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Ano: 2002  Vol. 6   Num. 4  - Out/Dez Print:
Original Article
Atresia de Coanas – Tratamento por Via Endoscópica Transnasal
Choanal Atresia – Treatment by Transnasal Endoscopy
Author(s):
Antonio Antunes*, Geraldo Rommel M Macedo**, Gabriel Alves de Oliveira Júnior***, Rodrigo Souza Leão***, Nelson Caldas****.
Palavras-chave:
atresia coanal, endoscopia, nasofaringe, cavidade nasal.
Resumo:

Introdução: A atresia de coana é uma falha no desenvolvimento da comunicação da cavidade nasal posterior para a nasofaringe. Objetivo: Avaliar a correção cirúrgica endoscópica transnasal da atresia coanal em centro de assistência terciária. Pacientes e Métodos:Foram avaliados retrospectivamente seis pacientes com atresia coanal submetidos a correção endoscópica de 1997 a 2000. Todas as atresias tinham aspecto ósseo ou misto à tomografia computadorizada de nariz e seios paranasais. Quatro casos eram unilaterais e dois bilaterais, relação feminino / masculino de 1:1 e a idade variou de 4 dias a 28 anos (média de 12,3 anos). O tempo médio de sondagem foi de 64,6 dias. Resultados: A patência coanal foi conseguida em 83,3% dos pacientes. Um paciente necessitou de revisão cirúrgica devido a estenose recidivante. Conclusões: Está técnica é uma opção com baixa morbidade e mortalidade e se constitui numa via eficiente para tratar de atresia coanal.

INTRODUÇÃO

A atresia de coana é uma falha no desenvolvimento da comunicação da cavidade nasal posterior para a nasofaringe (1). A primeira descrição desta patologia foi feita por Johann Roederer em 1755 (2).

Apresenta-se com uma incidência de 1 para 5.000 a 7.000 nascidos vivos, com uma relação entre homens/mulheres de 1:2 (1). Pode ocorrer como uma placa atrésica óssea (ou ósteo-membranosa) em 90% dos casos ou puramente membranosa (10%) (3). São unilaterais na maioria dos casos (2:1), em relação às bilaterais, sendo o lado direito mais acometido em relação ao esquerdo (2:1) (4,5). Uma atresia coanal incompleta é chamada estenose coanal (1,3). O objetivo do trabalho é apresentar a experiência dos autores do tratamento da atresia de coana pela via transnasal endoscópica com uso de stents pós-operatórios.

PACIENTES E MÉTODOS

Seis pacientes com atresia coanal foram submetidos a correção cirúrgica por via transnasal endoscópica, no período de 1997 a 2000, na Disciplina de Otorrinolaringologia do Hospital das Clínicas da UFPE.

A idade dos pacientes variou de 4 dias de vida a 28 anos, com uma média de 12,3 anos. Todos os pacientes foram submetidos a tomografia computadorizada do nariz e seios paranasais como parte da avaliação pré-operatória. As intervenções cirúrgicas foram realizadas com o paciente sob anestesia geral e, com exceção do paciente recém-nascido, foram utilizados no ato operatório vasoconstrictores nasais tópicos e por infiltração.

Através de visualização por telescópios rígidos de 4mm (0o e 30o) e 2,7mm (30o) foram realizadas incisões da mucosa nasal, anteriormente à placa atrésica, elevando-se um retalho, com exposição da placa, parte do vômer e lâmina pterigóidea medial.

Seguia-se a perfuração da placa com broca de diamante em caneta angulada associada à retirada da borda posterior do vômer. Foram usados dois tipos de sonda para manutenção da coana neoformada na placa atrésica:

sondas uretrais e endotraqueais. Como cuidados pós-operatórios foram realizadas higienizações do nariz com lavagens diárias com soro fisiológico a 0,9% e retirada de tecido de granulação nas visitas pós-operatórias, além do uso de antibiótico profilático (sulfametoxasol-trimetoprim, metade da dose terapêutica apropriada para a idade durante o período de sondagem ). O tempo de permanência da sondagem variou de 41 a 81 dias, com uma média de 64,6 dias (aproximadamente 09 semanas) e foi determinado de maneira empírica. O tempo médio de seguimento pós-operatório foi de 17 meses.

RESULTADOS

A distribuição por sexo foi de três homens e três mulheres, sendo que quatro atresias eram unilaterais (66%), três à direita e uma à esquerda, e duas atresias bilaterais (34%).

Todos os pacientes apresentavam placas atrésicas ósseas ou ósteo-membranosas. Dos pacientes operados, houve manutenção da neocoana pérvia em cinco (83,3%) e insucesso (reestenose total) em um caso (16,7%).

Nos casos em que houve sucesso observou-se discreta estenose do lúmen coanal, sem no entanto provocar sintomas respiratórios (Tabela 1).



DISCUSSÃO

As anomalias do nariz e dos seios paranasais são raras quando comparadas a outras deformidades congênitas da cabeça e pescoço (6).

Há outras malformações congênitas presentes em 20 a 50% dos pacientes com atresia coanal(CHARGE).

A associação “CHARGE” consiste de (C, coloboma; H, doença cardíaca congênita; A, atresia coanal; R, desenvolvimento e crescimento retardados; G, anomalias genitais; E, anomalias da orelha e hipoacusia) (1,7). Sendo assim, um exame físico completo deve ser feito pelo pediatra e otorrinolaringologista para identificar a eventualidade da presença dessas anomalias. Existem várias teorias embriológicas que tentam explicar as diferentes apresentações da atresia coanal, porém nenhuma delas é totalmente aceita:

1 - persistência da membrana bucofaríngea do intestino anterior;
2 - persistência da membrana nasobucal de Hochstetter (teoria mais aceita);
3 - persistência ou localização anormal de adesões mesodérmicas na região coanal;
4 - orientação errada do fluxo mesodérmico secundário a fatores genéticos locais (1,2). De um modo geral, o desenvolvimento nasal começa com a migração de células da crista neural de sua origem na prega dorsal neural, lateralmente em volta do olho e atravessando o processo frontal.

Esse período começa na quarta semana de vida intra-uterina e a arquitetura nasal se completa por volta da décima segunda semana.

Durante a nona semana, as células da crista neural migram através de uma trama de ácido hialurônico e filamentos de colágeno para uma posição pré-ordenada dentro dos processos faciais.

Vários fatores genéticos afetam essa migração.

Se o fluxo destas células é alterado em sua posição ou no acúmulo total de células, o escavamento pode não ocorrer como planejado e por sua vez o adelgaçamento ou eventual ruptura da coana primária anterior é alterada. Após esta migração de células da crista neural, a boca primitiva e o nariz começam a se separar em direção posterior com os elementos nasosseptais crescendo caudalmente, enquanto os processos laterais crescem e a língua se localiza no assoalho da boca (1). A coana pode ser descrita como um espaço bidimensional, oval, limitado medialmente pelo vômer e lateralmente pela placa pterigóide (1).

As referências anatômicas da placa atrésica podem ser delimitadas, superiormente, pela superfície inferior do esfenóide; lateralmente, pela lâmina pterigóidea medial; medialmente, pelo vômer; e inferiormente, pela porção horizontal do osso palatino.

Mudanças na arquitetura nasal estão freqüentemente associadas a atresia coanal, principalmente nas formas bilaterais, e incluem o arqueamento acentuado do palato duro, a aproximação medial das paredes laterais e posteriores nasais e o estreitamento das paredes posteriores e laterais da faringe (fossa nasal em forma de funil) (1,8). Houve durante bastante tempo um conceito de que as atresias podiam ser classificadas em puramente ósseas (90%) e membranosas (10%).

Contudo, estudos recentes mostraram evidências de uma alta incidência de anomalias mistas ósseas e membranosas (70%) e atresias ósseas puras em 30% (9). A apresentação clínica dessa patologia varia de acordo com a forma uni ou bilateral da mesma.

Os sintomas da atresia bilateral são obstrução nasal completa levando à insuficiência respiratória imediata com risco potencial de óbito por asfixia, já que os recém nascidos são respiradores nasais obrigatórios até aproximadamente 4 a 6 semanas de vida.

Também ocorre obstrução respiratória cíclica, evento que ocorre com o adormecimento da criança e fechamento da sua boca com progressiva obstrução, começando com estridor, esforço respiratório aumentado e cianose.

A dificuldade de alimentação é freqüentemente o evento de alerta, já que a criança não consegue respirar e se alimentar ao mesmo tempo, e que pode inclusive mimetizar o quadro de uma fístula traqueo-esofágica. A atresia coanal unilateral raramente causa insuficiência respiratória aguda, sendo seu achado clínico mais freqüente uma descarga mucóide unilateral.

Normalmente não requer tratamento cirúrgico imediato. O diagnóstico baseia-se no quadro clínico associado a manobras que visam avaliar a permeabilidade das coanas, utilizando a passagem de sondas pelas fossas nasais, uso de algodão ou espelhos em frente às narinas, bem como a detecção de azul de metileno na orofaringe.

Podem ser feitos estudos de imagem, como radiografia simples com contraste radiopaco e tomografia computadorizada de nariz e seios paranasais de alta resolução, que constitui o método de escolha para o diagnóstico e planejamento cirúrgico da atresia coanal, servindo também para realizar diagnóstico diferencial com diversas patologias, como gliomas, hamartomas, cordomas, rabdomiossarcomas, encefaloceles, hipertrofia de vegetações adenóides, deformidades septais, dentre outras.

Observa-se inclusive que a espessura do vômer e da lâmina pterigóidea medial são normalmente os maiores contribuintes para a anomalia do que a própria placa atrésica (9). O tratamento da atresia coanal visa a manutenção adequada da via aérea do paciente, que deve ser garantida de um modo imediato nos casos de atresia bilateral, através de intubação, traqueostomia ou uso de “chupeta intraoral” (McGovern nipple), de modo a estabilizar o paciente e programar o método cirúrgico definitivo. Existem na literatura descrições de várias técnicas cirúrgicas para o tratamento da atresia coanal, desde as perfurações às cegas descritas por Emmert, em 1853, até as mais utilizadas atualmente; as vias transnasal endoscópica e a via transpalatina (6).

Outras técnicas que podem ser utilizadas são a correção sublabial transseptal, a via transantral, a via transseptal descrita por Kazanjian, e a utilização de laser CO2 ou Yag laser (10,12).

Contudo existe ainda muita controvérsia sobre qual é o melhor procedimento para correção da atresia coanal, devido à pletora de vias existentes descritas na literatura para seu manuseio.

O método transpalatal foi popularizado por Owens, mas era associado a um maior tempo cirúrgico, sangramento, fístulas palatais, disfunção muscular palatina e distúrbios maxilo-faciais em cerca de 50% dos casos (9).

O método transantral, proposto por Wright, pode ser usado em atresias unilaterais em adultos (6). O sucesso cirúrgico do tratamento da atresia coanal envolve a patência permanente da fossa nasal posterior com a preservação de uma anatomia o mais próximo da normalidade das estruturas envolvidas. Existiu uma grande variabilidade na idade do diagnóstico da atresia coanal nos nossos pacientes, variando de quatro dias de vida a vinte e oito anos, destacando as variações sintomatológicas que essa patologia pode apresentar. O tempo médio de sondagem foi de 4 a 8 semanas, apesar da duração ótima e do melhor material a utilizar serem dados praticamente inexistentes na literatura (9,13). O nosso seguimento pós-cirúrgico com média de 17 meses pode ser considerado adequado, visto que não existe um consenso na literatura sobre quanto tempo deve se aguardar para se considerar o caso como bem sucedido, apesar da maioria dos autores estabelecer esse tempo em 12 meses (1). A revisão bibliográfica realizada mostra que a via transnasal é menos traumática e minimiza os riscos de uma cirurgia convencional por via transpalatina.

O advento da endoscopia nasal rígida revolucionou o tratamento da atresia coanal (14). Segundo Stammberger, apesar das diferentes técnicas descritas na literatura, prefere-se a técnica transnasal com endoscópios rígidos, já que permite visualizar toda a placa atrésica e a ponta dos instrumentos, além de ser possível reconhecer seguramente por visão direta a placa óssea e permitir a criação de uma via aérea persistente (4,15-17).

O procedimento deve ser realizado tendo-se em conta a proximidade, lateralmente, do tórus tubário e vasos esfenopalatinos para evitar a sua lesão. Em nosso estudo, a via endoscópica transnasal foi realizada com sucesso na maioria dos pacientes, sem apresentar complicações no ato cirúrgico ou pós-operatório imediato.

No entanto, o tratamento por esta via apresentou algumas complicações, que foram o descolamento precoce da sonda devido à perda da fixação da mesma (um paciente) e o aparecimento de rinite vestibular (um paciente).

Nesse tipo de via utilizada, o pós-operatório pode ser conduzido de várias maneiras.

Nós usamos a sondagem de rotina, mas há relato de serviços que não as usam, e este é um tema que necessita ainda de uma investigação adequada (18).

Também há relatos recentes de realização desta técnica sem o uso dos stents, mas confeccionando retalhos mucoperiosteais anteriores e posteriores com o intuito de recobrir a porção cruenta posterior do septo e do rostro esfenoidal (19,20). A nossa taxa de sucesso (83%) foi um pouco acima da média relatada na literatura por PIRSIG (80%), em um grande trabalho de revisão (21-24).

São, entretanto, confrontáveis aos encontrados de um modo geral, já que são raros os trabalhos com um grande número destes casos, conforme pode ser observado na literatura. A via transpalatina é uma via que pode ser utilizada para a correção da atresia coanal.

Deve ser realizada com o paciente sob anestesia geral e a abertura palatina pode ser feita utilizando vários tipos de incisão, das quais a mais utilizada é a de Owens (“em U”) (25).

Broqueia-se os ossos palatinos, placa atrésica e vômer, posterior aos forames palatinos medianos.

Fixam-se os retalhos da mucosa e deixa-se a sonda por uma a duas semanas.

Tem como vantagens a melhor manutenção e preservação de retalhos da mucosa nasal, menor período de uso da sonda e maior índice de sucesso, segundo PIRSIG (84%) (24).

Como desvantagens há relatos de posteriores efeitos deletérios no desenvolvimento maxilar por formação de tecido cicatricial, atrofia do crescimento palatino, maior sangramento, mais dor e desconforto no pós-operatório, além de fístulas palatinas.

Além disso, é um procedimento de maior complexidade para realizar em um recémnascido (2). No caso do insucesso ocorrido, devemos referir a realização de quatro procedimentos cirúrgicos, com tempo progressivamente maior de permanência da sonda (70, 75 e 81 dias), bem como a utilização de diferentes tipos da mesma.

Tivemos que realizar a terceira cirurgia neste caso por via transpalatina, para tentativa de correção definitiva do caso, sendo que mesmo assim houve reestenose membranosa.

Neste caso, utilizamos na quarta cirurgia a aplicação tópica de mitomicina c, na dosagem de 0,3 mg/ ml por 5 minutos, após ressecção da membrana atrésica por via endoscópica. Houve um excelente resultado estando a coana patente após um período de seguimento de sete meses.

A mitomicina c é um agente anti-neoplásico que inibe a proliferação de fibroblastos e que vem sendo utilizado em algumas patologias como carcinoma de mucosa vesical. Pode ser usada também em oftalmologia e otorrinolaringologia nos casos de estenoses glóticas, manutenção de perfuração timpânica para aeração de orelha média e recentemente para manutenção do lúmen do saco endolinfático após descompressão e abertura do mesmo (26,27).

CONCLUSÃO

A via endoscópica transnasal se constitui numa opção fácil e com menos complicações quando comparada a outras técnicas de correção cirúrgica da atresia coanal, podendo se destacar ainda a mínima perda de sangue e abranger pacientes em faixa etária ampla.

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* Professor Substituto e Preceptor da Disciplina de Otorrinolaringologia do HC-UFPE. Mestre em Cirurgia (Área de concentração em Otorrinolaringologia).
** Professor Substituto - Disciplina de Otorrinolaringologia do HC-UFPE.
*** Médico Residente da Disciplina de Otorrinolaringologia do HC-UFPE.
**** Professor Titular da Disciplina de Otorrinolaringologia do HC-UFPE.
Trabalho apresentado no 35º Congresso Brasileiro de Otorrinolaringologia, 16 a 20 de outubro de 2000, em Natal /RN.
Endereço para correspondência: Dr. Antonio Antunes – Rua do Paissandú, 381/1001 – Recife / PE – CEP 50070-200 – Tel: (81) 3431-1889 – Fax: (81) 3431-3667
– E-mail: aantunes@truenet.com.br
Artigo recebido em 26 de agosto de 2002. Artigo aceito em 21 de outubro de 2002.
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