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Ano: 1998  Vol. 2   Num. 4  - Out/Dez Print:
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Corpo estranho de esôfago: vantagens do uso dos benzodiazepínicos
Author(s):
1Roberto Campos Meirelles, 2Sérgio Tavares de Castro
Palavras-chave:
INTRODUÇÃO

Os corpos estranhos (CE) de esôfago são freqüentes, sendo mais encontrados nos extremos da vida: em crianças pelo hábito de levar objetos (principalmente moedas) à boca, e, em idosos, pelo uso de próteses dentárias que impedem a sensibilidade do palato em reconhecer espinhas ou ossos. O quadro clínico manifesta-se por dor localizada, disfagia, odinofagia, sialorréia, vômitos e, ocasionalmente, febre. Na maioria dos casos, é considerada urgência médica relativa, havendo necessidade de intervenção imediata apenas quando ocorrer quadro clínico dramático ou sinais de perfuração esofágica1. O tempo prolongado de permanência do CE no esôfago leva a maior freqüência de complicações, como edema da mucosa, infecção, impactação, necrose e perfuração do órgão com fistulização. Mock2 cita um caso de migração extraluminal, ocorrida após quatro dias da ingestão do CE (espinha de peixe), que se localizou no pescoço, próximo a artéria carótida comum. Gutiérrez3, em estudo retrospectivo, refere tempo de permanência variável a partir do momento do acidente agudo até o primeiro atendimento, de algumas horas a 60 dias (este último já com abscesso cervical por espinha de peixe), todos, porém, sem complicações fatais. O mesmo autor observou 14 % de resoluções espontâneas, sem descrever detalhes.

Nandi4, em revisão de 2.394 casos, não cita a eliminação natural do CE de esôfago. Conners5 refere resolução espontânea em crianças que tiveram moedas no esôfago cervical. Giordano6 utiliza benzodiazepínico em pacientes com bolo de carne impactado, como método auxiliar importante, referindo sete casos de resoluções espontâneas. Tibbling7 fez estudo duplo cego com diazepam e glucagon, em pacientes com bolo de carne impactado, sem encontrar diferenças. Na revisão realizada, não foram mencionados o uso deste fármaco em CE pontiagudos.

Nosso objetivo foi constatar as vantagens e os benefícios da utilização de benzodiazepínico na resolução espontânea dos CE pontiagudos de esôfago, tais como espinhas e ossos.

CASUÍSTICA E MÉTODOS

Realizou-se estudo retrospectivo de 95 casos de CE de esôfago, de julho de 1989 a maio de 1996, no Serviço de Otorrinolaringologia da Policlínica de Botafogo. A rotina do serviço para os CE de esôfago incluiu a confirmação do diagnóstico radiológico, com radiografias do pescoço de frente e perfil, e, se necessário, de tórax, após ingestão de cápsula contrastada. Seguiu-se internação hospitalar, hidratação intravenosa, analgésicos e jejum de oito horas para realização de esofagoscopia com tubo rígido (sob anestesia geral). Em casos de permanência prolongada do CE, ou na suspeita de infecção, foram utilizados corticosteróides (hidrocortisona) e antimicrobianos (cefalotina ou ceftriaxone). Nos pacientes muito ansiosos, prescreveu-se 5 a 10mg de benzodiazepínico (Valium®) via intramuscular (17 casos).

RESULTADOS

Analisando este grupo de 17 pacientes, que recebeu benzodiazepínico, as principais manifestações encontradas foram dor localizada, sialorréia, disfagia e odinofagia. Todos referiram o acidente agudo durante a refeição, estando, portanto, com o estômago cheio. Nenhum deles apresentou quadro clínico com manifestações exacerbadas, quando seria indicada a retirada imediata do CE, em razão do risco iminente de complicações. A radiografia do esôfago cervical em perfil, sem contraste, levou ao diagnóstico em todos os casos. Foi seguida a rotina, com internação hospitalar e jejum de oito horas, para a realização de anestesia geral. Observou-se o desaparecimento dos sintomas no momento do procedimento em seis pacientes deste grupo (Tabela 1), nos quais, após radiografia lateral do pescoço o CE não mais foi visto. Não foi realizada esofagoscopia, tendo sido mantida observação clínica por 15 dias, sem que os pacientes apresentassem qualquer sintoma de permanência do CE.



DISCUSSÃO

As características farmacológicas favoráveis dos benzodiazepínicos8 são a alteração seletiva da memória, afetando o código de novas informações (amnésia anterógrada), mas não o de informações armazenadas (amnésia retrógrada); mínima depressão ventilatória ou do sistema cardiovascular; local de ação específico como anticonvulsivante; segurança relativa, se ingeridos em dose excessiva (elevado índice terapêutico); potencial baixo em relação ao abuso e dependência física, e disponibilidade de antagonista farmacológico específico (flumazenil - Lanexatâ). Apresentam efeito relaxante em musculatura esquelética, com ação nos neurônios internunciais, e não produzem aumento de náuseas e vômitos. A interação com o álcool potencializa seu efeito8.

As principais reações adversas são: bradicardia, hipotensão arterial, depressão respiratória, ataxia, confusão mental, depressão, excitação paradoxal, incontinência urinária, "rash" cutâneo, trombose venosa, flebite no sítio de injeção e boca seca 9.

Comparamos os dois grupos. No primeiro, com 17 pacientes que receberam o benzodiazepínico, tivemos seis casos de resolução espontânea e, no outro, com 78 pacientes que não utilizaram o medicamento, apenas uma vez ocorreu a resolução espontânea (paciente pós ingestão de moeda, e não corpo estranho pontiagudo, que costuma ficar preso na mucosa do esôfago). Encontramos índice de eliminação espontânea significativamente diferente, sendo de 35,2% no primeiro grupo e de 1,2% no segundo (Tabela 2). A única diferença na conduta terapêutica dos dois grupos foi o uso do benzodiazepínico, já que não havia outro dado importante que pudesse influir ou alterar o resultado. As idades variaram de 24 a 72 anos, não se podendo, por isso, citar a eventual flacidez ou debilidade da musculatura esofágica (presente em idosos) como fator predisponente. A dose administrada variou de 5 a 10 mg, sendo que dois pacientes receberam 5mg porque tinham algum grau de enfisema pulmonar (risco de desenvolverem depressão respiratória). Não verificamos qualquer complicação com o uso do medicamento, a não ser sonolência, o que prolongou o tempo de internação em algumas horas.



Supomos ser o mecanismo de ação do benzodia­ze­pínico o principal responsável pelo relaxamento da musculatura esofágica e, conseqüente desprendimento do corpo estranho. Não podemos, contudo, optar por este método como alternativa terapêutica, pois os riscos da permanência do corpo estranho incluem edema, infecção com esofagite e perfuração do órgão. Achamos, entretanto, que é precipitado e perigoso realizar endoscopia sob anestesia geral com alimentos no estômago, salvo em situações dramáticas. Por essas razões, propusemos, como rotina, a prescrição de benzodiazepínico em todos os nossos pacientes. Temos que alertar para o aparecimento de toda e qualquer eventual manifestação de complicação, o que implica na imediata realização da esofagoscopia ou outro procedimento.

BIBLIOGRAFIA

1. REMSEN, K.; BILLER, H.F.; LAWSON, W.; SOM, M.L. - Unusual presentation of penetrating foreign bodies of the upper aerodigestive tract. Ann. Otol. Rhinol.Laryngol, 92: 32-41, 1983.

2. MOCK, M.; LOMBARDO, J.C.; LUQUE, R.; ZAPATEIRO, J. - Cuerpo extraño esofágico com migración extraluminal. Rev Med CCS Panamá, 20(2): 65-8, 1988.

3. GUTIERREZ, R.L.; CÁRCAMO, F.D.; BAQUERIZO, A.M.; MUÑOZ, W.C.; BURGOS, L.S.J.; GUTIÉRREZ, F.J.; FIERRO, J.J. - Cuerpos extraños esofagicos. Rev Med Sur, 14(2): 44-7, 1969.

4. NANDI, P.; ONG, G.B. - Foregn body in the aesophagus: review of 2394 cases. Br. J. Surg. , 65 : 5-9, 1978.

5. CONNERS, G.P.; CHAMBERLAIN, J.M.; OCHSENSCHLAGER, D.W. - Symptoms and spontaneous passage of esophageal coin. Arch. Pediatr. Adolesc. Med. , 149(1): 36-9, 1995.

6. GIORDANO, A.; ADAMS, G.; BOIES, L.; MEYERHOFF, W. - Current management of esophageal foreign bodies. Arch. Otolaryngol., 107(4): 249-51, 1981.

7. TIBBLING, L.; BJORKHUEL, A.; JANSSON, E.; STENKVIST, M. - Effect of spasmodic drugs on esophageal foreign bodies. Dysphagia, 10(2): 126-7, 1995.

8. STOELTNG, R.K. - Manual de Farmacologia e Fisiologia na Prática Anestésica,

Porto Alegre, Artes Médicas, 1997. pp 78-89.

9. OMOIGUI, S. - The anesthesia drugs handbook, 2nd edition, St. Louis, Mosby Year book, 1995. pp. 79-83.

1- Professor Adjunto e Coordenador da Disciplina de Otorrinolaringologia do Hospital Universitário Pedro Ernesto da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Doutor em Otorrinolaringologia pela Universidade de São Paulo e Médico do Serviço de Otorrinolaringologia da Policlínica de Botafogo.
2- Anestesiologista-Chefe do Serviço de Otorrinolaringologia da Policlínica de Botafogo.

Endereço para correspondência: Roberto Campos Meirelles - Av. Pasteur, 72 - Botafogo - Rio de Janeiro / RJ
CEP 22290-240 - Telefone: (021) 543-1909 - Fax: (021) 543-1095 - E-mail: meirelles@radnet.com.br
Trabalho realizado na Pró-Otorrino - Serviço de Otorrinolaringologia da Policlínica de Botafogo.
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