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Ano: 2009  Vol. 13   Num. 4  - Out/Dez Print:
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Condições de Personalidade Preditivas de Resultados com Implante Coclear em Pacientes Pós-linguais com Longo Tempo de Privação Auditiva
Conditions of Personality Predicting Results with Cochlear Implant in Post-lingual Patients with Long-time Hearing Deprivation
Author(s):
Heloisa Romeiro Nasralla1, Valeria Goffi2, Carla Rigamonti3, Cristina Ornelas Peralta4, Robinson Koji Tsuji5, Rubens Vuono de Brito Neto6, Ricardo Ferreira Bento7.
Palavras-chave:
implante coclear, avaliação, psicologia, surdez, adulto.
Resumo:

Introdução: Nos indivíduos com surdez pós lingual um dos temas mais questionados acerca da eficiência dos resultados do implante é o tempo de privação auditiva. No grupo de implante coclear do HCFMUSP encontramos implantados, com longo tempo de privação sensorial, porém não necessariamente com maus resultados audiológicos. Objetivo: Identificar condições de personalidade preditivas de bons resultados em pacientes pós linguais com longo tempo de privação auditiva. Método: Estudo retrospectivo de série de casos. Foram analisados testes de Wartegg, realizados no pré IC, em pacientes com perda pós lingual e que tinham privação auditiva superior a 10 anos na ocasião da cirurgia. Os resultados do teste foram relacionados e comparados aos seus resultados auditivos, dois anos pós implante coclear. Resultados: A incidência da surdez e o tempo de privação não interferiram nos resultados. Quanto às condições de personalidade, pacientes com bons resultados audiológicos apresentaram ego bem estruturado, facilidade nos intercâmbios afetivos favorecendo o enfrentamento de situações difíceis e a concretização de ideias além de espontaneidade na projeção de seus conteúdos. Os que apresentaram resultados insatisfatórios, tem visão pouco clara de si mesmos, dificuldade nos contatos interpessoais, na produção de acordo com seu potencial, pouca assertividade, tendências auto-agressivas, além de não se mobilizarem de acordo com as situações. Conclusão: A avaliação psicológica pré operatória pode identificar condições de personalidade diferenciadas nos pacientes com bons resultados audiológicos, ainda que apresentem longo tempo de privação auditiva.

INTRODUÇÃO

O implante coclear é um dispositivo que beneficia pessoas com surdez neurossensorial bilateral severa a profunda. É um equipamento eletrônico que contém uma parte interna implantada cirurgicamente, a qual estimula diretamente o nervo auditivo através de eletrodos, o que permite que os sinais acústicos captados pelo ambiente pela unidade externa sejam levados ao cérebro. O maior benefício é o contato auditivo com o mundo e consequentemente uma melhora na qualidade comunicativa (1).

Nos indivíduos com surdez pós-lingual um dos temas mais questionados acerca da eficiência dos resultados do implante é o tempo de privação auditiva. Em nosso grupo de implante coclear do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo encontramos pessoas implantadas, com longo tempo de privação sensorial, porém não necessariamente com maus resultados audiológicos.

Em pesquisa de GEIER et al (1999) os resultados mostraram que quanto maior for o tempo de privação auditiva na vida desses indivíduos, maior será o tempo exigido para alcançarem capacidade de identificação de fala (2).

Estudos mais recentes ao abordarem os benefícios propiciados pelo implante coclear aos pacientes com surdez pós-lingual e longo tempo de privação auditiva, no entanto, mostram outra tendência. Em 2003 HAMZAVI et al. reportaram que o longo tempo de privação auditiva não influenciou de forma determinante nos resultados desses pacientes (3). Essa mesma conclusão foi encontrada por MAWMAN et al (2004) e HIRAUMI et al (2007), cujos estudos provaram a eficiência do implante coclear para pacientes nas mesmas condições (4,5). Em 2004 o Grupo de Estudos de Implante Coclear do Reino Unido (6) apontou que o risco de resultados pouco satisfatórios pode ser evitado ao se levar em consideração o tempo de privação auditiva do ouvido a ser implantado desses pacientes, considerando que aqueles que tiveram surdez profunda por mais de 30 anos tiveram resultados mais pobres nesse estudo.

De acordo com YAMADA et al. (2005) é necessário levar em consideração o estado emocional do paciente e de sua família, pois devido a esse fator um outro momento pode ser considerado mais propício para o implante (7). ZENARI et al. apontaram uma propensão dos sujeitos que perdem a audição na idade adulta a tomarem essa experiência como fonte de sofrimento psíquico, principalmente pelo sentimento de incapacidade de volta à vida social e profissional (8).

SCHORN (2002) discute sob uma abordagem psicanalítica o desenvolvimento da personalidade de crianças e adolescentes com o diagnóstico da surdez. Ela ressalta que a perda auditiva em crianças com linguagem adquirida é considerada uma situação traumática para a criança e para seus pais. Ao receber esse diagnóstico os pais podem lidar com sentimentos de culpa decorrentes da fantasia de não terem cuidado bem do filho, fazendo-os muitas vezes super protetores, numa tentativa de suprir o que não podem reparar (9). Esse comportamento pode deixar marcas profundas no psiquismo do sujeito, marcando sua personalidade até a idade adulta, portanto influenciando nas respostas ao implante.

Temos observado que não há uma tendência nos resultados, o que suscita fatores outros que não o tempo de privação auditiva que possam influenciá-los, como traços de personalidade, motivação, condições anteriores de linguagem ou intercorrências na vida pessoal com consequências emocionais durante o processo.

Em 2004 apresentamos o trabalho denominado "Estrutura egoica e suas consequências no pós implante coclear" no VII Congresso Argentino de Otorrinolaringologia e Fonopediatria NASRALLA e GOFFI (2004). O objetivo foi avaliar condições de personalidade de pacientes submetidos ao implante coclear que apresentaram bons e maus resultados audiológicos. Para tanto foi aplicado o teste de Wartegg em quatro pacientes que apresentaram bons resultados audiológicos e em outros quatro cujos resultados não foram bons. Observou-se que apesar de todos possuírem adequadas condições intelectuais, estava na estrutura do ego e no impulso para a ação o que os diferenciava. Nos bem sucedidos o enfrentamento e a superação de situações conflitivas era sempre realizado, no que contribuía o aporte de maior flexibilidade e criatividade, como também adequação às situações. Foi atendida em psicoterapia uma paciente na qual foi possível desenvolver sonhos geradores de ambições, injetando-lhe mais energia vital, o que veio acompanhado de melhor desempenho no uso do aparelho. A conclusão apontou que tais qualidades deveriam ser trabalhadas psicoterapicamente no pré implante para serem obtidos melhores resultados na reabilitação desses casos. Nesse trabalho também foi possível observar que o tempo de privação auditiva não interferiu nos resultados audiológicos, pois haviam nos dois grupos de pacientes tempos de privação entre 2 anos e meio a 30 anos (10). No trabalho atual a hipótese é de avaliarmos se a estrutura de personalidade é mais determinante no resultado do que o tempo de privação.

Foi usado o Wartegg que é um recurso de avaliação de personalidade em que, de acordo com FREITAS (1993), o indivíduo projeta sua maneira de perceber, sentir e associar, revelando a dinâmica de sua estrutura psíquica (11).

Foi concebida por Ehrig Wartegg, que a apresentou no XV Congresso de Psicologia de Jena em 1939 na Alemanha, e a publicou na obra Gestaltung und Charakter (LEIPZIG, 1939 apud FREITAS,1993). É uma técnica projetiva gráfica que propõe investigar a personalidade através de desenhos obtidos em 8 quadros, a partir de elementos gráficos pré-determinados (11). A estrutura da personalidade é dividida nas seguintes funções básicas: emoção (expansiva e retraída), imaginação (combinatória e criadora), intelecto (prático e especulativo) e atividade (dinâmica e controlada) (11,12). E permite observar, de acordo com KFOURI, a estrutura do ego e os conflitos internos, que nos darão dados sobre a base de personalidade dos sujeitos; como lida com os fatores humanos em seu cotidiano, ou seja, o relacionamento interpessoal, como também a adequação ou não de suas ambições e a possibilidade do enfrentamento de conflitos externos que nos falarão sobre a energia vital e impulsos para ação e a concretização de suas ideias (12).

Cada estímulo pode provocar uma ideia como uma Gestalt, uma força própria; sendo o quadro de referência teórica para sua prova a Teoria da Psicologia da Gestalt. Além disso, são conferidos valores arquetípicos aos estímulos escolhidos, razão pela qual há base também na Teoria dos Arquétipos de Carl Jung (FREITAS, 1993).

O objetivo de estudo é identificar condições de personalidade preditivas de bons resultados em pacientes pós linguais com longo tempo de privação auditiva.


MÉTODO

Foi feita uma avaliação retrospectiva de prontuários com testes de Wartegg aplicados no pré implante coclear em sujeitos com perda pós-lingual e tempo de privação auditiva superior ou igual a dez anos. Foram levantados destes prontuários os dados de tempo de surdez, tempo de privação, idade na cirurgia e resultados audiológicos quanto à percepção de frases em apresentação aberta (GOFFI-GOMEZ et al., 2004) (13).

O Wartegg foi aplicado no pré operatório em uma sessão usando-se a folha de teste e a interpretação realizada foi de acordo com os padrões de KFOURI (1999), que permite observar a estrutura do ego e os conflitos internos, como lida com os fatores humanos em seu cotidiano, e também suas ambições e a possibilidade do enfrentamento de conflitos externos.

Os pacientes foram divididos em dois grupos, sendo o primeiro de bons resultados, considerados com percepção de fala maior que 80% e o segundo, com o resultados insatisfatórios, foram considerados aqueles com percepção de fala igual ou inferior a 70%.

Os resultados do teste foram relacionados e comparados aos resultados audiológicos até dois anos pós implante. Foram selecionados 7 pacientes com bons resultados audiológicos e 3 pacientes com maus resultados.


RESULTADOS

A Tabela 1 mostra a distribuição dos grupos de pacientes com bons resultados audiológicos (Grupo 1) e o grupo de resultados insatisfatórios (Grupo 2) de acordo com a idade na instalação da surdez (em anos), idade à cirurgia do Implante coclear (em anos), resultados audiológicos da percepção de frases em apresentação aberta (em %) aos 6 meses, aos 12 meses e aos 24 meses após a ativação do processador de fala.

Analise do Wartegg - Grupo 1
- Ego bem estruturado.
- Reconhecimento dos limites e necessidades com facilidade nos intercâmbios afetivos favorecendo enfrentamento de situações difíceis e concretização de ideias.
- Espontaneidade na projeção de seus conteúdos.
- Harmonia na personalidade.
- Boa representação dos estímulos afetivos e auditivos.
- Flexibilidade.

Analise do Wartegg - Grupo 2
- Ego mal estruturado.
- Pouco contato consigo mesmo.
- Desinteresse nos relacionamentos humanos.
- Produção em desacordo com o seu potencial.
- Por serem pouco assertivos e/ou auto-agressivos.
- Além de não se mobilizarem de acordo com as situações.
- Desarmonia na personalidade.
- Má representação dos estímulos afetivos e auditivos.
- Rigidez.

Portanto, quanto às condições de personalidade os pacientes com bons resultados audiológicos apresentaram uma auto-imagem positiva, consciência do próprio papel com bom contato com a própria realidade, facilidade nos intercâmbios afetivos favorecendo o enfrentamento de situações difíceis e a concretização de suas ideias, além de espontaneidade na projeção de seus conteúdos, com boa representação dos estímulos, tanto afetivos como auditivos. Os que apresentaram resultados insatisfatórios têm visão pouco clara de si mesmos, dificuldade nos contatos interpessoais, na produção de acordo com seu potencial, pouca assertividade, tendências auto-agressivas, além de não se mobilizarem de acordo com as situações tanto afetivas como auditivas.


DISCUSSÃO

A surdez proporciona aos que a possuem, diversas opções de comunicação: leitura labial, comunicação total, língua de sinais (14, 15), que nos leva a considerar a escolha de nossos sujeitos pelo implante coclear como indicativa do desejo de se colocarem de acordo com seu meio, pois tratamos nesse estudo de surdos pós linguais adultos, cujas perdas auditivas incidiram quando partilhavam do convívio social de ouvintes, mesmo no caso de 5 pacientes com perdas ainda na infância ou adolescência, cujos pais e irmãos eram todos ouvintes.

A procura pelo implante na nossa amostra se deu entre os 30 e 61 anos, o que evidencia a maturidade e independência da escolha, ou presume-se, não se evidenciando em nenhum momento interferências familiares no sentido de induzirem a essa decisão.

Analisando os grupos 1 e 2, na Tabela 1, o que vemos é que o tempo de privação variando, de 10 a 27 anos, não nos oferece pistas sobre os resultados, chamando nossa atenção o fato de, sendo critério de corte 80 % de compreensão de fala, e por isso ter sido incluída M.L.C. no grupo de resultados insatisfatórios, grupo 2, nela encontramos a melhor performance no seu grupo, e no entanto é a de maior tempo de privação em toda a amostra. Como da mesma forma, M. P. e I. G., do grupo 1, com 14 e 19 anos de privação tem bons resultados alcançados mais tardiamente, que outros do mesmo grupo com maior número de anos sem audição antes do implante coclear.

A Tabela 1 nos mostra também a variabilidade de aquisição da perda e nos leva a observar que a época da incidência da surdez não é um divisor de águas, como também o tempo de privação, o que contradiz os dados da pesquisas de GEIER et al. (2) que nos diz que quanto maior o tempo de privação na vida desses indivíduos, maior será o tempo exigido para alcançarem identificação de fala, pois os de maiores tempos de privação em porcentagem aos anos de vida foram os que mais rapidamente tiveram bons resultados audiológicos, como nos mostra a tendência de estudos mais recentes como o de HAMZAVI (3), que nos diz não influenciar os resultados de forma determinante, o longo tempo de privação, como também provam os estudos de MAWMAN et al (4) e HIRAUMI et al (5).

Também nos chama atenção o fato de, no grupo 2, a única participante com o tempo de privação, 27 anos, com surdez aos 8 anos, e cirurgia aos 35 anos, ser a que melhor se classificou como já dissemos, apesar de incluída no grupo 2 em função do critério escolhido, e que se aproxima do resultado de 2004 do Grupo de Estudos de Implante Coclear do Reino Unido (6), que apontou para o risco de resultados fracos poderem ser evitados se levarmos em consideração tempo de privação auditiva da orelha a ser implantada, considerando que aqueles que tiveram surdez profunda por mais de 30 anos (que não é bem o caso, mas se aproxima, pois ela teve 27 anos de privação) tiveram resultados mais pobres nesse estudo.

Levando em consideração YAMADA et al (7), como também em função de nosso estudo piloto, NASRALLA e GOFFI (10) no qual detectamos algumas questões psíquicas favorecedores quanto ao resultado audiológico pós implante coclear de candidatos considerados aptos e que no entanto se diferenciavam quanto ao aproveitamento do recurso, uns não respondendo bem ao processo e outros que no primeiro dia já ouviam e se emocionavam positivamente, fomos comparar o resultado no teste de Wartegg de nossa amostra atual, onde procuramos detectar traços de personalidade compatíveis ao sucesso ou insucesso pós implante coclear. Analisando os testes de personalidade do grupo 1, pudemos observar que o que os distinguia do grupo 2 era a clareza que tinham de si mesmos, consciência do próprio papel, uma auto-imagem positiva, com bom contato com a própria realidade, como também a abertura aos contatos humanos. O respeito a si próprio e às próprias competências, como a capacidade de se relacionarem afetivamente os levavam a procurar proteção e ajuda quando se sentiam pressionados internamente, indo ao encontro de suas necessidades. Sendo o ego antes de tudo corporal (16) e a surdez em adultos, portanto, um ataque ao próprio ego que causa desconforto e desprazer apontada por ZENARI et al (8) dando-lhes a propensão de tomar essa experiência como fonte de sofrimento psíquico principalmente pelo sentimento de incapacidade de volta à vida social e profissional, a possibilidade de contar com um ego bem estruturado e facilidade nos intercâmbios afetivos, favorece o enfrentamento de situações difíceis e a ação objetiva.

E, como "o ego tem o hábito de transformar em ação a vontade do id como se fosse sua própria, restaurando o prazer através do princípio da realidade usando a razão e senso comum" (p 39) (16) e, também de acordo com Freud, "sob a influência dos instintos de auto preservação do ego, o princípio de prazer é substituído pelo princípio de realidade" (p 20) (17), vemos que, apesar de áreas relativas às ambições e enfrentamento de conflitos eventualmente estarem comprometidas havia mobilização de defesas eficazes que lhes permitia superar as desvantagens. Tais possibilidades diziam respeito à adequação a situações, por exemplo, às normas e valores sociais de maneira rígida, porém formal o que facilitava a aceitação de situações em que seu grau de ambição não lhes permitiria chegar; outras vezes revestindo as dificuldades com sentimentos agradáveis, adornos e aparatos estéticos visando camuflar as angústias e suas dificuldades de lidar e superar situações conflitivas, sendo capazes de intenso trabalho interno o que lhes é possível pondo em marcha qualidades de sensibilidade e perspicácia.

São portanto pessoas formais, apoiadas nas normas, com bom contato consigo mesmo e com os demais, com empatia e sensibilidade, outras vezes por dependência, buscando por mecanismos de defesa, possibilidades para lidar com situações conflitivas e poder superá-las.

Outras vezes vemos defesas religiosas trabalhando a favor da aceitação.

A dependência ao meio também faz com que mesmo que o paciente não tenha uma boa canalização de energia ele se mobilize, aceite, enfrente e supere as dificuldades.

Notamos nos pacientes do grupo 1 harmonia entre a percepção e a representação dos estímulos afetivos, com alto poder de simbolização. Além de espontaneidade na projeção de seus conteúdos internos.

Em resumo, projeção bastante espontânea de seus conteúdos internos, com adequada percepção dos estímulos como representação dos mesmos, estando na estrutura do ego, na aceitação de si mesmos e na manutenção de bom contato com a própria interioridade e evidentes interesses nos relacionamentos afetivos, o que mais os unia. Havia nesses pacientes clara consistência de personalidade com reconhecimento dos limites e das necessidades, o que os fazia ir de encontro à solução de seus problemas o que muitas vezes dizia respeito a se colocarem mais dependentes e adaptados às normas e padrões de seu grupo, com forte comprometimento com os valores éticos, como em outros casos fuga do enfrentamento de conflitos superiores à própria capacidade de superação, evidenciando respeito e conhecimento das próprias possibilidades. Havia também entre eles ambições restritas ao âmbito familiar, com tácita aceitação de seu papel, ficando dentro do que a realidade lhes oferece.

Num dos casos, onde a evasão dos impulsos não se realizava por excesso de controle consciente, com insuficiente canalização de energia, havia por outro lado uma impossibilidade de independência, precisando ser dirigido; é pessoa que se satisfaz com pouco, ou com o que lhe é importante, que no caso era a proteção do lar, essa sua maior ambição, sem muita capacidade intelectual. Tais condições nos mostra estar de acordo consigo mesmo, sem conflitos.

Enfim, independente das capacidades intelectuais, do nível sócio cultural, era a aceitação da própria realidade e dos próprios recursos, como o bom contato consigo mesmo e os interesses humanos, o que mais os distinguia e os permitia alcançar seus objetivos.

"Em cada instante, o comportamento de um indivíduo é determinado por um conjunto estruturado que compreende o sujeito e seu ambiente, esse todo é o espaço vital que inclui a totalidade dos fatos que agem sobre o indivíduo, quer sejam físicos ou sociais, conscientes ou inconscientes. Este campo é dinâmico, todo o comportamento procura restabelecer o equilíbrio rompido entre o indivíduo e seu meio, ruptura essa que é uma fonte de tensão" (p. 11-12) segundo FRESI, apud FREITAS (1993) (11).

"No Wartegg o desenho realizado pelo sujeito expressa o conjunto de percepção do individuo em relação a cada estímulo e sua representação. A maneira como percebe o estímulo informa sua vivência com a área vital específica. A representação fornece o modo como tende a se comportar sempre que estimulado naquela determinada área. Concluindo, a percepção expressa como recebe a área ativada e a representação demonstra como se comporta nessa situação cada estimulo do teste foi elaborado levando em conta sua Gestalt e mostra qualidades próprias de forma, tamanhos e colocação no espaço" (p. 13) (11).

"Segundo Wartegg 'esses sinais foram anteriormente adotados segundo C. G. Jung, como uma herança vivencial coletiva, e isso pode ser ilustrado pelo seguinte dado: foram encontrados, duas décadas após a verificação do teste, correlatos qualitativos de ênfase expressivo-simbólica aparentemente semelhantes quanto ao tipo em ideogramas babilônicos, chineses, e dos antigos semitas'" (p. 13-14) (11).

Nos do grupo 2 o que mais nos chama atenção é a pouca ou nula representação dos estímulos afetivos, o que, aliás, corresponde à baixa ou nula representação dos estímulos auditivos.

Há uma desarmonia da personalidade, pois não se mobilizam de acordo com as situações, com visão pouco clara de si mesmos. São pessoas que comunicam pouco seus afetos, com dificuldade de contato, sem envolvimento afetivo, faltando-lhes espontaneidade e interesse genuíno nos seus relacionamentos. Desestruturam-se frente a ameaças e dificuldades, não superando obstáculos. Têm dificuldade em traçar um rumo, tomar uma direção, bloqueando impulsos de crescimento, com tendências regressivas ou auto-agressivas, com angústias mal elaboradas, sem impulsos para agir. Apesar de possuírem desejos e capacidades de realização muitas vezes os negam, o que associado aos seus problemas afetivos, os impede de elaborar sentimentos negativos, afastando-os dos fatos e impedindo-os de ter envolvimento emocional, deixando-os sem ambição e energia vital, transmitindo um vazio existencial.

Portanto pudemos observar a vinculação do sucesso na reabilitação auditiva às condições tanto da apreensão da própria individualidade, o claro reconhecimento de si mesmo, interesses nos relacionamentos humanos e aceitação de suas possibilidades, permitindo a busca de apoio nos momentos necessários, o que os capacita a enfrentar suas dificuldades, estando os portadores de insucesso na reabilitação auditiva representados principalmente por uma baixa capacidade de tomar contato consigo mesmos, evidenciando um descompasso entre possibilidades e desejos, em função de tendências auto-agressivas e pouco construtivas. Além de pouco conscientes de seus valores, se afastam dos relacionamentos afetivos.

Este trabalho evidenciou que existem condições de personalidade diferenciadas entre os pacientes com bons resultados audiológicos e com resultados audiológicos pobres, com longo tempo de provação auditiva, que podem ser identificadas na avaliação psicológica pré operatória. Tais resultados nos darão dados preditivos da reabilitação audiológica.






CONCLUSÃO

A avaliação psicológica pré operatória pode identificar condições de personalidade diferenciadas nos pacientes com bons resultados audiológicos, ainda que apresentem longo tempo de privação auditiva.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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* Psicóloga da Equipe de Implante Coclear do HCFMUSP.
** Doutor em Ciências dos Distúrbios da Comunicação pela UNIFESP-EPM. Fonoaudióloga da Divisão de Clinica ORL do HCFMUSP.
*** Formanda em Psicologia pela PUC-SP. Colaboradora do Grupo de Implantes Cocleares do HCFMUSP.
**** Mestre em Distúrbios da Comunicação pela PUC-SP. Fonoaudióloga do Grupo de Implantes Cocleares do HCFMUSP.
***** Doutor em Otorrinolaringologia pela FMUSP. Médico Assistente da Divisão de Clínica ORL do HCFMUSP Coordenador da Equipe de Implante Coclear HCFMUSP.
****** Livre Docente pela FMUSP. Prof. Assistente da Divisão de Clínica ORL do HCFMUSP.
******* Professor Titular do Departamento de ORL da FMUSP.

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Artigo recebido em 5 de Setembro de 2009. Artigo aprovado em 9 de Outubro de 2009.
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