INTRODUÇÃO
A laringe tem como funções primordiais proteção das vias aéreas inferiores, respiração, esfincteriana e fonação. Todas essas funções são fundamentalmente influenciadas pela mobilidade das pregas vocais, e, por conseqüência, pela integridade do nervo laríngeo recorrente (1). Danos ao nervo laríngeo recorrente podem ocorrer por diversos motivos e em todo seu trajeto (1).
A paralisia unilateral de prega vocal não é uma afecção rara e pode ser resultado de lesão periférica que envolve o nervo vago acima da saída do nervo laríngeo superior ou, mais distalmente, sem seu envolvimento, comprometendo apenas um de seus ramos laríngeos. Sua incidência na população ainda não é conhecida (2).
Entretanto, as paralisias bilaterais de pregas vocais são mais raras, especialmente àquelas que se apresentam em abdução (3).
A primeira descrição de paralisia bilateral das pregas vocais em adução foi feita por GERHARDT, em 1863, denominando-a de "paralisia dos dilatadores" da laringe. Em 1868, ZIEMSSEM observou e descreveu pela primeira vez dois pacientes com paralisia bilateral em abdução das pregas vocais. Posteriormente, em 1875, Riegel relacionou os quadros descritos por GERHARDT (3) e ZIEMSSEN (3) como decorrência da paralisia de nervos e não lesão muscular por sífilis como se acreditava até então (3).
As paralisias de ambas pregas vocais são classificadas em (3):
I - Disfunção laríngea global: ausência de movimentos de adução e abdução, com dois aspectos clínicos:
Ia - pregas vocais em posição mediana - Síndrome de Riegel;
Ib - pregas vocais em posição intermediária - Síndrome de Ziemssem;
II - Paralisia dos músculos abdutores - Síndrome de Gerhardt;
III - Paralisias mistas: ausência de movimentos de adução e abdução em uma prega vocal e ausência apenas do movimento de abdução na outra prega vocal.
As etiologias das paralisias bilaterais em abdução das pregas vocais podem ser divididas em congênitas, traumáticas, desordens neurológicas e neuromusculares, além de neoplásicas (3).
Um dos tumores que podem ser responsáveis por essa manifestação é o carcinoma de esôfago. Essa neoplasia possui prognóstico sombrio, devido a seu diagnóstico tardio, já que seus sintomas se manifestam quando a doença se encontra em estágio avançado. Os sintomas mais comuns são disfagia progressiva, perda ponderal e dor retro-esternal inespecífica. A disfonia é um sintoma menos usual, sendo geralmente causada por paralisia vocal unilateral e se apresenta quando a doença já está em estágio bastante avançado (4).
A paralisia de pregas vocais em abdução é extremamente rara como conseqüência ao carcinoma de esôfago, ainda mais como sendo uma das manifestações responsáveis pelo diagnóstico deste tumor, como será explicitado nesse caso.
RELATO DE CASO
JT, 38 anos, natural de Itapira-SP, servente de pedreiro e solteiro.
Paciente tabagista e etilista relatava que aproximadamente 2 meses antes de procurar atendimento médico iniciou quadro de disfonia, engasgos com qualquer tipo de alimento e emagrecimento de 10 kg nesse período. Ao exame físico otorrinolaringológico não se notavam alterações à otoscopia e ao exame das cavidades oral e nasal. Sem linfonodos palpáveis na região cervical. À telescopia de laringe notou-se paralisia bilateral em abdução de pregas vocais.
Paciente foi internado após sondagem nasogástrica. Realizou-se Tomografia Computadorizada (TC) de tórax e Endoscopia Digestiva Alta (EDA) (Foto 1) com biópsia.
TC de tórax (Foto 2) demonstrou linfonodopatia mediastinal alta com deslocamento e estenose da luz esofágica adjacente. À EDA (Foto 3) foi notada neoplasia estenosante há 20 cm da arcada dentária superior com biópsia que revelou tratar-se de carcinoma epidermóide bem diferenciado de esôfago.
Como o tumor foi considerado inoperável, paciente está se submetendo à Quimio e Radioterapia, sob os cuidados do Departamento de Cirurgia Torácica.
DISCUSSÃO
A paralisia do nervo vago e/ou do seu ramo, o nervo laríngeo recorrente, acarreta morbidade importante devido à perda de algumas funções laríngeas (5).
O nervo vago é um nervo craniano misto, essencialmente visceral, que se origina no bulbo, emergindo de seu sulco lateral posterior. No seu longo trajeto, o nervo dá origem a inúmeros ramos que inervam a laringe e a faringe (2).
Um de seus ramos é o nervo laríngeo recorrente, que é responsável pela mobilidade das pregas vocais, e difere quanto à origem e trajeto nos dois lados do corpo. O nervo laríngeo recorrente direito origina-se defronte à primeira parte da artéria subclávia. O nervo laríngeo recorrente esquerdo, origina-se sob o arco aórtico. Ambos os nervos sobem no sulco ou próximo do sulco entre a traquéia e o esôfago (2).
As paralisias de pregas vocais podem ocorrer por lesão em qualquer parte da trajetória do nervo vago e seus ramos citada anteriormente (1).
Devido à existência de pacientes assintomáticos, a incidência das paralisias de pregas vocais estimada em 30 a 50 % segundo COLLAZO-CLAVELL (6) pode estar subestimada. Sendo assim, sua incidência precisa ainda é considerada desconhecida (1).
Paralisias unilaterais das pregas vocais não são afecções raras, sendo mais freqüentes do lado esquerdo, devido ao fato do nervo laríngeo recorrente esquerdo ser mais exposto a lesões por seu trajeto ser mais longo (2).
Paralisias bilaterais de pregas vocais são menos comuns e mais graves, podendo se apresentar de várias formas, como demonstra a classificação exposta na introdução (3).
A paralisia de pregas vocais em posição intermediária, denominada Síndrome de Ziemssen, é a mais rara das paralisias bilaterais (3). ARRAIS e cols (3), analisaram 17 casos de pacientes portadores de paralisias de pregas vocais bilaterais, sendo que apenas 1 paciente apresentava Síndrome de Ziemssen, com etiologia traumática (3).
A Síndrome de Ziemssen não cursa com dispnéia, apenas com dificuldade para tossir. A voz encontra-se muito alterada, geralmente existe afonia. A deglutição é penosa devido à facilidade com que os alimentos penetram nas vias aéreas inferiores. À laringoscopia indireta verifica-se pregas vocais em posição intermediária, imóveis tanto à respiração quanto à fonação. A fenda glótica é maior que 6 milímetros (3) .
As etiologias das paralisias de ambas pregas vocais são várias, predominando as seqüelas de cirurgia da glândula tireóide (3). Doenças tumorais da região cervical e mediastino são etiologias menos comuns (3).
O câncer de esôfago é um dos tumores que podem causar paralisias de pregas vocais. Essa neoplasia é um dos tumores malignos mais freqüentes do corpo humano, sendo que o carcinoma epidermóide corresponde ao tipo histológico mais frequente, com cerca de 90% dos casos. Seus fatores de risco mais importantes são o tabagismo e o etilismo, antecedentes verificados no paciente do caso relatado.
Os sintomas mais comuns são disfagia, inicialmente para sólidos evoluindo para alimentos líquidos, perda ponderal e dor retroesternal mal definida. A rouquidão é um sintoma menos comum, mas não raro. Todavia, a disfonia usualmente é causada por paralisia unilateral de prega vocal, devido à compressão do nervo laríngeo recorrente.
A paralisia bilateral em abdução das pregas vocais é extremamente rara conseqüente ao câncer de esôfago, sendo que essa manifestação ocorre em estágios avançados do tumor (7).
Neste caso, a Síndrome de Ziemssen se apresentou como principal responsável pelo diagnóstico de câncer de esôfago do paciente. O tumor de esôfago se apresentava em estágio avançado, sendo considerado inoperável.
CONCLUSÃO
Apesar deste caso relatado ser extremamente incomum, é imperativa a realização de exames de imagem do tórax na investigação de pacientes com paralisia das pregas vocais.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. Myssiorek D. Recurrent laryngeal nerve paralysis: anatomy and etiology. Otolaryngol Clin N Am 2004 37: 25-44.
2. Brasil, OOC do, Biase N, Behlau M, Melo, ECM. Paralsias Laríngeas. In: Sociedade Brasileira de Otorrinolaringologia. Tratado de Otorrinolaringologia, 1a edição, São Paulo, Editora Roca; 2003, vol 4, pp 477-493.
3. Arrais A, Pontes PAL, Gregório LC, Novaes RMO. Paralisia bilateral das cordas vocais: Patogenia e Diagnóstico. Acta AWHO 1986, 5(4): 178-184.
4. Crosby TD et al. Definitive chemoradiation in patients with inoperable oesophageal carcinoma. Br J Câncer 2004, 90(1): 70-5.
5. Steffen N, Steffen LM, Garcia DC. Paralisia unilateral de prega vocal: Ainda se usa Teflon?. Técnicas em Otorrinolaringologia 2005, 23(2): 24-31.
6. Collazo-Clavell ML, Gharib H, Maragos NE. Relationship between vocal cord paralysis and benign thyroid disease. Head Neck 1995, 17: 24-30.
7. Strauss A, Pinder M, Lipman J, Conidaris M. Acute stridor as a presentation of bilateral abductor vocal cord paralysis. Anaesthesia 1996, 51(11): 1046-8.