INTRODUÇÃO
O granuloma de processo vocal também conhecido como paquidermia de contato ou granuloma de contato, apresenta coloração esbranquiçada, amarelada ou avermelhada de forma variável, arredondada, bilobulada ou multilobulada. Esta lesão é comumente encontrada na superfície medial das pregas vocais, recobrindo o processo vocal da cartilagem aritenóidea onde a mesma apresenta um mucopericôndrio firme e uma fina mucosa. Devido a este fato, um mínimo trauma nesta área produz ulceração (1). É controverso se o granuloma de processo vocal evolui a partir de uma úlcera de contato ou se são entidades diferentes (2-4). Histologicamente, seu aspecto lembra o granuloma piogênico, consistindo primariamente de tecido de granulação, com edema e infiltração inflamatória crônica, neovascularização e fibrose coberto por epitélio escamoso (2). Os fatores etiológicos mais relevantes na etiologia do granuloma de processo vocal incluem intubação orotraqueal, abuso vocal e doença do refluxo gastroesofágico (5, 6), mas outros fatores como o tabagismo, alergia, infecções e fatores psicológicos também estariam implicados (7,8). Devido a esta etiologia multifatorial do granuloma de processo vocal, o tratamento deve ser considerado sob diferentes aspectos, podendo variar entre exérese cirúrgica e terapias conservadoras. Dentre estes, destacam-se terapia fonoaudiológica, medicamentosa, medidas anti-refluxo e psicoterapia.
A recorrência ocorre com freqüência devido ao atrito das aritenóides durante a fonação e tosse (9). O objetivo desse trabalho é apresentar a experiência inicial dos autores no tratamento do granuloma de processo vocal feito pela exérese cirúrgica associada à injeção da toxina botulínica tipo A (BOTOX®), aplicada em três pacientes. PACIENTES E MÉTODO Foram incluídos nesse relato três pacientes com granuloma de processo vocal que apresentavam como característica comum, a ineficácia do tratamento medicamentoso (anti-refluxo, corticosteróides) e fonoterápico. Todos eles foram submetidos a videolaringoestroboscopia no pré e pós-operatório e anestesia geral para a realização da microlaringoscopia de suspensão por meio da técnica convencional.
A cirurgia consistiu da ressecção a frio da lesão associada à injeção da toxina botulínica tipo A (BOTOX®) no músculo tireoaritenóideo. Esta foi realizada durante o procedimento cirúrgico, imediatamente após a exérese da lesão, na quantidade de 10 a 15 unidades, no terço posterior do músculo tireoaritenóideo ipsilateral à lesão, utilizando-se uma agulha longa, própria para microcirurgia de laringe.
Caso 1
EEAM, sexo feminino, 53 anos, desenvolveu granuloma grande e pediculado de processo vocal à esquerda, após ter sido submetida à anestesia geral para cirurgia gástrica.
Apresentava como sintoma mais importante a disfonia, pois o granuloma impossibilitava o fechamento completo da glote à fonação. Por não apresentar melhora com o tratamento clínico, foi submetida a exérese cirúrgica e aplicação de 10 unidades de toxina botulínica tipo A (BOTOX®) no intraoperatório, no músculo tireoaritenóideo à esquerda. Diagnóstico anatomopatológico foi: granuloma piogênico com hemorragia em organização. Paciente encontra-se no segundo ano de seguimento sem recorrência da lesão.
Caso 2
PFM, sexo masculino, 65 anos. Desenvolveu granuloma do processo vocal à direita em decorrência de entubação prolongada há 6 meses. Seus sintomas eram tosse e pigarro, além de sintomas de DRGE. Apresentava também esofagite leve, hérnia hiatal pequena e gastrite moderada. Foi submetido a fundoplicatura para tratar o refluxo gastroesofágico e a hérnia hiatal.
Por não ter apresentado resolução do granuloma com o tratamento clínico (drogas anti-refluxo e corticosteróide), foi submetido a tratamento cirúrgico para exérese associado à injeção de 15 unidades da toxina botulínica tipo A (BOTOX®) no músculo tireoaritenóideo.
O diagnóstico anatomopatológico foi de: fragmentos de epitélio pavimentoso estratificado, com áreas de acantose e focos com paraqueratose, tecido de granulação exuberante, reação inflamatória crônica e pontos exsudativos.
Paciente encontra-se no quarto mês de pós-operatório, sem recorrência da lesão.
Caso 3
SOMR, 34 anos, apresentando disfonia persistente e progressiva há dois anos, devido a um granuloma de processo vocal à esquerda. Esse paciente encontrava-se no terceiro episódio de recorrência. Já tinha sido submetido a exérese cirúrgica e fonoterapia apresentando recorrência em dois meses, e injeção isolada de BOTOX® no músculo tireoaritenóideo à esquerda, sem resolução da lesão. A lesão era de grande tamanho, bilobulada, que dificultava o fechamento glótico completo (Figura 1).
Foi então submetido a exérese cirúrgica, com injeção de 15 unidades de toxina botulínica tipo A (BOTOX®), no terço posterior do músculo tireoaritenóideo. Foi associado terapia anti-refluxo e fonoterapia no pós-operatório. Paciente encontra-se no sétimo mês de seguimento sem recorrência da lesão (Figura 2).
DISCUSSÃO
A etiologia do granuloma de processo vocal é multifatorial. Em alguns pacientes, o trauma da aritenóide provocado por intubação pode iniciar a lesão e a formação do granuloma. Esse tipo de lesão é mais comumente encontrado no sexo feminino devido provavelmente a dois fatores. O primeiro é o fato do mucopericôndrio do processo vocal ser mais fino (6) neste sexo.
O segundo fator, acredita-se, seria a proporção glótica deste sexo, que é próximo de um, o que torna as laringes mais susceptíveis ao desenvolvimento de granuloma pós-intubação orotraqueal (10). O refluxo gastroesofágico e o abuso vocal são fatores que também levam à formação do granuloma, assim como o pigarro e a tosse que contribuem para a sua persistência e desenvolvimento (11). O granuloma de processo vocal tem uma grande tendência à recorrência, principalmente quando tratado por exérese cirúrgica isolada, necessitando de repetidas intervenções, como aconteceu no caso 3.
Jaroma et al. (11) citaram 54% de recorrência em pacientes tratados cirurgicamente. Tratamento conservador implica em fonoterapia, uso de corticosteróide em forma de spray, tratamento das infecções, alergias e terapia anti-refluxo (13).
Esse tipo de tratamento tem sido eficaz para granulomas pequenos. Alguns autores só recomendam tratamento cirúrgico para granulomas grandes que causam obstrução respiratória, disfonia acentuada ou na falha do tratamento clínico (2). Todos os pacientes citados nesse trabalho já tinham sido tratados clinicamente e a fonoterapia foi associada como terapia coadjuvante tanto no pré quanto no pós-operatório. A exérese cirúrgica utilizando-se o laser de dióxido de carbono tem sido comumente usada para a ressecção do granuloma (9). A crioterapia parece não contribuir muito para evitar recorrências e pode ser muito traumática (11). Preferimos a ressecção cirúrgica com instrumentos frios, pois dessa forma temos maior controle e precisão da ressecção.
Alguns autores recomendam cuidado durante a ressecção cirúrgica, para que não haja dano no mucopericôndrio da cartilagem aritenóidea (11). Na laringe, a toxina botulínica tipo A tem sido utilizada para tratar disfonia espasmódica, por produzir paralisia do músculo tireoaritenóideo e, conseqüentemente, diminuir a adução glótica e a alta pressão subglótica que está associada aos espasmos.
É uma neurotoxina produzida pelo Clostridium botulinum que causa desenervação química. Seu local de ação é a junção neuromuscular e o resultado final é o bloqueio da transmissão neuromuscular pela acetilcolina.
Os resultados deste estudo e de outros autores sugerem que a toxina botulínica tipo A é eficaz para o tratamento do granuloma de processo vocal, pois diminui a força de adução das aritenóideas que perpetua esse tipo de lesão (9,12).
A aplicação da toxina botulínica como medida complementar ao tratamento cirúrgico do granuloma de contato tem sido feita no terço posterior do músculo tireoaritenóideo, ispilateral à lesão, em dose bem acima da comumente utilizada no tratamento da disfonia espasmódica. Esta dose e local visam a difusão da toxina para o músculo cricoaritenóideo lateral provocando assim, paralisia mais intensa da prega vocal. Do ponto de vista fisiológico, a contração do músculo cricoaritenóideo lateral é o principal responsável pelo movimento de rotação da cartilagem aritenóidea e conseqüente contato entre os processos vocais. Sua paralisia temporária, portanto, pode ser considerada muito conveniente para que o local operado possa sofrer epitelização adequada, garantindo com isso um bom resultado final. Disfagia, voz soprosa e aspiração principalmente de líquidos são efeitos possíveis após a injeção da toxina nos músculos adutores (9).
Todos os pacientes deste grupo apresentaram voz soprosa por um período de duas a três semanas.
Nenhum deles apresentou queixa de disfagia ou aspiração talvez pelo fato de receberem orientação fonoaudiológica pré e pós-operatória.
COMENTÁRIOS FINAIS
Embora dois dos nossos pacientes ainda não tenham completado um ano de seguimento, consideramos que o tratamento cirúrgico do granuloma de contato, associado à injeção da toxina botulínica pode ser uma alternativa bastante viável para os casos de lesões grandes ou que não involuíram ou desapareceram completamente após tratamento clínico e fonoterápico.
Há, porém, evidentemente, a necessidade de um estudo prospectivo com maior casuística e seguimento para podermos comparar a eficácia da cirurgia associada à toxina botulínica tipo A com as outras modalidades terapêuticas.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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* Médicos Assistentes Doutores da Divisão de Clínica Otorrinolaringológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP.
** Professor Livre Docente Associado da Disciplina de Otorrinolaringologia pela Faculdade de Medicina da USP. Diretor do Serviço de Bucofaringologia da Divisão de
Clínica Otorrinolaringológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP.
*** Doutora em Otorrinolaringologia pela Faculdade de Medicina da USP e Médica do Hospital Universitário da Universidade de São Paulo.
**** Pós-graduando da Disciplina de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da USP.
Trabalho realizado na Divisão de Clínica Otorrinolaringológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo
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Artigo recebido em 5 de julho de 2002. Artigo aceito em 20 de setembro de 2002.