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Ano: 2000  Vol. 4   Num. 3  - Jul/Set Print:
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Prevalência de alterações laboratoriais em pacientes submetidos a avaliação pré-operatória de rotina em cirurgia otorrinolaringológica
PREOPERATIVE LABORATORY EVALUATION OF PATIENTS UNDERGOING ELECTIVE OTOLARYNGOLOGIC SURGERY
Author(s):
Fabio Yoshito Ajimura, Maria do Patrocínio Tenório Warth, Fábio Santana Machado, Milton de Arruda Martins
Palavras-chave:
cirurgia, pré-operatório.
Resumo:

Os exames pré-operatórios têm como objetivo reduzir a morbidade e mortalidade peri-operatória. Neste estudo verificamos a prevalência de exames laboratoriais alterados em uma população submetida à cirurgia otorrinolaringológica. Foram estudados 60 pacientes que realizaram avaliação pré-operatória no Departamento de Clínica Médica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo com cirurgia no período de jul/1997 até jan/2000. Dos 60 ECG executados, encontramos alterações em 12 casos (20%), assim como em 9 (23,68%) dos 38 RX de tórax realizados. Exames laboratoriais alterados variavam de 1,79% (plaquetas) até 30,23% (hematócrito). Observamos grande número de exames laboratoriais alterados, entretanto os mesmos não interferiram na conduta dos pacientes.

INTRODUÇÃO

Exames pré-operatórios podem fornecer mais informações sobre o paciente a ser submetido à cirurgia, otimizando sua condição antes do procedimento, assim como aprimorando o momento durante a cirurgia1. Os Estados Unidos gastam, anualmente, mais de 30 bilhões de dólares em testes pré-operatórios2.

Um grande número de pacientes assintomáticos possui exames normais, fazendo com que surjam dúvidas sobre a necessidade de se realizar uma série de exames em qualquer indivíduo que será submetido a uma cirurgia. Desta forma, pode-se questionar sobre a validade de muitos exames da avaliação pré-operatória, como bioquímica3,4, coagulação (tempo de protrombina e de tromboblastina parcial ativada)5, 6, exames de urina7, eletrocardiograma (ECG)8 e raio-x de tórax (RX)9.

Estudos mostram que grande parte dos riscos de complicações no período peri-operatório está ligada a condições clínicas prévias1,10. Entretanto, valores alterados em exames subsidiários perdem muita importância quando as alterações clinicamente importantes podem ser detectadas com uma história completa e um exame físico11.

Neste estudo verificamos a prevalência de exames laboratoriais alterados em uma população submetida à cirurgia otorrinolaringológica e correlacionamos as anormalidades desses exames com mudanças de conduta na avaliação pré-operatória.

MÉTODOS

A amostra era composta por pacientes submetidos à avaliação pré-operatória no Departamento de Clínica Médica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo para cirurgia otorrinolaringológica no período de julho de 1997 até janeiro de 2000. Após obter consentimento por parte dos pacientes, analisamos neste estudo (valores normais entre parêntesis): bioquímica sangüínea (sódio, 135 a 147 mEq/L; potássio, 3.5 a 5 mEq/L; uréia, 10 a 45 mg/dL; creatinina 0.6 a 1.4 mg/dL; glicemia 70 a 110 mg/dL), coagulação (tempo de protrombina, 10 a 14 segundos; tempo de tromboplastina parcialmente ativada, 22 a 28 segundos; tempo de trombina, 12 a 16 segundos; plaquetas, 150.000 a 400.000/mm3), hemograma (hemoglobina, 14 a 18 mg/dL para homens e 12 a 16 mg/dL para mulheres; hematócrito, 42 a 52% para os homens e 37 a 47% para mulheres; leucócitos, 5.000 a 10.000/mm3). Analisamos esses valores de acordo com a média e o desvio-padrão da amostra e cada valor foi classificado em normal ou anormal, frente aos valores de referência.

O ECG foi avaliado pelo eletrocardiografista ou pelo residente do 2º ano de Clínica Médica. O RX foi avaliado pelo radiologista ou pelo residente do 2º ano de Clínica Médica.

RESULTADOS

A amostra era composta de 24 homens (40%) e 36 mulheres (60%). A idade média era de 56,02 ± 14,05 anos. Dos 60 ECG executados, qualquer tipo de anormalidade foi encontrado em 12 (20%) casos (Tabela 1). Obtivemos 9 (23,68%) RX de tórax alterados dos 38 executados, cujas alterações específicas podem ser vistas na Tabela 2. Quanto aos exames laboratoriais, alterações de cada tipo de exame estão descritas na Tabela 3.


Tabela 1. Resultados dos 60 ECG realizados no pré-operatório dos pacientes estudados.


Tabela 2. Resultados dos 38 raio-X de tórax realizados no pré-operatório dos pacientes estudados.


Tabela 3. Alterações nos exames laboratoriais dos pacientes estudados.


DISCUSSÃO

Ao realizarmos uma avaliação pré-operatória, há grande possibilidade de encontrarmos alterações em exames laboratoriais que não são detectadas apenas ao exame físico. Entretanto, dificilmente há alteração na conduta a ser tomada baseando-se essencialmente no exame laboratorial alterado12. Diminuindo o número de exames, reduziríamos custos e também o estresse psicológico associado a falso-positivos, ao passo que aumentaríamos o tempo de disponibilidade do médico e número de leitos vagos13.

Delahunt e cols.14 mostraram que dentre 860 pacientes submetidos a cirurgias eletivas, havia 172 exames alterados e em nenhum desses casos houve mudança da conduta para a continuidade do procedimento. Muskett e cols.15 verificaram 477 (35,3%) exames com resultados alterados, sendo que em apenas 76 (5,9%) houve mudança na conduta. Outros estudos também questionam o verdadeiro valor da realização de exames laboratoriais pré-operatórios sem que haja alguma alteração do quadro clínico ou na história do paciente16, 17.

Nossos resultados de exames hematológicos, usualmente pedidos para prevenir hemorragias por alterações na coagulação mostraram alterações variando de 1,79% (plaquetas) até 25,64% (TTPA), mas em nenhum desses casos modificamos a conduta do paciente. Poder identificar previamente quais são os indivíduos com um risco aumentado de sangramento intra ou pós-operatório é claramente importante, mas devemos lembrar que um screening hematológico é caro e, muitas vezes desnecessário em grupos de baixo risco12. De acordo com alguns estudos11,18 que apresentaram resultados semelhantes ao nosso, a avaliação pré-operatória deveria estar baseada em história de hemorragia prévia. Caso essa história seja negativa e associada a um exame físico negativo, não haveria necessidade para exames laboratoriais. Entretanto, Schmidt e cols.19 avaliaram o coagulograma de 91 pacientes consecutivos submetidos a cirurgia otorrinolaringológica e verificaram que as coagulopatias são freqüentes o suficiente para justificar um screening hematológico pré-operatório, mesmo na ausência de história compatível com hemorragia prévia.

A presença de 23,68% de alterações em nossa amostra de RX de tórax foi a mais alta entre os exames pré-operatórios. Embora ainda não seja bem definida a relação entre achados radiográficos e morbidade peri-operatória, como os achados inesperados em pacientes com 60 anos ou mais são relativamente comuns20, pode-se justificar um RX antes da cirurgia para esses pacientes. Alterações inesperadas em populações mais jovens são mais raras21, tornando esse exame desnecessário, a não ser que o médico ache evidência de doença torácica na história ou no exame físico.

A alta morbidade no pós-operatório causada por repercussões cardíacas faz com que o ECG seja um dos exames mais solicitados na avaliação pré-operatória. Em nosso estudo, todos os pacientes possuíam ECG e as anormalidades foram comuns. Segundo a literatura, o ECG de rotina é recomendado antes da cirurgia eletiva em todos os pacientes com mais de 40 anos de idade22,23 pois freqüentemente encontram-se alterações, principalmente em pacientes mais idosos, mostrando estar associados com importante morbidade peri-operatória.

Neste estudo, encontramos grande porcentagem de exames subsidiários alterados, embora eles não tenham interferido na conduta do paciente. Isso nos leva a pensar na necessidade de realizar em qualquer paciente diversos exames pré-operatórios. Diminuir custos com o cuidado médico, sem que haja qualquer tipo de comprometimento da qualidade da assistência é um dos principais motivos para a realização de estudos que avaliam os exames pré-operatórios. Desta forma, é importante uma grande discussão do assunto entre todos os profissionais envolvidos. Certamente, o conhecimento da freqüência de exames normais na população que será submetida à cirurgia ajudará a resolver estes assuntos.

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Trabalho realizado no Departamento de Clínica Médica do Hospital das Clínicas da FMUSP - SP, Brasil. Endereço para correspondência: Fabio Yoshito Ajimura - Rua Apinagés 609/131 - Perdizes - São Paulo - SP - CEP 05017-000 E-mail: fajimura@ig.com.br

1- Acadêmico do 6o ano da FMUSP.
2- Doutora do Departamento de Clínica Médica do Hospital das Clínicas da FMUSP.
3- Chefe do Grupo de Avaliação Pré-operatória do Departamento de Clínica Médica do Hospital das Clínicas da FMUSP.
4- Professor Titular do Departamento de Clínica Médica do Hospital das Clínicas da FMUSP.
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