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Ano: 1998  Vol. 2   Num. 4  - Out/Dez Print:
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Excursão da cartilagem laríngea como parâmetro de comprometimento funcional da deglutição
Author(s):
1Onivaldo Bretan
Palavras-chave:
Introdução

A deglutição, em sua fase orofaríngea, dá-se mediante 3 principais mecanismos, excluída a fase oral: contração da faringe, relaxamento sincrônico da musculatura do esfíncter superior do esôfago (ou faringoesofágico) e concomitante elevação e anteriorização do osso hioide e laringe1,2,3. Uma visão sumária da anatomia e da fisiologia da deglutição orofaríngea, excluindo-se a fase oral, é útil para compreender o objetivo do presente trabalho, que é o de expor experiência clínica adquirida na investigação de indivíduos com disfagia alta, onde o movimento da laringe foi observado através de uma avaliação clínica desarmada.

Anatomia e fisiologia sumárias da deglutição

O esfíncter superior do esôfago é uma zona de alta pressão entre a faringe e o esôfago, tendo a finalidade de evitar refluxo gastroesofágico para as vias aéreas.

O esfíncter está localizado atrás da laringe, em particular atrás da cartilagem cricóide. O principal músculo do esfíncter, que o mantém fechado, é o cricóide como uma cinta, sem rafe mediana. O mesmo fica comprimido entre esta cartilagem e a coluna cervical.

A pressão elevada também é mantida graças à elasticidade das estruturas circunjacentes ao esfíncter. A laringe é mantida em suspensão pelas musculaturas supra e infra hioideas.

À deglutição, a laringe e o osso hióide se anteriorizam graças à musculatura suprahioidea. Isto ocorre em sincronia com a contração faríngea e com o relaxamento dos músculos do esfíncter.



O papel fisiológico do movimento laríngeo.

No esfíncter.

A anteriorização da laringe e do osso hióide abre a luz do esfíncter, que é virtual, mesmo com a musculatura esfinctérica relaxada. Este movimento reduz a pressão a zero, pois a parede externa (posterior) do esfíncter, encostada na coluna, é afastada. Por uma fração de segundos a luz do esfíncter e do esôfago tornam-se uma única cavidade.

Na faringe.

O movimento de elevação e de anteriorização encurta o eixo vertical da faringe e alarga-a para receber um volume menor ou maior do bolo alimentar. Com isto o trajeto descendente do mesmo é encurtado, tornando o tempo faríngeo menor. Este encurtamento no sentido vertical e alargamento no sentido lateral, juntamente com o deslocar para cima, faz com que a faringe "engolfe" o dito bolo, reproduzindo a maneira de alguns animais inferiores se alimentarem, os quais engolem sua presa por inteiro.

Na laringe.

Evita a falsa rota do bolo, ao colocar a mesma debaixo da base da língua, que é sua proteção. Ocorre também a báscula da epiglote que fecha o vestíbulo laríngeo como uma tampa.

Avaliação clínica do movimento laríngeo.

Há cerca de 15 anos atrás estudamos a relação entre o papel da musculatura suprahioidea e a pressão de repouso no esfíncter superior do esôfago. Quando em contato com os primeiros pacientes com disfagia, tivemos a idéia de verificar se um exame do movimento da laringe poderia ser útil do ponto de vista clínico. Os primeiros casos investigados permitiram comparar o movimento de elevação de diversos pacientes, permitindo perceber que havia diferença na elevação da mesma laringe entre eles. Isto levantou a questão de qual seria o movimento normal da laringe e qual seria a medida normal de sua ascensão. Resolvemos realizar esta avaliação.

Material e métodos

Foram avaliados dois grupos de indivíduos, como grupos padrões de normalidade, um deles constituído por 8 jovens do sexo masculino, com idade média de 23,5 anos, sem queixas otorrinolaringológicas ou gastroesofágicas e outro, constituído por 8 idosos do sexo masculino, com idade média de 72 anos, também sem quaisquer queixas. O grupo de idosos foi necessário pois a disfagia orofaríngea aparece freqüentemente em pacientes acima de 70 anos. Para estudar a reprodutividade das medidas, dois observadores (médicos) treinados pelo autor, mediram o movimento da elevação da laringe em 6 indivíduos saudáveis. A medida e a palpação foram realizadas colocando-se o indivíduo em decúbito dorsal horizontal, sem travesseiro, fazendo-se três marcas horizontais com tinta de caneta, a partir do pomo de Adão, em direção ao osso hioíde, de 1 cm de distância entre si. Pedia-se para o indivíduo deglutir saliva. Procurava-se sentir o momento e medir a elevação (Figura 1). Sentia-se nos dedos o movimento. No sexo masculino o movimento podia ser visto, também. Na mulher, o movimento é menos visível e perceptível, pois não existe o pomo de Adão. Com a prática, passou-se a examinar o indivíduo postando-se por detrás dele, o qual podia estar sentado e com a cabeça mantida em posição neutra. Um grupo de 14 pacientes foi avaliado quanto à disfagia, incluindo-se a observação do movimento laríngeo (ML). Os pacientes tinham idade entre 45 e 85 anos (média de 67), sendo 10 homens e 4 mulheres. Dez deles tinham idade superior a 65 anos. Eles queixavam-se de sensação de retenção de alimento e/ou de engasgo durante a transferência do bolo alimentar da boca para o esôfago. Todos foram avaliados clinicamente. Estudos eletromanométricos, endoscópicos da via digestiva e aérea, exame otorrinolaringológico e radiografias contrastadas da via digestiva foram realizadas sempre que possível.



Resultados

Entre os jovens e os idosos normais não foram encontradas diferenças significativas de elevação, com médias de 2,20 cm e de 2,09 cm respectivamente, a média de ambas sendo de 2,14 cm. Os valores variaram de 1,8 a 2,5 cm, sendo percebido apenas o movimento de elevação e nenhum outro movimento (Tabela 1).



Entre os 14 pacientes os valores de elevação apresentaram a média de 1,31 cm. Dentre estes, 8 mostram alteração de 0 a 1,5 cm quanto à elevação (Tabela 1). As alterações observadas foram:

- Deslocamento da laringe para direita do pescoço.

- Ausência ou mínima elevação.

- Deslocamento anterior acentuado com mínima elevação.

- Elevações incompletas e repetidas.

- Elevação incompleta seguida de movimento de abaixamento, além da posição de repouso (Tabela 2). As doenças presumíveis e os valores da elevação em cada um dos 8 pacientes estão na Tabela 3.





Na Tabela 3 podemos ver os achados referentes às alterações dos 3 principais mecanismos da deglutição alta, excluída a fase oral. Vários pacientes apresentaram alteração de 2 mecanismos, sejam a alteração do ML e da faringe (dois casos), a alteração do ML e do esfíncter (4 casos), ou apenas alteração do ML (dois casos). Também foram encontradas alterações apenas do esfíncter (dois casos) e da faringe (dois casos).

discussão

A valorização da alteração da elevação da laringe deve ser feita em associação com outros achados obtidos através dos diversos recursos armados. O teste permite avaliar, em primeiro lugar, se existe ou não essa alteração. Pode-se perceber não só a presença do distúrbio, mas suas características: presença de esforços deglutitórios repetidos, movimentos anômalos tais como a laterização da laringe, que especulamos ser movimentos compensatórios. O ML permite suspeitar de uma potencial falsa rota. Permite também avaliar evolução da disfagia. Vários de nossos pacientes apresentaram melhora do distúrbio e concomitante normalização do movimento laríngeo. Na reabilitação do paciente disfágico, este teste clínico pode ser também utilizado pelo próprio paciente para autoavalição dos exercícios executados para readquirir elevação laríngea. É interessante observar que medidas de elevação e de anteriorização foram realizadas em indivíduos normais usando radiografias2 e os valores obtidos por este método foram muito próximos dos nossos. Medidas em pacientes foram executadas também usando-se radiografias4. Este teste clínico é descrito em livros específicos publicados nos últimos anos5,6, sem identificação de quem o descreveu. Nossa investigação, de qualquer forma, aconteceu paralelamente, sendo conduzida desde há dez anos, com sucesso.

Outro comentário importante é o relativo à possíveis doenças provocando, especificamente, alteração do ML, às custas da musculatura suprahióide. Julgamos, até o presente momento e tendo em vista outros casos não incluídos no presente trabalho, que as causas são múltiplas, como são aquelas envolvendo a faringe e o esfíncter. Há, porém, alguns distúrbios que só interferem no ML, como a presença de uma cânula de traqueostomia, um câncer lingual, uma fibrose da região cervical fixando a laringe, ente outros.

Ao ser feita a palpação e a medição, devem ser observados os seguintes aspectos: 1. Se há demora para ocorrer a elevação, o que indica um problema na fase faríngea (caso não haja problema observado na fase oral); 2. Verificar se há tentativa para deglutir. Nota-se o esforço do paciente, o qual deve ser observado enquanto procuramos sentir os movimentos laríngeos. Pode-se perceber quando ele consegue completar o ato, tanto porque ele cessa de fazer esforços e gestos faciais quanto porque o examinador nota que o ML finalmente se normaliza. O teste clínico do ML é um recurso sem risco, sem custo, reprodutível, que pode ser repetido quantas vezes necessário, à beira do leito inclusive. Deve ser incorporado, portanto, à avaliação do paciente disfágico.

Bibliografia

1. ASOH, R.; GOYAL, R. K. - Manometry and electomanometry of the upper esophageal sphincter in the Opossum. Gastroenterology, 74; 515-520, 1970.

2. COOL, I. J.; DODDS, W. J.; DANTAS, R. O.; MASSEY, B.; KERN, M. K.; LANG, I. M.; BRASSEUR, J. G.; HOGAN, W. J. - Opening mechanisms of the human upper esophageal sphincter. Am. J. Physiol. G748; 257-261, 1998.

3. EKBERG, O. - The normal movements of the hyoid bone during swallow. Invest Radiol., 21; 404-406, 1986.

4. MENDELSOHN, M. S.; McCONNEL, F. M. S. - Function in the pharyngoesophageal segment. Laryngoscope, 97; 483-485, 1987.

5. LACAU, S. T.; GUILY, J.; CHAUSSADE, S. - Troubles de la deglutition de 1'adult. Paris, CCA Wagran, 1994, 7-17.
6. MILLER, R. M. - Clinical examination for dysphagia. In: Groher, M. E. - Dysphagia, diagnosis and management, 2 ed. Boston, Butterworth-Heinemann 1992, 145-60.

1- Professor Assistente Doutor da Disciplina de Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço da Faculdade de Medicina de Botucatu da Universidade Estadual Paulista / SP.

Endereço para correspondência: Prof. Dr. Onivaldo Bretan - Departamento de Oftalmologia, Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço da Faculdade de Medicina de Botucatu - UNESP - Botucatu - CEP 18618-000 - Botucatu / SP.
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