INTRODUÇÃO
O equilíbrio corporal é fator primordial para nossas atividades diárias e é fundamental para nossa sobrevivência. Pode ser definido como a capacidade do ser humano de manter-se ereto e executar movimentos do corpo sem oscilações ou queda. Os sistemas sensoriais relacionados ao equilíbrio corporal incluem a visão, o sistema somatossensorial e o sistema vestibular. Os problemas na manuten- ção do equilíbrio corporal podem ser percebidos como desequilíbrio, desvio de marcha, instabilidade, sensação de flutuação, sensação rotatória, quedas, etc.
Os efeitos provocados por essas sensações podem ser dramáticos e modificam consideravelmente a rotina de vida dos pacientes (1, 2). A literatura é concordante quando se refere à boa evolução de pacientes portadores de distúrbio do equilí- brio corporal, de etiologias diversas, quando submetidos aos exercícios físicos de reabilitação vestibular (RV) (3-10). Relata melhor prognóstico em pacientes com lesão unilateral (11-14), quando comparados a pacientes com lesão bilateral (15-17). Embora se admita que as assimetrias da resposta vestibular apresentem melhor resposta aos programas de reabilitação, a literatura é falha quanto a demonstrar essa afirmativa.
Não encontramos estudos atuais que relacionem a evolução da RV com resultados da PC, tais como hiperreflexia ou até mesmo a normalidade. Diante da escassez de informações a respeito do tema, resolvemos avaliar a resposta terapêutica dos pacientes submetidos à RV em função dos resultados de suas provas calóricas. CASUÍSTICA E MÉTODO Foi realizada pesquisa retrospectiva dos pacientes submetidos ao protocolo de RV no Ambulatório de Reabilita ção Vestibular do HCFMUSP de janeiro de 2000 a maio de 2003.
O procedimento utilizado constou da coleta de dados da PC e dos resultados da RV, para posterior associação. Prova calórica Os valores da prova calórica foram analisados, comparando-se as respostas entre os lados direito e esquerdo, quando estimulados a 44o e a 30oC. Quando observada ausência de resposta labiríntica a 30oC, foi utilizada estimulação a 18oC.
Os valores absolutos de velocidade angular da componente lenta (VACL), superiores a 50o/s foram considerados hiperreflexos e abaixo de 7o/s hiporreflexos. Considerou-se predomínio labiríntico (PL), quando a diferença de resposta entre os dois lados estimulados atingiu uma porcentagem igual ou superior a 20%, segundo a fórmula de Jonkees.
Os mesmos critérios de proporcionalidade foram utilizados na caracterização da preponderância direcional (PD) que analisa a direção dos batimentos nistágmicos para a direita ou para a esquerda. A prova calórica foi considerada normal quando estiverem ausentes os seguintes parâmetros:
hiperreflexia, hiporreflexia, arreflexia, PL e PD. Os pacientes foram então divididos em função das respostas observadas à prova calórica. A caracterização do grupo estudado pode ser observada no Gráfico 1. Reabilitação Vestibular Os resultados da RV foram analisados segundo observação clínica dos sintomas: Remissão dos sintomas: pacientes que tiveram melhora total; Melhora: pacientes que referiram melhora de 70 a 99%, com sintomas que não interferem em seu dia a dia; Sem melhora: os casos que não atenderam os critérios anteriores. Análise estatística Após a coleta dos dados, foi feita análise estatística da relação entre o resultado encontrado na Prova Calórica e a evolução dos pacientes submetidos à RV.
A análise da distribuição das freqüências observadas foi feita pelo teste qui quadrado. O nível de significância considerado (a) foi de 0,05 conforme preconizado em ensaios biológicos.
RESULTADOS
A amostra analisada incluiu 65 pacientes, com idade variando de 17 a 84 anos (média de 61,24 anos, desvio padrão de 13,80). Quarenta e quatro (68%) pacientes eram do sexo feminino e 21 (32%) do sexo masculino. Quarenta e sete (72%) pacientes apresentaram boa evolução com a RV, sendo 16 (24%) com remissão dos sintomas e 31 (48%) com melhora; 18 (27%) não responderam bem ao tratamento.
Quando observamos a distribui- ção dos resultados da RV em relação aos resultados da PC, verificamos que os pacientes com hiporreflexia/arreflexia bilateral ou preponderância direcional apresentaram resposta significantemente pior em relação grupo total. Os demais grupos evoluíram de forma semelhante à RV.
Esses resultados podem ser observados na Tabela 1.
DISCUSSÃO
A literatura descreve a prevalência de sintomas vestibulares no sexo feminino (18,19) e nossa casuística concorda com esses dados, pois 44 pacientes (68%) eram do sexo feminino e apenas 21 (32%) do sexo masculino. Vários autores consideram que até mesmo a vectoeletronistagmografia (VENG) possui valor limitado no diagnóstico da doença vestibular (20-23).
Isso acontece devido aos vários quadros clínicos que compõem o universo dos distúrbios de equilíbrio, que compreendem não só as disfunções dos canais laterais, foco de avaliação na prova calórica, como também uma enorme gama de aferências e eferências sensitivas e motoras.
Dessa forma, torna-se muito interessante o estudo das possíveis relações entre os resultados dessa prova e a resposta do paciente ao tratamento pela RV. Observamos que em nossa amostra 33% dos pacientes, mesmo sendo sintomáticos, apresentaram PC normal. Destes, 39% apresentaram remissão dos sintomas e 43% melhoraram com a RV.
Estes dados demonstram que nem sempre os resultados da PC podem ser utilizados como critério de indicação da RV, sendo imprescindível considerar a queixa do paciente durante o tratamento. Acreditamos que a RV nesses casos auxilie o mesmo na diminuição da ansiedade e na mudança de maus hábitos adquiridos pela presença dos sintomas (24).
Além disso, como já foi descrito, a PC pela ENG avalia apenas a função dos canais semicirculares laterais e esses pacientes podem apresentar outras alterações, como o comprometimento de outros canais e/ou máculas otolíticas. A literatura confere um melhor prognóstico à RV nos pacientes que possuem lesão unilateral (11-14) quando comparados a pacientes com lesão bilateral, fato que concorda com nossos resultados, pois embora todos os pacientes estudados tenham sido beneficiados com a reabilitação vestibular, nos casos com arreflexia ou hiporreflexia bilateral, a resposta ao tratamento foi significantemente pior ao do grupo total. Dos oito pacientes com perda vestibular bilateral, um (12,5%) apresentou remissão dos sintomas e cinco (62,5%) apresentaram melhora; não tiveram resposta ao tratamento dois pacientes (25%). Nossos resultados foram altamente satisfatórios considerando que a literatura mostra que 50% dos casos estudados não apresentam melhora diante da perda vestibular bilateral (15-17).
Do ponto de vista funcional, a melhora de 70% referida pelo paciente pode ser considerada um excelente resultado para quem não mais apresenta função vestibular.
Ainda assim, um caso permaneceu assintomático após a terapia, o que nos permite dizer que devemos sempre investir no tratamento que pode ser efetivo mesmo sem pacientes que não possuam aferências vestibulares.
É importante enfatizar que os protocolos utilizados nesses pacientes devem viabilizar a potencialização de reflexos outros, como por exemplo o reflexo cérvico-ocular, com a finalidade de substituir as aferências vestibulares comprometidas. Quanto ao grupo que apresentou preponderância direcional, observamos que, assim como no grupo dos hiporreflexos, a evolução foi pior em relação ao total de pacientes.
Embora sem significância estatística, os pacientes com hiper-reflexia também parecem não ter tido o mesmo aproveitamento, uma vez que apenas um caso ficou assintomático. Acreditamos que isso ocorra porque as provas hiperreflexas e que apresentam PD podem estar associadas a problemas metabólicos (25), disfunções neurovegetativas e comprometimento do sistema nervoso central (26). Nesses casos, o tratamento pela RV é tido com terapia auxiliar e não dispensa os tratamentos necessários ao processo etiológico em questão (24, 25).
CONCLUSÃO
Em nossa casuística, observamos que todos os pacientes estudados foram beneficiados com a reabilitação vestibular e obtiveram resultados semelhantes.
Exceção feita aos casos com arreflexia/hiporreflexia bilateral ou preponderância direcional, nos quais a resposta ao tratamento foi significantemente pior em relação ao do grupo total.
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* Fonoaudióloga aluna do Curso Avançado em Otoneurologia e Reabilitação Vestibular da Clínica Otorrinolaringológica do Hospital das Clinicas da FMUSP.
** Fonoaudióloga Coordenadora do Setor de Fonoaudiologia da Clínica Otorrinolaringológica do HCFMUSP, doutoranda pela Fisiopatologia Experimental da FMUSP.
*** Assistente Doutor e Chefe do Setor de Otoneurologia da Divisão de Clínica Otorrinolaringológica do HCFMUSP.
**** Assistente Doutor do Setor de Otoneurologia da Divisão de Clínica Otorrinolaringológica do HCFMUSP.
Trabalho realizado na Divisão de Clínica Otorrinolaringológica do Hospital das Clínicas da FMUSP.
Endereço para correspondência: Fga. Maria Elisabete Bovino Pedalini . Rua Mato Grosso, 128, cjto 74, Higienópolis, São Paulo / SP . Tel: (11)3159-3994 . Email:
betepedalini@ig.com.br
Artigo recebido em 10 de abril de 2004. Artigo aceito com modificações em 2 de outubro de 2004.