INTRODUÇÃOA perda da sensibilidade auditiva ocorre, com o passar dos anos, em decorrência de predisposição genética ou de fatores exógenos como, por exemplo, a exposição a ruídos intensos, o uso de medicamentos ototóxicos e a presença de algumas comorbidades. Freqüentemente, indivíduos com idades entre 50 e 60 anos apresentam dificuldade para se comunicar ao telefone ou em locais de maior ruído ou, ainda, precisam aumentar o volume da televisão e do rádio para compreenderem as mensagens. Esses são sintomas que se relacionam, na maioria das vezes, com a presbiacusia, perda auditiva neurossensorial associada ao avanço da idade afetando principalmente as freqüências altas e dificultando a discriminação das palavras com prejuízo à comunicação. As queixas mais comuns se referem à dificuldade para compreender o que é dito (1).
Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), a deficiência auditiva manifesta-se por redução da sensibilidade ou da discriminação auditiva, por dificuldades de localização do som ou por zumbidos (2). Essa deficiência pode ser medida por meio de técnicas psicoacústicas, como a audiometria, testes de percepção de fala e avaliação do processamento auditivo ou por técnicas eletrofisiológicas, como a pesquisa dos potenciais auditivos evocados das vias auditivas centrais ou a pesquisa das emissões otoacústicas evocadas. A incapacidade auditiva é verificada na medida em que essa deficiência afeta o desempenho e habilidade do indivíduo de utilizar a audição nas atividades diárias, como percepção de sons da fala ou do ambiente. O
handicap é, portanto, definido como o impacto que essa deficiência causa no bem-estar e na qualidade de vida do indivíduo, repercutindo nas relações inter-pessoais, no equilíbrio emocional, nas interações ou nas aspirações educacionais, sociais e ocupacionais (2).
Nos idosos, o Aparelho de Amplificação Sonora (AAS) é o elemento propulsor do processo de reabilitação auditiva. A escolha da melhor prótese auditiva, assim como o acompanhamento de sua utilização pelo usuário, constituem desafios para profissionais, como o fonoaudiólogo e o otorrinolaringologista. Atualmente, os AAS são equipamentos individualizados, miniaturizados, digitais ou digitalmente programáveis, versáteis e dotados de controles que podem ser manipulados com relativa facilidade pelos usuários, até mesmo pelos mais idosos.
O benefício advindo do uso do AAS pode ser definido como as vantagens ou os ganhos e ainda os proveitos obtidos pelo usuário com a amplificação sonora (3). Esse benefício pode ser medido, e assim sendo, considerado positivo, negativo ou até neutro, na dependência do efeito que o AAS exerce sobre o desempenho de cada indivíduo (4). O benefício pode estar relacionado exclusivamente ao alívio da sensação da perda auditiva periférica, ou pode ocorrer independentemente da percepção do usuário, beneficiado pela melhora de sua audição nas atividades do dia-a-dia (3,5). Assim sendo, o benefício trazido para o usuário da amplificação sonora varia entre os indivíduos, principalmente em função de sua motivação para o uso da amplificação sonora (6). Desta forma, é muito importante uma avaliação clínica subjetiva do paciente quanto a sua percepção da deficiência auditiva, ou seja, o impacto que a privação auditiva traz diariamente ao indivíduo, ou seja, o
handicap.
Em audiologia, pode-se medir o benefício proporcionado pelo uso do AAS por meio da diferença entre o desempenho do usuário em situações sem e com o uso do AAS, em avaliações feitas em idênticas condições (6,7). Esse benefício pode ser também mensurado por meio de avaliações objetivas - ganho funcional e testes de reconhecimento de fala - e subjetivas, com a aplicação de questionários de auto-avaliação, comparando-se as situações sem e com o uso do AAS (8,9).
A avaliação objetiva isolada do benefício advindo do uso do AAS é insuficiente, pois o ganho funcional é verificado em cabina acústica, com tons puros e palavras foneticamente balanceadas, o que não se equipara, de forma alguma, às situações da vida diária. Assim sendo, por um lado, é importante que o benefício seja avaliado nas situações cotidianas, quando sons ambientais também competem com a voz humana; por outro lado, o redutor de ruído do AAS pode identificar o tom puro como um ruído ambiental nas freqüências graves e o ganho avaliado torna-se insuficiente. Nessa situação, o paciente pode apresentar algum benefício com a amplificação sonora que pode ser detectado pelos métodos subjetivos, ainda que o ganho avaliado objetivamente seja insuficiente.
Assim sendo, o questionário
Profile of Hearing Aid Benefit (PHAB) foi elaborado por COX e RIVERA em 1992 (10) com o intuito de avaliar o benefício proporcionado pelo uso de amplificação sonora em duas situações distintas sem e com o uso de AAS. Entretanto, em clínica, COX e ALEXANDER, em 1995, (11) desenvolveram uma versão reduzida desse questionário, o
Abbreviated Profile of Hearing Aid Benefit(APHAB), traduzido para a Língua Portuguesa por Almeida (12) como Benefício do Aparelho de Amplificação Sonora, em 1998.
O APHAB (Anexo 1) é um questionário de auto-avaliação no qual o indivíduo quantifica as dificuldades experimentadas nas diferentes situações de comunicação do cotidiano. É considerado instrumento efetivo para fornecer dados padronizados com o objetivo de avaliar a incapacidade auditiva associada à deficiência auditiva. É composto por 24 perguntas agrupadas em subescalas que se referem à compreensão da fala nos ambientes cotidianos em que se avaliam a facilidade de comunicação (FC) em ambientes sem sons competitivos, a reverberação (RV), que se refere à qualidade da escuta em ambientes amplos, e o ruído ambiental (RA), que avalia a capacidade de perceber a fala na presença de ruídos competitivos, além das reações dos usuários aos sons ambientais (AS), que verifica a aversão dos usuários aos sons e não propriamente o benefício. As três primeiras escalas avaliam a compreensão da fala em diferentes situações de vida diária e a última quantifica as reações negativas aos sons ambientais. Nessa subescala, avalia-se o nível de desconforto aos sons com o uso do AAS e não propriamente o benefício.
Esse questionário, quando é respondido em situações distintas - sem e com o uso do AAS - , permite a mensuração do benefício do AAS. Todos os itens são afirmações sobre as habilidades de comunicação ou percepção dos sons nas situações de vida diária e os indivíduos em teste devemindicar o quão freqüentemente cada afirmação é verdadeira. É fornecida uma escala de resposta de sete pontos e, a cada opção de resposta, estão associados um termo descritivo e uma porcentagem, a saber, "sempre"(99%), "quase sempre"(87%), "geralmente (75%), metade das vezes (50%), "às vezes"(25%), "raramente"(12%) e "nunca"(1%). Quanto mais alto for o valor de cada subescala, maior a dificuldade experimentada nas situações de comunicação do dia-a-dia. Cada item deve ser respondido duas vezes, uma para a condição sem AAS e a outra para a condição com o uso do AAS. O APHAB avalia tanto o desempenho isolado do indivíduo, sem ou com o AAS, como o benefício fornecido pelo amplificador, computando-se a diferença entre as duas situações. Esse questionário é considerado um instrumento clínico de validação dos resultados obtidos com a amplificação sonora que pode ser útil para quantificar a incapacidade do indivíduo associada à perda auditiva e à redução dela com o uso da amplificação.
O
handicap ou a desvantagem auditiva também pode ser avaliado por meio da aplicação de questionários. O questionário
Hearing Handicap Inventory for the Elderly (HHIE) foi desenvolvido por VENTRY e WEINSTEIN, em 1982 (13) e traduzido para o português por WIESELBERG, em 1997 (14) (Anexo 2). Esse questionário foi designado para avaliar os efeitos auditivos e não auditivos - psicossociais - provocados pela deficiência auditiva em idosos. Esse instrumento pode ser utilizado no processo de reabilitação auditiva, na verificação da redução perceptiva da desvantagem auditiva, na indicação do uso de amplificação sonora e, ainda, como um complemento na realização de triagem audiométrica (5). Com o objetivo de ser utilizado como procedimento de avaliação rápida em idosos com problemas auditivos, o HHIE apresenta uma versão simplificada denominada HHIE-S. Essa versão do questionário foi validada em 1988 por BESS, LICHTENSTEIN e LOGAN (15).
O HHIE é composto por 25 perguntas, nas quais 13 exploram as conseqüências emocionais da deficiência auditiva e 12 se referem aos efeitos sociais e situacionais dessa deficiência. Assim sendo, o
handicap é avaliado segundo critérios de pontuação. VENTRY e WEINSTEIN, em 1982, (13) propuseram uma forma de mensurar a desvantagem auditiva sendo que quatro pontos são atribuídos às respostas "sim", dois pontos às respostas " às vezes" e zero ponto às respostas "não". Desta forma, a pontuação zero indica a ausência de percepção da desvantagem auditiva, a qual é maior quanto maior for a percepção do indivíduo de sua desvantagem auditiva, ou seja, das dificuldades geradas pela deficiência auditiva.
O presente estudo tem como objetivo avaliar subjetivamente o benefício do uso de próteses auditivas digitais em idosos não institucionalizados e identificar a sua percepção em relação aos efeitos psicossociais e situacionais advindos da desvantagem auditiva provocada pela deficiência auditiva.
CASUÍSTICA E MÉTODOSUm estudo prospectivo foi realizado em uma amostra de conveniência de 30 idosos, com 60 ou mais anos de idade, não institucionalizados em tratamento otorrinolaringológico e audiológico ambulatorial em clínica privada, na cidade de Brasília-DF, entre julho e outubro de 2004. Foram selecionados 30 pacientes consecutivos com mais de 60 anos, alfabetizados, portadores de perda auditiva neurossensorial adquirida após o período de aquisição da linguagem em uso de AAS digital bilateral, já em uso por um período mínimo de 3 meses e máximo de 24 meses, com média de 11,2 meses.
Todos os pacientes foram submetidos a uma avaliação otorrinolaringológica prévia e tinham indicação do uso de AAS. Esses pacientes foram acompanhados pelos mesmos profissionais, um fonoaudiólogo e um outro, otorrinolaringologista, durante o processo de indicação, seleção e adaptação do AAS. O protocolo de avaliação usado no estudo foi submetido e aprovado pelo comitê de ética em pesquisa da Faculdade de Medicina da Universidade de Brasília, sob o número 061/2003. Os participantes da pesquisa assinaram um termo de consentimento livre e esclarecido, conforme os preceitos éticos na realização de pesquisas com seres humanos (Anexo 3).
Todos os pacientes responderam, no modo lápis/ papel, dois questionários de auto-avaliação distintos, sem o auxílio de outras pessoas. Após a leitura dos textos, cada indivíduo selecionava as melhores opções expostas. Para a verificação do benefício do uso de AAS, foi utilizado o questionário de auto-avaliação APHAB, na versão de ALMEIDA (12) em duas situações distintas - sem e com o uso do AAS.
O benefício geral foi calculado por meio da diferença entre as médias dos escores nas situações sem e com o uso do AAS de cada uma das subescalas do questionário. A subescala de aversão aos sons foi utilizada para se verificar o nível dedesconforto aos sons com o uso do AAS e não propriamente para o cálculo do benefício, calculado e apresentado separadamente para cada uma das respostas dadas a cada item de cada uma das subescalas que compõem o questionário. Os dados foram estratificados de acordo com o percentual de benefício em menor que - 50%, de - 22% a - 10%, de - 9% a + 9%, de + 10% a + 22%, de + 23% a + 49% e acima de + 50%.
O benefício pode ser negativo em algumas questões, já que o usuário pode fazer uma avaliação melhor sem o uso do AAS em relação à situação com o seu uso. Assim, a maior pontuação percentual negativa corresponde ao maior grau de dificuldade, enquanto a maior pontuação positiva referese ao maior benefício. Para se considerar que houve o benefício com o uso do AAS, foi utilizado o ponto de corte de 22,0% entre os valores obtidos sem e com o uso do AAS, sendo que, a partir de 23%, considerou-se que houve um benefício do ponto de vista subjetivo (11).
A desvantagem auditiva foi verificada por meio do questionário de auto-avaliação HHIE, na versão de WIESELBERG (1987) (Anexo 2) (14), que observava os efeitos da perda auditiva nos aspectos emocionais e sociais, em indivíduos idosos não institucionalizados. Esse questionário foi aplicado apenas para a situação com o uso do AAS. Os pacientes foram então estratificados de acordo com percepção de perda auditiva com o uso do AAS em: <= 16 (sem percepção), 17 a 42 (percepção leve) e > 42 (percepção severa) (14).
Os indivíduos foram classificados segundo o grau de perda auditiva, levando-se em conta a melhor orelha, de acordo com a classificação de DAVIS E SILVERMAN, elaborada em 1970 (16), que utiliza a média aritmética das respostas nas freqüências audiométricas de 500, 1000 e 2000 Hz, e que classifica os graus de perdas auditivas para a média aritmética em: leve, de 26 a 40 dB NA; moderada, de 41 a 70 dB NA; severa, de 71 a 90 dB NA e profunda, maior que 90 dB NA.
RESULTADOSTodos os 30 pacientes responderam aos dois questionários e não houve exclusão de indivíduos nesse estudo. Os indivíduos selecionados para esse estudo estavam em uso de três modelos diferentes de AAS digitais do mesmo fabricante. Dos 30 sujeitos, 18 pertenciam ao gênero feminino (60%) e 12 (40%) ao masculino. A idade dos sujeitos variou de 60 a 89 anos, sendo que 7 (23%) estavam na faixa etária de 60-69 anos; 9 (30%), na de 70-79 anos e 14 (47%), na de 80- 89 anos. Quando estratificados quanto à perda auditiva, considerando-se a melhor orelha, 13 (43,3%) dos indivíduos apresentavam perda auditiva leve e 17 (56,7%), perda auditiva neurossensorial moderada. Apenas um paciente apresentava perda auditiva severa na pior orelha e leve na melhor.
A Tabela 1 apresenta a distribuição das 180 respostas dadas pelos pacientes ao questionário APHAB, para os seis itens relacionados com a FC. Em 1% (n=2) das respostas, a faixa de benefício variou de -9% a + 9%. O benefício foi negativo e variou de - 50% a -10% em 4,3% das respostas (n= 8), e, em 20% das respostas (n=11), variou entre 10% e 22%. Houve percepção subjetiva de benefício com o uso do AAS - faixas de benefício > 22,0% -, portanto, em 74,7% das respostas.
A Tabela 2 mostra a distribuição das respostas das questões referentes à RV. Das respostas dadas, 48,7% (n=87) mostram interferência da reverberação na qualidade da comunicação com o uso do AAS e benefício, portanto, insuficiente - faixas de benefício inferiores a 23% -, sendo que 11% (n=20) apresentaram benefício menor que -50%,2,8% (n=5) variando de -22 a -10%, 13,9% (n=25) de -9 +9%. Houve benefício para essa subescala em 51,7% das respostas avaliadas (n=93).
Em relação à subescala RA (Tabela 3), observou-se que, em 35% das respostas dadas (n=63), não houve benefício registrado pelos pacientes, sendo que 7,8% das respostas (n=14) apresentaram benefício menor que -50%; 5,0% (n=09) variou de -22 a -10%, 7,2% (n=13) de -9 +9% e, em 65% das respostas (n=117), houve benefício superior a 22%.
Pelos resultados da subescala de AS, Tabela 4, percebe-se que, com o uso do aparelho, registram-se 46,2% (n=83) de relatos de desconforto aos sons.
O Benefício geral deste estudo foi, em média verificado em 63,8% das respostas avaliadas, levando-se em consideração que para a subescala de FC foi de 74,7%, RA 65% e RV 51,7% das respostas avaliadas.
Quando foi avaliada a percepção da desvantagem auditiva pelos pacientes -
handicap - as perdas sociais foram percebidas por 48% dos pacientes, enquanto as emocionais foram percebidas por 52% dos pacientes. A desvantagem auditiva foi percebida em 48% das situações avaliadas, somando-se o percentual de respostas para "sim" e "às vezes".
Quando se quantificou a percepção da desvantagem auditiva, observou-se que apenas 20% das respostas indicaram a não percepção da desvantagem auditiva pelos pacientes. Em 80,0% das outras respostas, os pacientes manifestaram a percepção da desvantagem auditiva em grau de leve a severo, conforme Tabela 5.
DISCUSSÃOSegundo RUSSO (17), a perda auditiva é, possivelmente, a deficiência mais devastadora no processo de envelhecimento. A presbiacusia, não raramente, é o fator que sinaliza a chegada da terceira idade acarretando dificuldades na comunicação e gerando seqüelas importantes de natureza emocional, social e ocupacional. O AAS é um recurso recomendado que facilita a compreensão da fala. Entretanto, o uso desses dispositivos nem sempre proporciona ao usuário uma audição normal, ou igual àquela anterior à instalação da presbiacusia, principalmente em situações em que há ruído competitivo.
Na concepção de SILVEIRA e RUSSO (18), a avaliação audiológica convencional é capaz de fornecer dados referentes ao tipo e grau de deficiência auditiva que o indivíduo apresenta, sendo também imprescindível a avaliação da maneira como essa deficiência afeta a qualidade de vida emocional e social dos pacientes por meio de outros instrumentos. Com esse propósito, os questionários de auto-avaliação vêm sendo mais empregados a cada dia com o intuito de avaliar e quantificar as conseqüências sociais e emocionais da deficiência auditiva. Esses questionários são, portanto, instrumentos importantes na rotina clínica para verificar o benefício do uso da prótese auditiva com relação à compreensão da fala em ambientes mais silenciosos, com ruído ou ambiente reverberante além da desvantagem advinda da deficiência auditiva. Além disso, são instrumentos que complementam a avaliação objetiva, como o ganho funcional, os ganhos de inserção e os testes de percepção de fala.
Sabe-se que as dificuldades de adaptação da prótese auditiva no idoso estão relacionadas ao grau de perda auditiva, à compreensão da fala, às dificuldades de manuseio do controle de volume do AAS, à motivação para o uso do AAS e à aceitação da perda auditiva, bem como à expectativa em relação ao benefício da prótese auditiva. É freqüente, o indivíduo mais idoso e com pouca inserção social apresentar maior resistência ao uso da prótese, por considerar que, economicamente e socialmente, não vale a pena investir em um aparelho tão caro. Nesses casos, somente as avaliações objetivas convencionais são insuficientes para avaliar e conduzir o processo de adaptação dos AAS.
Como os questionários são traduções de outras línguas e culturas, é necessária a adaptação desses instrumentos para o nível social, cultural, mental e cognitivo do grupo de paciente avaliado. Nessa pesquisa, observou-se que, durante o preenchimento dos questionários, alguns pacientes solicitaram esclarecimento quanto ao que seria avaliado. Salienta-se a necessidade da construção de instrumentos de avaliação originalmente adequados a nossa realidade social, cultural e econômica.
As perdas auditivas moderadas representaram 56,7% da amostra estudada e as perdas auditivas leves representaram 43,3%. Os pacientes com perda auditiva moderada apresentam maior dificuldade de comunicação quando a mensagem é emitida em intensidade fraca, de acordo com a distância e com ruído competitivo. Observa-se, na prática clínica, freqüentemente em indivíduos idosos, um comprometimento desproporcional entre a compreensão da fala e o grau de perda de audição. Assim sendo, perdas consideradas inicialmente leves podem se traduzir por comprometimentos profundos do processamento auditivo central, isto é, as redundâncias intrínsecas complementares inerentes ao sistema nervoso central tendem a diminuir com o avanço da idade, segundo RUSSO (19). Esse fato pode justificar benefícios não muito satisfatórios com o uso do AAS em populações com perda leve de audição verificado no presente estudo.
Cerca de 74% das respostas revelaram benefício na subescala FC com o uso do AAS, portanto, foi a subescala que revelou benefício com maior freqüência . O resultado verificado para ambientes silenciosos sugere que a deficiência auditiva nesses pacientes provavelmente não ocorre simplesmente por um declínio na audição, passível de correção completa pela amplificação, mas também por possíveis alterações no processamento auditivo central. Assim sendo, o acompanhamento desses pacientes, seguido de orientações e treinamento mais direcionado para essa dificuldade, deve ser encorajado para os profissionais que atuam com essa modalidade de tratamento.
Entretanto, a subescala RV apresentou o benefício em menor freqüência das respostas, 51,7%. Esse resultado deve-se, certamente, à acústica do ambiente e a distância entre o falante e o ouvinte, visto que, em ambientes menos reverberantes é mais fácil a discriminação dos sons de fala do que em ambientes reverberantes, que dificultam a comunicação. Resultado semelhante foi encontrado por FERRARI(20), BUCUVIC (21) e por ASSAYAG (22).
Em relação à dificuldade para compreender a fala em ambientes ruidosos, subescala RA, verificou-se benefício com prótese auditiva de 65%. É comum o idoso sentir dificuldade na compreensão da fala, principalmente em ambientes ruidosos. Esse achado também está de acordo com a característica da presbiacusia- rebaixamento nas altas freqüências - que dificulta a comunicação em ambientes ruidosos.
Na subescala AS, que enfoca a impressão do usuário frente à intensidade dos sons ambientais, foram encontrados índices elevados de relatos de desconforto com o AAS, 46,2% das respostas dadas. Esse resultado é esperado em usuários de AAS, uma vez que ocorre o aumento da audibilidade dos sinais acústicos tornando-os mais intensos com a amplificação e incomodando, em graus variados, os usuários de AAS.
O benefício médio, obtido entre as três subescalas (FC, RV, RA), foi verificado em 63,8% das respostas dadas.
No presente estudo, foram avaliados pacientes com período de adaptação entre 3 meses e 24 meses, com média de uso de 11, 2 meses. Assim sendo, o benefício poderia ser verificado em um maior número de respostas se o período de adaptação tivesse sido maior, principalmente nos pacientes com três meses de uso (n= 2). Esses resultados, em conformidade com a literatura científica, mostram benefício com o uso do AAS. ALMEIDA em 1988 (10), verificou diferença estatisticamente significante favorável ao uso do AAS e ASSAYAG, em 2003 (22), verificou benefício global de 51,7% com o AAS.
A desvantagem provocada pela deficiência auditiva pode se expressar em situações sociais e emocionais. No presente estudo, 48% dos pacientes relataram desvantagem no âmbito social e 52% revelaram desvantagens emocionais. A percepção da desvantagem foi considerada severa segundo a metodologia utilizada em 40% das respostas. A percepção da desvantagem auditiva influencia diretamente no benefício com o uso do AAS, pois, quanto maior a percepção da desvantagem, maior a possibilidade do indivíduo utilizar o AAS e perceber os ganhos ou proveitos da escuta com AAS.
Deve-se ressaltar que o questionário que avalia a desvantagem auditiva foi aplicado na vigência do uso do AASI. Desta forma, a percepção da desvantagem auditiva anterior ao uso do AASI poderia ser maior, já que alguns pacientes (n=16) estavam em uso do AASI há mais de um ano.
Segundo WIESELBERG, em 1997, (14) a desvantagem auditiva diminui com o tempo de adaptação do AAS e a maior familiaridade do paciente com o seu uso, diminuindo a desvantagem provocada pela perda auditiva e reintegrando o indivíduo em sua vida social. Ressalta-se a necessidade, portanto, de um acompanhamento sistemático do paciente usuário de AAS, a fim de que possam ser reavaliados a adaptação e o benefício, identificando as dificuldades e oferecendo as orientações fonoaudiológicas oportunas a cada caso, para a diminuição do índice de abandono do uso do AAS.
A utilização do questionário APHAB pode evidenciar algumas dificuldades apresentadas pelos pacientes com o uso do AAS em várias situações de escuta, viabilizando o apoio por meio da discussão dessas dificuldades e a adoção de estratégias de comunicação que levam o paciente a fazer melhor uso do sinal sonoro que escuta.
CONCLUSÃODiante dos resultados da presente investigação, pode-se chegar às seguintes conclusões: houve benefícioem média, 63,8% das respostas dadas pelos pacientes nessas subescalas avaliadas e há percepção da desvantagem auditiva em 80% dos pacientes do grupo avaliado.
A avaliação subjetiva do benefício das próteses auditivas é importante para a validação dos resultados da amplificação e deve ser incorporada à rotina clínica dos fonoaudiólogos. Os dados ressaltam a importância da abordagem subjetiva na avaliação individual das conseqüências psicossociais geradas pela deficiência auditiva, viabilizando a busca de estratégias para a sua minimização.
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1. Mestre em Ciências Médicas pela Universidade de Brasilia. Diretora Proprietária da Audiológica Aparelhos Auditivos.
2. Doutor em Ciências da Saúde / Universidade de Brasília. Médico do Serviço de Otorrinolaringologia da Universidade de Brasília.
3. Ph.D. Professor Titular da Disciplina de Otorrinolaringologia da Universidade de Brasília.
Instituição: Universidade de Brasília.
Endereço para correspondência:
SEP/S 715/915 CJ A BL D SL 412/413 - Centro Clínico Pacini
Asa Sul Brasília / DF - CEP 70390-155
Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da R@IO em 20 de março de 2007. Cod. 231. Artigo aceito em 11 de junho de 2007.