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Ano: 2007  Vol. 11   Num. 4  - Out/Dez Print:
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Sinais e Sintomas Associados à Otalgia na Disfunção Temporomandibular
Signs and Symptoms Associated to Otalgia in Temporomandibular Disorder
Author(s):
Luiz Alberto Alves Mota1, Kátia Maria Gomes de Albuquerque2, Maria Heloísa Pedrosa Santos3, Renata de Oliveira Travassos3
Palavras-chave:
Otalgia. Disfunção. Articulação temporomandibular.
Resumo:

Introdução: A otalgia pode decorrer de causas otológicas, como otite externa, otite média, mastoidite, assim como de causas não otológicas. Especula-se que as disfunções temporomandibulares (DTM) sejam uma das causas mais comuns de otalgia por motivo não-otológico. Objetivo: Verificar a freqüência de possíveis sinais e sintomas associados à otalgia decorrentes de DTM. Forma de Estudo: descritivo e transversal. Casuística e Método: Trata-se de um estudo com 21 pacientes todos voluntários que concordaram em participar, portadores de otalgia e DTM, atendidos no ambulatório de Otorrinolaringologia de um hospital público. Eles foram submetidos a anamnese, exame otorrinolaringológico, exame das articulações temporomandibulares (ATM), audiometria tonal limiar, imitanciometria, exame odontológico para confirmar o diagnóstico de DTM e responderam a questionário sobre sinais e sintomas de DTM. Resultados: Houve predomínio do gênero feminino e os sintomas mais freqüentemente encontrados foram: percepção de sons articulares (95,2%), zumbidos (81%), plenitude auricular (independente do estado de repouso ou movimentação da ATM) (81%), sensação de mandíbula "presa ou travada" (52,4%), dor ou dificuldade para abrir a boca (33,3%), tonturas (26,8%), dificuldade para ouvir as pessoas (14,3%) e perda do equilíbrio (9,5%). Na avaliação audiométrica houve predomínio de exames normais em relação aos alterados. Conclusão: Os sintomas mais freqüentemente associados com otalgia e DTM foram percepção de sons articulares, zumbidos e plenitude auricular.

INTRODUÇÃO

A otalgia pode decorrer de causas otológicas, como otite média, otite externa, mastoidite, ou de fatores não otológicos, que incluem condições dentárias, tonsilites, neoplasias, neuralgias e disfunções da articulação temporomandibular (DTM) (1). Especula-se que as DTM sejam uma das causas mais comuns de otalgia por motivo não-otológico (2,3).

As DTM, também chamados de distúrbios craniomandibulares, constituem um conjunto de doenças que afetam não apenas as articulações temporomandibulares (ATM), mas também áreas extrínsecas às articulações (1,4,5).

Os sintomas da DTM podem manifestar-se principalmente como estalos ou crepitação, dificuldade de abrir ou fechar a boca e dor, que pode se irradiar para várias áreas da cabeça e pescoço, como as regiões temporais, occipital, frontal, cervical, pré-auriculares e auriculares.

Muitos pacientes queixam-se de sintomas auditivos associados à dor e disfunção das ATM, sendo otalgia, zumbido, plenitude auricular, tontura ou vertigem e perda auditiva subjetiva os mais comumente relatados (6,7,8,9).

Muitas hipóteses têm surgido para explicar a correlação entre sintomas auditivos e alterações temporomandibulares (1,5).

Estudos embriológicos sugerem a existência de aspectos que podem contribuir para a relação entre sintomas auditivos e DTM. A mandíbula e os ossículos da orelha média têm a mesma origem embriológica, na cartilagem de Meckel, o que poderia explicar as várias malformações da orelha média associadas a alterações mandibulares, assim como a anatomia e biomecânica da ATM, as quais estão intimamente relacionadas com estruturas e funções aurais (1).

A pressão produzida pelo deslocamento distal e posterior do côndilo mandibular sobre o nervo aurículotemporal e estruturas da orelha, especialmente sobre a tuba auditiva, pode ser responsável por alguns sinais e sintomas auditivos que caracterizam as DTM. Dentre esses sinais e sintomas, os mais comuns são: sensação de plenitude auricular, zumbido, otalgia e vertigem com nistagmo. O conjunto dessas alterações musculares, articulares e auriculares foi chamado de "Síndrome de Costen" (10).

Em 1962, na tentativa de esclarecer as causas das alterações auriculares, foi descrita uma delicada conexão entre o pescoço, processo anterior do martelo, cápsula e meniscos das ATM e ligamento esfenomandibular, denominada conexão cranial do ligamento timpanomandibular, que seria capaz de mover o martelo durante a tração da cartilagem articular da ATM (11). Também foi descoberto um ligamento que comunica o côndilo e o disco da articulação temporomandibular (ATM) com a orelha média no martelo, lateralmente ao nervo corda do tímpano (9).

Por outro lado, em 1992, postulou-se que a dor de ouvido pode ser na realidade dor da própria ATM sentida em posição mais posterior. A proximidade entre as estruturas articular e da orelha, a herança filogenética similar e o trajeto da inervação podem confundir o paciente no momento de localizar a dor (4).

Outros autores acreditam que a dor pode ser produzida por hipercontração e hiperestiramento do músculo pterigóideo lateral, que leva à hipertonia do músculo tensor do tímpano, sendo essa dor quase sempre referida em uma região diferente e distante do local de origem (9).

Visando contribuir com aspectos referentes à DTM, este estudo teve como objetivo verificar a freqüência de possíveis sinais e sintomas associados à otalgia decorrentes de DTM.


CASUÍSTICA E MÉTODO

Participaram do estudo 21 voluntários portadores de otalgia e suspeita clínica de DTM, incluídos à medida que eram atendidos e selecionados no ambulatório de Otorrinolaringologia de um hospital público da cidade do Recife /PE, sendo 18 (81%) do gênero feminino e 3 (19%) do gênero masculino, com idades variando de 18 a 65 anos.

Todos assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (Anexo 1), aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Universitário Oswaldo Cruz (sob o nº 28058).




Os critérios de inclusão dos voluntários na pesquisa foram: apresentar queixa de otalgia e, no exame clínico realizado pelo otorrinolaringologista, sinais e sintomas que permitissem diagnosticá-los como possíveis portadores de disfunção temporomandibular (DTM).

Foram excluídos do estudo os portadores de otite externa e/ou média ou infecção de vias aéreas superiores, mesmo que apresentassem DTM. Assim como aqueles que apresentassem suspeita de DTM sem otalgia.

Os voluntários foram submetidos a anamnese e exame otorrinolaringológico, exame das ATM, audiometria tonal liminar e imitanciometria além de responderem a um questionário sobre sinais e sintomas de DTM (Anexo 2).




Todos foram submetidos à anamnese e exame odontológico para confirmar o diagnóstico de DTM. O diagnóstico funcional foi realizado em três fases: anamnese, exame físico através da palpação e da ausculta, e exames complementares para análise de oclusão e por imagens (12). Uma vez que a visão deste estudo é otorrinolaringológica, não foi incluída a metodologia empregada no diagnóstico da DTM.

A audiometria tonal visou obter os limiares auditivos por condução (ou via) aérea e óssea. O equipamento utilizado nessa avaliação foi o audiômetro Interacoustics AC40. A audiometria por via aérea foi realizada nas freqüências de 250, 500, 1K, 2K, 3K, 4K, 6K e 8K Hz em uma orelha e na outra e, se os resultados fossem maiores que 25 dBNA, realizava-se a audiometria por via óssea.

Nesse tipo de avaliação, foram pesquisados os limiares auditivos nas freqüências de 500 a 4K Hz.

A classificação da mínima audibilidade considerada normal é 25 dBNA em todas as freqüências testadas, segundo orientação do Conselho Federal de Fonoaudiologia (13).

O funcionamento e a integridade da orelha média foram também analisados pela imitanciometria, além da via do reflexo do estapédio. O equipamento Interacoustics AZ7 foi utilizado para realizar as medidas da timpanometria e a pesquisa do reflexo do estapédio. Caso ocorressem alterações que indicassem doença na orelha média, o(a) voluntário(a) seria excluído(a) do estudo.

Considerou-se que os indivíduos seriam normais se apresentassem a curva timpanométrica "A" (segundo a classificação de Jerger), caracterizada por um pico máximo ao redor de 0 (zero) daPa de pressão. Quanto à pesquisa do reflexo do estapédio, a sua presença foi um elemento essencial para se considerar normal a orelha média do voluntário (14).

Após a avaliação dos resultados dos exames audiológicos e do diagnóstico de DTM, todos os voluntários foram encaminhados para tratamento odontológico.


RESULTADOS

Houve diagnóstico odontológico de DTM em todos os voluntários selecionados.

Houve predomínio do gênero feminino sobre o masculino, encontrando-se entre eles uma relação de 6:1.

Os sinais e sintomas associados à otalgia referidos pelos voluntários em ordem decrescente foram: percepção de sons articulares, zumbido, sensação de plenitude auricular (independente do estado de repouso ou movimentação da ATM), sensação de mandíbula "presa" ou travada (observada ou não pelo examinador), dor ou dificuldade para abrir a boca (observada pelo examinador), tontura, dificuldade para ouvir as pessoas e perda do equilíbrio (referidos pelo paciente e/ou observada pelo examinador), conforme exposto na Tabela 1.




Na avaliação audiológica verificaram-se exames normais em 18 (85,7%) casos e em 3 (14,3%) constatou-se perda auditiva sensorioneural.

Dentre os que apresentaram avaliação audiológica normal (85,7%), os sinais e sintomas associados foram: percepção de sons articulares, sensação de zumbido e plenitude auricular, dor ou dificuldade para abrir a boca, sensação de mandíbula "presa" ou travada, tontura, dificuldade para ouvir as pessoas e perda do equilíbrio, conforme exposto na Tabela 2.




DISCUSSÃO

Apesar do não pareamento do gênero e a faixa etária ampla, verificou-se predomínio da otalgia em portadores de DTM do gênero feminino, em comparação com o masculino, deve-se provavelmente à maior absorção do estresse emocional pela mulher, o que leva a uma diminuição do nível de tolerância fisiológica e aumento da hiper-atividade muscular, produzindo desequilíbrio funcional (7,15,16,17).

A presença de ruídos articulares (95,2%) não está necessariamente associada aos DTM, uma vez que tais ruídos podem ocorrer em uma doença articular assintomática chamada "ATM adaptada" (11).

O predomínio de zumbidos (81%) neste estudo é relevante e está de acordo com outros estudos já realizados (18). De qualquer forma, é necessário ter cautela ao interpretar tal dado, visto que o zumbido subjetivo pode ser causado não apenas por DTM, mas também pode ser conseqüente a doenças da orelha interna ou sistema nervoso central com ou sem perda auditiva (11).

A sensação de plenitude auricular e a tontura podem ser explicadas pelo deslocamento condilar posterior e distal, que produz pressão direta sobre o nervo aurículotemporal sobre as estruturas da orelha e especialmente sobre a tuba auditiva (10).

Em relação à avaliação audiológica, a maior freqüência de resultados dentro dos padrões de normalidade sugere que os sintomas otológicos não refletem necessariamente as condições das orelhas (externa, média e interna) verificadas no exame clínico e audiológico (16). Constatou-se nas três avaliações alteradas perda auditiva sensorioneural, a qual pode ser atribuída à presbiacusia (17).

Finalmente, verificou-se que as DTM freqüentemente vêm associadas a sintomas otorrinolaringológicos, requerendo acompanhamento interdisciplinar para o alívio dos sintomas (6,11,18-22).


CONCLUSÃO

Os sintomas otológicos mais comumente associados à otalgia e DTM foram: percepção de sons articulares, zumbido e plenitude auricular.


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1 - Mestrado. Professor Assistente de Otorrinolaringologia.
2 - Mestre em Ciências da Linguagem pela UNICAP (Fonoaudióloga do Hospital Agamenon Magalhães).
3 - Acadêmica do 9º período de Medicina da UPE.

Institução: Hospital Universitário Oswaldo Cruz (HUOC) - Rua Arnóbio Marques, 310, Santo Amaro, Recife-PE, CEP 50100-130.

Endereço para correspondência: Luiz Alberto Alves Mota - Rua Venezuela, 182 - Espinheiro - Recife / PE -CEP 52020-170 - Telefone: (81)32227060
E-mail: luizmota10@hotmail.com

Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da R@IO em 18 de agosto de 2007. Cod. 302. Artigo aceito em 23 de novembro de 2007.





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