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Ano: 2005 Vol. 9 Num. 2 - Abr/Jun
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Gustav Killian - um Marco na Otorrinolaringologia |
Gustav Killian - a Milestone in the Otorhinolaryngology |
Como citar este Artigo |
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Author(s): |
Roberto Campos Meirelles*, Roberto Machado Neves-Pinto**.
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Resumo: |
Introdução: O alemão Gustav Killian foi certamente um marco para a Otorrinolaringologia mundial.
Objetivo: Os autores revisam a literatura e traçam um perfil biográfico com os fatos mais marcantes da vida e das contribuições à especialidade.
Revisão: Entre seus inúmeros legados, ênfase especial é dada à: 1) técnica de broncoscopia com tubo rígido por via natural, idealizada em 1897 e que persistiu por quase 70 anos como procedimento padrão no diagnóstico e tratamento de diversas afecções broncopulmonares; 2) sistematização da técnica de cirurgia do septo nasal pela ressecção submucosa (1899), conhecida como técnica de Killian, procedimento que também se manteve como método de escolha durante anos, sendo gradativamente substituída por outras a partir de 1960 até os dias atuais; 3) criação e manufatura do espéculo nasal longo.
Comentários: Contribuições geniais de maior e menor porte foram realizadas por Gustav Killian para a especialidade da Otorrinolaringologia e seu conhecimento deve ser estendido aos médicos mais jovens.
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INTRODUÇÃO
GUSTAV KILLIAN foi um dos maiores expoentes da Otorrinolaringologia mundial, em uma época na qual o especialista na área era o responsável não somente pela Otorrinolaringologia como também pela Broncoesofagologia, depois denominada Endoscopia Peroral e pela ainda inexistente Cirurgia de Cabeça e Pescoço, em muitos locais executada pelo Cirurgião Geral.
Trabalhando inicialmente na Universidade de Freiburg e depois em Berlim, foi pioneiro em alguns procedimentos, incansável pesquisador e deixou uma legião enorme de bons discípulos. Algumas de suas técnicas permaneceram como método de escolha por longos anos, como a broncoscopia rígida (1897) e a ressecção submucosa do septo nasal (1899) (1,2). O objetivo do presente trabalho é descrever suas atividades profissionais, incluindo aquelas menos conhecidas principalmente pelos otorrinolaringologistas mais jovens.
REVISÃO
GUSTAV KILLIAN nasceu em 2 de junho de 1860, em Mainz, Alemanha. Teve infância difícil, pois sua mãe faleceu quando tinha apenas cinco anos, vítima de cólera. O pai, professor de escola secundária, transtornado com o acontecido, refugiou-se no álcool. Dos cinco filhos que o casal teve, sobreviveram apenas dois, ele e seu irmão mais velho que se tornara otorrinolaringologista alguns anos antes (1-3).
Apesar de todas as dificuldades enfrentadas, jamais perdeu seu espírito empreendedor e seu senso de humor (1). Iniciou seu curso superior na Faculdade de Medicina de Strasbourg, complementando-o em Freiburg, Berlim e Heidelberg, sucessivamente. Nesta última, em 1884, finalizou seus estudos e foi aprovado no exame de conclusão da graduação. Em novembro do mesmo ano, após exames, recebeu também seu certificado em Freiburg (na época o diploma médico podia ser expedido por mais de uma Universidade) (1-3). Após a formatura, realizou seu treinamento prático no hospital público de Mannheim, seguindo-se o aperfei- çoamento em Cirurgia Geral, em Frankfurt. Ainda nesta cidade, tentou ser o cirurgião chefe, mas foi derrotado em árdua competição com Ludwig Rehn, que mais tarde seria o pioneiro da cirurgia cardíaca.
Esse caminho na Cirurgia Geral foi enganoso, já que seguiria outro ramo da medicina. Nesta época, revelando precocemente seu talento criativo, inventou uma bateria para o galvanocautério usado nas operações e uma ventoinha tubular para melhorar a audi- ção, precursora das próteses auditivas (1,3). Abandonou a luta pela Cirurgia Geral e dedicou-se integralmente à Otorrinolaringologia.
Em Berlim, ainda desconhecido, teve que pedir favores aos grandes professores da época para atuar nesta área, mas foi bem sucedido. Após um ano, ele adquiriu todo o conhecimento específico e já contava com a simpatia dos professores (3). Concomitantemente, programando sua vida pessoal, ficou noivo de uma moça de boa família e pretendia alcançar fama, reputação e ganhar dividendos para sua futura esposa. Não foi uma tarefa fácil para um estudante sem meios. Em 1887, retornou para Mannheim estabelecendo- se como médico prático. Após alguns meses, a Universidade de Freiburg nomeou-o chefe do Departamento de Doenças do Nariz e Garganta. Transcorrido um ano de trabalho, foi designado Professor de Laringologia da Faculdade de Medicina. Sua tese versou sobre o tema “On the Bursa and Tonsilla Pharyngea”. A cadeira de Otologia já estava preenchida por outro membro do Departamento cirúrgico (1-3). Em seus estudos anatômicos, ocupou-se com a inspeção do sistema respiratório, principalmente com a retirada de corpos estranhos e com as doenças pulmonares, como a tuberculose, na época avassaladora na Europa, ceifando muitas vidas.
No final do século XIX, a aspiração de corpos estanhos para a via respiratória tinha alta taxa de mortalidade, próxima de 50%, pois só era possível a sua retirada em alguns casos através de traqueostomia. Somente após a remoção por via endoscópica de três corpos estranhos localizados nos brônquios é que fez um relato científico para a classe médica.
Esta novidade despertou grande interesse e foi recebida entusiasticamente pelo mundo profissional, porque um processo que resultava em morte em metade dos casos, passou a ser tratado com pouquíssimos acidentes. O trabalho em que relatou esta façanha era intitulado “On Direct Bronchoscopy”, apresentado no 6º Congresso da Sociedade de Laringologistas do Sudoeste da Alemanha, em Heidelberg, em 29 de maio de 1898. KILLIAN descreveu três casos de extração traqueobrônquica de corpos estranhos usando um esofagoscópio modificado e anestesia tópica com cocaína. Para tanto, baseou-se nos trabalhos e na experiência de um dos seus mestres, ALFRED KIRSTEIN (1863-1922), pioneiro da laringoscopia direta, realizada pela primeira vez em 23 de abril de 1895, na qual usou um esofagoscópio de MICKULICZ-ROSENHEIM, adaptado para a laringe. KIRSTEIN achava que poderia inspecionar a traquéia com o tubo rígido, mas pressentia o risco de perfuração da mesma quando em contato com área próxima à pulsação aórtica, o que poderia causar hemorragia fulminante com subseqüente morte do paciente. Acabou não realizando a endoscopia além da laringe. KILLIAN conhecia, entretanto, o trabalho de Pieniazek intitulado “Die Tarcheoskopie und die tracheoskopischen Operationen bei Tracheotomierten”, publicado em 1896 no Arch. F. Laryng, no qual relatava a realização de traqueoscopia direta através de um traqueostoma sem complicações (4). Em seu treinamento prévio, ele introduziu seguidas vezes o broncoscópio através de traqueostomias, verificando que traquéia e brônquios eram flexíveis e elásticos; apenas o diâmetro do brônquio limitava o avanço do tubo em profundidade.
Concomitantemente, ele intubou muitos cadáveres por via orotraqueal. Uma vez, confidenciou a amigos que realizou broncoscopias repetidas em um bedel da Universidade de Freiburg, o Sr. Rest, que se prontificou a ser voluntário para os exames em troca de alguns trocados e, após algum tempo, talvez em troca também pela anestesia com cocaína. Em 30 de março de 1897, aconteceu seu primeiro caso dramático (1-4), com a pioneira e inédita remoção de corpo estranho brônquico por via endoscópica. Vale relembrar que, até então, os corpos estranhos eram retirados por traqueostomia ou o paciente evoluía para supura- ção broncopulmonar ou óbito.
Um fazendeiro da Floresta Negra, com 63 anos, admitido no Hospital com quadro agudo de dispnéia, expectoração e sangramento pela boca após a ingestão de uma sopa de legumes e vegetais com carne, quando se engasgou com um pedaço de osso de porco. Várias horas depois, a tosse e a expectoração sanguinolenta não tinham cessado e a dispnéia agravavase. Ao auscultar o tórax, KILLIAN notou um ruído tipo chiado na área pulmonar direita, caracterizando a obstrução e a presença do corpo estranho. Usando o laringoscópio de KIRSTEIN, seu professor, pode ver uma massa viscosa e suja, parecendo estar no brônquio fonte direito.
Após a palpação com estilete longo encontrou um objeto sólido em profundidade de 33,5 cm, a partir dos incisivos. Seu primeiro pensamento foi realizar traqueostomia. Na Alemanha da época, esta operação era realizada pelos cirurgiões gerais mais experientes, não sendo permitida aos otorrinolaringologistas praticá-la. O cirurgião geral GEHEIMRAT KRASKE, responsável pelo procedimento no hospital, foi contra a sua realização no caso. Isto deu o sinal verde para Killian colocar em prática, em um paciente, seus experimentos teóricos.
Para realizar o procedimento, utilizou um espelho frontal para iluminar através do tubo rígido (o esofagoscópio de MIKULICZ-ROSENHEIM adaptado) e anestesia tópica com cocaína. O procedimento foi difícil porque o esofagoscópio tinha apenas 25cm de comprimento e 8mm de largura, não alcançando o corpo estranho e impedindo a passagem do osso em seu interior. Após várias tentativas, conseguiu retirar o corpo estranho, puxando em bloco o tubo e a pinça apreendendo o osso. Valeu-se de uma pinça globosa, tipo fórceps. O osso tinha 11 mm de comprimento e 3mm de espessura.
Nasceu ali a broncoscopia rígida! (1- 4). Após este procedimento bem sucedido, tornou-se conhecido e sua fama espalhou-se por toda a Europa e em outros países, tornando-se especialista na remoção de corpos estranhos das vias aéreas e digestivas superiores. Sua clínica atraiu pacientes de todos os locais do mundo. Removia ossos, grãos de feijão, botões e moedas. É digno de nota o caso de uma família de Montevidéu, Uruguai, que foi a Alemanha com a filha de 7 anos, que tinha aspirado um apito de metal. Foi feita a retirada com êxito e a família voltou agradecida para a América do Sul com a criança salva.
KILLIAN também inventou e improvisou instrumentos para observar os brônquios, chamado por ele de “terra incógnita” (1,2). Foi considerado o pai da broncoscopia, que deu origem a toda a broncoesofagologia.
GUSTAV KILLIAN então com 37 anos, havia sido designado professor da cadeira de Otorrinolaringologia da Universidade de Freiburg cinco anos antes (3). A descoberta causou enorme impacto, levando diversos colegas ao hospital de Freiburg, que se tornou a Meca da peregrinação para broncoscopia.
Médicos de todo o mundo vinham ver seus métodos. Os anos seguintes foram preenchidos por aperfeiçoamentos técnicos e o desenvolvimento de novos instrumentos para aprimorar os métodos de diagnóstico das afecções traqueobrônquicas. Publicou inúmeros trabalhos sobre a observação de doen- ças da traquéia, brônquios e pulmões (3,6). LIETAUD, em 1767, fez a primeira menção de um tumor traqueal, um fibroma diagnosticado post-mortem. Em 1861, TURCK, um dos divulgadores da laringoscopia indireta de MANOEL GARCIA, vê, pela primeira vez, por este método, um tumor na traquéia e, em 1897, KILLIAN faz a primeira descrição de visualização direta de um tumor traqueal (3). Em maio de 1898, após um ano de suas experiências iniciais, descreveu alguns aspectos básicos da moderna broncoscopia na revista Münchner Medizinische Wochenschrift: “...os brônquios são elásticos, suavemente flexíveis e podem ser dilatados. Mas, o mais importante é que podem ser deslocados. Não devemos mais imaginar a árvore traqueobrônquica dura e rígida, como se fosse feita de ferro. Pelo contrário, as estruturas e os diferentes ramos mostram pulsação e movimentos respiratórios. É óbvio que o brônquio não resiste ao movimento dos instrumentos, cedendo se fortemente pressionado. É ainda possível, sob anestesia local, inserir cuidadosamente o instrumento pela bifurcação nos ramos de diferentes diâmetros e ver os pequenos brônquios. Tendo este método em mente, eu não posso pensar ser arriscado e difícil tentar a broncoscopia direta” (5). Em 1889, transcorridos dois anos de sua pioneira broncoscopia, faz a primeira menção da técnica de dacriocistorrinostomia por via intranasal, procedimento modificado inúmeras vezes entre 1910 e 1930 por otorrinolaringologistas e oftalmologistas (6). Em 1899, aperfeiçoou a técnica de cirurgia do septo nasal de INGALS (1882), que orientava a ressecção submucosa total da cartilagem.
Propôs uma alternativa que logo se mostrou mais eficaz, preservando as porções caudal e dorsal do septo cartilaginoso, descrita como ressecção em janela, mantendo a estrutura mais firme e posicionada. Introduziu nesta técnica o espéculo nasal longo, que alcançava a região posterior da fossa nasal até o cavum, conhecido hoje como espéculo de KILLIAN, o qual considerava essencial para a realização de seu procedimento. Esta técnica foi o alicerce da moderna cirurgia septal. O seu famoso artigo “Die submucöse Fensterresektion der Nasenscheidewand” foi publicado originalmente em alem ão na revista Arch Laryng Rhin em 1904, baseado na sua casuística de 220 operações de desvio de septo nasal. Este artigo foi posteriormente traduzido para o inglês. KILLIAN defendia o levantamento de retalho mucopericondral, ressecando a cartilagem, o vômer e a lâmina perpendicular do etmóide (2). Em 1900, propõs a uncinectomia com alargamento do óstio vizinho, antecipando o que mais tarde seria conhecido como infudibulotomia e meatotomia média às custas do alargamento do óstio natural do maxilar (3). Em 1903, publica um livro sobre os seios paranasais e sua função acessória do nariz, onde discorre sobre as relações anatômicas e fisiológicas na implicação de doen- ças sinusais, inicialmente em alemão, intitulado “Die Nebenhöhlen der Nase in ihren Lagebeziehungen zu den Nachbarorganen”.
Um ano após surge a tradução inglesa, feita pelo médico R. PATTERSON, denominada “The accessory sinuses of the nose and their relations to neighboring parts”, publicado por Jena e Fischer, com 35 páginas e 15 lâminas com figuras desenhadas, em formato de 34cm. Este trabalho é encontrado na Biblioteca da University College of London. No prefácio do livro, KILLIAN escreveu “...com minhas preparações, eu me esforcei para trazer o complexo do nariz e cavidades paranasais para as representações e figuras, os quais são para o cirurgião operar e usar. Ao mesmo tempo, eu prestei atenção em descrever as relações altamente importantes e interessantes entre as fossas nasais e os órgãos anexos, como cavidades paranasais, órbita e cérebro, com desenhos instrutivos”.
O trabalho despertou grande atenção internacional e apareceu em várias outras edições tamb ém em francês (2,6). A primeira descrição do divertículo hipofaríngeo foi creditada a ABRAHAM LUDLOW em 1764, após a autópsia realizada em um homem que regurgitava comida não digerida revelar um saco hipofaríngeo.
Em 1816, Sir Charles Bell, o mesmo da paralisia facial, descreveu os dois componentes necessários para o desenvolvimento do divertículo hipofaríngeo, que eram a incoordenação entre os músculos constrictor inferior e o cricofaríngeo e a existência de defeito anatômico entre estes músculos. Finalmente, em 1877, o patologista alemão ALBERT ZENKER, em companhia de HUGO W. VON ZIEMSSEN, relataram a alteração de forma completa, fato que leva ao nome do divertículo.
Killian aperfeiçoou a idéia de BELL, publicando em 1907 a correta fisiopatologia e localização do divertículo, como sendo uma área do esôfago cervical de formato triangular, de deiscência natural, margeada pelas fibras oblíquas do músculo constrictor inferior, as fibras transversas do músculo cricofaríngeo, o triângulo nodal entre o orifício do seio coronário e a crista ventricular. Esta área, de camadas de fibras musculares debilitadas, por onde sai o divertículo, ficou conhecida como triângulo de KILLIAN. A primeira tentativa de remoção cirúrgica do divertículo de ZENKER foi em 1884, porém houve hemorragia da artéria tireóidea superior e o paciente morreu.
Em 1886, o cirurgião irlandês WILLIAM I. WHEELER realizou com êxito a primeira cirurgia de excisão de divertículo de ZENKER (3). Em uma época pré-antibiótico, as complicações das sinusites eram rotina e as seqüelas e óbitos ocorriam com freqüência. O único tratamento possível era a drenagem cirúrgica.
KILLIAN defendeu este método preconizando, assim como RIEDEL, LOTHROP e LYNCH, a abertura cirúrgica do seio frontal. Esta operação ficou conhecida como cirurgia de KILLIAN e consistia na retirada da parede anterior do seio frontal e na curetagem da membrana mucosa. As células etmoidais também eram curetadas através de uma abertura no processo nasal e a parede superior da órbita removida em seguida. Tal procedimento levava a um prejuízo estético enorme, mas era feito de emergência, evitando complicações cerebrais e morte.
Para evitar a deformidade estética, KILLIAN modificou a sua técnica original, conservando uma faixa óssea da tábua anterior do frontal ao nível da arcada superciliar. Constantemente convidado e com grande número de conferências para ministrar, teve que treinar dois assistentes que o auxiliaram e foram sumamente importantes para a divulgação da sua obra: von EICKEN e BRUNNINGS, o primeiro um poliglota e o segundo com excepcional habilidade. KILLIAN também era muito hábil e desenvolveu diversos instrumentos para o exame, porém como era muito ocupado, acabou deixando este projeto praticamente nas mãos de BRUNNINGS.
Este, de forma brilhante, idealizou e aperfeiçoou novos instrumentos com iluminação direta proximal, que foram usados durante décadas na Europa. Foi condecorado com o título de Membro de Honra ou Correspondente de diversas sociedades médicas.
Recebeu diversas homenagens como médico, professor universit ário e cientista, muitos títulos de Doutor Honoris Causa, nacionais e internacionais. Em 1900, foi agraciado com o prêmio de honra da mais prestigiada revista da época, a revista de Medicina de Viena. Em 1907, ainda em Freiburg, recebeu um convite da American Triological Society, para visitar os Estados Unidos. Viajou acompanhado de seu assistente KOELLREUTHER, proferindo conferências em diversas cidades americanas como Nova York, Washington, Pittsburgh, Chicago e Boston e acabou estendendo sua viagem até Montreal, no Canadá. Em todas elas, além das palestras, executou cirurgias e demonstrou broncoscopias, sendo entusiasticamente recebido pelos colegas americanos.
Sua técnica de cirurgia do seio frontal foi muito apreciada. Recebeu a mais alta condecoração da American Laryngological, Rhinological and Otological Society, a medalha de ouro, atingindo o clímax de sua excursão quando foi recebido pelo Presidente Theodore Roosevelt.
Durante a passagem na América do Norte, escreveu incontáveis cartas a sua esposa, que ficara na Alemanha, muitas das quais posteriormente se tornaram públicas. Em uma delas, confrontando o início de sua estadia americana, quando se sentia como um estrangeiro, com o final da viagem, já consagrado e reconhecido pelos médicos locais, dizia: “... Neste país você não é ninguém, não tem nenhum crédito, não recebe qualquer favor, até que você mostre quem você é e o que pode fazer e realizar” (6). Os avanços adicionais da broncoscopia foram inicialmente limitados pela dificuldade na iluminação distal, um obstáculo que seria vencido a partir da invenção de Thomas Edison, com a possibilidade de utilização de pequenas lâmpadas colocadas na porção distal dos broncoscópios, método este idealizado e popularizado por Chevalier-Jackson, na Filadélfia. JACKSON, porém, reconhece em seu livro “Tracheo-Bronchoscopy, Esophagoscopy and Gastroscopy” (1907), a importância de KILLIAN como pioneiro da broncoscopia, citando-o como autor da primeira remoção de corpo estranho por via endoscópica. O seu método de broncoscopia rígida persistiu até 1964, quando SHIGETO IKEDA modificou o instrumento do exame com a introdução do broncofibroscópio. Ainda hoje é usada para a remoção da maior parte dos corpos estranhos, nos quais não é possível a retirada por broncofibroscopia com suas delicadas pinças. Além da broncoscopia, idealizou também a laringoscopia de suspensão para remoção de lesões laríngeas pequenas, método mais tarde aperfeiçoado por OSKAR KLEINSASSER (1930-2001) com a introdução e sistematização da microcirurgia da laringe. Observou também o pólipo de implantação no seio maxilar que se estendia pelo orifício acessório para a fossa nasal e o cavum, denominado pólipo antro-coanal ou de KILLIAN. KILLIAN era o especialista mais conhecido e de maior reputação em Otorrinolaringologia.
Em 1911, FRÄNKEL contraiu uma doença que o consumiu e o obrigou a encerrar suas atividades, retirando-se do cenário médico e universitário. FRÄNKEL atuava sobretudo na área da Laringologia, em um setor separado dentro da Universidade de Berlim. Com a sua saída, criou-se uma discussão na Universidade se este ramo permaneceria isolado ou se uniria aos outros dois para formar um Departamento de Otorrinolaringologia. FRÄNKEL, ainda em atividade, tinha manifestado o desejo de manter sua amada Laringologia isolada e apoiou KILLIAN como seu sucessor.
PASSOW, responsável pela Otologia, tentou unir os três setores sob seu comando. Tal atitude foi polêmica e gerou enorme controvérsia no meio médico alemão. Devido ao seu gênio brilhante e a sua ilibada reputação, KILLIAN era o mais indicado para chefiar o Departamento de Otorrinolaringologia. Entretanto, muitos criticavam o apoio dado a ele porque não era um otologista atuante e, portanto, não poderia chefiar um Departamento de Otorrinolaringologia, justificando porque em Freiburg ficou restrito a Rinolaringologia. Por outro lado, PASSOW atuava nas três áreas.
A questão foi resolvida com a interferência de Sir Felix Semon, residindo em Londres, porém alemão de nascimento e médico particular do imperador Friedrich III (que faleceu vítima de câncer laríngeo) e amigo pessoal de KILLIAN.
Com sua influência, conseguiu que ele fosse designado o chefe na Rinolaringologia, deixando a Otologia para PASSOW. Em Berlim, atingiu o clímax em experiência e capacidade, com muito sucesso, sobretudo na cirurgia rinolaringológica. Trabalhou em modestas condições, mas pela dedicação e empenho obteve uma posição de lideran ça e de alta reputação. Tinha estatura acima da média e qualidades peculiares como inteligência privilegiada, talento artístico, habilidade manual, além de ser metódico e enérgico. Em adição, tinha forte amor pela vida familiar, pela Natureza e pelas artes. No final de sua vida, ia freqüentemente a sua casa de campo, nas bordas do lago Constance. Durante a 1ª Guerra Mundial, dedicou-se a atender os soldados do Exército com lesões traumáticas do nariz e da região frontonasal.
Talvez a maior tragédia que tenha enfrentado foi quando seu filho mais jovem, piloto de avião, teve um acidente com queda da aeronave que esmagou sua fronte. Chamado, correu apressadamente para o hospital militar e operou o filho, mas nada pode fazer contra a meningite, provável causa do óbito ocorrido no período pós-operatório. Seus últimos momentos de vida foram dedicados ao estudo da história dos métodos de pesquisa médica.
Algum tempo após o acidente do filho, teve um câncer gástrico fulminante, que o levou ao óbito aos 60 anos, em 24 de fevereiro de 1921. Seus pupilos EICKEN, ALBRECHT, BRUNNINGS e SEIFFERT (este último mestre de Denecke), ocuparam as cadeiras das principais e mais importantes universidades alemãs e resumiram suas idéias.
Sua broncoscopia com tubo rígido e a técnica de septoplastia submucosa perduraram por vários anos como método de escolha no tratamento de pacientes. Somente em 1964, 67 anos após a primeira broncoscopia rígida, foi instituída a broncofibroscopia que mudou o paradigma da endoscopia respiratória, sobretudo a diagnóstica.
A técnica de cirurgia do septo nasal perdurou também por quase 70 anos e, ainda hoje, embora obsoleta, alguns ainda a usam em determinadas situações.
Talvez não se conheçam procedimentos padrão tão duradouros na Otorrinolaringologia. A Associação Mundial de Broncologia instituiu o prêmio GUSTAV KILLIAN, oferecendo todos os anos a medalha ao melhor trabalho na área de endoscopia.
A Universidade de Freiburg, onde KILLIAN desenvolveu suas pesquisas iniciais, foi fundada pelo arquiduque Albrecht IV da Áustria em 1457, sendo a segunda Universidade no território de Habsburg, após Viena. Como uma típica Universidade da Idade Média tardia, consistia inicialmente de quatro colégios: Teologia, Lei, Medicina e Filosofia. A maioria dos estudantes vinha do sudoeste alemão, da Alsácia, Suíça e Áustria. Atualmente, o Departamento de Otorrinolaringologia é coordenado pelo Prof. H.C. Roland Laszig.
COMENTÁRIOS FINAIS
O sucesso de GUSTAV KILIIAN não foi apenas fruto do acaso, da intuição ou da coragem, mas sim, produto final de um trabalho minucioso, com cuidadosa preparação cientí- fica e propósito definido. Antes dele, ninguém tinha ousado introduzir um tubo na traquéia, a qual era considerada vulnerável, especialmente além da bifurcação. Tudo teve um preparo teórico planejado, que demandou anos de treinamento prático e árduo trabalho. Teve, ainda, o mérito de ter legado uma legião de discípulos de excelente padrão, tendo formado uma verdadeira escola de Rinolaringologia.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. Hirsch NP, Smith GB, Hirsch PO. Alfred Kirstein: Pioneer of direct laryngoscopy. Anaesthesia, 41:42-45, 1986. 2. Killian G. Die Nebenhöhlen der Nase in ihren Lagebeziehungen zu den Nachbarorganen, Berlim, Jena Fischer, 1903. 3. Zollner F. Gustav Killian, father of bronchoscopy. Arch. Otolaryngol., 82:656-659, 1965. 4. Killian G. Ueber directe Bronchoskopie. Münchener Medicin Wochenschrift, 45:4, 1898. 5. Plinkert PK. Gustav Killian, ein Pionier der Endoskopie. HNO, 46:629-630, 1998. 6. Breinsinger A, Laszig R, Matthys H. Gustav Killian Gedächtnislesung. Pneumologie, 51:611-619, 1997. 7. Newman WA. Dorland.s Illustrated Medical Dictionary. 28th ed. Philadelphia. WB Saunders Co, 1994.
* Professor Adjunto de Otorrinolaringologia da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. ** Livre-Docente em Otorrinolaringologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Instituição: Universidade do Estado do Rio de Janeiro Endereço para correspondência: Rua Siqueira Campos, 43 gr. 1125 . Rio de Janeiro / RJ . CEP: 22031-070 . Telefone: (21) 2548-5543. Fax: (21) 2549-2969. E-mail: rocame@superig.com.br Artigo recebido em 20 de abril de 2005. Artigo aceito em 27 de abril de 2005.
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