Title
Search
All Issues
514 
Ano: 2008  Vol. 12   Num. 2  - Abr/Jun - (7º) Print:
Seção: Original Article
Versão em PDF PDF Português Versão em PDF English PDF Texto Text in English
Variação dos Limiares Audiométricos em Trabalhadores Submetidos a Ruído Ocupacional
Variation of Audiometric Thresholds Among Workers Subjected to Occupational Noise
Author(s):
Jozeane Dias dos Santos1, Maria Inês Dornelles da Costa Ferreira2
Key words:
perda auditiva provocada por ruído; ruído ocupacional; saúde do trabalhador noise-induced hearing loss; occupational noise; occupational health
Resumo:

Introdução: Os trabalhadores que se encontram expostos ao ruído podem ter variações nos limiares audiométricos, lesando irreversivelmente o aparelho auditivo. Objetivo:Analisar a variação dos limiares entre as audiometrias de referência e final, ou seja, até o momento da realização do estudo para cada média de freqüências; comparar os limiares e as variações dos limiares audiométricos entre gêneros, idade, tempo de serviço e função ocupacional. Método: Foi realizado um estudo de coorte retrospectivo, individual, comparativo, através de um banco de dados de 4.837 trabalhadores que tinham pelo menos duas audiometrias. Para análise estatística, foram utilizados os testes Qui-Quadrado, Fisher, Mann-Whitney, Spearman e de Wilcoxon. Resultados: Constatou-se uma tendência de maior alteração dos limiares auditivos para a orelha direita. O gênero masculino teve predomínio para as freqüências de 3 a 6 KHz, enquanto que, para o gênero feminino, prevaleceram as freqüências de 0,5 a 2 KHz. Os trabalhadores com mais idade e tempo de serviço foram os mais afetados. As funções mais acometidas foram as de auxiliar de fábrica, operador de máquina, lavador, soldador; servente e pedreiro. Conclusão: Esta pesquisa confirmou a importância do desenvolvimento e aplicação do Programa de Conservação Auditiva.

Abstract:

Introduction: Workers who are exposed to noise may present variation in their audiometric levels, thus irreversibly damaging their auditory system. Objective: To analyze the variation of thresholds between initial and final audiometric tests for each average frequency; to compare thresholds and the variations of audiometric thresholds according to gender, age, work time, and occupation. Method: A retrospective, individual, comparative cohort study was carried through a database of 4,837 workers who had undergone at least two audiometric tests. Chi-square, Fisher, Mann-Whitney, Spearman, and Wilcoxon tests were used for statistical analysis. Results: The right ear was shown to be more likely to have auditory loss. Among males, there was prevalence of 3 - 6 KHz frequencies, while 0.5 - 2 KHz frequencies were more prevalent among females. Older workers with a longer work time were the most affected. The most affected functions were industry auxiliary, machine operator, washer, welder, general auxiliary, and brick layer. Conclusion: This research confirmed the importance of both development and application of the Auditory Preservation Program.

INTRODUÇÃO

A partir da Revolução Industrial, a máquina ocupou um lugar de destaque nas empresas, antes mantido apenas pelo homem. O desenvolvimento tecnológico criou máquinas cada vez maiores e mais ruidosas, que contribuíram substancialmente para agravar o problema do ruído.

O ruído é potencialmente capaz de levar a lesões graves e irreversíveis no aparelho auditivo. A deterioração gradual da sensibilidade auditiva, que ocorre em função da exposição a intensidades sonoras maiores que 85 dBNA durante oito horas diárias por longo tempo são suficientes para causar dano coclear, levando à perda auditiva induzida pelo ruído (PAIR) no trabalhador.

A presente pesquisa busca comprovar se há variação dos limiares audiométricos em trabalhadores submetidos a ruído ocupacional. Com o presente trabalho, objetiva-se, primordialmente, analisar a variação dos limiares entre as audiometrias de referência e final, ou seja, até o momento da realização do estudo para cada média de freqüências; comparar os limiares e as variações dos limiares audiométricos entre gêneros, idade, tempo de serviço e função ocupacional.

A relevância desta pesquisa está em buscar a verificação da saúde audiológica do trabalhador através de uma análise comparativa de dados audiométricos, o que é de grande interesse para a fonoaudiologia. O tema foi escolhido de forma a se obterem subsídios para auxiliar os trabalhadores na prevenção da perda auditiva induzida por ruído, uma patologia cada vez mais presente nos trabalhadores expostos a ruídos ocupacionais.

A exposição ao ruído associado no ambiente de trabalho é um problema de saúde ocupacional cada vez mais presente nos ambientes de profissionais. Com os resultados deste estudo, pretende-se alertar para a necessidade e importância da implementação de programas de conservação auditiva por parte das empresas, buscando-se soluções a fim de prevenir e monitorar as possíveis perdas auditivas ou sua evolução, bem como as conseqüências que a PAIR acarreta.

Referencial Teórico

A exposição ocupacional ao ruído pode levar à perda auditiva, que geralmente ocorre de forma gradual. A perda auditiva só é percebida pelo indivíduo quando atinge a área da fala, ou seja, quando se começa a referir dificuldades para entender palavras em uma conversação ou mesmo ao telefone, por exemplo.

A determinação do limiar auditivo de cada indivíduo é fornecida através da audiometria tonal, realizada por meio de um instrumento denominado audiômetro, cujo funcionamento deverá ser submetido a procedimentos de verificação e controle periódico. A aferição e a calibração acústica deverão ser realizadas sempre que a aferição acústica indicar alteração e obrigatoriamente uma vez ao ano. O exame audiométrico é executado por profissional habilitado, ou seja, médico ou fonoaudiólogo, conforme resoluções dos respectivos conselhos federais profissionais (1).

A audiometria tonal fornece os limiares auditivos, permitindo a análise do grau da perda auditiva. Consideram-se limiares normais os valores iguais ou menores de 25 dB em todas as freqüências. Valores acima de 25 dB indicam anormalidade no exame. Quando tais valores se situam entre 26 dB e 40 dB, isso significa que o indivíduo tem uma perda auditiva leve; entre 41 dB e 55 dB, significa perda auditiva moderada; entre 56 dB e 70 dB, significa perda auditiva moderadamente severa; entre 71 dB e 90 dB, indica perda auditiva severa; acima desse valor, significa perda auditiva profunda (2).

A PAIR é uma doença cujo diagnóstico é realizado pelo médico do trabalho a partir de uma caracterização bem definida do quadro. É uma doença crônica e, uma vez instalada, é irreversível. Ela resulta da agressão às células ciliadas do órgão de Corti, que decorre da exposição prolongada a ruídos cujos níveis de pressão sonora (NPS) são elevados (3). Além disso, é insidiosa e cumulativa, piorando ao longo do tempo. Caracteriza-se por ser perda auditiva neurossenssorial, geralmente bilateral, não produzindo perda auditiva maior que 40 dB NA nas freqüências baixas (0,5; 1 e 2 KHz) e que 75 dB NA nas altas (3; 4; 6 ou 8 KHz), manifestando-se primeiro e predominantemente nas freqüências de 3 a 6 KHz, particularmente em 4 KHz, progredindo posteriormente para as freqüências 8; 2; 1; 0,5 e 0,25 KHz, as quais levam mais tempo para serem comprometidas. Sua evolução é mais acentuada nos dez primeiros anos de exposição; com o passar do tempo, a progressão da lesão torna-se mais lenta, estabilizando-se quando a exposição ao ruído for eliminada. O indivíduo com perda auditiva poderá desenvolver recrutamento e zumbido. Há possibilidade de uma diminuição da inteligibilidade da fala, prejudicando a comunicação oral. O traçado do audiograma é caracterizado pela gota acústica, que é o entalhe entre as freqüências de 3 a 6 KHz (3).

Apesar da existência do ruído no ambiente de trabalho, a PAIR é uma doença passível de prevenção, que consiste na eliminação ou no controle de riscos ou condições inadequadas de trabalho.

Audiologia ocupacional

A avaliação auditiva ocupacional é uma tarefa multidisciplinar que envolve o médico do trabalho, o fonoaudiólogo, os profissionais da segurança e medicina do trabalho, para tratar da saúde auditiva do trabalhador. O fonoaudiólogo participa, juntamente com a equipe de segurança do trabalho, da elaboração de propostas e desenvolvimento de projetos de melhorias ambientais administrativas para a redução de exposição (4). Realiza também a audiometria tonal, exame obrigatório por lei.

Na audiometria clínica, pesquisam-se a Via Aérea (VA) nas freqüências entre 0,25 e 8 KHz e a Via Óssea (VO) nas freqüências de 0,5 a 4 KHz, enquanto que, para testes ocupacionais, pesquisa-se somente a VA nas freqüências entre 0,5 e 8 KHz. A VO somente é obtida se a VA apresentar-se alterada (5; 1). Para a realização do exame ocupacional, é necessário que o trabalhador permaneça em repouso auditivo por um período mínimo de 14 horas para que seus limiares auditivos sejam restabelecidos (1).

Os tempos de exposição aos níveis de ruído não devem exceder os limites de tolerância, pois podem causar perda auditiva progressiva e irreversível da audição, levando à PAIR. Quanto maior a taxa de exposição ao ruído, maior prejuízo poderá ocorrer para a audição. Os tempos de exposição aos níveis de ruído não devem exceder os limites estabelecidos (6).

Medicina do trabalho

Outro profissional envolvido na saúde do trabalhador é o médico do trabalho. Ele desenvolve o Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional - PCMSO, no qual são realizados exames admissionais, periódicos, demissionais, de retorno ao trabalho e de troca de função. O médico responde pelo acompanhamento e análise da evolução dos traçados audiométricos dos trabalhadores. Tal atividade é executada através da comparação da audiometria de referência, que é a primeira audiometria do trabalhador, com todas as audiometrias periódicas que serão realizadas.

O exame periódico busca o diagnóstico precoce de alterações na saúde do trabalhador, induzidas por agentes de risco presentes no ambiente de trabalho, ainda na fase reversível (7). O exame audiométrico deverá ser realizado, no mínimo, no momento da admissão, no sexto mês após a admissão, anualmente e na demissão (1). Com a garantia da legislação, podem-se avaliar melhor as possíveis perdas auditivas ou sua evolução, considerando-se as conseqüências produzidas pela PAIR.

Dessa forma, o Programa de Conservação Auditiva (PCA), é um conjunto de medidas a serem desenvolvidas para minimizar os riscos, com o objetivo de prevenir a instalação ou evolução de perdas de audição e, conseqüentemente, a PAIR, juntamente com o Programa de Prevenção de Riscos Ambientais (PPRA), que previne os riscos potenciais que os empregados estão expostos em sua atividade laboral (1; 8).

O PCA envolve uma equipe multidisciplinar composta por engenheiros, médicos, fonoaudiólogos, enfermeiros, psicólogos e o setor administrativo. Um PCA, para ser efetivo, deve conter mapeamento e controle do ruído, proteção auditiva, indicação das áreas de riscos, educação, treinamento, avaliação auditiva e disponibilização de equipamentos de proteção auditiva.

A prevenção dos danos do sistema auditivo implica evitar o desencadeamento da perda auditiva, enquanto a conservação auditiva iniciará a partir do primeiro momento em que o empregado se expõe a agentes ocupacionais de risco para a audição. A prevenção começa bem antes dessa primeira exposição.

Uma das formas de prevenção é a utilização de Equipamentos de Proteção Individual (EPI), que são objetos utilizados por uma pessoa contra possíveis riscos ameaçadores da sua saúde ou segurança durante o exercício de uma determinada atividade (9). Um EPI pode ser constituído por vários meios ou dispositivos associados de forma a proteger o seu utilizador contra um ou vários riscos simultâneos, evitando lesões ou minimizando sua gravidade. Portanto, a função do EPI é neutralizar ou atenuar um possível agente agressivo contra o corpo do trabalhador que o usa.

A empresa é obrigada a fornecer gratuitamente aos empregados o EPI adequado ao risco e em perfeito estado de conservação e funcionamento (9). Cabe ao empregador, ainda, orientar e treinar o empregado sobre o uso adequado e substituição do EPI quando extraviado ou danificado. O empregado, por sua vez, deve usar, guardar e conservar o EPI, cumprir as determinações do empregador em relação ao seu uso adequado e comunicar ao empregador qualquer alteração que torne o EPI impróprio para o uso.


MÉTODO

A presente pesquisa caracteriza-se por um estudo coorte retrospectivo, individual e comparativo. O fator pesquisado são os trabalhadores submetidos a ruído, e o desfecho são as possíveis variações dos limiares audiométricos.

Os dados da pesquisa foram coletados a partir de dados audiométricos referentes a 6.515 funcionários de 213 empresas da cidade de Porto Alegre e região metropolitana, através de banco de dados já existente. Portanto, esta pesquisa caracterizou-se por ser um estudo populacional. Os dados foram fornecidos por uma clínica médica que atua há 33 anos na área de medicina do trabalho em Porto Alegre. Foram incluídos todos os funcionários pertencentes ao banco de dados fornecido pela clínica, totalizando 6.515 participantes expostos a níveis de pressão sonora superiores a 85dB NPS.

Como critério de exclusão, desconsideraram-se os funcionários que só tinham a audiometria de referência, aqueles que referiram não utilizar EPI ou relataram doenças como trauma acústico, traumatismo crânio- encefálico, diabetes e exposição a níveis de pressão sonora elevados de origem não ocupacional. Com isso, 1.651 empregados foram excluídos do estudo. Sendo assim, a presente pesquisa foi realizada com 4.837 participantes. Convém ressaltar que o diagnóstico de PAIR foi realizado pelo médico do trabalho que considerou a anamnese clínica ocupacional, o exame físico e os exames complementares.

As variáveis deste estudo são os limiares auditivos, o tempo de serviço, a função ocupacional, a idade, o gênero e a perda auditiva.

A presente pesquisa foi analisada pelo Comitê de Ética, sendo aprovada com o protocolo número 42/2007, em 05/07/2007.

O médico responsável pela clínica de medicina do trabalho assinou uma declaração permitindo o uso dos dados coletados, e a pesquisadora assinou o Termo de Compromisso para Utilização de Dados, fazendo jus à fidelidade e ao sigilo desses dados.

As audiometrias foram realizadas pela fonoaudióloga da clínica após a anamnese ocupacional, e a inspeção do meato acústico externo. A audiometria tonal liminar foi realizada por VA nas freqüências de 0,5 a 8 KHz. Em caso de alteração, a VO também foi realizada nas freqüências de 0,5 a 4 KHz. Para a realização desses procedimentos, utilizou-se o audiômetro da marca Vibrasom, modelo AVS - 500, devidamente calibrado, respeitando o tempo de repouso auditivo do trabalhador.

Para análise estatística, foi utilizado o programa computacional The SAS System for Windows (Statistical Analysis System), versão 8.02.

Para descrever o perfil da população segundo as variáveis em estudo, foram realizadas tabelas de freqüência das variáveis categóricas, como gênero e função ocupacional, com valores de freqüência absoluta (n), percentual (%), e estatísticas descritivas das variáveis contínuas (idade, tempo de serviço e limiares audiométricos) com valores de média, desvio padrão (DP), valores mínimo e máximo, mediana e quartis.

Para a comparação das variáveis categóricas entre grupos, foi utilizado o teste Qui-Quadrado ou, quando necessário, o teste exato de Fisher (presença de valores esperados menores que 5). Para comparar as variáveis numéricas entre os grupos, foram utilizados os testes de Mann-Whitney e o coeficiente de correlação de Spearman.

Para estudar a evolução ou variação dos limiares audiométricos entre as medidas inicial e final, foi calculado o delta ou diferença entre os valores e utilizado o teste de Wilcoxon para amostras relacionadas (Signed Rank test). Em seguida, os valores dos deltas dos limiares foram comparados com as demais variáveis através dos testes acima. Os resultados da variação audiométrica também foram classificados em piora e não-piora e comparados entre os grupos. O nível de significância adotado para os testes estatísticos foi de 5%, ou seja, P<0.05.


RESULTADOS

Com relação às características da população estudada, observou-se que a média de idade dos participantes deste estudo foi de 36,8 anos, com desvio padrão de 10,9 anos; a idade mínima encontrada foi de 16 anos, e a máxima, de 69 anos.

Dentre os 4.837 participantes, 100 tinham menos de 20 anos (2%); 1.382 tinham entre 20 e 29 anos (28,6%); 1.375, entre 30 e 39 anos (28,4%); 1.302, entre 40 e 49 anos (26,9%); 578, entre 50 e 59 anos (12%); e 100 participantes tinham mais de 60 anos (2,1%).

Em relação ao gênero, 4.266 participantes eram do sexo masculino (88,2%), e 571 eram do sexo feminino (11,8%). Para facilitar a análise, a população foi dividida em faixas de tempo de serviço. Do total de participantes, 1.338 tinham menos de 1 ano de serviço (28%); 2.443 tinham entre 1 e 5 anos (50,4%); 442, entre 6 e 10 anos (9%); 161, entre 11 e 15 anos (3,3%); 312, entre 16 e 20 anos (6,4%); e 141 participantes tinham mais de 20 anos de tempo de serviço (2,9%). O tempo médio de serviço dos trabalhadores foi de 4,2 anos, e o máximo foi de 34 anos. Em relação à função ocupacional, optou-se por analisar aquelas que tivessem mais de 50 funcionários. Dessa forma, o grupo constitui-se de 1.113 motoristas (23%), 262 trabalhadores de serviços gerais (5,4%), 256 serventes (5,3%), 206 funcionários do setor de produção (4,3%), 161 forjadores (3,3%), 147 operadores de máquina (3%), 128 trabalhadores de funções operacionais (2,6%), 128 pedreiros (2,6%), 104 funcionários do setor de manutenção (2,2%), 94 mecânicos (2%), 91 auxiliares de fábrica (2%), 90 carpinteiros (1,9%), 84 instaladores (1,7%), 82 costureiros (1,7%), 80 trabalhadores de funções administrativas (1,6%), 77 ajudantes (1,6%), 65 lavadores (1,3%), 59 eletricistas (1,2%), 57 marceneiros (1,2%), 56 trabalhadores do setor de montagem (1,2%) e 53 soldadores (1,1%), totalizando 3.393 funcionários.

O tempo entre a audiometria de referência e a audiometria realizada até o momento do estudo também foi dividido em faixas. Do número total de participantes, 1.867 tinham menos de um ano (38,6%) entre os exames iniciais e finais; 1.337 tinham entre um ano e um mês e dois anos (27,6%); 551 tinham entre dois anos e um mês e três anos (11,4%); 664 tinham entre três anos e um mês e quatro anos (13,8%); 204 tinham entre quatro anos e um mês e cinco anos (4,2%); e 214 tinham mais que cinco anos (4,4%) entre os exames.

A Figura 1 mostra a variação média dos limiares audiológicos, considerando as médias tri tonais estudadas. Para a faixa de 0,5 a 2 KHz na OD, obteve-se uma média de 10,3 dB na audiometria de referência e 10,5 dB na audiometria final. Na mesma faixa, para a OE, obteve-se a média de 9,8 dB na audiometria de referência e de 9,7 dB na audiometria final. Já na faixa de 3 a 6 KHz na OD, obteve-se 16,8 dB de média na audiometria de referência e 17 dB na audiometria final; na mesma faixa na OE, obteve-se 17,4 dB na audiometria de referência e 17,6 dB na audiometria final. Dessa forma, observa-se maior aumento dos limiares auditivos para a faixa audiométrica compreendida entre 3 e 6 KHz.


Figura 1. Variação dos limiares audiométricos considerando as médias de 0,5 a 2 KHz e de 3 a 6 KHz (média), para a Orelha Direita (OD) e Orelha Esquerda (OE). n= 4.837. - OD - Orelha Direita OE - Orelha Esquerda n = Número total de funcionários.



A Figura 2 apresenta a freqüência dos participantes cujos limiares audiométricos foram analisados de forma categorizada (acima de 25 dB), considerando a média de 0,5 a 2 KHz e de 3 a 6 KHz para ambas as orelhas. Para a faixa de 0,5 a 2 KHz na OD, 3,8% dos participantes tinham perda auditiva na audiometria de referência e 4,2% na audiometria final. Para a mesma faixa na OE, 4% dos participantes tinham perda auditiva na audiometria de referência e na 4,1% na final. Para a faixa de 3 a 6 KHz na OD, de 17% dos participantes tinham perda auditiva na audiometria de referência e de 17,5 % na final. Na mesma faixa para a OE, 18,7% dos participantes tinham seus exames alterados na audiometria de referência e 19,8% na audiometria final.


Figura 2. Freqüência dos participantes cujos limiares audiométricos foram analisados de forma categorizada (>25dB), considerando a média de 0,5 a 2 KHz e de 3 a 6 KHz para a OD e OE. n= 4.837. - OD - Orelha Direita OE - Orelha Esquerda n = Número total de funcionários.



Dos 4.837 trabalhadores, constatou-se que 23,5% já ingressaram no emprego com perda auditiva; no final deste estudo, 24,3% apresentavam alteração dos limiares auditivos (1% dos funcionários).

A Tabela 1 mostra a variação dos limiares audiométricos entre a primeira e a última audiometria, considerando as médias estudadas de 0,5 a 2 KHz e de 3 a 6 KHz para ambas as orelhas. Na OD, observa-se diferença estatisticamente significativa para a faixa de 0,5 a 2 KHz (P=0,006) e tendência para o aumento (P= 0,095) na faixa de 3 a 6 KHz.




Já para a OE, não se verificou diferença estatisticamente significativa. Dessa forma, constata-se uma tendência de perda auditiva maior para a OD.

A Tabela 2 apresenta a comparação das variáveis numéricas significativas entre os gêneros. Para o gênero feminino, a prevalência foi para a faixa de 0,5 a 2 KHz. Na OD, na audiometria de referência, obteve-se P=0,032 e, na final, P=<0,001. Na OE, apenas para a audiometria final, foi encontrado P=0,011.




Para o gênero masculino, a significância foi constatada para a faixa de 3 a 6 KHz para os exames de referência e finais e para ambas as orelhas.

A Tabela 3 mostra que houve correlação significativa da idade com os limiares audiométricos, sendo que os maiores limiares foram encontrados nos participantes com maior idade para as faixas analisadas (0,5 a 2 KHz e 3 a 6 KHz). Também é possível visualizar a correlação significativa para o tempo de serviço com os limiares audiométricos, principalmente para as freqüências altas (3 a 6 Khz).




A Figura 3 mostra a freqüência de alteração dos limiares audiométricos, considerando a totalidade dos participantes nas funções ocupacionais. Dessa forma, observase que as funções com maior alteração dos limiares audiométricos foram as de auxiliar de fábrica (60,4%), operador de máquina (58,5%), lavador (55,4%), soldador (50,9%), servente (50,4%) e pedreiro (50%).


Figura 3. Freqüência de piora dos limiares audiométricos ao considerar a totalidade dos participantes nas funções ocupacionais. n = 3.393. - n = Número total de funcionários.



DISCUSSÃO

A média de idade da população estudada é de 36,8 anos, assim como mostram os demais estudos constituídos de trabalhadores adultos jovens, com a idade entre 34 e de 40 anos (10, 11, 12). Outro dado encontrado nesses estudos é a prevalência do sexo masculino (10, 11, 13, 14).

A PAIR é a diminuição da audição devido à prolongada e habitual exposição a intensos níveis de ruído ocupacional. Caracteriza-se por perda auditiva neurossensorial, geralmente bilateral, inicia com maior perda na freqüência de 4 KHz, progredindo para 3 e 6 KHz. Posteriormente, avança para as demais faixas de freqüências - 8, 2, 0,5 e 0,25 KHz. O traçado do audiograma é caracterizado pela gota acústica, denominado entalhe entre as freqüências de 3 KHz e 6 KHz (3).

Neste estudo, que envolveu trabalhadores expostos ao ruído a partir de 85 dB NPS, observou-se na média das audiometrias finais um decréscimo nos limiares auditivos, na faixa de 3 a 6 KHz, de 17 dB para a OD e 17,6 dB para a OE, conforme mostra a Figura 1. Já na análise de freqüência dos participantes com os limiares auditivos acima de 25 dB, para a mesma faixa, observamos que 17,5% dos participantes tinham perda auditiva na audiometria final na OD e 19,8 % na OE , conforme se observa na Figura 2. O resultado encontrado está em concordância com os demais estudos. MIRANDA et al (11) encontraram prevalência de PAIR em 36% (n=7.925) dos trabalhadores. DIAS et al (14) avaliaram 284 trabalhadores, encontrando a referida patologia em aproximadamente 63% da população. Por fim, CALDART at al (15), na análise de 184 trabalhadores de uma indústria têxtil, constataram a prevalência 28,3% de perda auditiva compatível com PAIR.

Nesta pesquisa, encontramos, inicialmente, 23,5% de trabalhadores com perda auditiva e 24.3% no exame final. Desse modo, constatamos que 0,8% dos trabalhadores tiveram piora dos limiares, mesmo sendo monitorados pela clínica de medicina do trabalho, local da coleta de dados.

Em relação à lateralidade da perda auditiva, uma constatação inesperada foi a de que os indivíduos expostos ao ruído tiveram uma diferença estatisticamente significativa do valor do limiar auditivo para a faixa de 0,5 a 2 KHz, e tendência para o aumento para a faixa de 3 a 6 KHz na OD, conforme mostra a Tabela 1. Dessa forma, futuras pesquisas necessitam ser realizadas para esclarecer essa questão, já que ambas as orelhas dos indivíduos estão expostas ao ruído simultaneamente. Este trabalho aponta para a necessidade de investigar aspectos referentes ao processamento auditivo em trabalhadores expostos ao ruído, assim como condições de exposição do trabalhador ao ruído ou mesmo do ambiente de trabalho. Em outra pesquisa, DIAS et al (14) também encontraram maior dano auditivo para a OD, sem encontrar algum fator determinante que justificasse essa diferença.

Outro achado ainda mais significativo pode ser observado na Tabela 2. Para os indivíduos do sexo masculino, há um decréscimo dos limiares para a faixa de freqüência de 3 a 6 KHz, esperado para trabalhadores expostos ao ruído. Porém, para o sexo feminino, constatouse a predominância significativa para a faixa de 0,5 a 2 KHz, diferindo do estudo de CURADO et al (16).

Neste estudo, a idade e o tempo de serviço foram fatores associados à alteração nos limiares auditivos. O tempo médio de serviço dos trabalhadores foi de 4,2 anos. MIRANDA at al (11) observaram alta rotatividade de trabalhadores, evidenciada pelas médias de tempo de trabalho baixas, indicando que o tempo de trabalho na empresa não corresponde satisfatoriamente ao tempo de exposição ao ruído. Em alguns casos, a idade pareceu ser um melhor indicador do tempo de exposição, caso o funcionário apresentasse história de exposição ao ruído ocupacional.

Verificamos que o tempo de exposição ao ruído contribui para ocorrência de perdas auditivas, da mesma forma que o aumento da idade é um fator de previsão do declínio da audição. De acordo com o levantamento bibliográfico realizado, tal achado é corroborado pela literatura (10, 14, 12, 15, 17), com a prevalência de PAIR aumentando à medida que aumentam as faixas etárias.

Outro ponto a ser considerado é a relação estreita existente entre idade e tempo de serviço ou exposição, pois o trabalhador que dedicar um longo período de sua vida ao trabalho em ambientes ruidosos terá, naturalmente, a sua acuidade auditiva diminuída. Isso pode estar relacionado tanto com a exposição ao ruído ocupacional, quanto com a incidência da presbiacusia. KWITO (5) relata que presbiacusia é a diminuição auditiva ocorrida com a idade, afetando inicialmente as freqüências altas, inclusive 8KHz. O audiograma não apresenta entalhe acústico. De acordo com ALMEIDA (18), a presbiacusia é uma das causas mais freqüentes de perda auditiva em adultos, predominando nas freqüências agudas, cuja evolução adquire aspectos de alta gravidade quando precedida de uma vida laboral de exposição ao ruído. O presente estudo não verificou a possível correlação entre o tempo de serviço e o grau da perda auditiva, aspecto obviamente dependente das variações de pressão sonora e do tempo de exposição ao ruído.

A comparação das prevalências de perda auditiva entre funções ocupacionais pode ser observada na Figura 3. As funções que apresentaram maior perda auditiva foram as de auxiliar de fábrica, operador de máquina, lavador, soldador, servente e pedreiro.

MIRANDA et al (2), em sua pesquisa, encontraram a maioria das perdas auditivas em trabalhadores dos setores de produção, manutenção, serviços de apoio à produção, controle de qualidade e serviços gerais. Já no estudo de CALDART et al (15), a perda auditiva sugestiva de PAIR foi constatada para os trabalhadores dos setores de engenharia industrial, fiação e tecelagem.


CONCLUSÃO

Este estudo permitiu analisar a variação dos limiares auditivos de 4.837 trabalhadores ao considerar a audiometria de referência e a audiometria anterior a coleta de dados, definida neste estudo como audiometria final. Constatouse que 24,3% apresentavam ocorrências de alteração dos limiares auditivos na faixa de freqüência de 3 a 6 KHz.

Pelos resultados, verificou-se diferença significativa dos limiares auditivos entre as avaliações, predominando maior comprometimento para a OD. No entanto, não foi encontrado, no levantamento bibliográfico, nenhum fator determinante que justificasse essa diferença.

Em relação ao gênero, as mulheres tiveram diferença estatisticamente significativa nos limiares auditivos para a faixa de 0,5 a 2 KHz, enquanto que os homens para a faixa indicativa de PAIR (3 a 6 KHz).

Neste trabalho, verificou-se a relação entre idade e tempo de serviço ou exposição. Quanto maior a idade e o tempo de exposição ao ruído, maior a perda auditiva. Isso pode estar relacionado com a exposição ocupacional ou mesmo com a presbiacusia.

O comparativo entre as funções com maior perda auditiva realizado nesta pesquisa difere dos demais estudos consultados, não sendo possível concluir se a função tem relação com a perda auditiva.

Os resultados obtidos apontam para a eficiência do PCA utilizado pela clínica de medicina do trabalho, pois apenas 0,8% tiveram alteração nos limiares auditivos.

Um programa voltado à saúde do trabalhador permite a conservação auditiva, prevenindo futuros danos auditivos e promovendo o monitoramento de possíveis perdas ou de sua evolução. Dessa forma, as empresas diminuirão os custos com ações indenizatórias por parte do empregado. É importante ressaltar que a conservação auditiva também depende do trabalhador. Este deve estar consciente dos riscos que corre e utilizar os EPIs.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Brasil. Norma Regulamentadora 7. Programa de controle médico de saúde ocupacional - EPI. Diário Oficial da União. Brasília (8 jun. 1978).

2. Davis H, Silverman SR. Hearing and deafness. Holt, Rinehart and Winston. New York; 1970.

3. Ferreira Jr - M. PAIR - Perda auditiva induzida pelo ruído - Bom senso e consenso. São Paulo: Editora VK; 1998.

4. Bernardi AP. Conhecimentos essenciais para atuar bem em empresas: Audiologia Ocupacional. São Paulo: Pulso; 2003.

5. Kwitko A. Coletânea - Pair, pairo, ruído, epi, epc, cat, pericias, reparação e outros tópicos sobre audiologia ocupacional. São Paulo: LTr; 2001.

6. Brasil. Norma Regulamentadora 15. Atividades e operações insalubres. Diário Oficial da União. Brasília (8 Jun. 1978).

7. Mendes R. Patologia do trabalho. São Paulo. Atheneu; 2005.

8. Brasil. Norma Regulamentadora 9. Programas de prevenção de riscos ambientais. Diário Oficial da União. Brasília (8 jun.1978).

9. Brasil. Norma Regulamentadora 6. Equipamentos de Proteção Individual - EPI. Diário Oficial da União. Brasília (8 Jun. 1978).

10. Andrade WTL, Borba DM, Rockland A, Lima MLL, Leite- Barros PMA. Achados audiométricos em trabalhadores expostos a ruído de uma usina sem programa de conservação auditiva. Fono Atual. 2006, Abr/Jun, 36:17-22.

11. Miranda CR, Dias CR, Pena PGL, Nobre LCC, Aquino R. Surdez ocupacional em trabalhadores industriais da região metropolitana de Salvador, Bahia. Rev Bras de Otorrinolaringol. 1998, 64:109-14.

12. Gonçalves CGO, Iguti AM. Análise de programas de preservação da audição em quatro indústrias metalúrgicas de Piracicaba, São Paulo, Brasil. Cad Saúde Pública. 2006, 22(3):609-618.

13. Rigo JRC. Na corda bamba com a audição ocupacional - Uma análise sobre a mudança temporária no limiar. 2001. Disponível em: http://www.cefac.br/library/teses/f90ff0ea0ffd5d3081c6fe3925e85231.pdf. Acessado em 03 de janeiro de 2007.

14. Dias A, Cordeiro R, Corrente JE, Gonçalves CGO. Associação entre perda auditiva induzida pelo ruído e zumbidos. Cad de Saúde Pública. 2006, 22(1): 63-8.

15. Caldart AU, Adriano CF, Terruel I, Martins RF, Caldart AU, Mocellin M. Prevalência da perda auditiva induzida pelo ruído em trabalhadores de indústria têxtil. Arq Int Otorrinolaringol. 2006, 10(3):192-6.

16. Curado JAF, Rabelo WCSV, Alves W, Perini RF, Siqueira PH. A Incidência de PAIR na lavandeira de um hospital universitário. Arq Otorrinolaringol. 2001, 5(2):33-6.

17. Guerra MR, Lourenço PMC, Bustamante-Teixeira MT, Alves MJM. Prevalência de perda auditiva induzida por ruído em empresa metalúrgica. Rev Saúde Pública. 2005, 39(2):238-44.

18. Almeida SIC. Diagnóstico diferencial da disacusia neurosensorial por ruído. Em: Nudelmann AA. PAIR - Perda auditiva induzida pelo ruído. Porto Alegre: Editora Bagaggem Comunicação Ltda; 1997. p. 181-7.











1. Graduação. Fonoaudióloga.
2. Doutor. Professora do Curso de Fonoaudiologia do Centro Universitário Metodista - IPA.

Instituição: Centro Universitário IPA - Porto Alegre. Porto Alegre / RS - Brasil.

Endereço para correspondência:
Jozeane Dias dos Santos
Rua Perpétua Telles, 36 - apartamento 201
Petrópolis - Porto Alegre / RS - Cep: 90460-120
Fax: (51) 3378-8050 - Falar com Cristine - E-mail: josid@ibest.com.br

Artigo recebido em 15 de março de 2008.
Artigo aceito em 10 de junho de 2008.
  Print:

 

All right reserved. Prohibited the reproduction of papers
without previous authorization of FORL © 1997- 2024