye and Ear In., Harvard University Medical School. Professor Titular da Disciplina de Otorrinolaringologia da UnB, Chefe da Clínica de Otorrinolaringologia do Hospital Universitário de Brasília/UnB e Coordenador da Residência Médica de Otorrinolaringologia HUB/UnB.

Instituição: Hospital Universitário de Brasília Serviço de Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço.

Endereço para correspondência: SGAN 604/605 - HUB - Secretaria das Clínicas Cirúrgicas Asa Norte - Brasília / DF - CEP 70840-050
Rua Belizário Pena, 149 - Centro - Barbacena / MG
Fax (32) 3333-1148 - E-mail: clmvieira@yahoo.com.br

Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da R@IO em 11 de janeiro de 2006 . Cod. 65. Artigo aceito em 28 de fevereiro de 2007 .
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