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Ano: 2005  Vol. 9   Num. 1  - Jan/Mar Print:
Case Report
TextoTexto em Inglês
Cordoma Cérvico-faríngeo: Relato de Caso
Cervico-pharingeal Chordoma: Case Report
Author(s):
José Miranda de Araújo Júnior*, Soraya Alves Pereira*, Juliana Altavilla van Petten Machado*, Marcos Antônio Carvalho Lacerda**, Carlos Alberto Ribeiro***, Marconi Teixeira Fonseca****.
Palavras-chave:
cordoma, neoplasia, coluna vertebral, tumor faríngeo.
Resumo:

Introdução: Cordoma é uma neoplasia óssea maligna originada de restos embrionários da notocorda, que acomete a base do crânio e o esqueleto axial. Sua ocorrência na coluna cervical é pouco freqüente, sendo rara a extensão para cavidade faríngea. Objetivo: Descrever um caso de cordoma cérvico-faríngeo. Relato do caso: Apresentamos o caso clínico de paciente do sexo feminino, 65 anos, com sintomas de obstrução respiratória, desconforto faríngeo e dor cervical. Apresentava grande massa tumoral ocupando parede posterior e lateral esquerda da naso-orofaringe, com comprometimento de vértebra cervical, cuja biópsia revelou Cordoma. Conclusões: Devido à tendência de invasão local e alta recorrência, o tratamento da lesão deve ser a cirurgia radical seguida de radioterapia. O otorrinolaringologista deve estar atento para a ocorrência deste tipo de neoplasia para instituir o diagnóstico precoce e o tratamento efetivo.

INTRODUÇÃO

Cordoma é uma neoplasia óssea maligna originada de restos embrionários da notocorda, que acomete a base do crânio e o esqueleto axial (1).

Geralmente, apresenta crescimento lento, mas com forte tendência a invasão local e recorrência. É um tumor raro, representando cerca de 5% dos tumores ósseos malignos (2). Quanto à localização, 50% dos tumores são encontrados na região sacrococcígea, 35% em base de crânio e 15% em outros locais ao longo da coluna vertebral. Tem predileção pelo sexo masculino na razão de 2:1.

O pico de incidência ocorre nas 5a e 6a décadas (3). Caracteriza-se por um comportamento biológico variável, sem correlação com idade, sexo, padrão histológico ou local do tumor, permanecendo inexplicável a ocorrência de tumores de crescimento rápido e agressiva recorrência em alguns pacientes em contraste com crescimento lento em outros (2).

O quadro clínico depende do tamanho e localização do tumor, podendo, geralmente, permanecer assintomático por mais de um ano antes do diagnóstico (2). O diagnóstico diferencial dos tumores de base de crânio inclui: meningioma, schwannoma, adenoma de hipófise, carcinomas de nasofaringe e seio esfenoidal, enquanto que os de coluna podem ser: condrossarcoma, mieloma ou metástases (4). O objetivo deste artigo é apresentar um caso de cordoma cérvico-faríngeo e revisar o seu diagnóstico e tratamento.

RELATO DE CASO

Paciente do sexo feminino, 65 anos, avaliada no Setor de Pronto Atendimento com história de dispnéia moderada, tosse, sialorréia e desconforto faríngeo há três meses. Relatava piora do quadro no último mês, apresentando dor cervical, cefaléia holocraniana, respiração bucal exclusiva e perda ponderal de 4 Kg. Relatava, também, sensação de "bola na garganta", mas negava odinofagia, disfagia ou disfonia. Apresentava história pregressa de hipotireoidismo e de distúrbio psiquiátrico, estando em uso de Levotiroxina, Carbolitium e Haldol.

A história familiar negativa era para neoplasias. O exame otorrinolaringológico evidenciou grande massa tumoral lisa e submucosa ocupando parede posterior e lateral esquerda da naso-orofaringe, projetando-se medialmente (Figura 1).

Laringoscopia indireta, rinoscopia anterior e otoscopia sem anormalidades. Palpação cervical sem nódulos ou massas. Foi internada para propedêutica e observação clínica. Foi realizada tomografia computadorizada (TC) de região cérvico-facial que evidenciou massa retrofaríngea e pré-vertebral esquerda, com destruição do corpo vertebral de C2, projeção intrarraquiana pelo forame de C2-C3 esquerdos, envolvimento de artéria vertebral esquerda (Figuras 2 e 3) e ausência de comprometimento ganglionar. A biópsia e punção por agulha fina foram realizadas na lesão de orofaringe e a microscopia observou células de amplo citoplasma, núcleos arredondados, permeados por edema mixóide, sendo diagnosticado cordoma (Figura 4). Foi solicitada avaliação da equipe de Neurocirurgia que contra-indicou o tratamento cirúrgico devido ao grau de acometimento da coluna cervical e projeção intrarraquiana da lesão. Houve piora do quadro de obstrução respiratória, com dispnéia freqüente.

Foi realizada traqueostomia no 5o dia de hospitalização e a paciente recebeu alta hospitalar após 4 dias, sendo encaminhada ao Serviço de Oncologia. Foi iniciado o tratamento oncológico com quimioradioterapia. A paciente veio a óbito após 1 mês, devido a tromboembolismo pulmonar secundário à doença neoplásica.

DISCUSSÃO

A ocorrência de cordomas na coluna cervical é pouco freqüente, sendo raro a sua extensão para cavidade faríngea, especialmente com obstrução respiratória, existindo poucos casos relatados na literatura (5,6). As lesões cervicais podem causar sintomas relacionados a:

1) compressão de estruturas extravertebrais como a via aerodigestiva alta, provocando disfagia ou dispnéia;

2) compressão radicular ou medular e destruição óssea dos corpos vertebrais;

3) presença de massa palpável (cervical ou retrofaríngea).

A dor e alterações sensoriais são os sintomas mais comuns, devido à destruição óssea e compressão nervosa (4,7). Em nosso caso, as manifestações extravertebrais (faríngeas) foram as mais importantes e precoces, devido ao crescimento da massa tumoral para região nasoorofar íngea, o que motivou a procura, inicialmente, de assistência médica. Os cordomas intracranianos na região do clivus causam principalmente compressão cerebral e lesão de nervos cranianos, provocando cefaléia e alterações visuais. Entretanto, não é raro sua extensão para cavidade nasal, seios paranasais, faringe e pescoço, apresentando sintomatologia semelhante ao cordoma cervical (8,9).

Quando acometem a região sacral, podem provocar dor local, sinais compressivos da cauda eqüina e massa retal (9). Histologicamente, são tipicamente caracterizados por células com grandes vacúolos em seu citoplasma denominadas de physaliphoras (Figura 4). Estas células ficam agrupadas e são envolvidas em abundante matriz mixóide (8,10).


Figura 1. Lesão em orofaringe.


Figura 2. Tomografia computadorizada mostrando projeção da lesão em orofaringe.


Figura 3. Tomografia computadorizada mostrando destruição de vértebras e invasão intrarraquiana da lesão.


Figura 4. Corte histopatológico mostrando células com amplo citoplasma ou células physaliphoras.


A realização de biópsia é essencial para o diagnóstico e orientação terapêutica. Devido à dificuldade de acesso à maioria das lesões vertebrais ou intravertebrais, a punção-biópsia por agulha fina (PAAF) tem sido um importante método para coleta de material citopatológico (10). GUPTA et al utilizam PAAF guiada por tomografia computadorizada (11).

A avaliação citopatológica pode ser complementada com imuno-histoquímica, para diagnóstico de formas diferenciadas de cordoma e outros tipos de tumores como condromas ou condrossarcomas (12).

Os cordomas expressam marcadores para citoqueratina, antígeno de membrana epitelial, vimentina e proteína S- 100 (5,13).

Realizamos tanto a PAAF quanto a biópsia, já que havia facilidade de acesso, atribuído ao tamanho e localização da lesão faríngea. Na avaliação radiológica, a TC evidencia destruição óssea associado a grande massa de tecido mole paravertebral, com calcificações internas.

A TC é útil no estudo do grau e extensão da lesão óssea. A ressonância magnética (RM) tem melhorado o diagnóstico destas lesões em relação a TC, pois permite delinear toda a extensão tumoral. A imagem típica na RM é a hiperintensidade em T2, podendo demostrar realce heterogêneo ao gadolínio (4,8,14). O tratamento de escolha para o cordoma é a cirurgia com a remoção completa do tumor.

Nem sempre isto é possível devido a sua extensão e localização (envolvimento de estruturas nobres cranianas ou vertebrais), além de sua grande tendência de recorrência local (3,6). Os cordomas são considerados relativamente radioresistentes.

A radioterapia é indicada como terapia adjuvante para diminuir as recorrências, ou mesmo tratá- las, e para casos inoperáveis ou de remoção incompleta do tumor. Seus resultados pouco influenciam na melhora da sobrevida, mas atenuam os sintomas dolorosos (3,4). A radioterapia com fonte de próton parece promissora, demonstrando melhora nas taxas de controle local e sobrevida (15). Estudos com radiocirurgia, braquiterapia e quimioterapia ainda não mostraram resultados consistentes quanto a eficácia (12). Nossa opinião é que no tratamento do cordoma deve-se realizar o máximo de ressecção cirúrgica do tumor seguido de radioterapia.

No entanto, nossa paciente não foi submetida a cirurgia devido a extensão e invasão tumoral, sendo indicado a associação de quimio-radioterapia pelo Serviço de Oncologia. A incidência de metástases varia de 10 a 20%, podendo ocorrer entre 1 a 10 anos após o diagnóstico inicial, pouco interferindo na sobrevida dos pacientes. Acometem tecidos moles, linfonodos, pulmão, ossos e fígado (2,12). As taxas de cura da doença variam de 10 a 24% e a sobrevida em 5 e 10 anos é de 50% e 35%, respectivamente. Índices melhores de sobrevida são obtidos quando existe completa ressecção do tumor, associando ou não a radioterapia (6,12,15).

COMENTÁRIOS FINAIS

A rara incidência do cordoma na região cervical, especialmente com projeção em orofaringe, e a dificuldade de estabelecer um diagnóstico diferencial com outras neoplasias regionais dificultam seu diagnóstico, principalmente pelo Otorrino.

O diagnóstico precoce e o tratamento cirúrgico agressivo com remoção completa da lesão constituem fatores decisivos para um melhor prognóstico da doença.

Salientamos a importância da familiarização do Otorrinolaringologista com este tipo de neoplasia, a fim de instituir uma investigação criteriosa, um diagnóstico precoce e, consequentemente, um tratamento efetivo.

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Trabalho realizado no Serviço de Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Hospital Socor . Belo Horizonte . Minas Gerais . Brasil.
Trabalho apresentado como tema livre no III Congresso de Otorrinolaringologia da USP, realizado de 7 a 9 de agosto de 2003, em São Paulo.
Endereço para correspondência: José Miranda de Araújo Júnior . Rua Dante, 191/301 . Belo Horizonte / MG . CEP: 30240-290. Telefone: (31) 3223-0218 / 9991-9218. Fax:(31) 3295-1941. E-mail: jmiranda.araujo@ig.com.br
Artigo recebido em 2 de abril de 2004. Artigo aceito com modificações em 15 de outubro de 2004.
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