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Ano: 1999  Vol. 3   Num. 2  - Abr/Jun Print:
Case Report
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TRAUMA DA ARTICULAÇÃO TEMPOROMANDIBULAR COM GANCHO DE AÇOUGUEIRO
TRAUMA OF TEMPOROMANDIBULAR JOINT WITH BUTCHER'S HOOK
Author(s):
1Regina Helena Garcia Martins, 2Jair Cortez Montovani, 3Márcio Nakanishi
Palavras-chave:
INTRODUÇÃO

Grande parte dos pacientes atendidos no Pronto Socorro do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Botucatu, pela Disciplina de Otorrinolaringologia, é ví- tima de traumatismo crânio-facial.

Destes, um número expressivo é de mandíbula, correspondendo a 25% deles1. As fraturas de mandíbula decorrem, principalmente, de acidentes com veículos, agressões físicas ou ferimentos por armas de fogo1-7.

As regiões mais comprometidas são as regiões da apófise condilar (36%), do corpo (21%) e do ângulo da mandíbula (20%)3,8.

O objetivo deste trabalho é relatar um caso raro de trauma de face, envolvendo a região temporomandibular, devido a acidente com gancho de açougueiro. Pelo tipo de objeto responsável pelo acidente, consideramos o caso clínico curioso e ilustrativo.

RELATO DE CASO

L.C.F., 32 anos, branco, solteiro, ajudante geral (trabalhava em caldeiras), deu entrada ao PS do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Botucatu, com parte de um gancho de açougueiro "cravado" em sua face, na região pré-auricular esquerda.

O paciente referia que o acidente ocorreu ao tentar esmerilhar o objeto, quando o mesmo escapou de sua mão e atingiu a região lateral de sua face. No exame físico, o paciente apresentava parte de um gancho de metal em formato de "S" impactado na região da articulação temporomandibular esquerda (Figura 1).


FIGURA 1: Presença de gancho de açougueiro metálico impactado na região da articulação temporomandibular.


FIGURA 2: Notar a extensão do objeto metálico grau de ferrugem envolvendo-o.


FIGURA 3: RX simples de face mostrando o objeto introduzido na região pré-auricular (a: incidência ântero-posterior; b: incidência de perfil).


A pele ao redor do corpo estranho encontrava-se com sinais de queimaduras e bolhas, indicando que o objeto deveria estar incandescente no momento do acidente. O paciente apresentava limitação parcial da abertura de boca e discreta assimetria da mímica facial, com sinais parciais de paralisia facial periférica. O objeto parecia estar localizado na região intra-articular, com total imobilidade durante as tentativas de removê-lo.

Sendo assim, o paciente foi submetido à anestesia geral e, após o relaxamento muscular, o objeto foi removido.

O gancho encontrava-se enferrujado em toda sua extensão (Figura 2). No RX simples de face pudemos avaliar a porção do objeto que estava introduzida na face (Figuras 3a e 3b ). Após a retirada do objeto, pudemos observar um pertuito de aproximadamente 10 cm de profundidade, envolvendo a região da articulação temporomandibular esquerda, fratura de apófise condilar e laceração da musculatura mastigatória. Realizou-se anti-sepsia local, sutura das estruturas dos planos mais profundos, reposicionamento do côndilo mandibular na cavidade glenóide, soro anti-tetânico e antibioticoterapia. Na primeira semana após o trauma, o paciente evoluiu com infecção secundária local, necessitando de várias sessões de curativos. O paciente mantinha importante limitação da abertura de boca e sinais de paralisia facial periférica (Figuras 4a e 4b).

Após 2 meses do trauma, o paciente apresentava recupera- ção dos movimentos faciais, mas mantinha importante limitação da abertura de boca, sendo então submetido à nova cirurgia. Durante a abordagem cirúrgica, encontrou-se a apófise condilar aderida aos tecidos vizinhos e envolta por tecidos cicatriciais, sendo realizado a condilectomia com melhora parcial da abertura de boca.


FIGURA 4: Paciente no período pós-operatório apresentando sinais de paralisia facial periférica.
a: Notar a assimetria da comissura bucal
b: Notar o comprometimento da musculatura frontal e palpebral.


DISCUSSÃO

Fraturas de côndilo mandibular são freqüentes, principalmente associadas a agressões físicas e acidentes com veículos. Entretanto, traumas envolvendo essa regi ão por objetos pontiagudos metálicos são raros, não havendo relato na literatura nos últimos anos de fraturas de mandíbula por gancho de açougueiro.

É descrito apenas um único caso de uma criança que, acidentalmente, caiu sobre uma faca que penetrou na região pré- auricular, levando a uma cegueira permanente como seqüela9. Em nosso caso clínico, o ferimento corto-contuso feito pelo gancho levou ao comprometimento de várias estruturas como da cápsula articular, dos músculos da mastiga ção, da apófise condilar e de alguns ramos do nervo facial. Esta última complicação é mais comum em traumas por armas de fogo, em fraturas do osso temporal e em correções abertas das fraturas de côndilo10-13. A articulação temporomandibular é uma articulação delicada envolta por uma cápsula articular fibrosa que possui fluído sinovial e sustentada pelos ligamentos temporomandibulares. A cápsula articular serve de inserção para fibras do músculo pterigoideo lateral. As superf ícies articulares dos ossos são protegidas por uma camada grossa e lisa de tecido fibroso que impede o atrito direto dessas estruturas, correspondendo ao disco articular fibrocartilaginoso8.

No caso clínico apresentado por nós, esse delicado sistema articular foi totalmente danificado pela interposição traumática do objeto, resultando em anquilose articular. A opção pela exploração da apófise condilar pela técnica aberta no mesmo ato da remoção do objeto deveuse ao fácil acesso pela via pré-estabelecida durante o trauma e à necessidade de lavar e explorar o trajeto do ferimento. Mesmo com todos esses procedimentos, houve a evolução para a anquilose temporomandibular, complicação freqüente nas fraturas bilaterais das apófises condilares14,15.

Essa provavelmente ocorreu, pela fixação do côndilo à reação tecidual na cavidade glenóide, secundária à grave laceração das estruturas locais envolvidas, como tecidos moles, ósseos, fáscias e músculos. O grau de envolvimento desses tecidos adjacentes foi tão importante que, mesmo após a remo- ção da apófise condilar no segundo ato cirúrgico, o paciente permaneceu com limitação parcial da abertura de boca. A infecção secundária observada, embora rara nas abordagens das fraturas do côndilo mandibular16,17, deveu-se às péssimas condi ções de higiene do objeto, com ferrugem em toda sua extensão, o que certamente contribuiu tamb ém para a anquilose da apófise condilar. A ocorrência de paralisia facial nas abordagens cirúrgicas abertas do côndilo não é rara e envolve, principalmente, o tronco cérvico-marginal do sétimo par craniano15. Quanto à paralisia facial, optamos pela conduta expectante até o controle total da infecção secundária e cicatriza ção dos tecidos adjacentes, para nos certificarmos da secção ou não dos ramos do nervo facial, uma vez que o simples estiramento e edema do nervo (neuropraxia) poderia, de imediato, levar a quadro clínico semelhante. Tal suspeita foi confirmada pela completa recuperação dos movimentos dos músculos faciais, apresentada pelo paciente duas semanas após o trauma.

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Trabalho realizado pela Disciplina de Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço da Faculdade de Medicina
de Botucatu . Departamento de OFT, ORL e CCP - UNESP - São Paulo.
Endereço para correspondência: Regina Helena Garcia Martins, Faculdade de Medicina de Botucatu - Departamento
de Oftalmologia, Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço- UNESP . 18618-000 . Botucatu . SP -
Telefone: (014) 8206256 . E-mail: rmartins@laser.com.br

1- Professora Doutora da Disciplina de Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço da Faculdade de Medicina de Botucatu - UNESP.
2- Professor Doutor Livre Docente da Disciplina de Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço da Faculdade de Medicina de Botucatu - UNESP.
3- Residente da Disciplina de Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço da Faculdade de Medicina de Botucatu - UNESP.
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