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Ano: 2009  Vol. 13   Num. 2  - Abr/Jun Print:
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O Coelho como Modelo Experimental em Laringologia
The Rabbit as an Experimental Model in Laryngology
Author(s):
Christiano de Giacomo Carneiro1, Fabrício Scapini2
Palavras-chave:
pregas vocais, modelo animal, laringe, coelho.
Resumo:

Introdução: A pesquisa em laringologia, são comumente utilizados modelos animais. A experimentação animal pode ainda contribuir muito para essa evolução, principalmente pela facilidade de acesso em relação às laringes humanas, e por serem mais facilmente controlados. Objetivo: Este trabalho objetivou analisar a laringofissura com enxertia das pregas vocais como técnica cirúrgica experimental em coelhos adultos machos. Método: Foram estudados 46 coelhos albinos da raça New Zealand, submetidos à micro-cirurgia em ambas as pregas vocais, com enxertia uni ou bilateral de gordura ou fáscia muscular autólogas. Resultados: Houve 4 perdas, sendo 3 animais até a primeira semana do período pós-operatório e outro após 19 dias da cirurgia. Nos animais subsequentes, não houve mais nenhuma infecção, hematoma ou deiscência das suturas. Conclusão: O estudo permite concluir que a laringofissura experimental em coelhos é um método seguro e que pode ser usado para estudos em laringologia.

INTRODUÇÃO

O estudo da laringe humana, principalmente relacionado ao desenvolvimento e aprimoramento de técnicas cirúrgicas, é fundamental para suprir as necessidades terapêuticas. Entretanto, esse estudo quando realizado in vivo torna-se limitado, visto que por vezes a cirurgia pode trazer resultados fonatórios piores que a própria patologia. Dessa forma, para estudo e pesquisa em laringologia, são comumente utilizados modelos animais (1, 2). A experimentação animal pode ainda contribuir muito para essa evolução, principalmente pela facilidade de acesso em relação a laringes humanas, e por serem mais facilmente controlados.

Alguns trabalhos investigaram características histológicas e morfológicas da laringe de alguns animais o que tornou viáveis estudos de técnicas cirúrgicas (3). Os modelos animais usualmente utilizados para estudos relacionados às técnicas operatórias são os porcos (3), cães (4-8), coelhos (9) e gatos (10).

Este trabalho objetivou analisar a laringofissura com enxertia das pregas vocais como técnica cirúrgica experimental em coelhos adultos machos, no sentido de contribuir com dados para futuro desenvolvimento de outros projetos de pesquisa.


MÉTODO

Após a aprovação da pesquisa pela Comissão para Análise de Projetos de Pesquisa (CAPPesq) da Diretoria Clínica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (protocolos de pesquisa 200/02, 796/06), foram estudados desde março de 2002 até abril de 2007, 46 coelhos albinos da raça New Zealand, todos sadios e do sexo masculino, com massa corporal entre 2,5kg e 4,0kg. Os coelhos foram submetidos à micro-cirurgia em ambas as pregas vocais, com enxertia uni ou bilateral de gordura ou fáscia muscular autólogas.

Os procedimentos cirúrgicos e os cuidados pós-operatórios imediatos foram realizados integralmente no Laboratório de Investigação Médica da Otorrinolaringologia (LIM-32) da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP). Após a cirurgia, os animais foram enviados para o biotério da FMUSP e para o biotério da Granja RG, localizado na cidade de Suzano, onde permaneceram com cuidados diários de alimentação e submetidos à temperatura ambiente controlada até serem sacrificados com injeção endovenosa de 2,0 mL de cloreto de potássio (KCL) a 20%, após anestesia conforme protocolo citado, de acordo com o tempo programado previamente.

Os animais foram anestesiados com Xilazina (5mg/kg) associado à Quetamina (25mg/kg) por via intramuscular. Foram mantidos em ventilação espontânea, sem necessidade de cânula traqueal, e fixo à mesa cirúrgica pelas quatro patas; sendo que as patas dianteiras foram mantidas ao longo do corpo. Mesmo durante a manipulação da laringe (laringofissura e seu fechamento), não foi necessário usar a cânula traqueal.

Foi realizada tricotomia na região cervical anterior, estendendo-se desde a mandíbula até a fúrcula esternal, e antissepsia com PVP-I tintura a 10%. Os coelhos foram submetidos à incisão cervical na linha média, a partir da margem superior da cartilagem tireoidea até a borda inferior da cartilagem cricoidea, com bisturi lâmina 15, na pele e subcutâneo, para expor a cartilagem tireoidea e cricoidea (Figura 1). Não houve necessidade de hemostasia nesta fase do procedimento. Com o auxílio do microscópio cirúrgico (modelo Inami L 860, lente de 200 mm, binocular angulada, ocular de 12,5 x, iluminação por fibra óptica e fonte de luz halógena de 15V e 150W), a membrana cricotireoidea foi incisada na linha média, com bisturi lâmina 12, que permitiu a visualização da subglote. Eventualmente foi necessário o uso do cautério delicado nessa fase do procedimento. A cartilagem tireoidea foi então incisada também com bisturi lâmina 12 em sua linha mediana anterior, até cerca da metade inferior da cartilagem tireoide, o que permitiu a exposição das pregas vocais (Figura 2). Ambas as pregas vocais foram submetidas à incisão longitudinal de 1mm de extensão a 0,5mm da borda livre. Realizou-se minucioso descolamento da mucosa ao longo da margem medial se estendendo também em direção inferior à subglote, com estilete Hollemback 3s, empregado em odontologia. Dessa forma, foi confeccionado um bolsão na direção do eixo longitudinal da prega vocal, utilizando-se o músculo tireoaritenoideo como referência principal. O enxerto (fáscia muscular ou gordura), com aproximadamente 2mm de diâmetro e 1mm de altura (medidos com paquímetro), foi posicionado em tal bolsão dissecado entre o músculo tireoaritenoideo uni ou bilateralmente. A gordura foi retirada da própria incisão cervical para acesso à laringe enquanto que a fáscia muscular (fáscia lata) foi removida após incisão e dissecção em região ântero-lateral da coxa (Figura 3). A incisão da prega vocal não foi suturada. O fechamento da cartilagem tireoidea, da membrana cricotireoidea e da pele foi realizado inicialmente (até o coelho número 8) com suturas de Categute 4-0; com pontos separados em apenas dois planos (laringe e pele). A partir do coelho número 9, foi utilizado fio Prolene 5-0, em sutura contínua, para fechamento da incisão da cartilagem tireoide e da membrana cricotireoidea. A seguir, a musculatura pré-laríngea foi suturada com Categute 3-0, bem como a pele (em planos separados), ambos em sutura contínua (Figura 4). Todos os animais operados foram mantidos vivos, com cuidados diários e controle do processo de cicatrização. Os coelhos receberam antibioticoterapia com Benzilpenicilina procaína 300000 UI, Benzilpenicilina potássica 100000 UI, diluídas em 3 mL de água destilada, sendo aplicado 0,4 mL intramuscular por dose. A primeira dose foi aplicada durante o procedimento, e duas outras, a cada 24 horas.


Figura 1. Exposição da cartilagem tireoide.


Figura 2. Exposição das pregas vocais.


Figura 3. Dissecção da região antero-lateral da coxa.


Figura 4. Sutura da musculatura pré-laríngea.



RESULTADOS

A média de peso entre os animais foi de 3200 gramas (Tabela 1), sendo todos do mesmo sexo (masculino). A Tabela 2 mostra a distribuição dos animais em relação às complicações: houve 4 perdas, sendo 3 animais (coelhos 1, 2 e 5) até a primeira semana do período pós-operatório e outro (coelho 12) após 19 dias da cirurgia. A causa da morte dos animais foi atribuída a desconforto respiratório associado á infecção cervical (3 animais) e infecção urinária (coelho 12). Até o oitavo animal operado, ainda no estudo piloto, houve formação de abscesso sob a ferida operatória, comunicando-se com a traqueia através da membrana cricotireoidea, a qual se apresentava parcialmente destruída pela infecção. Tal fato deveu-se provavelmente a deiscência da sutura da membrana cricotireoidea, que havia sido suturada com Categute 4-0. A partir desses dados, modificamos a sutura (conforme descrito) e não houve mais nenhuma infecção, hematoma ou deiscência das suturas nos animais subsequentes. Tivemos um caso de extrusão do enxerto (coelho 34 - fáscia muscular). Nos coelhos do Grupo Piloto, em que foi identificada a infecção cervical, os enxertos permaneceram na posição programada.







DISCUSSÃO

A partir das descrições de Hirano (11) da estrutura da prega vocal em camadas e sua associação com o padrão vibratório, a laringologia transformou seus conceitos e possibilitou melhor entendimento das alterações vocais. A teoria de corpo e cobertura de Hirano e Kakita (12), trouxe fundamental compreensão da fisiologia da fonação, e mudou a filosofia dos conceitos cirúrgicos, e trabalhos experimentais permitiram testar novas técnicas.

Apesar da disponibilidade de inúmeros animais para experimentação, qual seria o melhor modelo experimental para estudos laringológicos? Kurita et al. (13) relatam que a histologia da prega vocal do porco, assim como as dimensões da laringe, são as que mais se aproximam da humana. De acordo com o mesmo autor, isso não indica que tal animal seja necessariamente o melhor modelo para estudos da fonação, pois fatores como os músculos intrínsecos da laringe, entre outros devem ser considerados. Segundo Garret et al. (3), baseado em aspectos histológicos e estroboscópicos, o cachorro é modelo que melhor se aproxima do ideal. Por outro lado, o coelho é um animal dócil, de fácil manejo anestésico, que se acomoda em gaiolas comuns de biotério e bastante utilizado em modelos para estudo de resposta imunológica (14).

Analisando a histologia da lâmina própria e do músculo tireoaritenoideo dos coelhos observamos sua similariedade com a prega vocal humana (13), demonstrando divisão por camadas e presença de colágeno e células da matriz extracelular.

No presente trabalho, o método utilizado para anestesiar os coelhos nos permitiu acessar as pregas vocais através de laringofissura com ventilação espontânea, favorecendo a manipulação delicada e segura das pregas vocais e dos enxertos, sem que houvesse dano indesejado a qualquer estrutura.

A dissecção da lâmina própria e do músculo tireoaritenoideo foi realizada utilizando o microscópio cirúrgico. Como a lâmina própria do coelho é muito fina e aderida ao epitélio (12), optamos por confeccionar um bolsão entre a lâmina própria e o músculo tireoaritenoideo, para reduzir a possibilidade de ruptura do retalho e extrusão do enxerto. Em humanos, Sataloff et al (15) foram os pioneiros a descrever a criação de uma bolsa no espaço de Reinke, entre o epitélio e o ligamento vocal, seguida do preenchimento de gordura injetada com seringa de Bruning e agulha grossa para evitar trauma e destruição do bloco.

Por ser um estudo histológico, visando observar a incorporação do enxerto, o acesso externo e a inserção do enxerto entre a lâmina própria e o músculo não trouxeram nenhum inconveniente. Se o estudo enfocasse as características vibratórias após a enxertia, a metodologia mais fiel seria laringoscopia direta e posicionamento do enxerto nas camadas mais superficiais da lâmina própria, ou seja, logo abaixo do epitélio.


CONCLUSÃO

O estudo permite concluir que a laringofissura experimental em coelhos é um método seguro e que pode ser usado para estudos em laringologia.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Isshiki N, Morita H, Okamura H, Hiramoto M. Thyroplasty as a new phonosurgical technique. Acta Otolaryngol. 1974, 78:451-457.

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3. Garret CG, Coleman JR, Reinish L. Comparative histology and vibration of the vocal folds: implications for experimental studies in microlaryngeal surgery. Laryngoscope. 2000, 110:814-824.

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13. Kurita S, Nagata K, Hirano M. Comparative study of the layer structure of the vocal fold. In: Bless, DM. Vocal fold physiology. 1st ed. San Diego: Singular; 1995, pp.03-21.

14. Harlow E, Lane D. Antibodies: a laboratory model. Cold Spring Harbour Laboratory. 1988, 92-111.

15. Sattaloff RT, Spiegel JR, Hawkshaw M, Rosen DC, Heuer RJ. Autologous Fat implantation for vocal fold scar: A Preliminary Report J Voice. 1997, 11(2):238-246.










1. Doutor pela FMUSP. Otorrinolaringologista.
2. Doutorando em ORL pela FMUSP. Otorrinolaringologista.

Instituição: Departamento de Otorrinolaringologia da FMUSP.

Endereço para correspondência:
Christiano de Giacomo Carneiro Alameda
Rua Ministro Rocha Azevedo, 644/144 - Cerqueira César
São Paulo / SP - Brasil - CEP: 01410-000
Telefone (+55 11) 8143-6600
E-mail: fabricioorl@yahoo.com.br

Artigo recebido em 03 de Junho de 2008.
Artigo aceito em 31 de Maio de 2009.
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