INTRODUÇÃO
As técnicas cirúrgicas para amigdalectomias sofreram diversas modificações: inicialmente encontramos a dissecção, descrita por WORTHINGTON em 1907. Logo após, a ligadura de vasos, preconizada por COHEN em 1909 (1). GREENFIELD SLUDER, otorrinolaringologista de Saint Louis, não foi o primeiro a utilizar a guilhotina para amigdalectomia, mas publicou seu famoso trabalho em 1912, no qual afirmava ter alcançado 99,6% de sucesso em suas cirurgias através dessa técnica. Posteriormente, surgiu a eletrocauterização (1,2,3) como instrumento de hemostasia e mais recente o uso do laser (4). O conhecido sub-galato, ou oxigalato de bismuto ou galato básico de bismuto, além do seu emprego em ORL devido às suas qualidades hemostáticas, é empregado como pó fino em eczemas e lesões similares da pele (feridas) e como supositórios no tratamento de hemorróidas. É comumente usado pelas suas propriedades adstringentes no tratamento da diarréia, disenteria e colites ulcerativas (5,6).
Após uso prolongado em pacientes com colostomias, foram descritos lentidão, falta de memória e comprometimento da coordenação motora (5). O presente estudo tem como objetivo avaliar a eficácia do sub-nitrato de bismuto, também denominado nitrato básico de bismuto, oxinitrato de bismuto ou blanco español, como agente hemostático.
Por falta do sub-galato em nosso Hospital, seguindo sugestão de farmacêutico responsável por farmácia de manipulação decidimos experimentar este sal. Trata-se de um pó branco levemente higroscópico (pouco solúvel) (Figura 1). A suspensão em água destilada é levemente ácida ao papel de Tornassol (pH 5). Quando misturado a soro fisiológico, forma uma suspensão leitosa, similar a creme de leite. É o mais adstringente dos sais de bismuto (7).
Utilizado como adstringente e adsorvente, este agente, como outros sais insolúveis de bismuto, é empregado em forma tópica como loções e ungüentos.
É contra-indicado administrar medicamentos que o contenham em associações com outras drogas no tratamento de crianças com severas diarréias infecciosas, devido à formação de íon nitrito (6,7). MATERIAL E MÉTODOS Este trabalho foi aprovado pela Comissão de Ética do Hospital Municipal da Piedade, RJ. Estudamos 40 crianças portadoras de hipertrofias das amígdalas palatinas e vegetações adenóides, que foram submetidas a adenoamigdalectomias pela técnica de dissecção.
Nossa amostragem incluiu somente crianças de 5 a 10 anos de idade, de ambos os sexos, escolhidos segundo a fila de espera. Os sintomas obstrutivos por hipertrofia de amígdalas e vegetações adenóides (HAVA) constituíram, em todos, a indicação para a cirurgia. Em 08 casos de HAVA, havia associação com amigdalites de repetição.
Foram excluídos deste trabalho visando maior uniformidade, adolescentes e crianças menores de 5 anos. Também excluímos casos com história pregressa de abscessos peri-amigdalianos, por alterar a área cruenta. Os parâmetros analisados foram:
1. Tempo de cirurgia.
2. Número de suturas usadas após tamponamento com gaze embebida no sal.
3. Vômitos apresentados no hospital e em casa, após alta.
4. Ocorrência de reintervenções cirúrgicas. Escolhemos o parâmetro vômitos seguindo trabalho nacional já apresentado (8). A hemostasia complementar foi feita com fio de catgut 00. Todos os pacientes tiveram a mesma rotina, com internação em jejum, no dia da operação. Esta era realizada ainda na parte da manhã, sob anestesia geral, sempre com a mesma equipe de anestesistas.
O procedimento se iniciava com curetagem das adenóides usando-se as curetas de Shambaugh, seguido de tamponamento do cavum embebido em um dos sais. A solução era obtida pela mistura de uma porção do pó com duas de soro fisiológico.
Dissecada uma das tonsilas, pela técnica clássica com descolador-aspirador, era colocada gaze embebida nesta loja por um minuto e seguia-se o mesmo procedimento na outra tonsila (Figuras 2 e 3). Retirada a gaze da primeira loja, dava-se os pontos necessários com catgut 00 para hemostasia. Mesmo procedimento era realizado no outro lado. Em seguida retirava-se o tampão do cavum. Não se irrigava o campo operatório, como MOLINA (9) descreveu. Eventualmente aplicava-se um segundo tampão por 1 a 2 minutos nas lojas e no cavum. A alta era dada no dia seguinte.
RESULTADOS
O tempo de cirurgia, realizada aleatoriamente pelos autores, da colocação até a retirada do abre-boca de Jennings, variou de 29 a 45 minutos. Nos pacientes onde usamos o sub-galato, o tempo médio foi de 33 min e nos quais empregamos o sub-nitrato, foi de 34 min. Os demais parâmetros estão no Gráfico 1. As avaliações no nosso trabalho dos itens suturas necessárias, vômitos pós-operatórios e tempo operatório foram bastante similares, não havendo necessidade de avaliações estatísticas, uma vez que os valores encontrados não mostram diferenças significativas. Não houve em nossa casuística nenhum caso com sangramento tardio ou necessidade de revisão. DISCUSSÃO O sub-galato de bismuto é um metal pesado, insolúvel, com forte poder adstringente, mas pouco menor que o sub-nitrato.
Segundo THORIDOTTIR (10), ele atua na cascata de coagulação, por meio da via extrínseca, reduzindo o tempo da tromboplastina parcial ativada. Seu mecanismo de ação na coagulação (como todos os sais de bismuto) está relacionado à ativação do fator XII (Hageman). Não afeta, no entanto, os eventos pós-operatórios como dor, náuseas e febre (5).
Na década de 60, sua aplicação foi introduzida pelo Prof. Rafael da Nova, na Faculdade de Medicina da USP quando voltou da Áustria (11). A efetividade do sub-galato de bismuto já foi comprovada por MANIGLIA, que o usa regularmente desde 1988 (12), por ISSA em 1998 (13) e MOLINA em 2000 (9). As ligaduras de vasos das lojas amigdalianas foram reduzidas ou desnecessárias em outros trabalhos (13). Não encontramos na literatura referências ao uso do sub-nitrato em cirurgias da especialidade.
Em 1972, preparações orais com altas doses de bismuto foram relacionadas a encefalopatia na Austrália e subsequentemente com o subnitrato de bismuto (14).
Sua prescrição é restrita a casos de diarréia. Na Itália, as preparações orais (de quaisquer sais de bismuto) carregam no rotulo inscrições que avisam sobre os perigos do uso prolongado de altas doses (15). Não tivemos sangramentos no pós-operatório.
Um dos motivos que apontamos para a ausência de revisões reside no fato que procuramos fazer as suturas nas lojas sem qualquer economia, em pequenos vasos sangrantes, por segurança.
Entendemos que o hábito de embeber com agentes hemostáticos as gazes utilizadas no intra-operatório não exclui as suturas, porém as reduz em número e nos dá maior segurança.
Isso vem de encontro com a opinião de WATSON quando prefere o uso da diatermia à técnica da dissecção, mas recomenda a aplicação de bismuto quando se usa só ligadura (3). Por outro lado, a ausência de sangramentos pode ser devido a uma casuística pequena, já que estatisticamente na literatura a incidência de hemorragias pós-tonsilectomias é de 2 a 3% (2, 16). Por acreditarmos na vantagem do sub-nitrato no lugar do sub-galato de bismuto, há 2 anos estamos usando apenas o sub-nitrato como hemostático de rotina em nossas cirurgias de amigdalectomias.
Em pesquisa junto a laboratórios e farmácias de manipulação no Rio de Janeiro, o custo de ambos os sais é semelhante.
CONCLUSÕES
1. O sub-nitrato de bismuto tem na sua cor branca leitosa a principal vantagem sobre o sub-galato de bismuto. A cor branca é muito mais agradável do que a cor amarelo enxofre, que podem simular catarro ou secreções purulentas. Todos os parâmetros comparados foram similares, inclusive preço e disponibilidade comercial. Entretanto, novos estudos clínicos deverão ser realizados e continuados para maior aplicabilidade deste produto.
2. O hábito de embeber gazes com agentes hemostáticos no intra-operatório deve ser sempre incentivado, acompanhado das suturas clássicas ou cauterização bi-polar. Um não substitui o outro, mas se somam.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. Sanchez del Hoyo A. Microcirurgia amigdalar con dissección bipolar. Anales Otorrinolaringológicos Ibero-Americanos, 4: 379-391, 1995.
2. Blomgren K, Qvarnberg YH, Valtonen HJ. A prospective study on pros and cons of electro dissection tonsillectomy. Laryngoscope, 111(3): 478-82, 2001.
3. Watson MG. A study of haemostasis following tonsillectomy comparing ligatures with diathermy. J Laryngol Otol, 107: 711-5, 1993.
4. Strunk C, Nichols ML. A comparison the KTP 532 – Laser Tonsillectomy versus Traditional Dissection. Head Neck Surg, 103: 966-97, 1990.
5. Gomes CC, Ninno JE. O papel do sub-galato de bismuto nas amigdalectomias. Arquivos da Fundação Otorrinolaringologia,4 (2): 173, 1998.
6. Martindale J. The Extra Pharmacopoeia, 27th Edition. The Pharmaceutical Press, London; pg. 891-892, 1977.
7. Remington’s Pharmaceutical Sciences, 17th Ed (Tradução p/ o espanhol), Editorial Médica Panamericana S.A. (1985),pg. 1090, 1985.
8. Carpes LF, Carpes A, Carpes L, Castagno V.Amigdalectomia: Prevenção de náusea e vômito no pósoperatório.34º Congr. Bras. ORL , Programa Oficial (pôsteres), 1998.
9. Molina FD, Maniglia JV, Magalhães FP, Dafico SR, Rezende RS. Eficácia do sub-galato de bismuto em tonsilectomias como agente hemostático. Rev Bras ORL, 66 (3): 194-7,2000.
10. Thoridottir H, Ratnoff OD, Maniglia AJ. Activation of Hageman factor by bismuth subgallate. J Lab Clin Med ,112: 481-6, 1988.
11. Bento RF. “Comunicação pessoal”, 2002.
12. Maniglia AJ, Kushner H, Cozzi L. Adenotonsillectomy – A safe outpatient procedure – Arch Otolaryngol Head Neck Surg, 115: 92-4, 1989.
13. Issa A. Experiência de 10 anos no uso do sub-galato de bismuto em cirurgias de adenóides e amígdalas. 34º Congr.Bras. ORL , Programa Oficial (pôsteres), 1998.
14. Lowe DL. Adverse Effects of bismuth subgallate. Med J Aust, 2: 664-6, 1974.
15. Organização das Nações Unidas – In Banned Products - http: // www.medico.com.br / proibidos1.htm
16. Myssiorek D, Alvi A. Int J Pediatr Otorhinolaryngol , 37(1):35-43, 1996.
* Médico Estatutário do Ministério da Saúde e Mestre em ORL pela Universidade Federal do Rio de Janeiro.
** Médica Estatutária do Ministério da Saúde.
Trabalho desenvolvido no serviço de Otorrinolaringologia do Hospital Municipal da Piedade – Rio de Janeiro.
Endereço para correspondência: Dr. Ricardo Pillar – Rua Custódia 240 / 301 – Rio de Janeiro / RJ – CEP 21235-500 – Telefone: (21) 9179-4616. E-mail : rspillar@bol.com.br
Artigo recebido em 17 de abril de 2002. Artigo aceito correções em 18 de novembro de 2002.