Title
Search
All Issues
5
Ano: 1998  Vol. 2   Num. 2  - Abr/Jun Print:
Original Article
Versão em PDF PDF em Português
Sinéquia Nasal e Estenose de Laringe na Cicatrização Penfigóide
Author(s):
Kátia Cilene do Carmo, Luís Fernando de Castro Neves Maffezoli, João Armando Padovani Júnior, José Víctor Maniglia
Palavras-chave:
INTRODUÇÃO

Os pênfigos compreendem grupo de dermatoses de etiologia desconhecida, que apresentam alterações patológicas nas pontes intercelulares da epiderme, com diminuição ou perda da união entre as células (acantólise). A participação de fenômenos autoimunes está demonstrada pela presença de anticorpos reagentes nos espaços intercelulares da epiderme. São consideradas buloses, que são doenças autoimunes caracterizadas clinicamente por bolhas. A classificação proposta é a seguinte: 1.foliáceo, 2.eritematoso, 3.vulgar, 4.vegetante, 5.cicatricial, 6.bolhoso1. Alguns autores fazem diferenças entre pênfigos e penfigóides: as bolhas do pênfigo têm localização intraepidérmica e são flácidas; enquanto as bolhas do penfigóide são subepidérmicas, formam-se na junção dermo-epidérmica e são tensas. São considerados penfigóides os tipos cicatricial e bolhoso: os demais são pênfigos .

O pênfigo foliáceo apresenta predomínio cutâneo; inicia-se, geralmente, por lesões na face, couro cabeludo, regiões esternal e interescapular; são lesões eritematobuloescamosas, com intensa descamação, sensação de calor e ardor. Clinicamente, observa-se a forma clássica (doença de Cazenave) e a forma endêmica ("fogo selvagem"). A separação acantolítica ocorre na porção superior da camada espinhosa da epiderme.

O pênfigo eritematoso (síndrome de Senear-Usher) é uma forma benigna e localizada do pênfigo foliáceo que se apresenta com bolhas superficiais sobre couro cabeludo e face; é semelhante à dermatite seborréica, ou pode simular a erupção em "asa de borboleta" do lúpus eritematoso sistêmico.

O pênfigo vulgar tem predomínio nas mucosas, particularmente a oral; 50% dos pacientes apresentam lesões na cavidade oral como manifestação inicial da doença, que podem preceder as lesões cutâneas em mais de dois anos. As lesões rompem-se rapidamente, formam erosões ou ulcerações dolorosas. É freqüente o diagnóstico equivocado de estomatite aftosa. No pênfigo vulgar, a clivagem acantolítica é suprabasal; a evolução habitual, se não tratado, é lenta, porém pode evoluir para desnudamento extenso, levando a desequilíbrio hidroeletrolítico, sepsis e óbito. O pênfigo vegetante é uma variante benigna do pênfigo vulgar; são lesões vegetantes úmidas, com predileção pelas áreas de flexão (axilares, inguinais, genitália, períneo). As lesões cicatrizam e formam superfícies hipertróficas e vegetantes. O penfigóide cicatricial também é conhecido como pênfigo benigno das mucosas. As bolhas localizam-se preferencialmente nas mucosas e seguem esta ordem de freqüência: oral, conjuntival, esofageana, laríngea e genitália. As lesões têm final cicatricial, com formação de sinéquias (doença mucossinequiante de Lobart-Jacob); podem ocorrer amaurose e estenose orificial, obrigando à traqueotomia. As lesões cutâneas são infreqüentes: existe um tipo puramente cutâneo, conhecido por Brunsting-Perry, caracterizado por ondas sucessivas de bolhas situadas na cabeça e pescoço e menos comum no tronco, o qual responde favoravelmente à sulfapiridina. O penfigóide cicatricial tem evolução crônica e não leva ao óbito, a não ser excepcionalmente, por complicação decorrente de estenose esofágica, como pneumonia por aspiração3.

O penfigóide bolhoso é doença rara, constituída por erupção bolhosa generalizada, que acomete principalmente indivíduos idosos. A acantólise ocorre à nível da camada basal da epiderme, na junção dermo-epidérmica. Apresenta, clinicamente, semelhança com o pênfigo vulgar, líquen plano, eritema multiforme, reações por fármacos, dermatite herpetiforme1.

Clinicamente, encontramos bolhas generalizadas, tensas, às vezes hemorrágicas, em pele eritematosa ou normal, com predileção pelas superfícies de flexão. As mucosas podem ser atingidas em cerca de trinta por cento dos casos, geralmente a oral, nasal e conjuntival. Geralmente, as lesões não se agrupam, o sinal de Nikolsky pode ser positivo. Para detectá-lo, após o atrito sobre a pele ou mucosa não envolvida, mas próximo às lesões, faz com que a epiderme se descole e pode haver formação de vesícula ou úlcera. Este sinal pode ser encontrado nos diversos tipos de pênfigos e também na necrose epidérmica tóxica4.

Excepcionalmente, podemos encontrar vesículas agrupadas, simulando dermatite herpetiforme. Alguns medicamentos podem desencadear quadros clínicos e imunopatológicos idênticos ao penfigóide bolhoso (AAS, Amiodarona, D-penicilamina, Tolbutamida, Antralina, Alcatrão). O penfigóide bolhoso não é considerado doença paraneoplásica, sendo apenas causal pela faixa etária, a associação com neoplasias5.

As erupções vesiculares cicatrizam, há retração e formam área cicatricial com espessamento6.

OBJETIVO

O objetivo deste trabalho está relacionado à raridade e às seqüelas de um caso clínico de penfigóide bolhoso com envolvimento nasal, orofaringe, laringe, além de comprometimento cutâneo.

DISCUSSÃO

O penfigóide bolhoso envolve cavidade oral, nasal e conjuntiva com mais freqüência; enquanto que faringe, laringe e esôfago são menos comuns7.

Em caso de acometimento laríngeo, a obstrução respiratória das vias aéreas superiores inicia-se com rouquidão, estridor e dispnéia. A manifestação clínica de obstrução respiratória inicia-se quando o diâmetro do orifício laríngeo se estreita em torno de 3-4 mm, sendo necessário traqueotomia6.

A histopatologia convencional é útil (bolha subepidérmica, com infiltração de eosinófilos), porém não é decisiva, pois há casos em que se superpõem aspectos de dermatite herpetiforme3.

O diagnóstico baseia-se na histopatologia pós-biópsia da lesão. Tanto a imunofluorescência direta, quanto a indireta, são úteis; sendo que a direta demonstra padrão linear de Ig G e/ou C3 na membrana basal e a indireta mostra, no soro dos pacientes, presença de IgG em setenta por cento dos casos. Indiscutivemente, o exame de maior valor diagnóstico é a imunofluorescência direta3..

.


Raramente, o penfigóide bolhoso tem evolução fatal, mesmo na era pós-corticóide. As recorrências são frequentes, mas depois de algumas recidivas o processo extingue-se com ou sem tratamento, ficando as sequelas nas mucosas3.

De acordo com as regiões atingidas, resultarão diferentes conseqüências. Em relação à área conjuntival. podem surgir sinéquias palpebrais que diminuem a fenda, ocorrendo cegueira em vinte por cento dos casos. Na cavidade oral, surgem aderências entre a mucosa oral e alveolar. O acometimento da laringe pode levar à rouquidão e sinéquia. Estreitamentos esofágicos e anogenitais podem ocorrer1.

A droga de eleição é a prednisona, em doses relativamente elevadas (60-80 mg/dia), seguidas de dose de manutenção após estabilização do quadro. Pode-se associar citotóxicos (azatioprina, ciclofosfamida etc.) e, nesse caso, a dose de prednisona deve ser menor (40 mg/dia). Há casos que respondem bem à sulfapiridina e à dapsone, como na dermatite herpetiforme3.

RELATO DO CASO

F.A M., 37 anos, masculino, lavrador, índio, encaminhado pela Disciplina de Dermatologia, com rouquidão e dificuldade para respirar. Refere que os sintomas tiveram início há dois meses, com carácter progressivo e piora nos últimos três dias.

Referiu lesões em pele, nas regiões torácica e infra-axilares, na cavidade oral, apruriginosas e indolores, com evolução de oito meses. Encontrava-se em uso de prednisona (60 mg/dia), por dez dias. Nega tabagismo, etilismo ou uso de medicações previas.

Ao exame físico :

 Otorrinolaringológico

A rinoscopia anterior revelou lesões vésico-bolhosas na mucosa septal e cornetos. Na orofaringoscopia, verificou-se estenose de palato mole, fusão de pilares amigdaliano anterior e posterior, lesões vésico-bolhosas na mucosa jugal e labial bilateral e difusamente; língua, gengivas, palato duro, área retromolar, assoalho bucal e arcada dentária sem alterações. A fibronasolaringoscopia flexível mostrou nasofaringe sem comprometimento, edema difuso e lesões vésico-bolhosas na região glótica, com diminuição importante do espaço aéreo, não se visualizando cordas vocais verdadeiras e região subglótica. Não se encontraram gânglios palpáveis na cadeia cervical.

 Dermatológico

Presença de lesões vésico-bolhosas, eritematosas, localizadas na região torácica anterior e infra-axilar bilateral. Sinal de Nikolsky positivo.

Após avaliação do quadro, constatou-se que o paciente se encontrava em obstrução respiratória aguda, sendo submetido à traqueotomia e biópsia da mucosa oral e laríngea, confirmando o dignóstico prévio de penfigóide bolhoso. Preconizou-se uso de prednisona (60 mg/dia), associado, topicamente, ao dipropionato de beclometasona (três vezes/dia), na cavidade nasal e oral.

O paciente foi seguido periodicamente e, após oito meses da intervenção cirúrgica, encontrava-se em regressão da dose de prednisona.

Ao exame físico:

 Otorrinolaringológico

À rinoscopia anterior, verificou-se sinéquia entre cornetos inferiores e septo nasal bilateral, mais extensa à direita, com secreção amarelada; houve regressão das lesões vésico-bolhosas. À orofaringoscopia, persistência da estenose de palato mole, fusão de pilares amigdalianos e presença de lesões vésico-bolhosas na mucosa labial e jugal. A fibronasolaringoscopia revelou sinéquia de laringe, com obstrução total do intróito laríngeo.

 Dermatológico

Apresenta máculas eritematosas cicatriciais nas região torácica anterior e infra-axilares bilaterais.

CONCLUSÃO

1. Frente a paciente portador de penfigóide bolhoso, com lesão em mucosa de vias aéreas superiores, é obrigatória a verificação da permeabiladade da luz laríngea e, quando necessário, realização de intervenção cirúrgica de urgência.

2. Apesar da evolução benigna do penfigóide bolhoso, quando em mucosa, pode haver alterações irreparáveis nas estruturas atingidas, levando ao comprometimento da qualidade de vida do portador destas seqüelas, que são de difícil reparação.

BIBLIOGRAFIAS

1. SAMPAIO, CASTRO, RIVITTI. Dermatologia básica 3ª ed., 1987.

2. PROENÇA N.G.; ALONSO F.F. Atualização Terapêutica 16ª ed., 1993.

3. AZULAY & AZULAY. Dermatologia. 2ª ed., 1997.

4. CECIL.Tratado de medicina interna 19ª ed., 1993.

5. CUMMINGS, FREDRICSON, HARKER, KRAUSE, SCHULLER. Otolaryngology-Head and Neck surgery. 2ª ed., 1993.

6. B. DRENGER, M. ZIDENBAUM, E. REIFEN and LEITERSDORF. Severe upper airway obstruction and difficult intubation in cicatricial pemphigoid .Journal of the Association of Anaesthetics of Great Britain and Ireland 1986; 41:1029-31.

7. HANSON RD, OLSEN KD, ROGERS RS. Upper aerodigestive tract manifestations of cicatricial pemphigoid. Ann Otol Rhinol Laryngol 97: 1988

1- Médica Estagiáriária.
2- Médico Residente.
3- Médico Contratado.
4- Professor Titular.

Disciplina de Otorrinolaringologia e Serviço de Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Hospital de Base da Fundação e Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto-SP.
Trabalho apresentado no I Congresso Brasileiro de Rinologia e Estética da Face / I Congresso Centro Brasileiro de Otorrinolaringologia-Goiana-GO,1997-tema livre.
Endereço para correspondência: Clínica Maniglia-Rua Ondina, 45 - Bairro Redentora - São josé do Rio Preto - SP - CEP: 15015-200. Telefax (017)235-3366.
  Print:

 

All right reserved. Prohibited the reproduction of papers
without previous authorization of FORL © 1997- 2024