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Ano: 2009  Vol. 13   Num. 3  - Jul/Set Print:
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Efetividade de um Programa de Protetização Auditiva em Idosos Através da Aplicação do Questionário HHIE-S
Effectiveness of a Program of Auditory Prothetization in Elders Through the Application of HHIE-S Questionnaire
Author(s):
Roberto Dihl Angeli1, Geraldo Pereira Jotz2, Marion Cristine de Barba3, Pedro Guilherme Moeller Demeneghi4, Carolina Homrich Pereira de Mello5.
Palavras-chave:
presbiacusia, saúde do idoso, perda auditiva, reabilitação de deficientes auditivos.
Resumo:

Introdução: A perda auditiva em idosos tem sido estudada não apenas pelo contexto biológico mas também pelo impacto negativo na qualidade de vida desta população. A protetização auditiva é parte fundamental na reabilitação auditiva. Objetivo: Avaliar o impacto subjetivo de um programa de reabilitação auditiva em idosos através da aplicação do questionário HHIE-S antes e após 30 dias de terapia reabilitadora. Método: 47 indivíduos idosos foram avaliados, sendo 25 do sexo masculino. O questionário HHIE-S foi aplicado antes e 30 dias após terapia de reabilitação auditiva. Resultado: A idade média da amostra foi de 75 anos. 57% da amostra apresentou perda auditiva moderada. O escore médio obtido passou de 24,2 para 1,8 pontos após o período de terapia fonoaudiológica (p<0.001). Conclusão: Os escores médios foram reduzidos significativamente após 30 dias de protetização auditiva e terapia fonoaudiológica. Estes resultados, entretanto, podem estar superestimados. A avaliação em 6 ou 12 meses pode medir de modo mais fidedigno o impacto de um programa reabilitador na percepção subjetiva da qualidade de vida da população idosa.

INTRODUÇÃO

A elevada prevalência de perda auditiva na população idosa, estimada entre 36 e 45% (1-3), é consequência não apenas da presbiacusia, processo degenerativo que decorre exclusivamente do envelhecimento (4), mas também da incidência cumulativa de perda auditiva induzida por ruído (PAIR), sequelas de otite média e ototoxicidade, entre outras causas. Como resultado, identificamos, nesta população, o comprometimento auditivo tanto sensorial como neurológico, ocorrendo isolada ou concomitantemente.

Nos últimos anos, a perda auditiva em idosos tem sido abordada não apenas pela perspectiva estritamente biológica, mas também pelos seus impactos individuais e coletivos, considerando, entre outros, aspectos sociais, familiares e econômicos.

Alguns estudos vêm demonstrando a relação entre perda auditiva e o comprometimento da qualidade de vida na população idosa (5,6). Há diminuição da capacidade de comunicação verbal, levando ao isolamento progressivo e potencializando o surgimento de quadros depressivos. Da mesma forma, ocorre queda de rendimento profissional independentemente do declínio da capacidade física ou intelectual, com repercussões econômicas que podem ser marcantes, considerando a alta prevalência de famílias que atualmente são sustentadas pelos seus membros mais idosos.
Esta importância recente do conceito de qualidade de vida reflete-se na disseminação de questionários que visam traduzir objetivamente o desconforto ou impacto causado pelas perdas auditivas, além de avaliar a efetividade de medidas preventivas ou terapêuticas. Entre estes, podemos destacar o APHAB (Abbreviated Profile of Hearing Aid Benefit), o SHAPIE (Shortened Hearing Aid Performance Inventory for the Elderly) e o SADL (Satisfaction with Amplification in Daily Life).

O questionário HHIE (Hearing Handicap Inventory for Elderly) tem sido amplamente utilizado como método de aferição do impacto da perda auditiva em idosos (6-8). Proposto por VENTRY e WEINSTEIN em 1982 (9), é original-mente constituído por 25 questões que contemplam aspectos individuais, sociais e familiares, sendo que sua versão abreviada (Shortened, originando a sigla HHIE-S) é composta por 10 questões.

A protetização auditiva corretamente indicada por médico otorrinolaringologista e acompanhada de terapia e reabilitação fonoaudiológica é considerada uma ferramenta imprescindível no manejo de idosos com perda de audição (7,8). Desta forma, este estudo objetiva avaliar a efetividade
de um programa de protetização auditiva em uma população idosa através da aplicação do questionário HHIE-S antes e após 30 dias do início do uso de aparelho de amplificação auditiva e terapia fonoaudiológica.


MÉTODO

O projeto teve aprovação pelo Comitê de Ética e Pesquisa desta Universidade, sob o número 2008-105H.

A amostra foi constituída de coorte retrospectiva de 47 indivíduos, extraída randomicamente a partir de uma população de 409 pacientes com idade igual ou maior que 65 anos atendidos no setor de Alta Complexidade em Saúde Auditiva do Serviço de Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Hospital Universitário da nossa Universidade, durante o período de 16 de janeiro de 2006 a 31 de janeiro de 2007.

A amostra foi calculada a partir de um nível de significância de 0.05, poder estatístico de 90% e uma diferença entre as populações de 0.5 SD, sendo necessários 44 indivíduos (ou 88 observações).

O atendimento dos pacientes inseridos no Programa de Saúde Auditiva segue a normativa determinada pela Portaria no 587, de 07 de outubro de 2004, do Ministério da Saúde. A seleção prévia dos pacientes agendados neste Programa é realizada por profissionais vinculados ao Serviço de Saúde Pública do Estado, através da Secretaria Estadual da Saúde.

Os pacientes são inicialmente avaliados por médico otorrinolaringologista e submetidos a testagem audiológica através de imitanciometria e audiometrias tonal e vocal. De acordo com estes resultados - e sempre que houver indicação médica - os pacientes são encaminhados para realização de exames subsidiários, como o registro de potenciais evocados de tronco encefálico, por exemplo, ou exames de imagem.

Os pacientes com indicação clínica de protetização auditiva são orientados ao atendimento fonoaudiológico para o processo de seleção e adaptação. De acordo com a Portaria no 589, de 08 de outubro de 2004, os pacientes adultos devem realizar 04 sessões de reabilitação (terapia fonoaudiológica), dentro de um período de 30 dias. As sessões são individuais e tem duração de 45 minutos. O profissional que realiza a primeira sessão de terapia responsabiliza-se pelos atendimentos subsequentes.

A reabilitação baseia-se na estimulação da lingua-gem e da leitura orofacial, no teste de sons de Ling e no treinamento das habilidades auditivas.

O questionário HHIE-S é aplicado pelas fonoaudiólogas do Serviço antes e após o período de reabilitação. Cada uma das 10 perguntas prevê 3 respostas: para cada resposta SIM, somam-se 4 pontos; para cada resposta ÀS VEZES, soma-se 2 pontos; para cada resposta NÃO, não soma-se ponto. O escore obtido varia entre 0 e 40 pontos.

Para a análise da intensidade da perda auditiva, utilizamos utilizada a média dos limiares tonais em 500, 1000 e 2000 Hz, conforme descrito por DAVIS e SILVERMAN em 1970 (10).


Figura 1. Distribuição da intensidade de perda auditiva na amostra em estudo (n=47 pacientes).




RESULTADOS

Os 47 pacientes que constituem a amostra estudada apresentaram idade média de 75 anos e 4 meses (66 a 91 anos), sendo 53 % do sexo masculino. Nenhum dos pacientes apresentava quadro secundário a processo inflamatório crônico, embora este não tenha sido um critério prévio de exclusão.

A análise dos limiares auditivos demonstrou que 27 pacientes (57%) apresentavam perda auditiva moderada bilateral, 8 pacientes (17%) tinham perda leve bilateral e apenas 1 paciente apresentou perda severa bilateral. Os 11 pacientes restantes apresentavam perdas assimétricas (Figura 1).

O escore médio obtido pelo questionário antes da protetização foi de 24,2 pontos. Já o escore obtido após 30 dias foi de 1,78 ponto. A diferença entre os escores, medida através do teste t de Student para amostras independentes, foi estatisticamente significativa (p<0.001).

Dentro da amostra, 16 indivíduos (34%) tiveram escore igual ou maior que 30 pontos inicialmente. Destes indivíduos, 5 obtiveram escore de 0 ponto após a terapia.

O número total de indivíduos que obteve 0 ponto após o período de terapia foi de 22, o que corresponde a 47% da amostra. A frequência absoluta dos escores está demonstrada na Figura 2.


Figura 2. Distribuição do escore HHIE-S pré e pós terapia de reabilitação.




DISCUSSÃO
As perdas auditivas apresentam efeitos na qualidade de vida que dependem das características da própria perda (intensidade, uni ou bilateralidade, zumbido, vertigem ou otorreia concomitantes, tempo e velocidade de instalação), do indivíduo (gênero, idade, ocupação profissional, nível sócio econômico, religiosidade, escolaridade, presença de doenças concomitantes), da família, do círculo social e mesmo da comunidade onde está inserido.

Desta forma, a análise dos limiares tonais é capaz de avaliar apenas parcialmente o impacto da perda na qualidade de vida individual.

A significativa diferença entre os escores obtidos antes e 30 dias após a terapia fonoaudiológica demonstra de modo inequívoco a efetividade de um programa multidisciplinar de reabilitação auditiva para uma população idosa.

O HHIE-S tem sido estudado como ferramenta de rastreamento na população idosa (11-13). Poucos estudos o empregaram na análise do benefício a médio ou longo prazos de um programa de reabilitação auditiva.

Vuorialho e colaboradores avaliaram um programa de reabilitação auditiva em 98 idosos, sendo que a média dos escores obtidos pelo HHIE-S foi de 28,7 pontos. Após 6 meses, o escore médio caiu para 12,7 pontos (7). Em um estudo brasileiro, que avaliou os escores do HHIE-S de 7 indivíduos submetidos a terapia reabilitadora, os valores médios, após 7 sessões, passaram de 25,3 para 10,3 (8).

Os valores médios obtidos na nossa amostra antes da intervenção foram equiparáveis àqueles obtidos em outros trabalhos. Os valores médios após a terapia reabilitadora, entretanto, foram inequivocadamente baixos (Figura 3). Para melhor análise do impacto real, consideramos mais adequada a aplicação do questionário após um período maior de tempo, idealmente igual ou superior a 6 meses, visto que a tendência de uma terapêutica clínica pode ser a superestimação do impacto inicial (14,15).

A baixa média dos escores obtidos 30 dias após a protetização pode justificar-se também pela satisfação geral do paciente pelo atendimento recebido pela equipe multidisciplinar, independente do benefício causado isoladamente pela intervenção em estudo.


Figura 3. Evolução dos escores HHIE-S neste estudo (série 3) e comparação com os escores obtidos em outros estudos (séries 1 e 2).




CONCLUSÃO

A aplicação do questionário HHIE-S antes e após a terapia de reabilitação auditiva é uma importante ferramenta de análise sobre o impacto na qualidade de vida tanto individual como coletiva, mas a interpretação dos resultados pode, de modo equivocado, quantificar este impacto de modo irreal. Acreditamos que os resultados após 6 ou 12 meses da reabilitação auditiva refletem de modo mais fidedigno o benefício que o acompanhamento multidisciplinar pode proporcionar à população idosa.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Béria JU, Raymann BCW, Gigante LP, Figueiredo AL, Jotz GP, Roithmann R, Costa SS, Garcez VR, Scherer CR. Hearing impairment and socio-economic factors: a population-based survey in an urban centre in southern Brazil. Rev Pan Salud Pub. 2007, 21(6):381-7.

2. Cruickshanks KJ, Wiley TL, Tweed TS, Klein BE, Klein R, Mares-Perlman JA, Nondahl DM. Prevalence of hearing loss in older adults in Beaver Dam, Wisconsin. The Epidemiology of Hearing Loss Study. Am J Epidemiol. 1998, 148(9):879-86.
3. Sindhusake D, Mitchell P, Smith W, Golding M, Newall P, Hartley D, Rubin G. Validation of self-reported hearing loss. The Blue Montains hearing study. Int J Epidemiol. 2001, 30(6):1371-8.

4. Gates GA, Mills JH. Presbycusis. Lancet. 2005, 366(9491):1111-20.

5. Weinstein BE, Ventry IM. Hearing impairment and social isolation in the elderly. J Speech Hear Res. 1982, 25(4):593-9.

6. Dalton DS, Cruickshanks KJ, Klein BE, Klein R, Wiley TL, Nondahl DM. The impact of hearing loss on quality of life in older adults. Gerontologist. 2003, 43(5):661-8.

7. Vuorialho A, Karinen P, Sorri M. Effect of hearing aids on hearing disability and quality of life in the elderly. Int J Audiol. 2006, 45(7):400-5.

8. Marques ACO, Koslowski L, Marques JM. Reabilitação auditiva no idoso. Rev Bras Otorrinolaringol. 2004, 70(6):806-12.

9. Ventry IM, Weinstein BE. The hearing handicap inventory for the elderly: a new tool. Ear Hear. 1982, 3(3):128-34.

10. Davis H, Silverman SR. Auditory Test Hearing Aids. In: Davis H, Silverman SR. Hearing and Deafness. Holt, Rinehart and Winston, 1970.

11. Nondahl DM , Cruickhanks KJ, Wiley TL, Tweed TS, Klein R, Klein BE. Accuracy of self-reported hearing loss. Audiology. 1998, 37(5):295-301.

12. Lichtenstein MJ, Bess FH, Logan SA. Validation of screening tools for identifying hearing-impaired elderly in primary care. JAMA. 1988, 259(19):2875-8.

13. Gates GA, Murphy M, Rees TS, Fraher A. Screening for handicapping hearing loss in the elderly . J Fam Pract. 2003, 52(1):56-62.

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15. Malinoff RL, Weinstein BE. Amplification and aural rehabilitation. Ear Hear. 1989, 10(6):354-56.






1. Mestre em Otorrinolaringologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Professor Adjunto do Curso de Medicina da Universidade Luterana do Brasil (ULBRA).
2. Pós-doutorado em Otorrinolaringologia pela Universidade de Pittsburg, EUA. Professor Adjunto do Curso de Medicina da Universidade Luterana do Brasil (ULBRA).
3. Mestre em Distúrbios da Comunicação pela Universidade Tuiuti do Paraná. Fonoaudióloga do Programa de Alta Complexidade em Saúde Auditiva da Universidade Luterana do Brasil (ULBRA).
4. Médico Especialista em Otorrinolaringologia pela ABORL-CCF. Médico Contratado do Serviço de Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço da Universidade Luterana do Brasil (ULBRA).
5. Estudante do Curso de Medicina da Universidade Luterana do Brasil (ULBRA). Pesquisadora do Programa de Alta Complexidade de Saúde Auditiva da Universidade Luterana do Brasil (ULBRA).

Instituição: Programa de Alta Complexidade em Saúde Auditiva - Serviço de Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço - Hospital Universitário -Universidade Luterana do Brasil (ULBRA). Porto Alegre / RS - Brasil.

Endereço para correspondência: Roberto D. Angeli - Rua Plínio Brasil Milano, 80 - Bairro Auxiliadora - Porto Alegre / RS - Brasil - CEP: 90520-000 - Telefone: (+55
51) 3337-3460 - E-mail: roberto.dihl@terra.com.br

Artigo recebido em 6 de Julho de 2009. Artigo aceito em 1º de Agosto de 2009.
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