Title
Search
All Issues
2
Ano: 1999  Vol. 3   Num. 2  - Abr/Jun Print:
Versão em PDF PDF em Português
O AMPLIFICADOR COCLEAR
THE COCHLEAR AMPLIFIER
Author(s):
1Maurício Kurc
Palavras-chave:
Um dos principais investigadores no campo da audição, James Hudspeth1, produziu uma das melhores defini- ções da orelha interna na sua clássica revisão "How the ear's works work", definindo-a como "um triunfo evolucionário da miniaturização, um guia inercial tridimensional, um amplificador acústico e um analisador de freqüências, todos compactados no volume de uma bola de gude infantil". A cóclea - do grego kokl, que significa caracol - é parte da orelha interna dos mamíferos destinada à análise de freqüências sonoras e amplificação acústica.

A manutenção da sua arquitetura em todos os mamíferos até o homem, demonstra o sucesso evolucionário deste órgão. Suas estruturas importantes são a membrana basilar, capaz de exercer movimentos vibratórios em resposta a um estímulo sonoro, o compartimento da escala média, que é preenchido por endolinfa e o órgão sensorial auditivo, o órgão de Corti. O órgão de Corti é um complexo altamente especializado de células epiteliais que se estende ao longo de todo o trajeto da cóclea e apóia-se sobre a membrana basilar do lado da escala média. Um complemento de células de suporte e células sensoriais formam um segmento unitário, repetido 3500 vezes ao longo da extensão da espiral coclear.

As células sensoriais do órgão de Corti são denominadas células ciliadas devido à presença de um feixe de estereocílios situados na sua superfície apical. É válida a explicação sobre a denominação equivocada dessas células.

Na realidade não possuem cílios verdadeiros, que são móveis e têm a característica organiza ção de microtúbulos na disposição 9:2 (nove pares de microtúbulos dispostos em círculo e um par central).

São, na verdade, preenchidos por um denso arranjo de filamentos de actina interconectados, que lhes confere a rigidez necessária para manter sua forma alongada.

Como sua estrutura interna assemelha-se mais a microvilos, receberam o nome de estereocílios. Dois tipos de células ciliadas estão presentes no órg ão de Corti: as células ciliadas internas (CCI) e as externas (CCE).

Ambas possuem um feixe de estereocílios no ápice e são estimuladas pela deflexão mecânica dos estereocílios.

Existe, entretanto, uma profunda diferença entre esses dois tipos de células apontada originalmente por Heinrich Spoendlin2, 3 no final da década de 1960. Ele descreveu a inervação dessas células como sendo completamente assimétrica.

Enquanto as CCI recebem 90-95% da inervação aferente, as CCE recebem apenas 5%.

É fácil deduzir que as CCI são os principais receptores sensoriais auditivos, pois conduzem a quase totalidade da informa ção auditiva ao cérebro.

Não se sabe se os aferentes que partem das CCE conduzem alguma informação e que tipo de informação seria essa.

Portanto, enquanto é óbvia a função das CCI de verdadeiro receptor auditivo, a das CCE permaneceu por muito tempo intrigando pesquisadores, sendo uma das principais e mais interessantes questões do campo da pesquisa em audição. TRANSDUÇÃO MECANO-ELÉTRICA A hipótese mais aceita para o mecanismo de transdução mecano-elétrica é que o movimento da endolinfa induzido pela onda sonora (no caso da audi- ção) ou pelos movimentos da cabeça em relação ao meio ambiente (no caso do sistema vestibular) acarrete a deflexão mecânica do feixe de estereocílios. O feixe estereociliar deflete-se como um todo, devido às conexões laterais existentes entre cada estereocílio e pela base dos estereocílios ser mais estreita em rela- ção ao corpo.

Além dessas conexões laterais, cada estereocílio tem uma delgada conexão, de estrutura e composição ainda desconhecidas (talvez elastina), que une a extremidade do estereocílio ao estereocílio vizinho mais alto.

Acredita-se que um canal iônico de transdução esteja ligado a esta conexão denominada "tip-link" inicialmente descrita por Pickles4 . Na posição de repouso, o canal de transdução oscila entre aberto e fechado aproximadamente mil vezes por segundo.

Entretanto, está fechado a maior parte do tempo. Quando o feixe é defletido, cada estereocílio desliza sobre o estereocílio vizinho, fazendo com que o "tip-link" seja esticado.

Esse estiramento abre o canal de transdução, permitindo a entrada de cálcio e principalmente potássio, o que modifica a configuração elétrica da membrana plasmática para produzir uma queda na voltagem, o potencial de recepção (Figura 1).

A terminação do "tip-link" é reposicionada alguns milisegundos após, provavelmente através de moléculas de miosina que deslizam pelo citoesqueleto de actina do estereocílio, reduzindo a tens ão do "tip-link" e determinando o fechamento do canal de transdução1.

Como o potássio está abundantemente presente na endolinfa, existe um intenso gradiente de concentra ção para a sua entrada no interior negativo da célula. A diferença de potencial existente entre o interior positivo da escala média (+ 80 mV) e o interior negativo das células ciliadas (-45 mV nas CCI e - 70 mV nas CCE) é talvez a maior diferença de potencial encontrada em sistemas biológicos.

Assim, a modulação do influxo de potássio para o interior da célula ciliada é o primeiro importante evento na transdução mecano-elétrica do sistema auditivo. DISCRIMINAÇÃO DE FREQÜÊNCIAS Podemos dividir em 3 períodos principais o cenário do conhecimento do processamento sensorial auditivo periférico.


Figura 1: Esquema da transdução e adaptação nas células ciliadas (Hudspeth, 1989).
Cada estereocílio tem na sua extremidade um canal iônico de transdução ligado ao "tip-link", que funciona como uma mola.
Em repouso, o canal oscila entre aberto e fechado cerca de mil vezes por segundo (esquerda), mas está fechado a maior parte do tempo.
Quando o feixe é defletido pelo estímulo sonoro, o estiramento do "tip-link" abre o canal de transdução, permitindo a entrada de Ca+2, e principalmente K+, resultando em despolarização celular (centro).
A adaptação ocorre alguns milissegundos após, reposicionando a terminação do "tip-link", reduzindo a tensão e permitindo seu fechamento (modificado de Hudspeth, 1989).


O primeiro período foi dominado pelos trabalhos do cientista alemão Hermann Ludwig Ferdinand von Helmholtz5, que foi o primeiro a sugerir que haveria dentro da cóclea elementos ressonantes espacialmente ordenados e específicos para cada freqüência.

Ele argumentou que, se gritássemos próximo às cordas de um piano, algumas cordas ressonariam com a nossa voz.

A membrana basilar responderia similarmente, fazendo dessa forma a análise espectral do som. O segundo período foi dominado pelos experimentos do fisiologista húngaro-americano von Békésy6 que, diferentemente da visão de Helmholtz, observou que a vibra- ção não era uma simples ressonância de componentes mecânicos independentes, mas as diferentes regiões da cóclea que pareciam estar mecanicamente associadas. Estudando principalmente ossos temporais de cadá- veres humanos, von Békésy descreveu os movimentos oscilatórios da membrana basilar como uma "onda viajante ".

Segundo suas observações, a vibração do estribo desencadeada pelo estímulo sonoro produz uma onda hidrodinâmica no interior fluido da cóclea que se propaga da base ao ápice, produzindo movimentos oscilatórios da membrana basilar.

Durante sua propagação, a onda viajante cresce em amplitude, atinge um pico e abruptamente decai.

O local de vibração máxima varia com a freq üência do estímulo, de tal forma que sons de alta freq üência produzem picos de vibração da membrana basilar próximo à base da cóclea, enquanto que sons de baixa freqüência produzem picos mais próximos ao ápice.

Essas propriedades da membrana basilar são determinadas principalmente por suas características físicas: na base da cóclea, é mais fina e rígida, o que é propício à vibração com sons de alta freqüência, enquanto que no ápice, é mais espessa e flácida, facilitando a vibração em freqüências mais baixas.

von Békésy observou ainda que o comportamento da membrana basilar era linear, ou seja, a amplitude da vibração era proporcional à intensidade do estímulo.

Pelo conjunto de experimentos que descreveram a onda viajante Georg von Békésy foi laureado com o prêmio Nobel de Medicina ou Fisiologia de 1961. Entretanto, apesar de contribuir fundamentalmente para o entendimento atual do funcionamento coclear, algumas características da teoria da onda viajante de von Békésy eram conflitantes com o que já se sabia naquela época sobre o processo auditivo dos mamíferos: a) para que os movimentos da membrana basilar pudessem ser observados através de uma objetiva de microscópio instalada em aberturas da cápsula óssea da espiral coclear, eram necessários estímulos sonoros acima de 145 dB, bem acima do limiar auditivo; b) estímulos próximos ao limiar auditivo, ou seja, 10 a 20 dB não proporcionavam respostas vibratórias da membrana basilar; c) os movimentos da membrana basilar eram muito amplos e o pico de vibração ocorria numa região muito extensa da cóclea, o que não explicava o alto grau de discriminação de freq üências observado em experimentos psicofísicos.

Por exemplo, em condições experimentais, adultos jovens conseguem diferenciar sons cujas freqüências são apenas 0.2% a 0.5% diferentes7,8. Um processo adicional de seleção de freqüências, possivelmente uma análise no sistema nervoso central, parecia ser necessário para explicar essa discrepância entre a extraordinária sensibilidade e discriminação de freqüências observada em experimentos psicofísicos e as vibrações da membrana basilar observadas por von Békésy. Quando foi demonstrado que as respostas das fibras do nervo auditivo tinham uma seletividade de freqüências muito similar àquela observada psicoacusticamente9, ficou claro que a análise deveria mesmo ocorrer perifericamente, ou seja, no interior da cóclea. Evans10 cunhou o termo "segundo filtro" para explicar as diferenças na capacidade de discriminação dos movimentos mecânicos observados na membrana basilar e as respostas altamente sintonizadas do nervo auditivo11.

Uma gama de esquemas foi então criada para explicar o segundo filtro, incluindo complexas redes neurais, mecanismos bioquímicos e diversos modelos matemáticos de processamento elétrico e mecânico. O relato de que os potenciais intracelulares medidos nas CCI após um estímulo auditivo têm a mesma seletividade de freqüências que as fibras do nervo auditivo pôs um fim à discussão sobre o segundo filtro12.

Os resultados mostraram que uma análise completa das freq üências auditivas já existe ao nível das CCI e portanto "antes" do nervo auditivo. Finalmente, Khanna; Leonard13 e Sellick et al.14, utilizando respectivamente a técnica de Mössbauer e a interferometria por laser, metodologias mais modernas do que as empregadas por von Békésy, foram capazes de observar que os movimentos da membrana basilar num animal vivo, estimulado com sons de baixa amplitude são, na verdade, extremamente afinados e sensíveis às freqüências do estímulo.

Com sons de amplitude cada vez maior, a capacidade de discriminação de freqüências deteriora e assemelha-se aos resultados de von Békésy.

Na cóclea viva, observa-se que os movimentos da membrana basilar são de alguma forma amplificados, especialmente sob baixos níveis de estimulação sonora.

Esse ganho é o que hoje se chama de processo de amplificação coclear, propiciando ao sistema auditivo sua extraordinária sensibilidade e capacidade de discriminação de freqüências. Por exemplo, no limiar auditivo, o movimento do pico amplificado da membrana basilar é aproximadamente 0.3 nm14, chegando à excursão máxima de aproximadamente 50 nm15.

Sem esse amplificador coclear, o movimento má- ximo seria aproximadamente 100 vezes menor, ou seja por volta de 0.003 nm (Figura 2).


Figura 2: Esquema do movimento da onda hidrodinâmica dentro da cóclea: o som que entra desencadeia uma onda que se propaga ao longo da membrana basilar desde o estribo, na base da cóclea. O movimento, no seu pico, é aumentado até mil vezes pelo efeito do amplificador coclear.
MB, membrana basilar (modificado de Ashmore; Kolston, 1994).


observar que os movimentos da membrana basilar num animal vivo, estimulado com sons de baixa amplitude são, na verdade, extremamente afinados e sensíveis às freq üências do estímulo.

Com sons de amplitude cada vez maior, a capacidade de discriminação de freqüências deteriora e assemelha-se aos resultados de von Békésy.

Na cóclea viva, observa-se que os movimentos da membrana basilar são de alguma forma amplificados, especialmente sob baixos níveis de estimulação sonora.

Esse ganho é o que hoje se chama de processo de amplificação coclear, propiciando ao sistema auditivo sua extraordinária sensibilidade e capacidade de discriminação de freqüências. Por exemplo, no limiar auditivo, o movimento do pico amplificado da membrana basilar é aproximadamente 0.3 nm14, chegando à excursão máxima de aproximadamente 50 nm15.

Sem esse amplificador coclear, o movimento má- ximo seria aproximadamente 100 vezes menor, ou seja por volta de 0.003 nm (Figura 2). Hoje sabemos que von Békésy descreveu o comportamento passivo da membrana basilar possibilitado por suas propriedades físicas e que ocorre na cóclea morta ou danificada.

A alta capacidade de discriminação de freqüências da orelha não pode resultar apenas das propriedades hidrodinâmicas passivas da membrana basilar6. Gold17, já em 1948, havia sugerido que, devido ao alto grau de atrito existente no interior líquido da cóclea, a vibração da membrana basilar e do órgão de Corti deveria requerer uma assistência mecânica dependente de energia metabólica a fim de manter a alta sensibilidade e discriminação subjetiva de freqüências17,18.

Gold hipotetizou ainda que, se tal processo mecanicamente ativo ocorresse dentro da cóclea, sons deveriam ser produzidos como efeito colateral e, caso a tecnologia permitisse, poderiam ser captados no meato acústico externo. Essa foi a primeira idéia de que a orelha poderia emitir sons.

As conclusões de Gold, arrojadas demais para aquela época, foram recebidas com descrédito e amplamente ignoradas, pois seus cálculos sobre a res sonância da membrana basilar mostraram-se errôneos e não havia nenhuma evidência experimental para a exist ência de qualquer mecanismo ativo.

Os cálculos de Gold basearam-se nas evidências sobre a ressonância da membrana basilar obtidas nas cócleas mortas por von Békésy. O papel das células ciliadas começou a ser esclarecido quando vários grupos perceberam que o processo de amplificação coclear começa a deteriorar-se se as CCE forem danificadas ou modificadas.

O que faz a diferença entre a cóclea ativa ou passiva é, portanto, a presença das CCE. O terceiro período é o atual, onde o conceito do amplificador coclear foi introduzido.

O entendimento contempor âneo do processo auditivo baseia-se, portanto, em dois principais conceitos: a) o funcionamento coclear depende de um processo mecânico ativo de amplifica- ção; b) os agentes desse processo são as CCE.

As principais evidências para esses dois conceitos foram as descobertas que a orelha emite sons espontaneamente19 e as CCE apresentam motilidade quando eletricamente estimuladas in vitro20, 21. EMISSÕES OTOACÚSTICAS A descoberta de que sons provenientes da cóclea podiam ser realmente detectados no meato acústico externo, tanto espontaneamente como em resposta a um estímulo sonoro (como previsto por Gold17) inequivocamente identificou uma atividade mecânica dentro da cóclea19, 22-24, pois tudo que se move e não está no vácuo produz sons.

Esse fenômeno é atualmente referido como emissões otoacústicas, uma das mais interessantes descobertas recentes no campo da audição.

Inicialmente essa descoberta foi recebida com ceticismo, pois acreditavase que sua origem fosse nas estruturas da orelha mé- dia25. As primeiras evidências da origem intracoclear das emissões otoacústicas surgiram de experimentos mostrando que agentes que danificam especificamente a cóclea reduzem ou eliminam as emissões otoacústicas.

Exposi- ção ao ruído26-28 e ototóxicos, como furosemide e ácido etacrínico29-31, aspirina32 e aminoglicosídeos33 são alguns exemplos dos agentes que alteram as emissões otoacústicas.

A demonstração definitiva da sua origem intracoclear veio com os experimentos que modificaram34 ou mesmo evocaram35 as emissões através do estímulo elétrico da cóclea e a sua alteração sob estímulo eferente contralateral36.

ELETROMOTILIDADE DAS CCE

As CCE foram apontadas como os efetores do mecanismo ativo coclear após a demonstração, em experimentos com CCE isoladas, de alterações em seu comprimento, em freqüências correspondentes às freqüências auditivas, quando eletricamente estimuladas in vitro21, 37, 38.

Quando uma CCE é despolarizada e fica mais positiva, ela se encurta; quando é hiperpolarizada e seu interior fica mais negativo, ela se alonga.

Essas altera- ções de comprimento podem chegar até a 5% do comprimento da célula, o que significa uma enorme altera- ção biológica, e foram aventadas como sendo a forma pela qual as CCE alteram mecanicamente sua vizinhança no interior da cóclea.



Esse tipo de motilidade celular é muito diferente dos demais encontrados na natureza.

Geralmente os motores celulares são metabolicamente dependentes, o que requer a presença de cálcio e ATP.

A contração muscular, por exemplo, envolve a interação de actina e miosina, um processo enzimático que necessita da energia do ATP e da presença de cálcio. Dados prévios demonstrando a presença de proteí- nas contráteis, de um complexo citoesqueleto e de um arranjo de cisternas endoplasmáticas nas CCE39, 40 induziram à idéia de que esse fenômeno fosse uma contra- ção do tipo muscular.

Entretanto, 2 experimentos elegantemente demonstraram que a motilidade das CCE é um evento biológico de natureza desconhecida até ent ão.

Primeiro Kachar et al.21 demonstraram que bloqueadores metabólicos como dinitrofenol e ácido iodoacético não interferem na eletromotilidade das CCE, sendo esse fenômeno portanto, independente de ATP. O mesmo grupo, num engenhoso experimento, mostrou que a digestão intracelular com tripsina, destruindo todo o conteúdo citoplasmático (incluindo o citoesqueleto e as cisternas endoplasmáticas) não abole a motilidade41. Além disso, Kalinec et al.41 mostraram ainda que a distribui ção da atividade motora das CCE coincide com um denso arranjo de proteínas integrais de membrana que se distribui ao longo da membrana plasmática basolateral (Figura 3). Vários outros experimentos também sugeriram que o motor das CCE funciona através de vários motores independentes ao longo da membrana plasmática lateral.

Esses motores são ativados por alterações na voltagem da membrana plasmática desencadeadas por alterações do potencial intracelular resultantes do estímulo acústico. A ação de cada um desses motores é somada, resultando nas alterações de comprimento observadas nas células isoladas em meio de cultura. A forma mais aceita para a ação do motor é que essas proteínas integrais de membrana, que decoram extensivamente a parede lateral das CCE, sejam os próprios sensores da variação na voltagem da membrana plasmática e os próprios efetores da motilidade.

Figura 4: O "motor" da célula ciliada externa é mostrado esquematicamente como um arranjo de partículas distribuídas ao longo da membrana plasmática lateral.
Uma alteração no comprimento longitudinal da célula seria produzido se a área da membrana aumentasse com a hiperpolarização e diminuísse com a despolarização (com autorização de Kalinec; Kachar, 1992).


Existem algumas formas para esses motores moleculares produzirem movimento. A primeira seria que essas proteínas, sob controle da voltagem, se moveriam para dentro e para fora da membrana, resultando em altera ções do comprimento celular.

Outra possibilidade é elas se contraem e expandem, ou que realmente alterem sua conformação espacial e, consequentemente, a área da membrana plasmática (Figura 4).

Em todas as possibilidades, o resultado é traduzido em força ao longo da célula e alteração do comprimento celular42.

Tal mecanismo de geração de força, independente de ATP e cálcio e localizado na própria membrana plasmática representa um tipo de motilidade celular que ainda não foi descrito em nenhuma outra célula. Esse novo motor biológico é capaz de respostas extremamente rápidas, com ordens de magnitude maior do que qualquer outro conhecido.

O motor funciona não somente quando se muda artificialmente a voltagem atrav és da membrana celular21, mas também quando se estimula mecanicamente o feixe estereociliar com um jato de água43 ou com sons44.

Esses resultados fornecem evidências para que o motor funcione in vivo e seja realmente o substrato para o processo de amplificação na cóclea.

Esse mecanismo funciona em freqüências compatíveis com as freqüências acústicas21, 37, 45, 46, havendo evidências de que possa produzir força suficiente para ser o gerador mecâ- nico da membrana basilar15, 47. Mas quão rápido é esse motor? Nos experimentos iniciais, o limite técnico era de 30 Hz, pois a motilidade era visualizada e mensurada em vídeo, que opera normalmente a 30 quadros por segundo.

Experimentos posteriores observaram motilidade até pelo menos 24 kHz42, que são os limites dos equipamentos utilizados. Entretanto, esses resultados foram obtidos em condições experimentais nas quais a influência do circuito elétrico da célula pode ser eliminada.

In vivo, o circuito de capacitância e resistência da membrana plasmática funciona como um filtro, não permitindo variações de voltagem tão rápidas. O resultado é que as células podem alterar a voltagem no máximo até por volta de 1000 Hz, o que se torna um problema, uma vez que a alteração de voltagem é que dá partida ao motor da CCE. A resposta para essa questão é simplesmente desconhecida. Uma teoria levantada por Peter Dallos42 é que as células ciliadas fora do pico da onda viajante seriam estimuladas por sinais elétricos provenientes de células vizinhas e iniciariam o ciclo de alongamento e contração, o que alimentaria energia para a onda viajante.

No pico da onda, onde as freqüências são maiores, não haveria motilidade.

CONCLUSÃO

Em resumo, o funcionamento coclear pode ser explicado da seguinte forma: O som desencadeia movimentos oscilatórios da membrana basilar. As CCE são estimuladas pelo movimento relativo entre a membrana tectorial e o órgão de Corti.

Os estereocílios sofrem deflexão por esse movimento. Durante a deflexão, cada estereocílio desliza em relação ao estereocílio vizinho.

O deslizamento estira os "tip links" abrindo mecanicamente os canais de transdução localizados em sua terminação. A entrada de cargas positivas na forma de cálcio e principalmente de potássio no interior da célula, produz um potencial de recepção, que desencadeia movimentos de alongamento e contração nas CCE na freqüência do estímulo.

Esses movimentos adicionam energia e realimentam o movimento vibratório da membrana basilar, amplificando o estí- mulo para as CCI, que quando estimuladas, liberam neuromediadores, encaminhando a mensagem auditiva ao cérebro.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Hudspeth, A.J. - How the ear.s work works. Nature, 341: 397-404, 1989.
2. Spoendlin, H. - Innervation patterns in the organ of Corti of the cat. Acta Otolaryngol. (Stockh.),
67: 239-54, 1969.
3. Spoendlin, H. - Structural basis of peripheral frequency analysis, In R. Plomp G.F. Smoorembur -
Frequency analysis and periodicity detection in hearing, Sijthoff, Leinden, 1970. 2-36.
4. Pickles, J.O., Comis, S.D.,Osborne, M.P. - Cross-links between stereocilia in the guinea pig organ
of Corti, and their possible relation to sensory transduction. Hear Res, 15: 103-12, 1984.
5. Helmholtz, H.L.F.V. On the sensations of tone as a phisiological basis for the therory of hearing.
2nd English Ed. trans by A. J. Ellis ed, New York: Dover Publications, 1954.
6. Békésy, G.V. Experiments in Hearing, New York: McGraw-Hill, 1960.
7. Dallos, P. - The active cochlea. J Neurosci, 12: 4575-85, 1992.
8. Torre, V., Ashmore, J.F., Lamb, T.D., et al. - Transduction and adaptation in sensory receptor cells.
J. Neurosci., 15: 7757-68, 1995.
9. Tasaki, I. - Nerve impulses in individual auditory nerve fibers of guinea pig. J. Neurophysiol., 17:
97-122, 1954.
10. Evans, E.F. - The frequency response and other properties of single fibers in the guinea pig
cochlear nerve. J Physiol Lond, 226: 163-287, 1972.
11. Evans, E.F., Wilson, J.P. - Cochlear tuning properties: concurrent basilar membrane and single
nerve fiber measurements. Science, 190: 1218-21, 1975.
12. Russell, I.J., Sellick, P.M. - Intracellular studies of hair cells in the mammalian cochlea. J. Physiol.,
284: 261-90, 1978.
13. Khanna, S.M., Leonard, D.G.B. - Basilar membrane motion in the cat cochlea. Science, 215: 305-
6, 1982.
14. Sellick, P.M., Patuzzi, R., Johnstone, B.M. - Measurement of basilar membrane motion in the
guinea pig using the Mössbauer technique. J. Acoust. Soc. Am., 72: 131-41, 1982.
15. Ruggero, M.A., Rich, N.C. - Furosemide alters organ of Corti mechanics: evidence for feedback of
outer hair cells upon the basilar membrane. J Neurosci, 11: 1057-67, 1991.
16. Davis, H. - An active process in cochlear mechanics. Hear Res, 9: 79-90, 1983.
17. Gold, T. - Hearing II: The physical basis of the action of the cochlea. Proc R Soc Lond Biol Sci, 135:
492-8, 1948.
18. Gold, T. - Historical background to the proposal 40 years ago of an active model for cochlear
frequency analysis, In J.P. Wilson D.T. Kemp - Cochlear Mechanisms: Structure, Function and
Models, Plenum Press, New York, 1989. 299-306.
19. Kemp, D.T. - The evoked cochlear mechanical response and the auditory microstructure - evidence
for a new element in cochlear mechanics. Scand Audiol Suppl, : 35-47, 1979.
20. Brownell, W.E., Bader, C.R., Bertrand, D., et al. - Evoked mechanical responses of isolated cochlear
outer hair cells. Science, 227: 194-6, 1985.
21. Kachar, B., Brownell, W.E., Altschuler, R., et al. - Electrokinetic shape changes of cochlear outer
hair cells. Nature, 322: 365-7, 1986.
22. Kemp, D.T. - Stimulated acoustic emissions from within the human auditory system. J Acoust Soc
Am, 64: 1386-91, 1978.
23. Wilson, J.P. - Evidence for a cochlear origin for acoustic re-emissions, threshold fine-structure and
tonal tinnitus. Hear Res, 2: 233-52, 1980.
24. Zurek, P.M. - Spontaneous narrowband acoustic signal emitted by human ears. J Acoust Soc Am,
69: 514-23, 1981.
25. Wilson, J.P. - Otoacoustic emissions and hearing mechanisms. Rev Laryngol, 105: 179-91, 1984.
26. Anderson, S.D. - Some ECMR properties in relation to other signal from the auditory periphery.
Hear. Res., 2: 273-96, 1980.
27. Kemp, D.T. - Physiologically active cochlear micromechanics.one source of tinnitus. Ciba Found
Symp, 85: 54-81, 1981.
28. Kemp, D.T. - Cochlear echoes: implications for noise-induced hearing-loss, In R.P. Hamernik, D.
Henderson, R. Salvi - New perspectives on noise-induced hearing loss, Raven Press, New York,
1982. 189-207.
29. Anderson, S.D., Kemp, D.T. - The evoked cochlear mechanical response in laboratory primates. A
preliminary report. Arch Otorhinolaryngol, 224: 47-54, 1979.
30. Kemp, D.T., Brown, A.M. - Ear canal acoustic and round window electrical correlates of 2f1-f2
distortion generated in the cochlea. Hear Res, 13: 39-46, 1984.
31. Wilson, J.P., Evans, E.F. - Effects of furosemide, flaxedil, noise and tone overstimulation on the
evoked emission in cat. Proc. Int. Physiol. Sci., 15: 100, 1983.
32. McFadden, D., Plattsmier, H.S. - Aspirin abolish spontaneous oto-acoustic emisssions. J Acous
Soc Am, 76: 443-7, 1984.
33. Brown, A.M., McDowell, B., Forge, A. - Acoustic distortion products can be used to monitro dhe
effects of chronic gentamicin treatment. Hear. Res., 42: 143-56, 1989.
34. Hubbard, A.E., Mountain, D.C. - Alternating current delivered into the scala media alters sound
pressure at the ear drum. Science, 222: 510-2, 1983.
35. Mountain, D.C., Hubbard, A.E. - Rapid force production in the cochlea. Hear. Res., 42: 195-202,
1989.
36. Mountain, D.C. - Changes in endolimphatic potential and crossed olivocochlear bundle stimulation
alter cochlear mechanics. Science, 210: 71-2, 1980.
37. Ashmore, J.F. - A fast motile event in outer hair cells isolated from the guinea pig cochlea. J
Physiol (Lond), 388: 323-47, 1987.
38. Zenner, H.P. - Motile responses in isolated outer hair cells. Hear Res, 22: 83-90, 1986.
39. Slepecky, N., Chamberlain, S.C. - Immunoelectron microscopic and immunofluorescent localization
of cytoskeletal and muscle-like contractile proteins in inner ear sensory hair cells. Hear. Res.,
20: 245-60, 1985.
40. Zenner, H.P. - Cytoskeletal and muscle-like elements in cochlear hair cells. Arch Otorhinolaryngol,
230: 81-92, 1981.
41. Kalinec, F., Holley, M.C., Iwasa, K., et al. - A membrane-based force generation mechanism in
auditory sensory cells. Proc Natl Acad Sci USA, 89: 8671-5, 1992.
42. Dallos, P. - Outer hair cells: the inside story. Ann Otol Rhinol Laryngol, 106: 16-22, 1997.
43. Evans, B.N., Dallos, P. - Stereocilia displacement induced somatic motility of cochlear outer hair
cells. Proc. Natl. Acad. Sci. USA, 90: 8347-51, 1993.
44. Brundin, L., Flock, A., Canlon, B. - Sound-induced motility of isolated cochlear outer hair cells is
frequency-specific. Nature, 342: 814-6, 1989.
45. Dallos, P., Evans, B.N. - High-frequency motion of outer hair cells and the cochlear amplifier.
Science, 267: 2006-9, 1995.
46. Santos-Sacchi, J. - On the frequency limit and phase of outer hair cell motility: the effects of the
membrane filter. J Neurosci, 12: 1906-15, 1992.
47. Mammano, F., Ashmore, J.F. - Reverse transduction measured in the isolated cochlea by laser
Michelson interferometry. Nature, 365: 838-41, 1993.
48. Baylor, D.A., Lamb, T.D., Yau, K.-W. - Responses of retinal rods to single photons. J Physiol
(London), 288: 613-34, 1979.
49. Hecht, S., Shlaer, S.,Pirenne, M.H. - ennergy, quanta and vision. J Gen Physiol, 25: 819-40,
1942.
50. Menini, A., Picco, C., Firestein, S. - Quantal-like current fluctuations induced by odorants in
olfactory receptor cells. Nature, 373: 435-7, 1995.
51. Crawford, A.C., Evans, M.G., Fettiplace, R. - Activation and adaptation of transducer currents in
turtle hair cells. J. Physiol., 419: 405-34, 1989.

1- Doutor em Otorrinolaringologia pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
Trabalhor realizado na Divisão de Clínica Otorrinolaringológica do Hospital das Clínicas da FMUSP . Serviço do Prof. Aroldo Miniti.
Endereço para correspondência: Avenida Vereador José Diniz, 3707 - cj. 61 - CEP: 04603-003 - São Paulo / SP.
Telefone: (011) 5561-3410.
  Print:

 

All right reserved. Prohibited the reproduction of papers
without previous authorization of FORL © 1997- 2024