INTRODUÇÃO
A Doença de Castleman (DC) é uma desordem rara, também conhecida como hiperplasia linfonodal angiofolicular e hiperplasia linfonodal gigante, de curso clínico geralmente benigno. É a doença linfoproliferativa benigna que mais freqüentemente envolve os linfonodos mediastinais e pode se apresentar na cabeça e no pescoço como uma adenopatia cervical de etiologia desconhecida. Ela parece estar relacionada a múltiplas causas, incluindo o Herpes Vírus Humano – 8 (HHV-8) e o pênfigo paraneoplásico (1-4). A DC foi descrita pela primeira vez em 1956 por CASTLEMAN et al, como uma hiperplasia linfonodal mediastinal localizada simulando um timoma.
Entretanto, seus subtipos histológicos foram classificados apenas em 1972, por KELLER et al, como vascular-hialino e plasmocítico. Sua classifica- ção clínica em formas multicêntrica e unicêntrica foi publicada por GABBA et al. em 1978 (5-7). A existência de poucas séries de pacientes descritas na literatura desta doença dificulta uma definição clara de qual seria sua etiologia, progressão e tratamento.
Atualmente se tem atribuído diferentes etiologias para cada subtipo incluindo Síndrome POEMS (polineuropatia, organomegalia, endocrinopatia, gamopatia monoclonal e alterações da pele), pênfigo paraneoplásico, doença de Hodgkin, sarcoma de células dendríticas foliculares e miastenia grave (8,9). RELATO DE CASO Paciente sexo masculino, com 27 anos de idade, apresentava história clínica de massa cervical à direita há 7 meses, de crescimento progressivo e indolor.
Ao exame, apresentava-se como lesão nodular de cerca de 10 cm em região jugular média e inferior direita, de superfície lisa, indolor, móvel e consistência fibroelástica. À tomografia computadorizada, apresentou duas lesões expansivas cervicais com realce ao contraste em cadeia jugular direita média e baixa (Figura 1), com imagem arteriográfica (Figura 2) indicativa de neovasculariza ção, sugerindo a hipótese de tumor glômico carotídeo. Foi submetido a cervicotomia para ressecção das lesões com êxito, evoluindo favoravelmente. O exame histopatológico da peça anatômica cirúrgica concluiu o diagnóstico de DC.
DISCUSSÃO
A apresentação clínica dessa doença pode ser unicêntrica, com linfadenopatia localizada, usualmente mediastinal ou no hilo pulmonar, ou pode ser multicêntrica, com linfadenopatia generalizada e organomegalia, sendo esta a mais freqüentemente relacionada ao HHV-8 (2,4). Em pacientes assintomáticos, a massa mediastinal é freqüentemente detectada incidentalmente na radiografia de tórax solicitada por outra razão.
A forma localizada afeta igualmente ambos os sexos e ocorre mais comumente em adultos jovens com um curso benigno, lento e ausente de sintomas sistêmicos, em contraste com a forma multicêntrica, de curso agressivo com vida média de dois anos, caracterizada por linfadenopatia generalizada e esplenomegalia. Embora normalmente de crescimento lento, existe relato da forma unicêntrica cervical de crescimento rápido.
A forma difusa é de evolução usualmente fatal e associada a sintomas sistêmicos, como febre, astenia e perda de peso, além de vômitos e diarréia. Estão também presentes sinais laboratoriais de atividade inflamatória, como aumento da proteína C reativa, aumento da velocidade de sedimentação eritrocítica, hipoalbuminemia, anemia, leucopenia, trombocitopenia e hipergamaglobulinemia.
A DC é rara na população pediátrica, mas quando vista, é mais comumente unicêntrica e tem uma evolução mais favorável do que em adultos. A tríade de sintomas constitucionais descrita em pacientes pediátricos é composta por anemia, hipergamaglobulinemia e ausência de melhora clínica.
A forma clínica multicêntrica pode ser ainda dividida de acordo com a presença ou ausência de neuropatia, com implicações prognósticas importantes (8,9). Alguns casos, na forma multicêntrica, cursam com citopenias diversas, hiperemia epidérmica e infecções intercorrentes, tendo alguns relatos de evolução para linfoma não-Hodgkin, refratária ao tratamento sistêmico, inclusive ao uso de corticosteróides e quimioterapia, com potencial letalidade (8). A DC divide-se histologicamente em:
a) vascular hialina (80% a 90% do total e a forma mais comum na população pediátrica);
b) plasmocítica, que é principal apresentação inicial da forma multicêntrica;
c) intermediá- ria (mista).
A histologia consistente com o diagnóstico de DC é a evidência de abundantes centros germinativos com vascularização interfolicular proeminente, plasmocitose e centros germinativos parcialmente envolvidos com hialinização. Múltiplas biópsias mostrando essa hiperplasia linfóide vasta podem ser necessárias para estabelecer o diagnóstico.
Atualmente, a biópsia minimamente invasiva guiada por tomografia pode ser realizada, para o diagnóstico inicial dessas afecções linfoproliferativas e para a reavaliação na suspeita de evolução desta doença, sendo inclusive recomendado para esse fim (2,3,10,11). Sobre o diagnóstico radiológico, é sabido que as técnicas de imagem para linfadenopatias permitem um melhor planejamento de estratégias terapêuticas, com largo uso da ressonância magnética (RM) e da ultrasonografia (US) para avaliação, devido a melhor acurácia destes exames em relação à palpação.
Se optarmos pelo uso da tomografia computadorizada (TC) devemos usar contraste para distinguir vasos de linfonodos, com cortes de três a cinco milímetros para obter uma alta resolução que permita uma detecção aumentada de atenuação central nodal ou necrose, sugestivos de metástase ou abscesso. Os cortes devem incluir todo o pescoço, da base do crânio ao manúbrio. A presença de artefatos e a redução da resolução na geração da imagem são razões que falam a favor da TC em detrimento da RM.
Os linfonodos positivos e clinicamente negativos são detectados pela TC e ressonância magnética em 7,5% e 19% dos casos, respectivamente. Eles são considerados patológicos se forem homogêneos e bem delimitados, se maiores que 1,5 cm no seu diâmetro máximo na região jugulodigástrica (nível II) ou 1,0 cm nas outras regiões.
O diagnóstico final é histológico e a punção aspirativa só deve ser considerada em situações limitadas antes da cirurgia devido ao erro de amostragem (10). Segundo OKAMOTO et al.
(2003) a cintilografia pode ter um papel no diagnóstico, uma vez que este tumor normalmente não capta gálio, ao contrário das outras doenças linfomatosas (12). Deve ser realizado o diagnóstico diferencial com linfomas, doenças do tecido conjuntivo, síndrome da imunodeficiência adquirida e outras hiperplasias reativas dos linfonodos, além dos tumores benignos primitivos do pescoço (13). A decisão do tratamento efetivo depende do diagnóstico histológico e se a doença é localizada ou generalizada. Sempre devem ser feitas revisões de lâminas, pois outras desordens neoplásicas e autoimunes podem estar mascaradas. Posteriormente ao diagnóstico histológico, deve ser feita a TC para localizar a lesão e, se for localizada, deve-se fazer a ressecção cirúrgica.
A embolização deve ser realizada quando estes tumores forem altamente vascularizados, podendo, portanto, sangrar profusamente.
A ressecção completa da doença unicêntrica é curativa, independente do subtipo histológico (4,13). Nos pacientes em que a ressecção cirúrgica completa não for uma opção, tem-se como alternativa o uso da radioterapia, com ou sem esteróides, obtendo cura em casos selecionados.
Os pacientes com doença multicêntrica são tipicamente tratados com uma combinação de quimioterápicos e esteróides, e têm um curso clínico mais variável, com alguns casos respondendo bem e outros manifestando uma doença progressiva e eventualmente fatal.
Outros trabalhos recentes propõem o uso do interferon-alfa e de talidomida com boa resposta (4,13- 15). A afecção descrita neste relato de caso nos chama a atenção no diagnóstico diferencial das massas cervicais pelo grande número de afecções que podem estar envolvidas e, principalmente, das adenopatias cervicais. O paciente estava na faixa etária de maior incidência da DC.
No entanto, a inespecificidade da apresentação, sob a forma unicêntrica, com uma adenopatia localizada sem sintomas gerais dificulta o seu diagnóstico diferencial, inclusive por seu caráter de benignidade, com evolução lenta e sem alterações de parâmetros laboratoriais, levando à hipótese diagnóstica inicial de tumor benigno primário da região cervical. Tal apresentação, associada à imagem tomográfica mostrando lesões com realce, que apesar de não serem exclusivas da DC nos fez levantar hipótese de lesão bem vascularizada e indicar uma arteriografia com possibilidade diagnóstica de tumor glômico carotídeo. No entanto, a cervicotomia exploradora mostrou lesões sólidas, de consist ência fibro-elástica, de fácil dissecção dos planos vizinhos. O diagnóstico foi feito somente através do exame anátomo-patológico, que revelou tratar-se de DC.
O paciente evoluiu favoravelmente após a extração da lesão, sugerindo a forma unicêntrica, hipótese confirmada com a boa evolução e ausência de quadro pulmonar durante o seguimento anual do paciente. COMENTÁRIOS FINAIS Embora seja rara, a doença de Castleman deve ser sempre lembrada devido à possibilidade de confusão diagnóstica com outras adenopatias cervicais em apresenta ções atípicas como esta, lembrando-se inclusive que o diagnóstico pode ser conclusivo apenas ao exame histopatológico.
É necessária a pesquisa da forma multicêntrica e o seguimento por tempo longo para confirmação da ausência de recidiva da doença.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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* Médicos residentes do Centro de Otorrinolaringologia de Limeira.
** Médicos residentes do Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital Universitário São Francisco. Faculdade de Ciências Médicas, Universidade São Francisco.
*** Médico-Assistente Doutor do Serviço de Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Centro de Otorrinolaringologia de Limeira, Professor Adjunto da Disciplina de
Otorrinolaringologia da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade São Francisco, Professor Assistente da Disciplina de Cirurgia da Faculdade de Ciências Médicas
da Pontifícia Universidade Católica de Campinas.
**** Chefe do Centro de Otorrinolaringologia de Limeira.
Instituição: Trabalho realizado no Centro de Otorrinolaringologia de Limeira e Disciplina de Otorrinolaringologia da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade São
Francisco.
Trabalho apresentado no III Congresso de Otorrinolaringologia da USP, realizado de 7 a 9 de agosto de 2003, em São Paulo.
Endereço para correspondência: José Francisco Salles Chagas . Rua Gustavo Teixeira, 138 . Limeira / SP . CEP:13.486-126 . Telefone: (19) 3753-4100 .
Fax: (19) 3254-9199 . Email: josechagas@ig.com.br
Artigo recebido em 6 de janeiro de 2004.. Artigo aceito com modificações em 23 de setembro de 2004.