INTRODUÇÃOO câncer da laringe é uma neoplasia pouco freqüente, representando 1 a 2% dos tumores malignos do homem. Sua importância se relaciona as modificações que traz ao órgão vocal, tanto pela sua presença, como por procedimentos cirúrgicos terapêuticos, modificando ou mesmo abolindo a voz falada. Em certos pacientes essas modificações levam a alterações psicossociais, podendo mesmo comprometer sua qualidade de vida.
Quando diagnosticada precocemente esta neoplasia é curavel, na maioria dos casos, por métodos cirúrgicos conservadores, irradiação, ou esta combinada à cirurgia e a quimioterapia, com bons resultados quanto a sobrevida do paciente e a preservação de sua voz.
MÉTODOS Este trabalho é uma analise de1055 pacientes portadores de câncer da laringe, tratados pela cirurgia, num período de 35 anos (1955-1990).Compreende os casos operados na Clinica de Endoscopia Per-Oral e Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Hospital Geral de Bonsucesso (Ministério da Saúde, RJ) e casos da clínica particular de um dos autores (FA).
Serão descritas as técnicas empregadas, as complicações das cirurgias, as complicações pós operatórias, seguidas da analise dos resultados. Esta neoplasia predomina no sexo masculino: 968 pacientes eram homens (91,7%), e 87 eram mulheres (8,2%). Dos 1055 pacientes estudados, 140 não foram seguidos, 915 foram revistos por mais de 5 anos, 86% eram brancos, 7,5% pardos e 5,6% negros, com idades variando entre 20 e 84 anos.
Seguiremos a classificação T.N.M, pois acreditamos ser a melhor maneira de estadiar as lesões.
RESULTADOS E DISCUSSÃOO câncer da laringe têm características próprias conforme sua localização. A laringe é dividida em três regiões: supra-glótica, glótica e subglótica. A região supra-glótica tem origem nos 3o e 4o arcos faríngeos (segmento buco-facial do embrião), as regiões glótica e sub glótica, se originam no 5o e 8o arcos faríngeos, (segmento pulmonar do embrião) (1). Além dessa distinção anatômica e embriológica, há uma separação nas irrigações sangüínea e linfática. A região supra-glótica é irrigada pela artéria laringéia superior, ramo da carótida, e as regiões glótica e subglótica são irrigadas pela artéria tireoidiana inferior, ramo da subclávia. Os linfonodos, abundantes na região supra-glótica, drenam através da membrana tiro-hioidéa para os linfonodos médios e superiores da cadeia jugular. Os linfonodos da prega vocal, bem mais escassos, drenam pela membrana crico-tiróidea para os linfonodos médios e profundos da cadeia jugular. A região glótica anterior possui rede linfática que drena através da parte superior da membrana crico-tiróidéia, para o linfonodo pré-laríngeo ou de Delphian. Este linfonodo se localiza na parte anterior da membrana crico-tiróidea, acima do istmo da glândula tireóide, recebendo linfonodos da parte anterior das pregas vocais e das partes superior e anterior da glândula tireóide. A contaminação do linfonodo pré laringeo é comparada a metástases linfonodais contra laterais (TUCKER, 2).
Nos 1055 pacientes a histologia revelou: 1) carcinoma epidermoide em 1050, 2) carcinoma de células fusiformes (cárcino-sarcoma) em dois casos e, 3) um caso de carcinoma verrugoso, e dois casos de adenocarcinoma papilifero da glândula tireóide invadindo a laringe.
Tumores supra-glóticosAs lesões supra-glóticas são mais freqüentes nas pacientes do sexo feminino. Entre as 87 mulheres, 18 (20,6%) apresentavam tumores supra-glóticos; nos 968 pacientes do sexo masculino, 57 (5,8%) apresentavam lesões supra-glóticas. Os tumores da região supra-glótica dificilmente se propagam para a região glótica, apesar de não ter sido demonstrada nenhuma barreira anatômica que justifique esse comportamento. Possivelmente a origem embriológica diferenciada dessa região, e a separação das irrigações sangüínea e linfática sejam as razões pelas quais esses tumores raramente atravessam o ventrículo de Morgagni. Baseado nesses achados, ALONSO (3) idealizou a técnica cirúrgica conhecida como laringectomia horizontal ou supra-glótica, usada pela maioria dos autores com excelentes resultados (4,5). Estes tumores podem infiltrar a cartilagem da epiglote e contaminar o espaço pré-epiglótico. Os tumores que infiltram esse espaço podem também se estender à valécula e daí a base da língua, propagando-se aos ligamentos ari-epiglóticos e, em alguns casos, chegando até á face medial do seio piriforme. Setenta e cinco pacientes com lesões supra glóticas foram operados pela técnica da laringectomia horizontal, com pequenas modificações, conforme sua extensão. Nos tumores limitados a face laríngea da epiglote não retiramos o osso hióide, pois sua permanência facilita o fechamento da ferida cirúrgica. Em alguns casos abrimos o osso na parte média, afastando as duas metades, e suturando-o ao final. Nos casos em que, durante a cirurgia, sentimos a infiltra¬ção do espaço pré-epiglotico, o osso hióide foi removido com a peça cirúrgica, e o fechamento realizado com a base da língua.
O ponto crítico desta cirurgia é a demora para o restabelecimento da deglutição. Por esse motivo, nos pacientes acima de 60 anos, além dos exames pré-operatórios de rotina foi feito um estudo clinico da função respiratória, pois os mais idosos têm maior dificuldade na deglutição. Caso a função respiratória mostrasse alterações importantes, optávamos pela laringectomia total.
Em 33 pacientes a lesão era T1AN0M0, (26 homens e 7 mulheres), 28 pacientes apre- sentavam lesões T1BN0M0, (20 homens e 8 mulheres). Em 7 pacientes a lesão era mais extensa, T4N0M0 (6 homens e 1 mulher). Sete pacientes apresentaram metástases em linfonodos cervicais: T1AN1M0, T1BN1M0, T4N1M0 (cinco homens e 2 mulheres). Sete pacientes desta série não tiveram seguimento e foram retirados da análise. Sessenta e oito pacientes foram seguidos, 50 homens e 18 mulheres. Desses, 40 estão vivos (58,8%).
Onze pacientes tiveram recidivas locais, 4 foram laringectomizados e dois estão vivos. Os demais, apesar do tratamento por irradiação ou quimioterápicos, vieram a falecer. Seis pacientes retornaram com metástases linfonodais cervicais. Em 3 um esvaziamento linfonodal radical foi realizado, dois permanecem vivos e, os demais, com lesões fixas ou ulceradas, faleceram da doença. Seis pacientes tiveram metástases à distancia: 5 com metástases pulmonares e um com metástases hepáticas faleceram. Dois pacientes faleceram no pós-operatório: um de acidente vascular cerebral e, outro, com hemorragia da artéria lingual. Dois pacientes faleceram dois anos após a cirurgia: um de infarto agudo do miocárdio e, outro, de abcesso pulmonar por aspiração. Uma paciente faleceu durante a cirúrgia em decorrência de parada cardio-respiratória.
Tumores do ligamento ari-epiglóticoAinda na região supra-glótica, 5 pacientes foram operados com tumores limitados ao ligamento ari-epiglotico, 2 á direita e 3 a esquerda, todos do sexo masculino. Em um paciente o tumor foi removido por via endoscópica e sua base cauterizada. Os demais foram operados por meio de uma faringotomia lateral, com ressecção da lesão e sutura da mucosa. Um paciente não retornou após a cirurgia e 3 estão vivos e bem (75%). Um paciente apresentou recidiva e foi submetido a uma laringectomia total, vindo a falecer com recidiva na faringe após dez meses.
Tumores Glóticos
Os tumores da região glótica são os mais freqüentes entre as lesões malignas da laringe, tendo origem no epitélio escamoso da mucosa da prega vocal. Sua evolução é lenta, dão metástases tardiamente e seu principal sintoma, a disfonia, é precoce. Geralmente são precedidos por lesões histológicas do epitélio, denominadas pré-malignas, como a hiperplasia epitelial, que pode mostrar queratose em sua camada superficial, como também nas camadas mais profundas (disqueratose). Essas alterações são quase sempre respostas a inalantes externos, dentre os quais o fumo é o principal. Num estágio mais avançado aparecem as displasias, que podem ser leves, moderadas ou intensas. As displasias se caracterizam por alterações não só na disposição das células, mas também por modificações nucleares (atipías), com núcleos hipercorados, aumentados em relação ao citoplasma, e o aparecimento de mitoses. O passo seguinte é o carcinoma intraepitelial, onde há uma desorganização em toda a camada epitelial, com grande número de mitoses, já caracterizando uma lesão maligna.
AUERBACH e colaboradores (6) estudaram, em autópsia, indivíduos que tinham falecido de várias causas, separando-os em três grupos: fumantes, não fumantes, e os que haviam dei- xado de fumar há mais de cinco anos. O exame da laringe no grupo dos fumantes mostrou atipías celulares em 99% dos casos, sendo que, em 16%, diagnosticou-se o carcinoma in situ. No grupo dos não fumantes e dos que haviam deixado de fumar há mais de 5 anos não foi encontrado nenhum caso de carcinoma intraepitelial, e somente em 25% dos casos havia atipías celulares. O grande número de lesões encontradas nos fumantes e a drástica diminuição dessas lesões nos que deixaram de fumar nos leva a indagar, como o fizeram AUERBACH e colaboradores, sobre a possibilidade de regressão dessas lesões com a suspensão do agente agressor.
Carcinoma intra-epitelialEste tipo de tumor foi descrito por BRODERS (7) em 1932, que o denominou carcinoma in situ. ALTMANN (8) publicou uma série de casos detalhando sua estrututra histológica em 1952. Esta é uma lesão maligna limitada a camada epitelial da mucosa. Porém, quando pequenos brotos epiteliais partindo da basal invadem a sub-mucosa, ele é denominado carcinona in situ com microinvasão. Por meio de laringoscopia de suspensão, LYNCH (9) operou os primeiros casos em 1920. Somente em 1968, com os trabalhos de KLEINSSASER (10) sobre a ressecção endoscópica pela microlaringoscopia, esse método cirúrgico passou a ser amplamente utilizado e divulgado. APRIGLIANO FILHO (11), em seu trabalho sobre o carcinoma in situ, também demostra as vantagens do tratamento cirúrgico.
Operamos 54 casos de lesões intraepiteliais ou microinvasivas da prega vocal. A média de idade dos homens (46 pacientes) foi de 56 anos e das mulheres (8 pacientes) 53 anos. Em 49 casos a lesão era unilateral e, em 5, bilateral. Dentre os casos, 30 eram de carcinoma in situ, 19 de carcinoma in situ com microinvasão e 5 apresentavam pequenas lesões invasivas bem limitadas ao terço médio das pregas. De 47 pacientes que foram acompanhados, 43 estão vivos (91,4%). Quatro casos recidivaram, um não retornou, um foi submetido a uma laringectomia fronto-lateral e está vivo. Dois pacientes foram submetidos a uma laringectomia total, um está vivo e, o outro, faleceu com metástases pulmonares. Nenhum paciente faleceu de câncer da laringe.
A técnica cirúrgica pela microlaringoscopia é bem conhecida. A exposição das pregas vocais deve ser total, da comissura anterior até a posterior, usando-se o laringoscópio de suspensão de maior tamanho para o paciente. A mucosa, fixada com micropinça, vai sendo removida com bisturi ou tesoura curva, até a exposição do ligamento cônico. Em caso de duvida, pode-se retirar parte do músculo vocal, pois a cicatrização e a recuperação vocal são excelentes.
Nos casos de lesões bilaterais, ou quando se deve operar uma segunda vez, o intervalo mínimo entre procedimentos deve ser de quatro semanas. Esta cirurgia deve ser realizada com a colaboração de um patologista, que verificará, por congelação, os limites da ressecção. Esses pacientes devem ser revistos de 2 em 2 meses no primeiro ano, intervalo esse que vai progressivamente aumentando. Após cinco anos a revisão será anual.
Tumores glóticos invasivosEstes tumores se propagam com maior frequência para a subglote, podendo também invadir o ventrículo de Morgagni e o espaço paraglótico, determinando a paralisia da prega vocal lesada. Os tumores da parede medial e do angulo anterior do seio piriforme também podem determinar a paralisia da prega vocal por invasão do espaço paraglótico, sem lesão aparente da mesma.
Os tumores glóticos que atravessam o ventrículo de Morgagni e invadem a falsa corda foram denominados transglóticos (MAC-GRAVAN, 12). Os tumores primitivos da subglote são raros. KLEINSSASER (13) não acredita que sejam primitivos da região. Segundo esse autor, a região sub-glótica é parte da região glótica e esses tumores seriam extensões sub-glóticas de tumores glóticos. Em nossos casos, observamos somente um paciente cuja lesão foi classificada como primitiva da sub-glote (0,1%).
Foram submetidos à laringectomias parciais 266 pacientes com tumores glóticos, sendo
21 cordectomias e 245 laringectomias parciais fronto-laterais tipo LEROUX ROBERT (14).
Os 21 pacientes submetidos a cordectomia foram os primeiros de nossa série e os resultados foram inferiores se comparados a outros tipos de cirurgias parciais que realizamos. Quatorze pacientes (66,6%) sobreviveram mais de 5 anos. Um paciente apresentou metástases cutâneas 3 meses após a cirurgia e faleceu. Seis pacientes tiveram recidivas locais e foram laringectomizados; quatro sobreviveram. Dos 245 pacientes submetidos a laringectomias fronto-laterais, 20 não tiveram seguimento pós operatório e 225 foram seguidos: 105 eram portadores de lesõesT1AN0M0, 79 apresentaram lesões T1BN0M0 e 41 apresentaram lesões um pouco mais extensas, com diminuição ou fixação da prega vocal (T2N0M0) e (T3N0M0), mas bem limitadas a essa. Esses pacientes foram operados por uma técnica de fronto-lateral alargada. Esta técnica compreende, além da retirada da prega e falsa prega vocais, a remoção de parte ou toda a ala da cartilagem tireóide do lado afetado. Caso não haja suficiente retalho mucoso, a reconstituição dessa hemilaringe é feita levando-se a mucosa do seio piriforme e suturando-a ao coto restante. A sobrevida em cada grupo foi: 80 pacientes (76,1%) T1AN0M0, 59 pacientes (76,6%) T1BN0M0 e 24 pacientes (56%) com lesões mais avançadas (T2N0M0) e (T3N0M). Um paciente (T1AN0M0) faleceu durante o ato cirúrgico com parada cardio-respiratoria e três faleceram antes de completar cinco anos de cirurgia: um por acidente vascular cerebral e dois por infarto agudo do miocárdio. Quatro pacientes apresentaram um segundo primário: um com carcinoma do pulmão e outro com carcinoma do esôfago foram irradiados, porém faleceram. Um paciente, com carcinoma do lábio, foi operado e está vivo. Um paciente apresentou um carcinoma do cólon (diagnosticado 13 anos após a cirurgia laríngea), foi operado e faleceu um ano depois, por recidiva desse tumor.
Quinze pacientes com lesões T1AN0M0 apresentaram recidivas locais. Um não mais retornou, nove foram submetidos a laringectomias totais, um foi reoperado e quatro foram irradiados. Sete pacientes estão vivos, com mais de 5 anos após a segunda cirurgia. Um paciente faleceu de infarto agudo do miocárdio e os demais faleceram com metástases linfonodais ou metástases à distancia. Cinco pacientes retornaram com metástases linfonodais cervicais e quatro foram submetidos a esvaziamento linfonodal cervical. Um paciente foi irradiado, um não retornou e dois estão vivos. Um paciente apresentou recidiva e foi laringectomizado, tendo falecido com recidiva na faringe.
Do grupo de pacientes com lesões T1BN0M0, um faleceu no pós-operatório devido a hemorragia digestiva, dois faleceram antes de completar 5 anos de cirurgia (ambos por infarto agudo do miocardio), dois apresentaram metástases à distancia: um com metástases cutâneas e outro com metástases cerebrais. Um paciente apresentou um segundo primário do esôfago, foi irradiado, porém veio a falecer. Doze pacientes apresentaram recidivas locais, 2 não retornaram. Sete foram laringectomizados, um não foi seguido, dois foram irradiados e um reoperado. Desse grupo, 4 pacientes estão vivos. Dois apresentaram metástases linfonodais cervicais, foram submetidos a um esvaziamento linfonodal radical e estão vivos. Os demais faleceram com metástases à distancia.
Do grupo de 52 pacientes com lesões mais avançadas (T2N0M0 e T3N0M0), 41 foram acompanhados por cinco anos ou mais e 24 estão vivos (58,5%). Treze pacientes apresentaram recidivas locais, doze foram laringectomizados e um reoperado. Sete pacientes estão vivos. Três desenvolveram metástases pulmonares, dois recidivaram na faringe e não retornaram e um faleceu no pós-operatório devido a insuficiência cardíaca. Dois pacien¬tes retornaram com metástases linfonodais cervicais, foram submetidos a esvaziamento linfonodal cervical radical e um está vivo. Um paciente faleceu de um segundo primário do pulmão e, outro, dois anos após cirurgia, apresentou uma lesão na face laríngea da epiglote.
Na técnica da laringectomia fronto-lateral, após o afastamento da musculatura anterior procuramos isolar o gânglio pré-laríngeo, removendo-o para exame histológico. Em seis pacientes (2,4%) o gânglio pré-laríngeo mostrou-se comprometido. Em oito pacientes (3,2%) com lesões T1A eT1B, a peça cirúrgica não apresentou sinal de lesão maligna ao exame histológico. A Figura 1 mostra a peça cirúrgica de uma laringectomia fronto-lateral alargada.
Complicações das laringectomias parciaisNas primeiras doze horas pós-operatórias um pacien¬te apresentou um enfisema sub-cutâneo. A colocação de pequenos drenos em vários pontos do pescoço, reduziu o enfisema e o paciente teve alta bem. Três pacientes necessitaram drenagem de um abcesso subcutâneo anterior, um outro apresentou um sangramento pós-operatório, que necessitou abertura da ferida para hemostasia. Três pacientes apresentaram fistula na união das cartilagens, que fechou com curativos diários. Dois pacientes apresentaram estenose laríngea, necessitando de dilatação para que a cânula de traqueostomia fosse retirada. Quatorze pacientes apresentaram granulomas no ângulo anterior da laringe, removidos por meio de laringoscopia direta. Em 19 pacientes a cobertura da ferida operatória foi feita com um enxerto bipediculado do músculo esterno-hióideo. Entretanto, esse procedimento foi abandonado pois os resultados não foram satisfatórios.
Dos 655 pacientes submetidos a laringectomia total, 24 apresentavam lesões T2N0M0, 472 apresentavam lesões T3N0M0 e 45 mostravam T4N0M0. Na primeira consulta 114 pacientes já apresentavam metástases cervicais. Destes, 6 eram T2N1-2M0, 67 eram T3N1-2M0 e 41 eram T4N1-2M0. Dos 24 pacientes com lesões T2N0M0, dois não retornaram para revisões e 16 estão vivos com mais de cinco anos (72,7%). Um paciente faleceu no pós-operatório devido a uma insuficiência renal aguda, após hemorragia digestiva. Dois pacientes apresentaram recidivas locais e linfonodais ulceradas, vindo a falecer. Após 8 meses, um terceiro paciente apresentou metástase ao nível do traqueostoma e foi submetido a tratamento quimioterápico, sem resultados. Dois pacientes faleceram antes do segundo ano pós-operatório, um com metástases pulmonares bilaterais e, outro, com um segundo primário do pulmão.
Os pacientes com lesões T3N0M0 foram em número de 472. Desses, 67 não tiveram seguimento, sendo 405 o total de pacientes estudados. Encontramos 162 lesões transglóticas, 123 lesões limitadas à glote, 45 lesões glóticas com extensão para a sub-glote, 58 lesões glóticas que invadiam a comissura anterior, alcançando o terço anterior da prega vocal oposta, e 17 pacientes com lesões limitadas ao terço posterior da prega vocal e comissura posterior.
Dos 405 pacientes T3N0M0 que foram seguidos, 226 (55,8%) estão vivos. Em 45 pacientes com lesões T4N0M0, 9 não tiveram seguimento. Dentre os 36 que foram seguidos 18 (51,4%) estão vivos. Duas pacientes do grupo de T4N0M0 apresentaram adenocarcinoma papilífero da glândula tireóide, com invasão da laringe. Foram submetidas a laringectomia, com tireoidectomia total e um esvaziamento linfonodal cervical conservador. Ambas sobreviveram por mais de cinco anos.
Nos 114 pacientes com metástases linfonodais cervicais, a laringectomia total foi realizada conjuntamente com um esvaziamento linfonodal cervical radical. Em seis pacientes as lesões eram T2N1-2M0, um não foi seguido, 4 estão vivos (80%) e um faleceu com metástases cervicais ulceradas. Dentre os 67 pacientes com lesões T3N1-2M0, 14 não tiveram seguimento. Dos 53 restantes, 30 pacientes (56,6%) estão vivos. De 41 pacientes com lesões T4N1-2M0, 12 não tiveram seguimento. Dentre os 29 restantes, 12 estão vivos após 5 anos ou mais (41,3%). Em 20 pacientes com lesões T4N0 e T4N1-2M0, houve necessidade de uma faringotomia parcial para a remoção completa da lesão. Em dois pacientes houve necessidade de uma parotidectomia parcial, pois o tumor invadia a glândula parótida. Ambos faleceram com recidivas, um na faringe e o outro na parótida. Num dos pacientes T4N1M0, cuja lesão invadia valécula, realizamos uma glossectomia parcial. Este paciente está vivo com mais de 5 anos.
A técnica empregada para a realização da laringectomia total foi a técnica de GLUCK- SOERENSEN (15). A partir de 1962 realizamos de rotina um esvaziamento linfonodal cervical bilateral, tipo conservador. Salvo raras exceções, na grande maioria dos casos não colocamos sonda naso-gástrica para a alimentação (16). A observação dos pacientes laringectomizados mostrou que a maioria reclamava da sonda, por ser muito incomoda e vários a retiravam nas primeiras 24 horas do pós-operatório. Nesse grupo de pacientes a sonda não era reintroduzida, tendo-se verificado que deglutiam saliva com facilidade. Passamos então a alimentá-los com líquidos (chá, 150ml a cada 3 horas) a partir das 48 horas pós-operatórias. Sendo boa a aceitação, adicionávamos leite e sucos de frutas no dia seguinte. Se o paciente tolerasse bem, iniciávamos a alimentação semi-solida depois de 4 ou 5 dias. Esta conduta reduziu os dias de internação e trouxe maior conforto para o paciente.
Conforme descrito acima, nas lesões T3N0M0, T2N0M0 e T4N0M0 realizamos um esvaziamento linfonodal cervical tipo conservador. Em 113 casos, o exame histológico da peça cirúrgica revelou um ou mais linfonodos comprometidos (20,8%). Esses pacientes foram irradiados após a alta (intervalo de 3 a 4 semanas). Desta série, 42 pacientes apresentaram metástase na cadeia linfonodal cervical, num período que variou de 6 a 18 meses após a laringectomia, e 5 não retornaram para tratamento. Em 27 pacientes foi realizado um esvaziamento linfonodal cervical radical, sendo que 4 pacientes foram irradiados. Destes, 13 estão vivos e os demais faleceram da doença ou de metastáses a distancia. Dos 37 pacientes que retornaram com recidiva ao nível da faringe, somente em 3 foi possível a ressecção cirúrgica da lesão. Desses, um permanece vivo. Os demais pacientes que apresentaram recidivas foram submetidos a tratamento radioterápico ou quimioterápico, sem resultados. Os 5 pacientes que apresentaram, simultaneamente, recidiva na faringe e metástase linfonodal cervical, vieram a falecer. Quatro pacientes mostraram recidiva linfonodal supra clavicular. Em dois foi possível a ressecção cirúrgica, acompanhada de esvaziamento linfonodal cervical radical. Um desses pacientes permanece vivo. Os demais pacientes com recidivas foram submetidos ao tratamento radioterápico ou quimioterápico, sem sucesso.
Das recidivas que podem aparecer após uma laringectomia total, a mais desastrosa para o paciente é a recidiva ao nível do traqueostoma. Esta geralmente aparece entre o 8o e o 30o mês pós-operatório (muito raramente antes desse intervalo) e sua incidência varia entre 5 e 15%. As causas dessa complicação são: a) traqueostomia prévia em pacientes que chegam obstruídos, b) lesão que se extende para a sub-glote, pela possibilidade de contaminação dos linfonódos para-traqueais (17), e c) a permanência de lesão na margem da peça cirúrgica.
Em 655 laringectomias totais por nós realizadas, 38 pacientes apresentaram recidiva ao nível do traqueostoma (5,8%). Em 87 pacientes realizamos uma traqueostomia prévia, ou seja, os pacientes nos chegaram com obstrução e foram traqueostomizados de emergência, antes da laringectomia total, num período que variou de 7 a 18 dias. Nesses pacientes observamos 18 casos (20,6%) de recidiva no traqueostoma (18). Dentre os 568 pacientes sem traqueostomia prévia, a recidiva no traqueostoma ocorreu em 20 pacientes (3,5%). Dos 38 casos de recidiva no traqueostoma, a lesão na laringe se estendia para a sub-glote em 8 pacientes (21%).
Podemos assim sugerir que os fatores que mais provavelmente concorrem para o aparecimento de recidiva no traqueostoma são: as lesões que se propagam para a sub-glote e os pacientes que são submetidos a uma traqueostomia prévia.
O tratamento cirúrgico das recidivas no traqueostoma pode ser realizado (19,20), porém seus resultados não são animadores. KLEINSSASER (13) acredita que as lesões do arco superior ou supra-lateral são as mais indicadas para o tratamento cirúrgico. Na maioria dos casos de lesões do arco inferior há invasão dos vasos mediastinais e nesses, segundo o autor, há reservas quanto a indicação cirúrgica. Dos 38 casos de recidivas no traqueostoma, operamos 14 pacientes. Os demais tiveram tratamento paliativo: irradiação, quimioterapia ou a combinação de ambos. A cirurgia consistiu no isolamento amplo do traqueostoma, ressecção de parte do manúbrio esternal e dissecção da traquéia (até onde possa ser ressecada com dois ou três anéis livres de contaminação), formação de um novo traqueostoma, drenagem e fechamento. Somente 3 pacientes (21,4%) tiveram sobrevida de 5 anos. Um paciente não retornou após a cirurgia, outro faleceu no pós-operatório devido a uma insuficiência renal aguda e, um terceiro, após 5 meses desenvolveu um segundo primário do pulmão, sendo encaminhado para a cirurgia torácica, perdendo-se o contato. Os demais pacientes faleceram da recidiva, sendo que em dois casos houve necrose com perda de substância e ruptura da carótida. A Figura 2 mostra uma peça cirúrgica obtida de um tumor trans-glótico.
Complicações nas Laringectomias Complicações Per-Operatórias
Três pacientes faleceram durante o ato cirúrgico, em conseqüência de parada cardio respiratória (hipóxia durante a anestesia) e, apesar do emprego dos procedimentos habituais de ressuscitação, não foi possível recuperá-los. Um outro paciente teve um sangramento difuso importante ao final de um esvaziamento linfonodal cervical radical. Todas as medidas disponíveis para o controle da hemorragia foram usadas, porém o paciente veio a falecer na mesa cirúrgica devido a um choque hipovolemico. Exames posteriores do sangue colhido durante a cirurgia demonstraram uma concentração anormal de fibrolisina no sangue, o que impedia a coagulação normal. A mortalidade cirúrgica foi de 0,4%.
Complicações Pós-Operatórias
Um paciente faleceu no pós-operatório imediato (24 horas), quando apresentou um quadro de hipertermia (42,50), vindo e a falecer de parada cardíaca. Foi necessário reabrir a ferida para se proceder a hemostasia em 11 pacientes que apresentaram hemorragia no pós-operatório e, em 5 pacientes, foi necessária a drenagem de abcesso anterior. Não houve nenhum óbito nesse grupo de 16 pacientes.
A fistula faringo-cutânea é a complicação mais freqüente após uma laringectomia total. Ela aparece, em média, entre o 4o e o 10o dias do pós-operatório. Na maioria das vezes há coincidência da abertura cutânea com a da faringe (fistulas diretas). Há casos nos quais a abertura cutânea se comunica com a abertura da faringe por um trajeto fistuloso não epitelizado (fistulas indiretas). A incidência da fistula faríngea varia entre 4 e 50% (18).
Nas 655 laringectomias totais realizadas, observamos 74 fistulas faringocutâneas (11,2%). Quatro fistulas apareceram após abertura para hemostasia em sangramento e 5 apareceram após drenagem de abcesso anterior.
Há vários fatores que podem levar a formação de uma fistula faringo-cutânea: a) tensão na sutura da mucosa faríngea, principalmente nas cirurgias em que há necessidade de se ressecar parte da mucosa da faringe. Nesses casos há diminuição do retalho mucoso e a sutura poderá ficar tensa. b) irradiação prévia com finalidade curativa. Em 63 pacientes irradiados previamente observamos desenvolvimento de fístulas em 10 (23,2%). Dentre os 612 pacientes que não foram irradiados, observamos 64 fistulas (10,4%), o que sugere a irradiação prévia como um dos fatores que pode levar a formação de uma fistula. c) Nas laringectomias totais, acompanhadas de um esvaziamento linfonodal cervical, o aparecimento de fistulas é maior. Em 114 pacientes, nos quais foi realizada uma laringectomia com esvaziamento linfonodal cervical radical, observamos o aparecimento de 25 fistulas (21,9%).
Dos 74 pacientes com fistula faringo-cutânea, sete apresentaram complicações graves.
Em 5 deles houve complicações pulmonares, com óbito, devido à aspiração. Em dois, houve necrose do retalho com ruptura da carótida, sendo que em um foi possível fazer a ligadura. Entretanto, este paciente ficou hemiplégico e veio a falecer ainda no hospital.
Somente com curativos diários houve o fechamento de 63 fístulas, num período que variou entre doze e quarenta e cinco dias. Em 4 pacientes houve necessidade de fechamento cirúrgico da fistula, sendo que em um deles foi colocado um retalho delto-peitoral em dois tempos.
Três pacientes apresentaram fístula linfática. Em dois casos houve fechamento com curativos diários. No terceiro caso houve necessidade de ligadura do canal torácico.
Durante o esvaziamento linfonodal cervical o nervo hipoglosso foi lesado em três pacientes. Em dois houve paralisia da língua com disfagia. Após 3 meses esses pacientes voltaram a deglutir normalmente. No terceiro, conseguimos realizar a anastomose das duas extremidades do nervo e a função foi preservada.
Dentre os pacientes que foram irradiados previamente com finalidade curativa, 63 apresentaram recidivas num período que variou entre 8 e 20 meses, sendo necessário o tratamento cirúrgico. Em 20 foi possível a realização de uma laringectomia parcial, porém, em 43 houve necessidade da remoção da laringe.
Nos casos de câncer da laringe a maioria das manifestações tumorais a distância dirige-se aos pulmões. Em 55 pacientes (5,2%) observamos 28 casos de metastases pulmonares (2,6%) e 27 casos de segundo primário do pulmão (2.5%). O prognóstico nesses casos é desanimador.
Na análise dos casos operados verificamos uma significativa diferença na sobrevida, entre pacientes do sexo masculino e feminino. Considerando-se todos os tipos de cirurgias realizadas, 968 pacientes eram do sexo masculino e 135 não tiveram um controle pós-operatório adequado. Dentre os 833, regularmente controlados, 498 estão vivos, com cinco anos ou mais (59,7%). Foram operadas 87 pacientes do sexo feminino. Dessas, 5 não tiveram seguimento pós-operatório adequado. Dentre as 82 restantes, 67 estão vivas, com mais de cinco anos (81,7%).
Reabilitação do laringectomizado O processo de reabilitação deve ser iniciado antes da cirurgia, quando o diagnóstico histológico da lesão já é conhecido. O paciente deve receber explicações sobre a natureza de sua doença, que já não é benigna, e sobre o tratamento cirúrgico, com a retirada da laringe. Inicialmente, a maioria dos pacientes têm uma reação de contrariedade e ansiedade. Entretanto, uma explicação clara, mostrando que as possibilidades de cura são excelentes, tranqüiliza o paciente, que aceita a cirurgia. Os familiares próximos devem estar presentes a essa conversa, pois serão eles os que terão contato permanente com o paciente e não devem ignorar sua situação pós-cirúrgica. O paciente somente terá total consciência de sua incapacidade quando, após a alta, retornar ao convívio de sua família e amigos.
É importante explicar que, em conseqüência da remoção da laringe, o paciente perderá sua voz natural mas, que, com reabilitação adequada, a possibilidade de recuperação da fala é grande. É conveniente uma explanação de como a laringe produz os sons para que a voz seja articulada na boca, e em que consiste a "voz esofagiana". A partir dessa conversa o paciente entenderá como profissionais habilitados (fonoaudiólogos) poderão ensiná-lo a dominar essa técnica, utilizada por uma percentagem apreciável de pacientes laringectomizados. Para este aprendizado serão necessárias paciência, perseverança e bastante prática. Não se deve deixar o paciente desanimar, no caso de não haver bons resultados no início do processo de reabilitação. Seria ideal que o cirurgião conseguisse a presença de um laringectomizado, com bom domínio da voz esofagiana, para demonstrar ao paciente como é possível a comunicação. Deve-se também deixar claro para o paciente que, caso ele não consiga aprender a voz esofagiana, há aparelhos e próteses que o auxiliarão a falar e a se comunicar.
Realizamos a técnica de Stafiere (22), a "neo-glotis" em 10 pacientes. Todos conseguiram produzir uma voz de boa qualidade. Entretanto, alguns aspiravam saliva e, mesmo, alimentos, com facilidade. Em quatro pacientes foi necessário fechar a neo-glotis e refazer o traqueostoma.
O paciente deve ser informado de que permanecerá com a cânula de traqueostomia até a completa cicatrização do traqueostoma e receber uma demonstração de como se mantém a cânula limpa e como trocá-la diariamente. A cânula deve estar protegida com uma gaze ou tecido poroso. Essa proteção deve continuar após sua retiradada, pois nos primeiros dois ou três meses haverá um aumento da secreção traqueal e, pela tosse, a secreção ficará retida no protetor. O traqueostoma deverá ser mantido sempre limpo com uma gaze umedecida e esse procedimento será repetido toda vez que se eliminar secreção. A natação é proibida, pelo perigo de aspiração. Durante o banho, a proteção deve ser bem feita e alguns pacientes usam um protetor plástico cobrindo toda a região anterior do pescoço. Nos primeiros meses há uma diminuição do olfato e do paladar. Porém, com o tempo, há uma significativa recuperação. Após a alta o paciente deve visitar o médico mensalmente no primeiro ano e a cada 2 meses no segundo ano, tempo esse que irá progressivamente aumentando até o quinto ano, quando a visita será anual.
Medidas profiláticas Todas as medidas profiláticas em relação ao câncer da laringe são da maior importância.
As principais são: a) o abandono do tabagismo, um dos principais irritantes que leva a transformações no epitélio, com o aparecimento de lesões malignas, b) diminuição do consumo de bebidas alcóolicas, não só pela sua irritante ação local, como também pelo efeito debilitante, c) evitar trabalho em ambiente altamente poluído, d) tratamento de pacientes com lesões laríngeas de potencial maligno, como: hiperqueratose, papiloma do adulto, e) a disfonia ou rouquidão, sintoma mais freqüente nos tumores glóticos (todo paciente que, sem causa aparente, ficar disfônico por mais de duas semanas, f) qualquer dificuldade na deglutição que perdure, como também escarro sangüíneo, são sinais que merecem atenção imediata, g) nódulos ou qualquer endurecimento nos tecidos do pescoço.
O primeiro médico que atender um desses pacientes, sendo especialista, realizará uma laringoscopia indireta. Ao observar uma lesão suspeita, o próximo passo será um procedimento direto, de preferência sob anestesia geral, para colheita de material para exame histológico. Caso o primeiro médico a examinar o paciente não seja um especialista, deve encaminha-lo para um especialista experiente. A agilidade com que essas medidas forem tomadas será de importância vital, pois na possibilidade de uma resseção parcial, a voz será preservada.
Agradecimentos - Queremos deixar aqui nosso mui especial agradecimento a dois colegas que muito nos auxiliaram, não somente durante os atos cirúrgicos, como nos cuidados pós-operatórios dos pacientes: Dr. Paulo Pernambuco, Cirurgião Geral (já falecido) e Dr. Flavio Aprigliano Filho, Cirurgião de Cabeça e Pescoço.
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