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Ano: 2011  Vol. 15   Num. 2  - Abr/Jun
DOI: 10.1590/S1809-48722011000200016
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Repercussões da Respiração Oral no Estado Nutricional: Por Que Acontece?
Effects of Oral Breathing on the Nutritional Status: Why does it Happen?
Author(s):
Daniele Andrade da Cunha1, Giselia Alves Pontes da Silva2, Hilton Justino da Silva3.
Palavras-chave:
estado nutricional, respiração bucal, fonoaudiologia.
Resumo:

Introdução: Algumas crianças que respiram pela boca e apresentam apneias obstrutivas noturnas podem apresentar retardo do crescimento pôndero-estatural. Objetivo: O objetivo deste artigo é analisar as alterações miofuncionais orofaciais presentes no indivíduo respirador oral e as repercussões sobre o estado nutricional. Enfoca a importância da equipe interdisciplinar no acompanhamento das alterações globais presentes na respiração oral. Método: O método utilizado foi uma revisão da literatura, a partir de artigos publicados em revistas cientificas indexadas, livros e trabalhos de pós-graduação. A maioria dos artigos foi identificada a partir das bases de dados, LILACS, MEDLINE e SCIELO. Resultados: Percebe-se relação da respiração oral com a modificação no processo geral de alimentação, associada às dificuldades no olfato, paladar e distúrbios miofuncionais orofaciais, repercutindo assim no estado nutricional. Comentários Finais: A diversidade de causas envolvidas na respiração oral requer uma equipe interdisciplinar treinada para identificar estas alterações, possibilitando a implementação de medidas preventivas, que evitem alterações na saúde geral, no desenvolvimento normal da face e no estado nutricional em importantes fases do crescimento desses indivíduos.

INTRODUÇÃO

A presença de qualquer obstáculo nas vias aéreas superiores, principalmente na região nasal e/ou faríngea, impede a livre passagem do ar, obrigando o indivíduo a respirar pela boca, utilizando a cavidade oral como um conduto passivo na respiração (1). Esses obstáculos nas vias aéreas superiores, comumente, são causados por anormalidades estruturais, doenças nasossinusais, entre outras (2).

Algumas crianças que respiram pela boca e apresentam apneias obstrutivas noturnas podem apresentar retardo do crescimento pôndero-estatural, pois a irregularidade do sono parece ser a causa da diminuição da liberação noturna do hormônio do crescimento (3). A alteração no processo do sono, leva ao cansaço frequente, sonolência diurna, adinamia, enurese noturna e até déficit de aprendizado (4).

Ao abrir a boca para respirar, ocorrem adaptações nas estruturas e um desequilíbrio nas funções orofaciais. Essas alterações comprometem as funções de mastigação e deglutição e, como consequência leva a dificuldades no processo da alimentação, desse modo o crescimento global das crianças com respiração oral pode ser prejudicado, bem como o estado nutricional (3).

Embora as pesquisas científicas sugiram uma relação entre o padrão de respiração oral e o padrão de alimentação, há carência na literatura nacional de estudos que analisem se esse modo de respirar interfere no estado nutricional. Devido a diversidade dos sinais e sintomas apresentados pelo respirador oral, profissionais em diferentes áreas de atuação têm se envolvido cada vez mais com esses pacientes, por meio de uma intervenção interdisciplinar (5).

Assim, o objetivo deste artigo é apresentar uma revisão da literatura que aborda a questão de como as alterações miofuncionais orofaciais presentes no indivíduo respirador oral podem repercutir sobre o estado nutricional. Pretende-se ainda enfocar a importância da equipe interdisciplinar no acompanhamento das alterações globais presentes nos indivíduos afetados.


REVISÃO DA LITERATURA

A presente revisão foi realizada a partir de artigos publicados em revistas científicas indexadas, livros e trabalhos de pós-graduação. A maioria dos artigos foi identificada a partir das bases de dados, LILACS, MEDLINE e SCIELO. Com base nos 40 trabalhos encontrados foram apresentados e discutidos as relações da respiração oral com suas causas mais comuns, suas repercussões no processo de aprendizagem escolar, suas repercussões posturais e nas funções orofaciais, suas repercussões no olfato e paladar e por fim suas repercussões no estado nutricional.


DISCUSSÃO

Respiração oral: Causas mais comunS

A respiração oral crônica pode ser definida como uma respiração habitual pela boca, em vez de ser realizada pelo nariz (6).

Os obstáculos nas vias aéreas superiores, comumente, são causados por anormalidades estruturais, doenças nasossinusais ou hipertrofia do anel linfático de Waldeyer (composto pelas tonsilas faríngeas/adenoides, palatinas/amígdalas, tubárias e linguais). Sendo citados como frequentes os processos infecciosos, deformidades septais, fratura nasal, rinite medicamentosa, tumores nasais e fossas nasais estreitas (2).

Outras causas menos comuns podem ocorrer como tumores, pólipos nasais, atresia de coana e deformidades congênitas da cavidade nasal (7). Existindo ainda situações que, embora não levem à obstrução nasal, são responsáveis pela respiração oral, entre elas: obstrução hipofaríngea, macroglossias e insuficiência labial (2).

Pode ainda existir a presença da respiração oral por hábito, isto é, a manutenção da respiração oral mesmo após a instituição de tratamento que assegure a permeabilidade das vias aéreas superiores (VAS) (1).

Com o objetivo de identificar as principais causas de respiração oral em crianças, um estudo investigou 104 crianças encaminhadas à Clínica de Fonoaudiologia com queixas clínicas de respiração oral crônica, sendo 48 (46,15%) meninas e 56 (53,85%) meninos, com idade de três a 10 anos. Foram realizadas avaliação otorrinolaringológica completa, avaliação fonoaudiológica (observação visual e palpação dos elementos do sistema estomatognático) e exames complementares, como radiografia do cavum, audiometria tonal e imitanciometria. Os resultados revelaram como principais causas de respiração oral a rinite alérgica, em 34 (32,69%), a hipertrofia de adenoide, em 12 (11,54%); hipertrofia de amígdala, em 4 (3,85%), a hipertrofia de adenoide e amígdala, em 7 (6,73%), por hábito, em 8 (7,69%) e doenças associadas, em 39 (37,5%) crianças (2).

Foi realizada uma pesquisa com 30 pacientes com o objetivo de avaliar os tipos mais comuns de deformidades crânio-faciais encontradas em pacientes com obstrução nasal crônica, através de análises cefalométricas e exame otorrinolaringológico, comparando com um grupo controle sem alterações nasais. Destes, foram selecionados os que se apresentavam na faixa etária entre sete e 12 anos, visto que as manifestações crânio-faciais decorrentes da respiração oral tornam-se mais evidentes com o decorrer da idade. Os pacientes com mais de 12 anos de idade foram excluídos, considerando-se que as queixas de obstrução nasal após esta idade reduzem consideravelmente. Observaram, quanto ao tipo de obstrução respiratória, que 5 (16,67%) pacientes apresentavam hipertrofia adenoideana isolada, 5 (16,67%) apresentavam hipertrofia de cornetos inferiores isolada (decorrente de rinopatia alérgica perene), 5 (16,67%) tinham desvio septal isolado, 2 (6,66%) com respiração oral por hábito e nenhum dos pacientes apresentou hipertrofia amigdaliana como causa isolada de obstrução nasal (8).

Uma das causas que também pode levar à respiração oral é o desmame precoce. O lactente em aleitamento materno mantém a postura de repouso de lábios ocluídos e respiração nasal, mas quando ocorre o desmame precoce, a postura de lábios entreabertos do bebê é mais comum, facilitando a respiração oral. A introdução de mamadeiras, chupetas e hábito de sucção de polegar podem levar à ruptura do desenvolvimento motor-oral adequado, provocando alterações na postura e força dos órgãos fonoarticulatórios como lábios, língua e bochechas, prejudicando as funções de mastigação, deglutição, respiração e articulação dos sons da fala. Com isto, a falta da sucção fisiológica e adequada ao seio pode interferir no desenvolvimento motor-oral, possibilitando a instalação de má oclusão, alteração motora-oral e respiração oral (9).

Para observar as alterações em morfologia facial encontradas no grupo de respiradores bucais e compará-las com um grupo de crianças da mesma idade, com respiração predominantemente nasal, alguns autores realizaram uma avaliação cefalométrica e miofuncional em 35 crianças de sete a 10 anos com queixa de respiração oral. As alterações cefalométricas mais comuns encontradas em respiradores orais, comparando-os com os respiradores nasais, foram a hipoplasia maxilar e mandibular e aumento do ângulo goníaco, com rotação póstero-inferior da mandíbula. As alterações miofuncionais orais em respiradores orais mais comuns foram a postura dos lábios entreaberta e da língua em assoalho oral, a hipotonicidade dos lábios, da língua e das bochechas e a interposição da língua entre as arcadas durante a deglutição e a fonação. Em relação aos hábitos das 14 crianças respiradoras orais, 11 (78,57%) fizeram uso da mamadeira, 6 (42,85%) fizeram uso da chupeta e 1 (7,14%) tinha o hábito de sucção digital por mais de dois anos de duração. Apenas 2 (14,28%) não tinham hábito algum por tempo prolongado (10).

O mais importante é salientar que independentemente da causa, a respiração oral na infância pode resultar em alterações orgânicas progressivas e consequências diversas (8).

As alterações de forma e/ou de função quando tratadas por uma equipe interdisciplinar poderão ou não ser resolvidas, pois a resolução dos problemas também é dependente do tempo de instalação. Às vezes, mesmo trabalhando em conjunto, pode-se apenas minimizar estes problemas 11).

Respiração oral: Repercussões no processo de aprendizagem escolar

Acompanhando as características físicas, a criança com respiração oral, em função dos sintomas pertinentes ao seu quadro clínico, pode ter seu desenvolvimento social e cognitivo comprometido. Geralmente exige-se da criança da criança uma rotina de tarefas que nem sempre ela está em condições de responder pelas alterações provocadas por respirar pela boca (12).

Com o objetivo de comparar os achados de sonolência diurna, cefaleia, agitação noturna, enurese, problemas escolares e bruxismo em indivíduos com respiração oral, foi realizada uma pesquisa prospectiva com 142 pacientes, de ambos os sexos, entre dois e 16 anos, no período de abril de 2001 a dezembro de 2002. Os voluntários foram classificados em três grupos de etiologia da respiração oral: rinite alérgica, hiperplasia adenoideana isolada e hiperplasia adenoamigdaliana. Constatou-se que o déficit de atenção e o mau desempenho escolar foram mais frequentes no grupo com hiperplasia das tonsilas faríngea e palatina associados à apneia (13).

A literatura relata que os respiradores orais geralmente são inquietos, agitados e impacientes, estão sempre cansados, sonolentos, isto acontece por existir uma menor oxigenação cerebral, pois o sono é agitado e entrecortado, podendo repercutir no desempenho escolar (14).

Para detectar se a defasagem escolar era consequência ou não da respiração oral, foi realizada uma observação do aspecto respiratório de alunos em sala de aula, uma vez por semana, uma hora em cada sala, num período de 6 a 8 semanas. Realizou-se entrevista com professores onde se verificou quais alunos apresentaram defasagem escolar. Os resultados demonstraram que das 237 (100%) crianças observadas, 43 (18,14%) apresentaram respiração oral. Destas 43 crianças com respiração oral 32 (13,5%) apresentaram além da respiração ora, dificuldade na aprendizagem escolar, segundo seus professores. Com isto, os autores concluíram que a respiração oral pode trazer prejuízos, como dificuldade na aprendizagem (15).

Respiração oral: Repercussões posturais e nas funções orofaciais

A mudança no modo respiratório obriga o paciente a manter a boca aberta, para suprir a deficiência de ar respirado e tentar aumentar o espaço naso-aéreo-faríngeo (16). Com isso a harmonia da musculatura facial é alterada (17).

Para assumir tal postura respiratória o indivíduo mantém a boca aberta quase que constantemente e estende a cabeça em relação à coluna cervical (18), altera os estímulos musculares, levando a distúrbios de modelagem óssea durante o crescimento. Toda a relação de equilíbrio morfológico e estrutural se modifica (19).

Com o objetivo de verificar a influência de diferentes etiologias na postura típica do respirador oral, foram realizadas 176 avaliações posturais em crianças de cinco a 12 anos, sendo 99 do sexo masculino e 77 do sexo feminino. A etiologia da respiração oral foi determinada mediante avaliação otorrinolaringológica completa, incluindo exame nasofibroscópico da cavidade nasal e rinofaringe como também testes alérgicos. As crianças foram divididas em grupos de acordo com as diferentes etiologias da respiração oral, grupo 1 (56 com Rinite alérgica), grupo 2 (69 com hipertrofia das adenoides e/ou amígdalas) grupo 3 (rinite alérgica associada com hipertrofia das adenoides e/ou amígdalas) (20).

As avaliações mostraram que a postura é influenciada pelo fato da criança ser respiradora oral e os dados mais relevantes mostram que a projeção anterior de cabeça foi de 80% nos grupos por hábito e hipertrofia das adenoides e/ou amígdalas, e 77% nos casos riníticos. Apresentando protrusão de ombros em 100% das crianças respiradoras orais por hábito, 64% com hiperlordose lombar nos casos alérgicos, 74% de valgismo nos joelhos (pernas em forma de X) no grupo com hipertrofia de amígdalas e/ou adenoides, e os pés planos foram prevalentes em 48%, no grupo onde existiam crianças que tinham rinite alérgica associada com hipertrofias (20).

Havendo mudança de postura da mandíbula, começa a surgir uma adaptação de toda a musculatura facial, que provoca modificações nas arcadas dentárias e no posicionamento dos dentes, acarretando alterações estruturais nas partes osteoesqueletais da face como um todo, ocorrendo desequilíbrios em estruturas como lábios, língua, palato e mandíbula que se deslocam para baixo e para trás, para se adaptar ao novo padrão respiratório (21). A partir daí, a criança respiradora oral pode ser identificada por características faciais e consequências típicas (4), as quais podem interferir na direção do crescimento da mandíbula e dos dentes (22).

Entre as alterações intra-orais encontram-se o mau posicionamento da língua, estreitamento da maxila, protrusão dos dentes anteriores, presença de mordidas abertas e cruzadas, e o palato duro em forma de "V", estreito e profundo (23). O palato do respirador oral torna-se profundo em virtude da ausência do vedamento labial, que impede que haja uma pressão negativa, com isto o palato não desce, tornando-se profundo (24).

Para verificar a possível influência da respiração oral sobre a profundidade do palato, foram avaliadas 60 crianças e adolescentes, de ambos os sexos, na faixa etária de nove a 14 anos, sendo 30 respiradoras orais e 30 respiradoras nasais. Observou-se que a média do índice da altura palatina foi maior no grupo de respiradores orais, porém a diferença não foi estatisticamente significante (25).

Estas mudanças na forma do palato duro ocasionarão consequências na fala, pois a língua terá dificuldade de tocá-lo para pronunciar alguns fonemas, como por exemplo o enfraquecimento dos fonemas (/k/, /g/) (26).

O aparecimento da obstrução das vias aéreas superiores desencadeia uma resposta neuromuscular com adaptação da língua, da mandíbula e da musculatura facial, gerando assim estímulos musculares inadequados com modificações das arcadas dentárias causando alterações esqueléticas e musculares (27).

A hipofunção dos músculos elevadores da mandíbula geralmente está associada à hipofunção dos lábios e bochechas que podem alterar a mastigação, tornando-a ineficiente. O indivíduo pode apresentar maloclusões que interferirão também na eficiência mastigatória (28).

A incoordenação da respiração com a mastigação pode causar engasgos pelo fato do bolo alimentar não ter sido bem triturado. Como consequência da má mastigação, a deglutição será alterada e adaptada podendo apresentar projeção anterior de língua, contração exagerada de músculo orbicular dos lábios, movimentos compensatórios de cabeça e ruídos (26).

Em virtude da mastigação incorreta dos alimentos e do cansaço durante o processo, a alimentação será prejudicada. Pela necessidade de respirar pela boca o indivíduo engole o bolo alimentar deficientemente insalivado acompanhado de deglutição de ar e de intervalos de abertura da boca para poder respirar, o que dificultará a digestão, podendo levar à inapetência (29).

Respiração oral: Repercussões no olfato e paladar

No indivíduo que apresenta respiração oral, o olfato pode ser prejudicado em virtude da não utilização adequada das vias aéreas superiores (30). As hiposmias (diminuição do olfato) ou anosmias (ausência do olfato), ocorrem em consequência das alterações do fluxo aéreo, quando a corrente olfatória não alcança o teto da fossa nasal. Nesse item enquadram-se as hipertrofias de corneto médio, desvios septais, pólipos e grandes deformidades da pirâmide nasal. Nestes casos, o paciente geralmente queixa-se de hipogeusia, ou seja, diminuição do paladar (31).

Alguns autores propõem que a obstrução nasal leva à diminuição da olfação, diminuindo por consequência o apetite. Em um estudo para avaliar a obstrução nasal e olfação em 78 crianças, sendo 65 com obstrução nasal e 13 sem obstrução, com indicação de adenoidectomia por hipertrofia da amígdala faríngea, foi constatada a diminuição da olfação associada à obstrução nasal, e observou-se que após a adenoidectomia houve melhora tanto da obstrução quanto da sensibilidade olfativa (32).

Olfato e paladar estão intimamente associados e o mecanismo do olfato excita os receptores do paladar, exercendo grande influência sobre este, talvez explicando o porquê de indivíduos que respiram pela boca apresentarem desvios do estado nutricional (33).

Respirando-se pela boca não se percebe o sabor e aroma dos alimentos, assim a opção pelo alimento não é feita através do apetite mas pela consistência do alimento e pela facilidade de ingerí-lo (34).

A diminuição na percepção dos odores pode acarretar prejuízos a qualidade de vida do paciente, pois além de afetar a função respiratória, traz danos ao paladar e a nutrição do respirador oral (35).

Respiração oral: Repercussões no estado nutricional

Todas as consequências ocasionadas pela respiração oral, podem influenciar na consistência do alimento adotado na dieta e na quantidade ingerida. Ao respirar pela boca, a criança determina um caminho aéreo inadequado para o ar inspirado e por este caminho passa a respirar e desempenhar outras funções, como por exemplo a mastigação. Com isto, passa a selecionar alimentos mais fluidos, de menor consistência que não exijam força mastigatória e que possam ser deglutidos rapidamente para poder respirar (28).

As queixas de dificuldade na alimentação nos respiradores orais geralmente são mais frequentes quando o paciente tem hiperplasia das amígdalas palatinas. As mães relatam que as crianças comem pouco, devagar, engasgam, preferem alimentos pastosos, relatam ter dificuldade para mastigar. Estas crianças apresentam de falta espaço para deglutir e podem ter movimentos alterados de cabeça quando deglutem. Isto pode estar acontecendo porque as amígdalas volumosas no fundo da boca, praticamente fechando a passagem da orofaringe, impede o processo fisiológico da deglutição (11).

Crianças com respiração oral geralmente não conseguem comer de boca fechada, não mastigam suficiente e deglutem o alimento quase inteiro (36). Para facilitar a passagem deste alimento o indivíduo passa a ingerir muito líquido (37), essas modificações compensatórias no processo de mastigação e respiração podem levar à alterações nutricionais. Por não conseguir manter a boca fechada, a criança com respiração oral pode associar alimentação à sufocação. Assim, existe uma diminuição da quantidade de alimento ingerido, podendo tornar essas crianças muito magras (36).

Para verificar se existe ou não melhora no estado nutricional no período pós-operatório em crianças respiradoras orais, foram avaliadas 87 crianças, entre dois e 10 anos. As crianças foram divididas em 4 grupos, 24 crianças tinham diagnóstico de hipertrofia de amígdalas palatinas e faríngea, com cirurgia agendada (grupo I), 15 com diagnóstico de hipertrofia de amígdala faríngea (adenoide), com cirurgia agendada (grupo II), 33 com diagnóstico de hipertrofia de amígdalas palatinas e faríngea, na lista de espera para cirurgia (grupo III) e 15 com diagnóstico de hipertrofia de amígdala faríngea, na lista de espera para cirurgia (grupo IV). Foram realizados anamneses, exames otorrinolaringológicos (otoscopia, oroscopia e rinoscopia anterior) e nasofibroscopia. Também foram pesadas e medidas durante um período de quatro meses e submetidas à avaliação dietética realizada pelo recordatório de 24 horas (38).

Os resultados mostraram que na avaliação pôndero-estatural apenas 8,8% das crianças com hipertrofia de amígdalas palatinas e faríngea (grupos I e III) e 10,0% das com hipertrofia de amígdala faríngea (grupos II e IV) apresentavam-se desnutridas, e que apenas os pacientes com hipertrofia de amígdalas palatinas e faríngea (grupo I) submetidos à adenoamigdalectomia apresentaram crescimento acima do esperado após a cirurgia. A avaliação nutricional não apresentou diferença estatisticamente significante em relação à ingestão calórica antes e após a cirurgia tanto em crianças com hipertrofia de amígdalas palatinas e faríngea como de amígdala faríngea isolada (38).

A posição de boca aberta pode levar à diminuição da percepção do paladar, gerando inapetência e uma possível perda de peso (11). Associado à alteração do peso, há também a hipótese que o distúrbio do sono resultante da hipoxemia, originada pela obstrução das vias aéreas superiores leve a um déficit na secreção de hormônio do crescimento (39).

Alguns pesquisadores avaliaram 1136 crianças entre 7 e 12 anos com o objetivo de observar se havia relação entre o tamanho das amígdalas com a altura e o peso da criança. Seus resultados demonstraram que houve uma diminuição de peso nestas crianças, porém não encontraram alteração na deglutição o que poderia ser um fator importante na gênese do déficit de crescimento, porém relacionaram o ganho de peso pós-operatório com o tamanho das amígdalas palatinas (quanto maiores as amígdalas palatinas, maior foi o ganho de peso no pós-operatório) (40).

Existem várias teorias para justificar esta alteração no crescimento e no peso corporal desses indivíduos, entre elas estão a alteração de deglutição causada pela hipertrofia amigdaliana e respiração oral, a alteração de olfato pela obstrução nasal crônica, levando à alteração de paladar e consequentemente diminuição de apetite, o distúrbio do sono gerando alteração na secreção de hormônio do crescimento e o aumento do esforço respiratório noturno levando a um aumento do gasto calórico na respiração (38).

Com isso, o excesso e o desnivelamento entre a quantidade ingerida e as necessidades nutritivas de cada um geram distúrbios nutricionais sérios e acabam sendo a etiologia de um número grande de doenças que repercutem nas atividades físicas, intelectuais, esportivas e de crescimento, dificultando a realização plena dos potenciais e dos objetivos de vida do ser humano (34).


COMENTÁRIOS FINAIS

A diversidade de causas envolvidas na respiração oral, bem como sua ocorrência em importantes fases do crescimento infantil, sugere a necessidade de implementação de medidas preventivas, evitando assim alterações na saúde geral, no desenvolvimento normal da face e no estado nutricional.

A relação da respiração oral com a modificação no processo geral de alimentação, associada muitas vezes ao acometimento de estruturas como a arcada dentária, às mudanças no processo mastigatório, dificuldades no olfato, paladar, distúrbios miofuncionais orofaciais, podem repercutir diretamente no estado nutricional.

Atenção precoce a esses sintomas pode evitar complicações no processo de alimentação e repercussão no estado nutricional geral das crianças. A existência de uma equipe com formação em diversas especialidades na atenção ao respirador oral pode ser a chave para a mudança no olhar clínico das alterações em uma etapa ainda primária.

As associações entre alteração no estado nutricional e a respiração oral ainda não estão totalmente esclarecidas na literatura, principalmente em relação ao sobrepeso/obesidade, porém algumas associações reforçam a hipótese do envolvimento da modificação do modo respiratório e a presença de condições nutricionais inadequadas, podendo levar o indivíduo na maioria das vezes a um déficit pôndero-estatural.

Conclui-se, então, que apesar de haver fortes argumentos teóricos buscando explicar uma possível influência da respiração oral sobre o estado nutricional, os estudos realizados até o momento não conseguiram confirmar tal hipótese, por esta razão torna-se relevante novas pesquisas sobre estas relações.


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1 Mestre em Nutrição. Professora do Curso de Fonoaudiologia da Faculdade Integrada do Recife.
2 Doutora em Medicina EPM/UNIFESP. Docente de Pediatria - Universidade Federal de Pernambuco.
3 Doutor em Nutrição. Docente do Departamento de Fonoaudiologia -Universidade Federal de Pernambuco.

Instituição: Universidade Federal de Pernambuco. Recife / PE - Brasil. Endereço para correspondência: Hilton Justino da Silva - Rua São Salvador, 105 - Apt. 1002 - Espinheiro - Recife / PE - Brasil - CEP: 52020-200 - E-mail: hdfono@yahoo.com.br

Artigo recebido em 7 de Junho de 2009. Artigo aprovado em 4 de Agosto de 2009.
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