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Ano: 2002  Vol. 6   Num. 4  - Out/Dez Print:
Original Article
Remissão da Surdez Súbita Associada ao Schwanoma Vestibular após Tratamento Clínico
Recovery of Sudden Hearing Loss Associated to Vestibular Schwannoma with Clinical Treatment
Author(s):
Fernando P. G. Sobrinho*, Tatiana M. Lessa**, Marcus M. Lessa***, Ricardo F. Bento****, Hélio A. Lessa*****.
Palavras-chave:
schwannoma vestibular, surdez súbita, corticoterapia, audiometria de tronco cerebral, ressonância magnética.
Resumo:

Introdução: O schwanoma vestibular, tumor benigno e com origem na célula de Schwann do VIII nervo craniano, pode apresentar-se clinicamente como surdez súbita, cujo extenso diagnóstico diferencial pode oferecer dificuldades à investigação clínica. Porém, seguindo-se um satisfatório grau de suspeição, a otoneurologia e a radiologia, particularmente a ressonância magnética, oferecem uma valiosa semiologia complementar para o diagnóstico do schwanoma vestibular. Relato de caso: Os autores relatam a melhora do quadro audiológico de um paciente com surdez súbita submetido a tratamento clínico, sugerindo uma etiologia não cirúrgica ou idiopática para a disacusia. Entretanto, o seguimento propedêutico revelou tratar-se de um schwanoma vestibular. Conclusão: A recuperação auditiva após tratamento farmacológico num paciente com diagnóstico de surdez súbita não exclui o schwanoma vestibular como possível agente etiológico. Uma adequada investigação otoneurológica e de imagem deve sempre seguir-se à suspeita clínica de surdez súbita.

INTRODUÇÃO

A surdez súbita (SS) usualmente é definida como uma perda auditiva do tipo sensório-neural de início súbito ou rapidamente progressivo em minutos, horas ou alguns dias. Estima-se que representa 1% de todos os casos de perda auditiva sensório-neural (1).

É conseqüência de diferentes desordens, locais ou sistêmicas, sendo que o tratamento ideal desta condição encontra-se no manejo da causa subjacente quando se tem uma etiologia definida. O schwannoma vestibular (SV), também conhecido como neurinoma do acústico, que constitui o termo consagrado ao longo dos anos, é um tumor benigno com origem na célula de Schwann do oitavo nervo craniano.

Em cerca de 5 a 10% dos casos o SV manifesta-se clinicamente como SS (2). Berg et al. (3) revisaram 133 casos de neurinoma do acústico, dos quais 17(13%) apresentaram surdez súbita. Destes últimos, quatro pacientes (23%) recuperaram em algum grau a função auditiva antes da exérese cirúrgica do tumor, sendo três casos na ausência de qualquer tratamento farmacológico e um após corticoterapia. Num estudo retrospectivo, Saunders et al. (4) estudaram 92 pacientes com surdez súbita associada ao SV. Desta população, 42 casos foram submetidos, inicialmente, a tratamento medicamentoso para a disacusia, sendo que 20 (47,6%) pacientes apresentaram melhora clínica documentada por audiometria. Em 1992, Berenholtz et al. (5) relataram um caso de surdez súbita de repetição com melhora clínica em quatro episódios consecutivos de surdez após corticoterapia e cuja investigação posterior evidenciou a existência de um schwanoma vestibular. O presente trabalho tem o objetivo de relatar um caso de surdez súbita associada ao schwanoma vestibular que evoluiu com completa recuperação auditiva após tratamento clínico, mimetizando uma etiologia cujo tratamento não seja cirúrgico.

Assim, os autores pretendem enfatizar a necessidade de manter um alto grau de suspeição a uma das possíveis apresentações do SV.

RELATO DE CASO

Paciente do sexo masculino, 34 anos, comerciante, apresentou-se ambulatorialmente com queixa de hipoacusia súbita à esquerda, percebida ao despertar matutino, há aproximadamente seis horas da entrevista médica, associada a zumbido subjetivo ipsilateral e de característica “em apito”.

Não relatou tontura, náuseas ou vômitos, bem como antecedente sugestivo de trauma acústico, barotrauma ou esforço físico excessivo.

Negou hipertensão arterial, diabetes, dislipidemia, doença sexualmente transmissível (DST), cirurgia otológica prévia ou uso regular ou recente de qualquer medicação. O exame otorrinolaringológico evidenciou uma otoscopia simples e pneumática sem anormalidades. O teste de Weber foi indiferente e o teste de Rinne foi positivo patológico à esquerda. O restante do exame, incluindo exame físico otoneurológico, foi normal. A primeira audiometria (Figura 1) mostrou uma perda auditiva do tipo sensório-neural moderada a severa em freqüências agudas no ouvido esquerdo, sem anormalidade contralateral e com ausência de recrutamento. Feita a suspeita diagnóstica de surdez súbita com etiologia a ser esclarecida, o paciente foi medicado empiricamente com codergocrina e betametasona, além de orientado sobre medidas gerais.







Concomitantemente, foi solicitado um hemograma completo, coagulograma, VHS(velocidade de hemossendimentação), testes hematológicos para sífilis e perfil metabólico, além de vecto-eletronistagmografiia (VENG), audiometria de tronco cerebral e ressonância magnética (RM) contrastada do oitavo nervo e fossa posterior. O paciente relatou melhora acentuada da hipoacusia e desaparecimento do zumbido após 48h de tratamento. Uma nova audiometria (Figura 2) mostrou normalização de todos os limiares auditivos no ouvido previamente comprometido. Todos os exames hematológicos foram normais.

Uma síndrome vestibular deficitária à esquerda foi documentada pela VENG.

A audiometria de tronco cerebral apresentou ausência de ondas I, II, III e IV no ouvido esquerdo e aumento da latência da onda V.

A imagem por RM (Figura 3) mostrou tumoração com diâmetro de 2,0 cm e hiperintesidade de sinal comprometendo o oitavo nervo à esquerda e o ângulo ponto-cerebelar, sendo a suspeita diagnóstica de SV. O paciente foi submetido à ressecção cirúrgica do tumor, realizada pelo grupo de otologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, e evoluiu satisfatoriamente no pós-operatório com preservação dos limiares auditivos e sem paralisia facial periférica.

O estudo anatomopatológico confirmou a hipótese diagnóstica de SV.

DISCUSSÃO

As doenças comumente associadas à surdez súbita podem ser classificadas em infecciosas, traumáticas, neoplásicas, imunológicas, tóxicas, circulatórias, neurológicas, metabólicas etc., constituindo assim um amplo espectro de afecções sistêmicas e locais (Tabela 1). Algumas destas doenças podem ser reveladas apenas com o indispensável exame clínico (anamnese e exame físico).



Por outro lado, a despeito de uma exaustiva investigação com a propedêutica atualmente disponível, o fator causal pode não ser determinado em muitos pacientes com surdez súbita, os quais são usualmente denominados “idiopáticos”.

Estudos histopatológicos desses ossos temporais tem mostrado alterações compatíveis com lesões virais, sugerindo que esta seria uma causa freqüente dentre os casos idiopáticos (6).

Uma investigação propedêutica complementar (laboratorial, audiométrica, otoneurológica e de imagem) é recomendada para a busca de um fator causal da surdez súbita, determinável e passível de tratamento.

No paciente em estudo, a ausência de antecedentes como uso de drogas ototóxicas, barotrauma, trauma craniano, cirurgia otológica prévia, vasculopatias, hemopatias, doença inflamatória sistêmica, metabólica ou doença infecciosa contemporânea ou clinicamente evidente, vertigem, disacusia flutuante e sintomas neurovegetativos (autonômicos) corroboravam para a suspeita de surdez súbita idiopática. Em relação à evolução da surdez súbita, sabe-se que até dois terços dos casos melhoram espontaneamente de forma completa ou parcial (1).

Obviamente, nos pacientes com etiologia estabelecida, o tratamento ideal deve objetivar o controle ou cura da causa subjacente.

Ademais, embora o tratamento da surdez súbita seja controverso, o uso de corticoesteróides, vasodilatadores, expansores plasmáticos, hemorreológicos, carbogen, anti-coagulantes, anti-virais e outros agentes farmacológicos tem sido descritos.

No presente caso, optou-se empiricamente pelo uso de corticóide (betametasona) e de um vasodilatador (codergocrina).

Alguns estudos têm mostrado resposta terapêutica estatisticamente significativa nos pacientes que utilizaram corticóide, o qual provavelmente tem se tornado o fármaco mais amplamente aceito no manejo clínico da surdez súbita (7). A melhora sintomática e audiométrica obtida neste paciente com o tratamento clínico e em prazo relativamente curto sugeriu uma etiologia cuja terapêutica fosse realmente mais conservadora e não-cirúrgica.

Porém, a audiometria do tronco cerebral (ATC) revelou a ausência das principais ondas registráveis com exceção da onda V, que apresentava latência aumentada, sugerindo uma patologia retrococlear.

Trabalhos recentes, utilizando imagens da fossa posterior e do meato acústico interno por RM, mostraram que a sensibilidade da ATC pode ser tão inferior quanto 67 a 76,5% para tumores menores que 1 cm (8, 9). Isto se deve provavelmente à elevada definição da imagem por RM para tecidos moles, capaz de evidenciar tumores com diâmetro inferior a 1,5 cm, um fator limitante para a imagem por tomografia computadorizada dos ossos temporais utilizada como controle nos estudos anteriores à popularização da RM (10).

Por esta propriedade, a RM contrastada com gadolínio ou em “Fast Spin Echo”, menos invasiva e com menor custo por dispensar contraste, tornou-se o padrão-ouro para o diagnóstico do SV (11). Bittar et. al. (12), estudando 20 pacientes com SS, encontraram alterações na RM em 25% dos casos, sendo que 1 paciente apresentava SV.

No presente caso, a RM ratificou a suspeita de SV. O schwannoma vestibular é um tumor benigno que se origina da célula de Schwann no nervo cócleo-vestibular, mais freqüentemente no seu ramo vestibular.

Usualmente unilateral (95%) e mais freqüente entre a terceira e quinta décadas, apresenta alguma predominância pelo sexo feminino (3:2).

Acredita-se que seja responsável por 8% dos tumores intracranianos e por 78% de todos os tumores do ângulo ponto-cerebelar. A apresentação clínica do SV é diversificada.

A hipoacusia usualmente é o primeiro sintoma (90% dos casos), de variada intensidade e com apresentação súbita ou com desenvolvimento progressivo (mais comumente) ou flutuante.

O zumbido pode associar-se a hipoacusia em 30 a 60% dos casos, precedê-la ou ser o único sintoma. Transtornos do equilíbrio e comprometimento de outros nervos cranianos podem estar presentes, sobretudo em estágios mais avançados da doença. A prevalência do SV entre pacientes com SS é desconhecida, mas estima-se que varia de 0,8 a 2,5% (4). Como previamente citado, o SV apresenta-se clinicamente como SS em 5 a 10% dos casos, embora percentuais mais elevados como 19 e até 47,5% já tenham sido descritos (3,13).

Alguns autores enfatizam aspectos mais freqüentes do SV como provável causa da SS, embora consideravelmente inespecíficos:

a perda auditiva unilateral predominante em agudos, zumbido ipsilateral e anormalidades à VENG.

O zumbido é relatado classicamente como subjetivo e agudo, enquanto a curva audiométrica tonal não apresenta configuração típica, mas acredita-se que a curva descendente ou em “U” sejam as mais freqüentes.

Estas características descritas foram observadas no caso em estudo. O mecanismo pelo qual o SV causa surdez súbita é desconhecido (5).

Por outro lado, está bem documentada a remissão da surdez súbita com tratamento farmacológico ou de forma espontânea em pacientes com diagnóstico de SV (3-5).

Embora possível, é pouco provável que um outro fator independente do SV co-exista com este tumor e determine um quadro de surdez súbita, tornando o tumor um achado incidental.

Assim, cabe analisar o mecanismo fisiopatológico e potencialmente reversível pelo manejo clínico, como neste relato de caso, pelo qual o SV produz a surdez súbita. A natureza expansiva da doença, levando ao estiramento de estruturas relacionadas, constitui um dos mecanismos propostos para explicar a disfunção do VIII nervo.

Porém, além do efeito compressivo direto sobre a estrutura neural, fenômenos vasculares e inflamatórios locais podem ocorrer e determinar ou precipitar uma anormalidade aguda num nervo que repousa sobre uma estrutura incompressível:

as paredes do meato acústico interno. Segundo Schukhnecht (13), mudanças degenerativas no interior do SV podem causar flutuações na sintomatologia. Aquele autor descreve que o edema e a hemorragia intratumoral podem levar, isolados ou conjuntamente, a um aumento súbito nas dimensões do tumor.

Analogamente, pode-se especular que eventos expansivos semelhantes concorram na gênese de um quadro sintomático agudo como a surdez súbita. Entretanto, não está esclarecido como os corticosteróides atuariam na remissão da surdez súbita associada ao SV, como observado nas descrições de Berg, Saunders, Berenholz e no presente caso.

Pode-se supor que a potente propriedade anti-inflamatória daqueles fármacos seja o principal determinante da resposta favorável.

Também não é possível negar a possibilidade de ocorrer remissão espontânea (ou seja, na ausência de tratamento) em circunstâncias semelhantes, pela reabsorção do edema e do conteúdo hemorrágico, embora provavelmente com resolução mais lenta e com maior probabilidade de seqüela. O tratamento do SV é essencialmente cirúrgico, talvez com raras exceções que poderiam incluir pacientes com estado geral comprometido por morbidades coexistentes ou senilidade, o que tornaria temerosa uma intervenção cirúrgica de grande porte (2).

O paciente em estudo foi submetido a exérese cirúrgica da tumoração por via retrolabiríntica, realizada sem intercorrências, e encontra- se atualmente no sexto mês pós-operatório em acompanhamento ambulatorial. O estudo anátomo-patológico classicamente revela o SV como um tumor capsulado, de coloração amarelonacarado e com consistência de tecido gorduroso (2), mas usualmente endurecido na periferia (14).

Tem variada celularidade e pode apresentar alteração degenerativa edematosa, hemorrágica (antiga ou recente) ou cística (14).

A histopatologia da peça cirúrgica do presente caso confirmou o diagnóstico. COMENTÁRIOS FINAIS A surdez súbita com satisfatória resposta ao tratamento clínico/medicamentoso não exclui a possibilidade de schwannoma vestibular como agente etiológico. Logo, uma adequada investigação otoneurológica e de imagem deve sempre seguir-se à suspeita clínica de surdez súbita.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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3. Berg HM, Cohen NL, Hammerschlag PE, et al: Acoustic neuroma presenting as sudden hearing loss with recovery. Otolaryngol Head Neck Surg, 94: 15-22, 1986.
4. Saunders JE et al: Sudden hearing loss in acoustic neuroma patients. Otolaryngol Head Neck Surg, 13: 23-29, 1995.
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15. Pensak ML, Glasscock ME III, Josey AF, et al: Sudden hearing loss and cerebellopontine angle tumors. Laryngoscope, 95:1188-1193, 1985.

* Médico Colaborador do Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade Federal da Bahia.
** Médica Coordenadora do Setor de Otoneurologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade Federal da Bahia.
*** Médico Pós-Graduando da Disciplina de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
**** Professor Associado da Disciplina de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
***** Professor Doutor da Disciplina de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal da Bahia e Chefe do Serviço de Otorrinolaringologia do
Hospital das Clínicas da Universidade Federal da Bahia.
Trabalho realizado no Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade Federal da Bahia.
Endereço para correspondência: Fernando P. Gaspar Sobrinho – Serviço de Otorrinolaringologia / Hospital das Clínicas - UFBA – Avenida Augusto Vianna - S/N – Canela
– CEP: 40110-060 – Salvador / Ba – Telefone: (71) 257- 0226 – Fax (71): 339-6228 –E-mail: fpgsobrinho@bol.com.br
Artigo recebido em 31 de janeiro de 2002. Artigo aceito com correções em 7 de outubro de 2002.
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