INTRODUÇÃO
Desde a introdução da timpanoplastia em 1952 por Zöllner 1 e Wullstein 2, muitos tipos de enxerto e técnicas cirúrgicas têm sido descritas para o fechamento da membrana timpânica (MT). Nas técnicas convencionais pode ser colocado medial ou lateralmente ao anel timpânico3, sendo o enxerto de fáscia temporal amplamente utilizado 4. O índice de sucesso esperado em timpanoplastias utilizando enxerto de fáscia temporal ou pericôndrio é de 90%4. Porém, estas técnicas necessitam de incisões na pele do canal auditivo externo (CAE) para a criação de um retalho tímpano-meatal, o que aumenta os cuidados pós-operatórios 5,6. Gross et al 7 descreveram o emprego desta técnica utilizando gordura para fechamento de perfuração timpânica. No entanto, esta técnica é usada apenas para perfurações pequenas e alguns autores discutiram a eficácia dessa técnica pela inconsistência dos resultados pós-operatórios 8.
Em 1998, Roland Eavey descreveu a técnica de enxerto cartilaginoso em forma de borboleta colocado através da perfuração para o tratamento de perfurações da membrana timpânica em crianças. Esta técnica tem apresentado vantagens na execução do ato cirúrgico e no seguimento pós-operatório: 1. Não há necessidade de remover placas de timpanosclerose; 2. Pode ser realizado em crianças sob anestesia geral com máscara e em regime ambulatorial; 3. Há menor morbidade por não necessitar de incisões e curativos no conduto auditivo externo; 4. O índice de pega do enxerto de 100% 5. Os resultados auditivos pós-operatórios são imediatos pela ausência de curativos no conduto auditivo externo; 6. Procedimento mais barato devido à redução do tempo cirúrgico8.
Lubianca-Neto9 descreveu o uso desta técnica em adultos e sob anestesia local com um índice de pega de 90%. Com o intuito de diminuir a morbidade e os cuidados pós-operatórios necessários, o autor não retirou da face interna do braço do paciente um enxerto de pele para ser colocado sobre a cartilagem.
O objetivo deste estudo foi avaliar a eficácia da timpanoplastia com enxerto de cartilagem em comparação à timpanoplastia subanular com enxerto de fáscia temporal em adultos, através do índice de pega do enxerto e de resultados audiométricos pós-operatórios.
PACIENTES E MÉTODOS
Delineamento do estudo
Um ensaio clínico randomizado foi desenhado para testar a eficácia da timpanoplastia com cartilagem tragal colocado através da membrana timpânica (intervenção) em comparação com a técnica de timpanoplastia subanular com fáscia temporal (controle). Este estudo foi realizado no Complexo Hospitalar de Santa Casa de Porto Alegre durante os meses de novembro de 1998 a março de 2000. Um total de 70 pacientes com idade entre 15 e 65 anos foram identificados como potencialmente elegíveis. Os pacientes eram portadores de otite média crônica simples, com perfuração da membrana timpânica, sem sinais de infecção ativa por um período mínimo de dois meses. Foram excluídos pacientes com indicação de exploração cirúrgica da orelha média, por exemplo desproporção entre a perda auditiva e o tamanho da perfuração ou possível colesteatoma, ou com contra-indicação formal para a realização de anestesia geral, utilizada no tratamento convencional em nossa instituição.
Como a presença de timpanosclerose na membrana timpânica é um fator prognóstico, uma vez que aumenta a taxa de pega do enxerto realizado com a técnica da cartilagem, optou-se por uma randomização estratificada. As variáveis estudadas foram: idade, sexo, raça, tempo sem infecção previamente a cirurgia, timpanosclerose, localização e tamanho da perfuração, perfuração unilateral ou bilateral, procedimentos prévios tais como inserção de tubo de ventilação ou timpanoplastia, infecção no período pós-operatório, resultados audiométricos pré e pós-operatórios e tipo de timpanoplastia. Convencionou-se denominar a intervenção de timpanoplastia com cartilagem tragal colocado através da membrana timpânica ou apenas com cartilagem e o grupo controle chamou-se de timpanoplastia subanular com fáscia temporal ou convencional.
Protocolo do Estudo
Os pacientes que preencheram totalmente os critérios de elegibilidade assinaram o consentimento informado e foram randomizados para um dos tipos de timpanoplastia. O código de randomização era conhecido apenas pelo coordenador do estudo até o dia da cirurgia. Após a cirurgia, os pacientes realizavam consultas semanais para o acompanhamento pós-operatório com outro otorrinolaringologista não envolvido no estudo. Em todas as consultas os pacientes foram avaliados com auxílio de microscópio cirúrgico. Considerou-se infecção a presença de secreção purulenta ou miringite granular no período pós-operatório; realizou-se limpeza local e prescreveu-se antibioticoterapia tópica contendo acetonido de fluocinolona, sulfato de neomicina, sulfato de polimixina B, ácido cítrico e propilenoglicol (Otosynalar®) até a sua resolução. Em caso de miringite granular, foi realizada cauterização com ácido tricloroacético a 50% seguida de tratamento com antibioticoterapia tópica. No trigésimo dia pós-operatório a pega do enxerto foi avaliada por um otorrinolaringologista não envolvido no arrolamento e na cirurgia. Durante o segundo mês pós-operatório foi realizada a avaliação audiométrica por uma fonoaudióloga cegada para a hipótese em estudo. A mesma fonoaudióloga realizou os exames pré e pós-operatório. A avaliação dos resultados audiométricos pós-operatórios foi realizada conforme recomendações do Comitê de Normas para Avaliação dos Resultados do Tratamento da Perda Auditiva Condutiva da Academia Americana de Otorrinolaringologia - Cirurgia de Cabeça e Pescoço com utilização da média da diferença audiométrica entre os limiares aéreo e ósseo (GAP) das freqüências 500 Hz, 1000 Hz, 2000 Hz e 3000 Hz10.
Procedimentos
A timpanoplastia com cartilagem tragal colocada através da membrana timpânica foi realizada conforme descrito por Lubianca-Neto9. O procedimento foi realizado sob anestesia local. O paciente foi sedado com midazolam e fentanil e preparado para um procedimento estéril com colocação dos campos operatórios esterilizados. Em seguida, realizou-se infiltração do trago e do conduto auditivo externo com anestésico local associado com vasoconstritor (lidocaína 2% com adrenalina 1:50.000).
A perfuração timpânica foi visualizada sob microscopia e os bordos da mesma foram reavivados com o cuidado de não aumentar demasiadamente a perfuração; em seguida, o tamanho dos maiores diâmetros da perfuração foram cautelosamente medidos com o auxílio de um gancho de ângulo reto de 2 mm de comprimento.
O enxerto de cartilagem foi retirado do trago através de uma incisão de 8 a 10 mm realizada entre o dômus tragal e o meato acústico externo, a qual foi realizada com bisturi de lâmina #15. De uma só vez incisou-se pele, subcutâneo e cartilagem. A exposição da cartilagem foi realizada com auxílio de ganchos e de uma pequena tesoura de dissecção para liberar a cartilagem (preservou-se o dômus do trago) dos tecidos adjacentes com o cuidado de preservar o pericôndrio de ambos os lados. Após adequada hemostasia, a pele foi suturada com fio mononylon 6.0.
A seguir procedeu-se à confecção do enxerto cartilaginoso, orientada pelo mesmo gancho de ângulo reto utilizado para medir o tamanho da perfuração. A realização do enxerto foi realizada com um bisturi de microcirurgia (Beaver #6700 mini-blade®) sob visão microscópica e com cuidado de deixar enxerto com um tamanho final de 2 mm maior do que a perfuração. Realizou-se uma incisão ao redor de toda a circunferência do enxerto e paralela aos dois pericôndrios. Com isso, criou-se duas lâminas de cartilagem unidas pelo centro e revestidas externamente por pericôndrio. A tensão do pericôndrio encarregou-se de, instantaneamente, envergar as bordas das duas lâminas de cartilagem em toda circunferência. O formato final do enxerto, visto de perfil, assemelha-se a uma borboleta.
O enxerto foi colocado na perfuração sob visão microscópica como se fosse um tubo de ventilação, com cuidado de verificar se em toda a circunferência da perfuração, a lâmina medial do enxerto estava na orelha média e a lâmina lateral na orelha externa, sobre a membrana timpânica. Ao contrário do recomendado por Eavey8, não se colocou o enxerto de pele sobre a cartilagem posicionada na membrana timpânica.
Nenhum curativo foi colocado na orelha média, conduto auditivo externo ou pavilhão auricular. Recomendou-se aos pacientes que não molhassem a orelha no primeiro mês após a cirurgia.
A timpanoplastia convencional foi realizada conforme descrito por Rizer 10. O procedimento foi realizado sob anestesia geral. O paciente foi preparado para um procedimento estéril com colocação dos campos operatórios esterilizados. Em seguida, realizou-se infiltração da pele da região temporal e do conduto auditivo externo com anestésico local associado com vasoconstritor (lidocaína 2% com adrenalina 1:50.000).
A perfuração timpânica foi visualizada sob microscopia e os bordos da mesma foram reavivados com o cuidado de não aumentar demasiadamente a perfuração. Em seguida, o tamanho dos maiores diâmetros da perfuração foram cautelosamente medidos com o auxílio de um gancho de ângulo reto de 2 mm de comprimento.
O enxerto de fáscia foi retirado do músculo temporal através de uma incisão de 20 a 30 mm realizada na pele da região temporal supra-auricular com um bisturi de lâmina #15. A exposição da fáscia temporal foi realizada com auxílio de afastadores auto-estáticos e de uma pequena tesoura para dissecção dos tecidos adjacentes até visualização da fáscia temporal. Após adequada hemostasia, a pele foi suturada com fio mononylon 6.0.
A seguir procedeu-se a realização do retalho tímpano-meatal através de incisões do conduto auditivo externo e elevação do mesmo até a identificação do anel timpânico para penetração na fenda timpânica. Então, colocou-se o enxerto de fáscia temporal sob a perfuração através do retalho tímpano-meatal elevado (underlay) sob visão microscópica, com cuidado de verificar se toda circunferência da perfuração estava fechada pelo enxerto. Nesse momento, curativos de gelfoam foram colocados na orelha média para dar sustentação interna do enxerto de fáscia temporal. Após, o retalho tímpano-meatal foi reposicionado sobre o conduto auditivo externo e curativos de gelfoam foram colocados para dar sustentação externa ao enxerto. Recomendou-se aos pacientes que não molhassem a orelha no primeiro mês após a cirurgia. As cirurgias foram realizadas pelo mesmo cirurgião.
Desfechos principais
Avaliaram-se o índice de pega do enxerto no trigésimo dia pós-operatório e os resultados audiométricos pós-operatórios como desfechos principais. A avaliação do índice de pega do enxerto foi categorizado como sucesso ou falha. Os resultados audiométricos foram avaliados através do: 1. GAP audiométrico pós-operatório; 2. Melhora da audição. Os pacientes foram agrupados em categorias: GAP menor ou igual a 10 dB, igual a 11 dB e menor ou igual a 20 dB e maior ou igual a 21 dB. A melhora da acuidade auditiva foi identificada pela diferença do GAP audiométrico pré-operatório e pós-operatório. Os pacientes foram agrupados conforme a seguinte classificação: diferença menor do que 0 dB, entre 0 dB e 10 dB, entre 11 dB e 20 dB e maior ou igual a 21 dB.
Desfechos secundários
Investigaram-se outras variáveis que poderiam influenciar a escolha de uma das técnicas cirúrgicas como o tempo despendido na realização de cada cirurgia, a dor pós-operatória no primeiro dia após a cirurgia, a audição subjetivamente avaliada na primeira semana de pós-operatório e os custos decorrentes dos materiais usados em cada procedimento.
a) Tempo de procedimento: Aferiu-se o tempo despendido para a realização de cada procedimento excluindo-se o tempo gasto na indução e na recuperação anestésica.
b) Custo: Estimou-se o custo de cada procedimento em uma sub-amostra de pacientes. Utilizou-se a folha da sala cirúrgica para analisar os materiais usados na indução anestésica e durante a cirurgia a fim de calcular o custo, de acordo com os valores pagos pelo Sistema Único de Saúde.
c) Dor pós-operatória: Investigou-se a dor relatada no primeiro dia após a cirurgia. Utilizou-se uma escala analógica visual com uma linha de 10 cm. Nesta linha, o ponto no início da reta indicava ausência de dor e no final indicava a dor máxima imaginável. Os resultados, expressos em centímetros, foram categorizados:<1 sem dor, 1-3 dor leve, 4-6 dor moderada, 7-9 dor severa, >9 dor insuportável. Os analgésicos usados durante a cirurgia e no período pós-operatório foram padronizados entre os dois grupos.
d) Audição pós-operatória subjetiva: Na primeira semana após a cirurgia os pacientes foram solicitados a avaliarem sua audição comparativamente ao período pré-operatório. Para cada resposta estabeleceu-se uma pontuação, pior=0, igual=1 e melhor=2.
Análise Estatística
Estimou-se que um tamanho de amostra de no mínimo 35 pacientes em cada grupo de pacientes seria suficiente para testar a hipótese assumindo-se um erro tipo I de 5% e um erro tipo II de 20% e uma diferença de 25% no índice de pega entre os dois procedimentos cirúrgicos. Avaliaram-se as diferenças nas proporções pelo teste do c2 ou teste de Fischer, quando o número de observações em pelo menos uma das células era igual ou menor do que cinco.
O modelo de regressão logística foi utilizado para avaliar se o índice de pega do enxerto foi modificado por alguma característica dos pacientes e regressão linear múltipla foi empregada para avaliar se os resultados audiométricos pós-operatórios sofreram influência de algum fator prognóstico. O teste de hipóteses baseou-se em um valor p<0,05 (bicaudal) para determinar a significância estatítica das associações.
Aspectos Éticos
O estudo foi aprovado pela Comissão de Ética em Pesquisa do Complexo Hospitalar Santa Casa de Porto Alegre.
RESULTADOS
Um total de 70 pacientes foram randomizados para o estudo. Destes, 34 pacientes foram submetidos à timpanoplastia com cartilagem e 36 pacientes à timpanoplastia convencional. As características gerais dos pacientes estão apresentadas na Tabela 1.
Desfechos principais
O índice de pega do enxerto, avaliado no trigésimo dia pós-operatório, foi de 88,2% nos pacientes submetidos à timpanoplastia com cartilagem e 86,1% nos pacientes submetidos à timpanoplastia convencional (p=0,8). Após um seguimento médio de 7,5±3,8 meses (variando entre 3 a 16 meses), o índice de pega do enxerto foi de 85,3% na timpanoplastia com cartilagem e 83,3% na timpanoplastia convencional (p=0,8) (Figura 1).
No grupo de pacientes submetidos à timpanoplastia com cartilagem, 64,7% permaneceram com um GAP aéreo-ósseo entre 0 e 10 dB, 94,1% entre 0 e 20 dB e em apenas dois pacientes (5,9%) permaneceu um GAP maior do que 20 dB. No grupo de pacientes submetidos à timpanoplastia convencional, 75% permaneceram com um GAP aéreo-ósseo entre 0 e 10 dB, 97,2% entre 0 e 20 dB e em apenas um paciente (2,8%) o GAP manteve-se maior do que 20 dB. Ocorreu uma melhora dos limiares aéreos em 91,2% dos pacientes submetidos à timpanoplastia com cartilagem e 94,4% pacientes submetidos à timpanoplastia convencional. Não foi observada diferença estatisticamente significativa entre os grupos quanto aos resultados audiométricos pós-operatórios (p=0.6). Apenas em três pacientes (8,8%) submetidos à timpanoplastia com cartilagem e dois pacientes (5,5%) submetidos à timpanoplastia convencional ocorreu uma piora do GAP aéreo-ósseo (entre 1 e 2,5 dB), nos quais não houve fechamento da perfuração da membrana do tímpano (Tabela 2).
A ausência de infecção no período pós-operatório apresentou uma tendência a aumentar a chance de pega do enxerto, identificada através do modelo de regressão logística (Tabela 3). O GAP pré-operatório foi identificado como uma variável de confusão sobre a avaliação do GAP pós-operatório sendo controlado pelo modelo de regressão múltipla (Tabela 4). Não foi identificada nenhuma variável de confusão na avaliação da melhora da acuidade auditiva pelo modelo de regressão múltipla (Tabela 5).
Figura 1. Comparação do índice de pega do enxerto entre as avaliações do 30º dia pós-operatório e última consulta do seguimento.
Tabela 1. Distribuição das características dos pacientes de acordo com o grupo de intervenção ou controle.
Tabela 2. Desfechos primários de acordo com o grupo de intervenção ou controle.
Tabela 3. Modelo de Regressão Logística com pega do enxerto como variável dependente e potenciais variáveis de confusão.
Tabela 4. Modelo de Regressão Múltipla com GAP pós-operatório (dB) como variável dependente*.
Tabela 5. Modelo de Regressão Múltipla com melhora da acuidade auditiva como variável dependente*.
Tabela 6. Desfechos secundários de acordo com o grupo de intervenção ou controle.
Complicações
Infecção foi observada em 17,6% dos pacientes do grupo da timpanoplastia com cartilagem e em 41,6% do grupo da timpanoplastia convencional (p=0,03). Apesar da incidência de infecção pós-operatória ser maior em um dos grupos, o índice de pega do enxerto entre os pacientes que tiveram esta complicação pós-operatória foi semelhante, 66,6% e 73,3%, respectivamente (p=0,7). Pacientes sem infecção pós-operatória apresentaram uma tendência maior de pega do enxerto (OR=573) do que os pacientes com infecção (p=0,05). Dentre os pacientes submetidos à timpanoplastia convencional, dois pacientes apresentaram otite média crônica secretora, sendo que em um também houve retração da membrana timpânica. Ambos os pacientes foram submetidos à timpanotomia para colocação de tubo de ventilação.
Desfechos secundários
A maioria dos pacientes submetidos à timpanoplastia com cartilagem relataram uma melhora da audição em comparação à audição pré-operatória, ao contrário dos pacientes submetidos à timpanoplastia convencional (p<0,0001).
A avaliação da dor pós-operatória, identificou que 30 pacientes submetidos à timpanoplastia convencional e 10 pacientes submetidos à timpanoplastia com cartilagem relataram dor no local da cirurgia no primeiro dia pós-operatório (p<0,0001). Observa-se, na Tabela 6, que entre os pacientes submetidos à timpanoplastia com cartilagem houve um predomínio de ausência de dor, enquanto no grupo da timpanoplastia convencional houve predomínio de dor leve (p=0,0002).
O custo estimado da timpanoplastia com cartilagem, em nossa instituição, foi 65% menor do que o custo da timpanoplastia convencional. O tempo despendido na realização da timpanoplastia com cartilagem foi 33,6±7,8 minutos e na timpanoplastia convencional foi 62,9±12,7 minutos (p<0,0001) (Tabela 6).
DISCUSSÃO
Este estudo não identificou diferenças estatisticamente significativas entre as duas técnicas de timpanoplastia em relação aos desfechos principais: pega do enxerto e resultados audiométricos pós-operatórios. Baseando-se nos resultados da pega do enxerto obtidos neste estudo, uma amostra de mais de 8000 pacientes seria necessária para demonstrar uma diferença estatisticamente significativa entre as técnicas. O índice de pega do enxerto foi influenciado pela infecção pós-operatória; assim, pacientes sem infecção tiveram maior probabilidade de sucesso da cirurgia. Os resultados audiométricos pós-operatórios foram influenciados pelo GAP pré-operatório. Quanto maior o GAP pré-operatório, maior o GAP pós-operatório.
Como enxerto, a cartilagem apresenta algumas vantagens em relação à fáscia temporal. Pode ser facilmente obtida no próprio campo operatório e em quantidade suficiente. A retirada deste enxerto pode ser realizada sem extensa dissecção tecidual e sem complicações e deformidades estéticas significativas no local da retirada, necessitando mínimos cuidados pós-operatórios.
A cartilagem é nutrida por difusão e pode manter-se viável por longos períodos em um local hostil e avascular12. A timpanoplastia com cartilagem apresenta uma desvantagem teórica, que é a colocação de um enxerto opaco, impossibilitando a visualização da orelha média e com isso dificultando o diagnóstico de doenças. No entanto, o tamanho de enxerto usado neste procedimento permitiu uma avaliação normal da orelha média. Porém, havendo qualquer suspeita de colesteatoma no seguimento destes pacientes, seria prudente submeter o paciente a um procedimento cirúrgico diagnóstico para melhor avaliar.
Desde os primeiros relatos da reconstrução da membrana timpânica com cartilagem13, alguns autores discutiram a eficácia dessa técnica pela inconsistência dos resultados pós-operatórios4. Aumentando a rigidez e a espessura da membrana timpânica com a colocação da cartilagem, teoricamente ocorreria um prejuízo para a audição, especialmente em freqüências baixas. Dornhoffer (1997) demonstrou que não há diferença nos resultados audiométricos pós-operatórios entre os enxertos com cartilagem e pericôndrio. Além disso, não tem sido identificada diferença na audição conforme o tamanho do enxerto de cartilagem utilizado4.
Observou-se infecção pós-operatória mais freqüentemente em pacientes submetidos à timpanoplastia convencional e, no entanto, não foi observada diferença na taxa de pega do enxerto entre as duas técnicas (p=0.7). Os pacientes submetidos à timpanoplastia convencional apresentaram maior índice de infecção provavelmente devido à realização do retalho tímpano-meatal e ao maior tempo cirúrgico. O índice de pega semelhante entre as técnicas provavelmente é devido á maior resistência da fáscia temporal à infecção em comparação com o enxerto de cartilagem14.
Smyth et al (1975) demonstraram que a cartilagem com pelo menos um dos lados de pericôndrio intacto apresenta maior viabilidade do que a cartilagem totalmente desnuda (maior metabolismo e reações enzimáticas)15. Sabe-se que a cartilagem não apresenta vasos sangüíneos em seu interior e é nutrida por difusão com auxílio do pericôndrio16. O estudo em seres humanos demonstrou que a infecção da orelha média tem um efeito letal sobre os condrócitos. Isto indica que a timpanoplastia com cartilagem deve ser realizada em orelhas sem infecção, sendo mandatória a preparação da orelha média em pacientes com infecção14.
Ao compararmos duas opções terapêuticas, a eficácia e a relação entre o risco e o benefício de cada tratamento são os critérios habitualmente analisados. Porém, limitações nos recursos financeiros do sistema público de saúde nos fazem levar em consideração a relação custo-efetividade na escolha do tratamento. No caso de eficácia semelhante entre dois tratamentos, a escolha pode ser facilmente realizada em favor do procedimento mais barato. Neste estudo, o tempo despendido na cirurgia e o custo do material usado indica a vantagem para a intervenção. Cirurgiões experientes, em média, realizam a timpanoplastia com cartilagem em trinta minutos enquanto que para a timpanoplastia convencional é de no mínimo sessenta minutos, aumentando os custos da sala cirúrgica.
Como o custo de uma timpanoplastia pode variar entre instituições, optou-se por não considerar os honorários do cirurgião e do anestesista para análise. A média dos recursos necessários para a realização da timpanoplastia com cartilagem em nossa instituição é 65% mais barata do que a timpanoplastia convencional. Se os honorários médicos fossem incluídos, esta diferença provavelmente aumentaria.
Além disso, a timpanoplastia com cartilagem mostrou ser mais confortável para o paciente. Esta técnica não necessita a realização do retalho tímpano-meatal e curativos na orelha média e conduto auditivo externo. A formação de crostas cicatriciais é praticamente inexistente. A melhora da audição é imediata pela ausência de curativos na orelha média e conduto auditivo externo. A dor pós-operatória observada em pacientes submetidos à timpanoplastia com cartilagem é inexistente ou leve (Tabela 6).
Apesar deste estudo não demonstrar diferenças entre as técnicas cirúrgicas, algumas peculiaridades devem ser avaliadas ao decidir a melhor opção terapêutica, incluindo a habilidade e experiência do cirurgião com cada técnica cirúrgica. A timpanoplastia com cartilagem é contra-indicada quando não é possível a visualização de todos os bordos da perfuração; em condições que requerem exploração da orelha média, por ex. possível colesteatoma, perda auditiva condutiva desproporcional à perfuração e otorréia na presença de miringite granular 8.
Este estudo mostrou que ambas as técnicas de timpanoplastia apresentaram eficácia semelhante no tratamento de perfurações da membrana timpânica em um seguimento relativamente curto. No entanto, a timpanoplastia com cartilagem é mais barata, mais confortável e apresenta menor risco para o paciente.
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Trabalho realizado no Departamento de Oftalmologia e Otorrinolaringologia da Fundação Faculdade Federal de Ciências Médicas de Porto Alegre e Complexo Hospitalar Santa Casa de Porto Alegre.
Este estudo foi financiado pela CAPES e FAPERGS.
Endereço para correspondência: Dr. José Faibes Lubianca Neto - Rua Corte Real, 122/603 - Porto Alegre /RS - CEP: 90630-080 - Telefone/Fax: (51) 346-3831 - E-mail: jlubianca@zaz.com.br
Artigo recebido em 6 de setembro de 2000. Artigo aceito em 2 de outubro de 2000.
1- Departamento de Oftalmologia e Otorrinolaringologia da Fundação Faculdade Federal de Ciências Médicas de Porto Alegre e Complexo Hospitalar Santa Casa de Porto Alegre, Programa de Pós-Graduação em Medicina: Clínica Médica, da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
2- Departamento de Oftalmologia e Otorrinolaringologia da Fundação Faculdade Federal de Ciências Médicas de Porto Alegre e Complexo Hospitalar Santa Casa de Porto Alegre.
3- Programa de Pós-Graduação em Medicina: Clínica Médica, da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Departamento de Medicina Social, Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.