INTRODUÇÃOO colesteatoma da orelha média é um dos mais fascinantes tópicos e um dos maiores e mais complexos problemas da otologia, se estudado e analisado em profundidade em todos os seus mais variados aspectos.
Doença relativamente comum em adultos, aparece também em crianças e pode ter sérias conseqüências. Causa, com o tempo, a destruição da orelha média, provocando a baixa da audição ou surdez, na maioria das pessoas acometidas e, ocasionalmente, leva o paciente a correr risco de vida.
A maioria dos cirurgiões otológicos concorda que o tratamento do colesteatoma é cirúrgico. Contudo, o tipo de cirurgia varia consideravelmente, e é possível encontrar suporte na Literatura para quase toda espécie de cirurgia.
Opiniões ainda diferem na escolha da técnica de conservação ou não da parede do meato. Muitos têm tentado realizar a intervenção visando a reconstrução da orelha esvaziada. Neste processo, três pontos são indispensáveis:
- efetuar um enxerto timpânico;
- restabelecer uma base sólida para este enxerto;
- reconstruir a cadeia ossicular.
Essa intervenção tem sido empregada após os esvaziamentos de timpanomastoidectomias abertas, em que a caixa do tímpano e o tímpano estão parcial ou totalmente destruídos, onde pode apenas existir estribo, ou o estribo não existe (ou só existe a platina), ou quando a cadeia ossicular não está fixa em um bloco de esclerose irremovível.
A reabilitação funcional da cavidade de timpanomastoidectomia aberta com aloenxerto implica na reabilitação anatômica da orelha média e do meato auditivo externo, indispensável ao resultado funcional e, ao mesmo tempo, permite o doente, também, praticar esporte aquático.
Atualmente, mesmo quando se é obrigado a praticar o esvaziamento timpanomastóideo este será quase sempre acompanhado de uma reabilitação funcional ulterior.
Há muitos anos alguns otologistas vêm tentando dar solução ao problema da cavidade da timpanomastoidectomia aberta (1).
A utilização dos aloenxertos tímpano-ossiculares tem contribuído muito para a transformação do prognostico cirúrgico (2). Essa técnica permitiu criar as condições de fisiologia normal da caixa do tímpano, assegurando sua aeração e drenagem.
Chama-se aloenxerto tímpano-ossicular total ou bloco completo, o conjunto tímpano-ossicular necessariamente composto de tímpano, martelo e bigorna e, acessoriamente, de estribo, utilizando na sua totalidade ou parcialmente. Diferentes variedades de estribo "parcial" podem ser descritas de acordo com as diferentes técnicas empregadas.
Como escreveu MARQUET, "o homoenxerto de sistema timpano-ossicular completo parece ser realmente a solução ideal aos diferentes problemas colocados pela cirurgia reconstrutiva da orelha média" (3).
A indicação maior do aloenxerto tímpano-ossicular total está na reabilitação funcional das cavidades de esvaziamento timpanomastóideo, porém três condições são necessárias: duas são comuns a toda timpanoplastiapor um lado, a ausência de qualquer sinal inflamatório e/ou infeccioso e por outro, o estado funcional da trompa de Eustachio-, e o terceiro é o próprio das cavidades de timpanomastoidectomias abertas - o estado da mucosa da caixa, muitas vezes substituído por epiderme.
Todas essas condições são indispensáveis à obtenção de bom resultado funcional, evitando o doente correr o risco de recidiva dos sinais inflamatórios e infecciosos e até mesmo de um colesteatoma.
Os resultados funcionais mostrados por MARQUET, reproduzidos por uma estatística de curvas audiométricas pós-operatórias e controladas por tímpanometria podem ser considerados excelentes, próximos a 90,0%, superiores àqueles obtidos por outras técnicas (4).
A reconstrução total da cavidade de timpanomastoidectomia aberta com aloenxerto tímpano-ossicular oferece um grande espectro de possibilidades:
- permite a suspensão e os movimentos fisiológicos da cadeia ossicular enxertada (5);
- previne falsas rotas de migração epitelial embrionária (6);
- contribui igualmente com a homeostasia das pressões nas cavidades da orelha média (7);
- permite ao doente a prática de esportes aquáticos (8).
Vários são os tipos de conceitos técnicos para a reconstrução de uma cavidade de timpanomastoidectomia aberta (9). A reconstrução total da parede posterior do meato auditivo externo com um pedaço de autoenxerto de osso cortical fresco ou com cartilagem de septo, associada a um aloenxerto tímpano-ossicular parcial ou completo, teve nossa preferência.O objetivo do trabalho é mostrar a técnica, o material usado e os resultados anatômicos e funcionais obtidos com essa técnica.
CASUÍSTICA E MÉTODOSelecionamos 21 orelhas com cavidade de timpanomastoidectomia aberta seca há mais de dois anos, sendo 18 pacientes adultos e 3 jovens com idade até 16 anos. A média de idade operada com a técnica descrita foi de 27,19 ± 13,99. Todos já haviam sido submetidos à uma cirurgia prévia; alguns até duas ou três, para obter a resolução do processo inflamatório.
Todos apresentaram previamente perfuração timpânica parcial, total ou subtotal, com duração da perfuração variando entre três e quarenta anos.
Consideramos técnica fechada (T.F.), no esvaziamento da timpanomastoidectomia aberta, a reconstrução da parede posterior do meato externo, com cortical da mastóide ou cartilagem de septo e fechamento da orelha média, com aloenxerto tímpano-ossicular.
O tempo de reconstrução, foi de 12 meses, em média, após a primeira cirurgia.
Reputamos perfuração total a ausência total da membrana timpânica; perfuração parcial a existência de parte da membrana timpânica em toda volta do anel timpânico e perfuração sub-total com apenas restos na região da pars flaccida.
Foi considerado sucesso cirúrgico quando não tivemos nenhuma complicação para o lado da cavidade timpanomastóidea reconstruída.
Os pacientes desta pesquisa são pacientes, operados no período de 1982 a 1988, no Hospital São Paulo (hospital - escola da Escola Paulista de Medicina - UNIFESP). Alguns casos de nossa clínica particular também foram incluídos.
Os atos cirúrgicos foram realizados pelo autor desta pesquisa ou pelos componentes do grupo de trabalho em geral, sob sua supervisão.
As cirurgias foram assim distribuídas:
- 18 orelhas (adultos) foram submetidos à reconstrução da cavidade de timpanomastoidectomia aberta com transplante de aloenxerto tímpano-ossicular e reconstrução da parede do meato externo com cortical da mastóide;
- 3 orelhas (jovens) foram submetidas à reconstrução da cavidade de timpanomastoidectomia aberta com transplante de aloenxerto tímpano-ossicular e reconstrução de parede do meato auditivo externo com cartilagem de septo.
- total de orelhas: 21 Só admitimos no estudo pacientes que não apresentaram problemas outros que os da área anatomofuncional da orelha. Assim, foram excluídos aqueles portadores de processos gerais crônicos (diabetes, moléstias infecciosas, etc.) e também com disacusia neurossensorial.
O aloenxerto tímpano-ossicular foi obtido no Serviço de Verificação de Óbito do Hospital São Paulo, dando-se ênfase à identificação do paciente a fim de se afastar a possibilidade de quaisquer moléstias transmissíveis, que levassem risco ao receptor. Todas as fases de preparo do material para implante foram realizadas dentro do maior padrão de assepsia possível e com a retirada do aloenxerto em ambiente asséptico.
Seguimos os métodos de retirada, meios de conservação e modo de colocação do aloenxerto descritos anteriormente por AQUINO (10).
Na reconstrução dos esvaziamentos de cavidades timpanomastóideas demos seguimento pós-operatório aos pacientes, tempo médio de quatro anos e meio, ou seja, um mínimo de seis meses a um máximo de cinco anos e seis meses.
Os pacientes foram acompanhados de rotina, no pós-operatório imediato quando possível, e em até duas vezes na semana por um período mínimo de quatro meses. Depois deste período as revisões foram mais espaçadas, mas procuramos fazê-las no mínimo duas vezes por ano. Em cada visita, efetuávamos exame dos ouvidos e, quando necessária, aspiração sob microscópio. Rotina audiológica com discriminação vocal a cada 60 dias, durante o período de quatro meses. Depois, exames audiométricos e tomográficos mais espaçados. Tomamos precaução com a orelha operada, após a cicatrização cirúrgica. Todos os pacientes consentiram préviamente e plenamente a realização da técnica cirurgica proposta com o uso do aloenxerto timpano-ossicular
A fixação do complexo tímpano-ossicular foi realizada no principio de nossas cirurgias com butil-2-cianocrilato em alguns casos, e mais tardiamente, com cola de fibrina em outros, ou sem cola.
Julgamos os resultados cirúrgicos desta pesquisa sob os seguintes aspectos:
a) Resultado anatômico:
- quanto ao aspecto da membrana do tímpano(sucesso cirúrgico), apreciado com o otoscópio e com o microscópio cirúrgico;
- quanto aos insucessos cirúrgicos: perfuração e perfuração com otorréia intermitente; interrupção da cadeia ossicular; reabsorção do material de reconstrução.
b) Resultado funcional:
É evidente que é entre os resultados anatômicos válidos que se observam os bons resultados funcionais, todavia, com algumas exceções, pois pode-se muito bem ter uma pequena perfuração seca do neo-timpano com um resultado auditivo substancial, resultado que, no futuro, pode ser auxiliado por um simples retoque miringoplástico.
Os resultados funcionais auditivos foram avaliados após quatro meses ou mais da operação, pela diferença entre a via óssea e a via aérea pré e pós-operatória, calculada sobre a média das freqüências em 500Hz-1KHz- 2KHz obtidos nas audiometrias pré e pós-operatórias.
Consideramos melhora auditiva a variação média no pós-operatório de 10 a 20 dB para melhor; inalterado, quando não se obteve ganho auditivo, e alterado em 10 a 20 dB para pior.
Utilizamos como métodos estatísticos para avaliação dos resultados anatômicos e funcionais o teste t pareado, média, desvio padrão, para amostras correlatas nos períodos pré e pós-operatórios.
Em todos os casos fixou-se em 0,05 ou 5% (α
< 0.05) o nível de rejeição da hipótese de nulidade, assinalando-se com um asterisco os valores significantes.
Mostramos a técnica da retirada do osso cortical da mastóide para reconstrução do meato externo com algumas modificações idealizadas por nós (11,12,13,14,15) conforme Figuras 1 e 2.
Figura 1. Reconstrução da parede do meato com cortical da mastóide. Técnica de Marquet (1970).
Figura 2. Reabilitação da cavidade de mastoidectomia radical com aloexterno tímpano-ossicular.
Técnica operatória propriamente dita (técnica fechada).
As numerosas técnicas que foram elaboradas, podemos classificá-las em dois grandes grupos: as técnicas fechadas e as abertas; as duas são susceptíveis de uma reconstrução funcional da orelha média de modo imediato. Na técnica fechada, os tempos cirúrgicos com algumas variações, foram realizados como preconizou MARQUET (9).
1) Incisão - é feita com bisturi lamina no 15, circunscrita ao pavilhão, 1cm atrás do pavilhão. Com ajuda do bisturi elétrico faz-se um retalho cutâneo onde a dobra anterior é representada pelo sulco retroauricular e junto a ele faz-se o descolamento da pele. A incisão de periósteo circunscrita no interior da incisão cutânea é feita também com bisturi elétrico. O retalho músculo-periósteo, onde a dobra anterior está situada ao bordo posterior da cavidade da tímpanomastoidectomia aberta, deve ser muito amplo; sua tração no final da intervenção permite evitar uma ptose do meato. O descolamento deste retalho é preparado com rugina, justamente ao bordo posterior da cavidade de tímpanomastoidectomia. Pratica-se, em seguida, uma hemostasia cuidadosa e coloca-se um afastador sem que a tração seja muito forte, para evitar rasgar o retalho do periósteo. O descolamento é feito através do microscópio. Este tempo é fundamental, e o enxerto da parede posterior deve ser recoberto pela pele, sobre toda a superfície endomeatal sem solução de continuidade.
2) Limpeza da cavidade timpanomastóidea aberta - trata-se de um tempo essencial onde a orelha média deve ficar perfeitamente livre do epitélio que recobre a cavidade:
- a cavidade de tímpanomastoidectomia aberta deve ser cuidadosamente polida com ajuda de uma broca de diamante;
- ao nível da caixa do tímpano, o epitélio é retirado com prudência, bem como ao nível das janelas (oval e redonda) e do aqueduto de Fallopio, sem broqueamento. Os restos timpânicos e o cabo do martelo serão retirados;
- ao nível do orifício tubário, muitas vezes sede de bridas cicatriciais, deve-se fazer limpeza cuidadosa.
Se encontramos um colesteatoma que invada a cavidade timpanomastóidea aberta, não existe contra-indicação de se praticar a técnica fechada:
- a matriz do colesteatoma será cuidadosamente descolada;
- pratica-se o polimento da cavidade timpanomastóidea e ático, com broca de diamante;
- ao nível da caixa do tímpano, do canal de Fallopio, na região das janelas oval e redonda, ao nível do sínus do tímpano (cavidade situada entre promontório e a eminência piramidal), e igualmente na região do recesso facial, sede de recidiva do colesteatoma, a ablação da matriz do colesteatoma deve ser a mais prudente possível;
- deve-se liberar, com precaução a matriz do colesteatoma onde é necessário evitar todo o ferimento do nervo facial, ao nível de sua terceira porção. O canal de Fallopio pode ser deiscente a este nível.
3) À retirada do pedaço de osso - a utilização de fragmento da cortical externa do osso temporal, é processada como na técnica de MARQUET (13). A retirada se faz na parte de trás da cavidade da timpanomastoidectomia aberta.
Desenha-se no osso o formato de um pequeno trapézio e com a ajuda de uma pequena broca cortante a quatro pás, retira-se este pedaço de osso com osteótomo e martelo; o pó de osso recolhido durante o broqueamento servirá mais tarde para "cimentar" o enxerto da parede posterior; o seio lateral e a dura-máter podem ser desnudos ao curso desta manobra. É suficiente, nesses casos, fechar a zona desnuda com cera de osso.
O pedaço de cortical temporal retirado será trabalhado com a broca que reproduzirá a forma do meato (forma de um pequeno trapézio). O grande lado corresponde à parede óssea do meato, e o pequeno à parede externa do ático.
Esse pedaço de osso é cuidadosamente polido com broca de diamante, sob irrigação contínua, e será esculpido na medida da cavidade a ser refeita.
Traçam-se dois sulcos na cavidade: um superior no nível da parte anterior da junção atico-atrial e outro inferior ao nível do muro do facial. Estes sulcos devem permitir o encaixe dos dois lados não paralelos do trapézio. O fragmento de osso colocado em soro fisiológico estará pronto para sua colocação.
4) Colocação do aloenxerto tímpano-ossicular - a manipulação da cadeia deve ser muito cuidadosa. Não se deve traumatizar o tímpano enxertado, para diminuir o risco de perfuração pós-operatória.
A escolha do sistema tímpano-ossicular depende das diferentes eventualidades operatórias encontradas:
a) O estribo é intato e móvel: introduz-se um bloco de aloenxerto que compreende tímpano-martelo-bigorna. O bordo timpânico do tímpano enxertado é introduzido no sulco do receptor. A apófise lenticular da bigorna enxertada deve corresponder exatamente à cabeça do estribo do receptor. Pode-se utilizar cola imunobiológica para formar esta articulação (15).
b) O estribo é intato, porém bloqueado por timpanosclerose: nesse caso, pratica-se o aloenxerto (tímpano-martelo-bigorna), permitindo fechar a orelha média se ela está seca. Se nenhum sinal evolutivo de infecção aparece, pratica-se, após o período de um ano de pós-operatório, uma platinectomia com colocação no lugar de uma prótese em piston ou um estribo invertido sobre interposição venosa (3).
c) Abertura acidental da janela oval: coloca-se um sistema igual ao anterior sobre interposição venosa. Faz-se uma antibioticoterapia pós-operatória de amplo espectro e orientação terapêutica para evitar risco de labirintização (3).
5) Colocação da parede posterior - uma vez colocada a cadeia ossicular, coloca-se no lugar o pedaço de osso da cortical, moldado nas dimensões de cavidade a reconstruir. O pó de osso recuperado dos diferentes tempos debroqueamento servirá para cimentar o auto-enxerto da parede posterior.
A cadeia nunca deve tocar as paredes da caixa do tímpano após a colocação da parede posterior. A pele do meato deve recobrir perfeitamente o auto-enxerto ósseo, para evitar o risco de cárie e de expulsão. Se a pele necessária é de dimensão insuficiente, emprega-se um fragmento de aponeurose temporal, duplicando a face externa do auto-enxerto da parede posterior. Com a ajuda de um bisturi fino, incisa-se a pele a fim de desdobrá-la, de modo que o enxerto ósseo seja inteiramente recoberto por epitélio.
A intervenção termina pela sutura sob tensão do retalho músculo-periósteo, e um dreno colocado na cavidade antral oferecerá um meio de aeração para a caixa do tímpano.
Finalmente, sutura-se a pele por planos. O dreno será retirado 48 horas após a cirurgia.
6) Curativo final - chamamos atenção para um cuidado especial no curativo final do aloenxerto. Introduz-se no meato auditivo externo, próximo ao tímpano, um pedaço de lamina de silicone (Silastic), enrolado como um "cigarro" e no seu interior colocam-se, com uma pinça, pedaços de esponja sintética embebida de pomada associada com antibiótico e corticosteróide. Este curativo será deixado alguns dias (sete no mínimo) e as esponjas podem ser retiradas ou trocadas por outras, porém sem mexer no "cigarro de silastic"
Estes cuidados são feitos todos sob microscópio e sob aspiração. Deve-se evitar qualquer maceração da pele e o curativo pode ser retirado a fim de permitir a vigilância do aloenxerto. A este tratamento local associa-se sempre uma cobertura com antibiótico, por via oral, bem como a prescrição de gotas auriculares.
RESULTADOSMostramos a nossa estatística cirúrgica no período de 1982 a 1988 (Tabela 1) Julgamos os resultados cirúrgicos desta pesquisa sob os seguintes aspectos.
- Resultado anatômico:a) quanto ao aspecto da membrana do tímpano (sucesso cirúrgico), apreciado com o otoscópio e com o microscópio cirúrgico (Tabela 2).
b) quanto aos insucessos cirúrgicos: perfuração e perfuração com otorréia intermitente; interrupção da cadeia ossicular; reabsorção do material de reconstrução (Tabela III, Gráfico I).
Gráfico 1. Insucesso cirúrgico anatômico.
Perf: Perfuração I: Interrupção
Não tivemos nenhum colesteatoma residual, recorrente ou bolsa de retração neste estudo.
c) fizemos avaliação pós-operatória através da TC da cavidade reconstruída 12 meses após a cirurgia.
- Resultado funcional: Os resultados funcionais auditivos avaliados após 4 meses ou mais da operação foram calculados sobre a média das freqüências na área da conversação obtidos nas audiometrias pré e pós operatórias.
A média geral (em valores absolutos) da via aérea das cavidades timpanomastóideas abertas esteve em torno de 48,8dB, e a via óssea em torno de 17,6dB, tendo como base os dados correspondentes à área de conversação (Tabela 4, Gráfico 2).
Gráfico 2. Resultado funcional auditivo no pré e pósoperatório.
DP: Desvio Padrão dB: Decibel
No que concerne ao resultado funcional global auditivo (Gráfico 4) entre os pacientes que obtiveram fechamento da membrana timpânica com a técnica do aloenxerto, 14 deles (66,6%) apresentaram melhora do nível de audição, 4 (19,0%) permaneceram com os mesmos níveis préoperatórios e em 3 (14,4%) houve piora do nível de audição.
Gráfico 4. Resultado funcional global auditivo.
Os resultados audiométricos estão demonstrados nos Gráficos 2, 3, 4 e 5.
Gráfico 3. Insucesso cirúrgico funcional.
Gráfico 5. Resultado funcional auditivo na área de conversação (aloenxerto).
A variação percentual entre o pré e o pós-operatório (D%), em relação ao resultado audiométrico, está demonstrada na Tabela 4 e Gráfico 5.
DISCUSSÃONo período de 1982 a 1988 procuramos selecionar com muito rigor os pacientes portadores de cavidades de timpanomastoidectomias abertas que seriam reconstruídas, observando-se os seguintes critérios:
- orelha estritamente seca;
- orelha com excelente reserva coclear;
- possibilidade de vigilância dos pacientes no período pós-operatório;
- possibilidade de convencer os pacientes a aceitar a reoperação em casos de insucesso;
- avaliação do estado da outra orelha.
Os critérios rígidos de seleção dos pacientes tem limitado o número de nossas intervenções, porque eles são, em geral, provenientes de distantes regiões do país e de classe social menos aquinhoada, razão pela qual muitos deles não retornam ao nosso ambulatório, ou demoram muitos meses ou anos para fazê-lo.
Os critérios que nos tem orientado na escolha da solução de conservação do osso temporal retirado do doador são de autoria de MARQUET (4). Usamos de rotina a solução de formol a 4% e pH 5,6, onde os ossos temporais retirados ficarão imersos, de 10 a 15 dias no refrigerador à 4ºC, antes de serem dissecados. Este período de permanência é o tempo necessário para essa solução bactericida esterilizar o material e, sobretudo, endurecer ligeiramente o tímpano e fixar a articulação incudomalear e incudostapédia.
A esterilização química do material em apreço, com vistas a eliminar microorganismos que porventura pudessem transmitir doenças aos receptores, foi bastante eficiente, uma vez que as culturas para fungos e bactérias sempre se mostraram negativas, mesmo após um ano de estocagem.
A finalidade da esterilização do aloenxerto tímpanoossicular é não transmitir ao receptor microorganismos originários do doador, ou da própria manipulação durante o preparo. O ideal é que o aloenxerto que irá substituir a membrana timpânica seja livre de microorganismos, mormente em nossos tempos em que é imprescindível eliminar riscos de contaminação com vírus da Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (SIDA) e da hepatite viral tipo B (HBV).
A precaução do emprego da solução de formol nas concentrações recomendadas e na seleção rigorosa de nossos transplantados, sobrepassa, com boa margem de segurança, as recomendações internacionais adotadas para inativação do vírus da SIDA(16).
As reações imunológicas relativas aos aloenxertos tímpano-ossiculares tem sido objeto de muitos trabalhos científicos (17,18).
Apesar de todos os inconvenientes, fomos tentados a experimentar a técnica preconizada por MARQUET (19), que consiste em fechar a caixa do tímpano com um aloenxerto tímpano-ossicular completo, em restabelecer um efeito columelar pelo procedimento que parece melhor se adaptar às condições existentes e com a reconstrução da parede externa do ático, com fragmento de cortical da mastóide ou cartilagem de septo (técnica fechada). A restauração cuidadosa da parede do meato auditivo externo (MAE), bem como a redução do tamanho da cavidade, são recomendáveis para um bom resultado anatômico e funcional.
Estudos realizados por ARS (20), mostraram que não existe correlação entre a medida do aloenxerto, a idade e o sexo do paciente. As medidas do tímpano têm uma importância toda particular por ocasião de emprego dos aloenxertos em cirurgia reconstrutiva da orelha média. Segundo MARQUET (4) , é indispensável, que os aloenxertos sejam de dimensões perfeitamente semelhantes.
O aloenxerto tímpano-ossicular, desde a sua coleta até a sua colocação cirúrgica, a nosso ver, apresenta-se como mais uma opção que vem ao encontro de nossas necessidades otocirúrgicas na reconstrução da cavidade timpanomastóidea aberta e também na reconstrução de perfurações parciais, totais e subtotais da membrana timpânica. Sua retirada requer um certo treino cirúrgico, porém a sua estocagem pode ser prolongada até um ano, proporcionando, desde que se tenha um "banco" de aloenxertos, dezenas de reconstruções cirúrgicas. A padronização utilizada permitiu direcionar nossa atenção para uma parte do estudo dos resultados anatômicos e funcionais dessa cirurgia, relacionando-os com os também variados graus do estado patológico da orelha média.
A reconstrução da cavidade timpanomastóidea aberta permite ao paciente a melhora de sua audição, assim como tomar banhos de mar e de piscina, na dependência da técnica empregada (8).
Adotamos dois estágios nas nossas cirurgias: o primeiro, o de remoção da doença e o segundo, seis meses após no mínimo, a reconstrução ossiculoplástica e timpanoplástica.
Utilizamos a técnica dos aloenxertos tímpanoossiculares em 21 pacientes. Em apenas um paciente fizemos o enchimento da cavidade aberta com osso e pó de osso, e a parede do meato com a cortical da mastóide (por ser uma mastóide muito grande). A sua estabilidade ficou assegurada graças a canaleta feita na parte anterior e posterior, ao nível do meato, de modo a alojar as suas extremidades. Para melhorar essa estabilidade, colocamos pó de osso na canaleta ( podemos também usar cola de fibrina(15) em suas extremidades).
Na reconstrução da cavidade timpanomastóidea com aloenxerto de nossos pacientes, encontramos estribo presente em 8 casos (38,0%) e ausente em 13 casos (62,0%). A platina estava móvel em todos casos, 21 (100,0%).
Com relação à qualidade do enxerto, obtivemos 76,2% de sucesso anatômico.
WAYOFF et al. (21), analisando os resultados pertencentes a 233 otocirurgiões do Canadá, da Europa e da África, forneceram um padrão mais fidedigno para a avaliação de nossos resultados. Mostraram que 82,6% dos cirurgiões tiveram sucesso anátomo-timpânico em mais de 75% dos pacientes, quando considerada a avaliação conjunta de todas as técnicas e materiais usados para a reconstrução timpânica. Alguns otocirurgiões apontaram sucesso anatômico em mais de 90% dos pacientes, no caso particular de os tecidos utilizados terem sido a aponeurose temporal ou o pericôndrio tragal autógenos. No tocante à melhoria funcional, as cifras apontadas, quer para a amostragem global dos tecidos, quer para a aponeurose temporal individualizada, ficaram entre 60 e 70% dos casos.
A comparação de nossos resultados globais anatômico - 76,2% de sucessos no fechamento de perfurações parciais, totais e sub-totais da membrana timpânica, com as cifras citadas no trabalho de WAYOFF et al. (21), catalogam o aloenxerto tímpano-ossicular como uma boa opção na resolução desses processos.
Com relação aos insucessos cirúrgicos anatômicos a perfuração timpânica, associada ou não à otorréia intermitente, foi uma das maiores causa de nossos insucessos.
A incidência da otorréia na literatura é variável: MARQUET (22) encontrou em seus estudos 5,5% nas cirurgias radicais; PALVA, KARMA, PALVA 10%(23); BROWN 25% em adultos e 33% em crianças(24); VAN BAARCE & HUYGREEN 10 a 15% nas mastoidectomias modificadas e 20 a 25% nas mastoidectomias clássicas(25), e PECH et al. 9,5% nas mastoidectomias clássicas(26).
Existem vários fatores que incidem na freqüência da perfuração pós-operatória do neo-tímpano. Entre eles temos:
- o estado da mucosa da orelha média;
- hemorragia abundante durante a cirurgia, que pode criar terreno apropriado para o crescimento de microorganismos;
- infecção das vias respiratórias altas que levaria à obstrução da trompa de Eustachio, impedindo assim a ventilação da caixa com o aparecimento da otite média;
- defeito da técnica cirúrgica na colocação do enxerto timpânico;
- recidiva do colesteatoma com a conseqüente perfuração na grande maioria das vezes.
Neste trabalho as porcentagens de perfuração e perfuração associada à otorréia intermitente nas cirurgias foram: 9,5% para a técnica do aloenxerto tímpano-ossicular e 4% na técnica fechada.
Para PORTMANN et al. (14), no caso dos aloenxertos, as perfurações surgem mais ou menos dois meses após a intervenção, com 8,5% de aparecimento em seus resultados. Elas são centrais e não comprometem forçosamente o prognóstico funcional, quando são pequenas e quando não se acompanham de interrupção da cadeia ossicular, o que é freqüente. Para MARQUET (22) elas podem ser conseqüentes a falha técnica na colocação do aloenxerto, mas parecem estar também ligada a um retardo de epitelização; é necessário chamar atenção para a pele do meato, onde a vitalidade condiciona a rapidez de epitelização. Certas perfurações podem ser fechadas com ajuda de aponeurose, por meio de uma miringoplastia ulterior. Em caso de insucesso, somos obrigados então a retirar o aloenxerto, qualquer que seja o tipo empregado e de colocar outro. As perfurações descobertas mais tardiamente na ocasião de uma otorréia têm significado bastante diferente. Elas traduzem, em parte, a persistência de um processo infeccioso e inflamatório, algumas vezes ligado à recidiva do colesteatoma.
ROULLEAU et al. (27) observaram que as perfurações são mais freqüentes para os aloenxertos (10%) do que para com a aponeurose temporal (5%), o que explica o fato dos fenômenos inflamatórios serem encontrados com freqüência ao nível das cavidades timpanomastóideas abertas, como também os aloenxertos serem mais vulneráveis do que os auto-enxertos.
CHARACHON, ROUX, EYRAUD (28) e CHARACHON, GRATACAP, ELBAZE (29), registraram 8% de perfurações nos pacientes operados pela técnica fechada.
Após seguimento de três anos, PECH et al. (26) observaram 13,0% de perfuração nos pacientes da técnica fechada.
Em nosso trabalho tivemos também a interrupção da cadeia ossicular, como resultado da perda da conexão entre o estribo do receptor e o bloco tímpano-ossicular enxertado.
A interrupção da cadeia ossicular ocorreu na técnica do aloenxerto em dois casos (9,52%) por destruição do ramo descendente da bigorna enxertada. Isso foi observado naqueles casos em que o Histoacryl foi empregado. Variou de 5% no trabalho de MARQUET (22), para 20% no de PORTMANN et al. (14) e chegou próximo de 10,0% no de ROULLEAU et al. (27). Os autores admitem que esse fato pode estar ligado, ao deslocamento secundário por lise ossicular, por fixação da cadeia ossicular no ático, ou por fixação da platina.
Entre os pacientes desta pesquisa houve um caso (4,76%) de reabsorção do material de reconstituição da parede posterior do meato acústico externo, quando realizamos a técnica fechada. Nas cirurgias reconstrutivas de MARQUET (22) houve 4% de reabsorção. O caso de nossa pesquisa começou com uma cárie na cartilagem e depois houve reabsorção associada a otorréia. Esta complicação foi favorecida pela utilização do Histoacryl como meio de fixação do auto-enxerto cartilaginoso.O osso cortical, menos maleável, e de fácil retirada da cortical da mastóide para a reconstrução da parede posterior do meato acústico externo tem sido usado, na maioria das nossas cirurgias, moldado à broca e colocado conforme a técnica de JUNICHI et al. (30).
A reconstrução óssea é contra indicada quando se duvida da total extirpação das lesões ou quando ocorrem graves complicações de vizinhança.
As causas de insucesso cirúrgico funcionais foram apreciadas nos doentes que foram submetidos à segunda intervenção.
O agravamento da hipoacusia de transmissão foi observado por MARQUET (22) em 6% dos pacientes e por PORTMANN et al. (14) e JUNICH et al. (30) em 5%. Tivemos dois casos (9,5%) na técnica do aloenxerto.
A intervenção radical agrava quase sempre o déficit auditivo de transmissão pré-operatória. A seqüela da surdez é comum estar ao nível do 40 a 60 dB. Este déficit vai se acentuando, favorecido pela infecção crônica e pelo processo de labirintose degenerativa.
Não tivemos complicações graves em nosso trabalho, nenhum caso de cofose (0%), bem como de abertura acidental do labirinto (0%). As cofoses pós-operatórias foram notadas cinco vezes por PORTMANN et al. (14), em 1 vez para WAYOFF et al. (21), duas vezes por ROULLEAU et al.(27). Elas estão relacionadas ao traumatismo da platina em meio inflamatório.
Os resultados globais funcionais auditivos desta pesquisa apontam 66,6% de melhoras auditivas para os aloenxerto (ganho de 10dB a 20dB na média das freqüências 500Hz, 1.000Hz e 2.000Hz); comparando-se os pré e pós-operatórios em perfurações parciais, totais e sub-totais, esses resultados podem ser considerados satisfatórios. Os resultados seriam bem melhores para essa técnica se tivéssemos um número maior de estribos presentes.
Acreditamos que podemos aprimorar nossos resultados, selecionando melhor os pacientes que apresentam cavidades timpanomastóideas, aperfeiçoando as técnicas de reconstrução do meato, talvez no futuro utilizando novos bio-materiais, como a cerâmica (Hidroxiapatite) que está hoje em dia em largo uso na Europa e realizando a intervenção funcional, que permite assegurar a ausência de uma bolsa de retração ou de um colesteatoma residual. Ressentimente(dezembro de 2006 a fevereiro de 2007) tivemos a oportunidade de rever cinco dessas reconstruções que se encontravam com audição e a parede óssea estáveis bem como a cavidade timpanomastóidea seca e sem nenhuma recidiva do colesteatoma e/ou bolsa de retração.
Apesar de exaustivas explicações sobre o uso dos aloenxertos em reconstruções de cavidade timpanomastóideas abertas bem como as recomendações internacionais adotadas sobre o vírus da SIDA, Hepatite viral tipo B, nossos pacientes têm relutado em fazer esse tipo de cirurgia mesmo tendo nós mostrado a praticidade e os resultados desta técnica cirúrgica empregada porém consideramos que o uso da técnica do aloenxerto (técnica fechada) trata-se de um método de escolha para a cirurgia do colesteatoma da orelha média.
CONCLUSÕESPara a realização da técnica fechada é necessária a criação, administração e utilização de um banco de ossos temporais, etapas indispensáveis à cirurgia do aloenxerto tímpano-ossicular.
Mostramos a dificuldade para a reconstrução do meato auditivo externo com o osso cortical da mastóide. Abandonamos nos dias atuais o uso da cartilagem, em razão da sua flexibilidade, inconstância e principalmente a sua reabsorção.
Os resultados a longo termo mostram que a técnica da reconstrução da parede posterior do meato auditivo externo associado ao transplante do aloenxerto tímpanoossicular permitem a reconstrução das cavidades timpanomastóideas abertas, podendo chegar até a uma orelha anatomicamente próxima da orelha normal, e a obtenção de um bom resultado funcional.
Esse estudo é encorajador e nos leva a pensar que este tipo de intervenção merece ser sempre levado a diante por aqueles que realizam a cirurgia otológica.
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1. Doutorado - UNIFESP e Professor Titular II em Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina Santo Amaro - UNISA / SP.
2. Doutor em Otorrinolaringologia pela Faculdade de Medicina USP e Responsável pelo Setor de Otologia do Hospital Beneficiência Portuguesa / SP.
3. Acadêmica do 6º Ano da Faculdade de Medicina de Nova Iguaçu / RJ.
Trabalho realizado na EPM - UNIFESP. Ambulatório de Atendimento do Professor Dr. Nelson Álvares Cruz.
Endereço para correspondência:
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Telefone: (011) 3251-2096 - E-mail: clinicaorlsp@uol.com.br
Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da R@IO em 7 de janeiro de 2007. Cod. 206. Artigo aceito e 3 de junho de 2007