INTRODUÇÃOA expectativa de vida vem aumentando em toda população mundial, no Brasil o número de idosos com idade superior a 60 anos ultrapassa 10 milhões (1). Assim, surge a necessidade de compreendermos melhor as alterações decorrentes do processo de envelhecimento, já que estas ocorrem em vários sistemas do organismo, entre eles a audição.
A comunicação é um ato fundamental na vida, sendo a audição fator importante para que esta ocorra de forma efetiva. A perda auditiva decorrente da idade tem impacto negativo na qualidade de vida destes indivíduos, pois interfere na comunicação, sobretudo em ambientes ruidosos, dificultando as relações sociais.
A perda auditiva é um dos problemas crônicos mais freqüentemente encontrados nos idosos e tende aumentar com a idade, acometendo 33% daqueles entre 65 e 74 anos, 45% das pessoas entre 75 e 85 anos e 62% das pessoas acima de 85 anos de idade (2).
Presbiacusia é o termo que se refere à perda auditiva associada ao processo de envelhecimento, ocorrendo em ambos os sexos (2). Aparece a partir de 60 anos de idade e depende de vários fatores. Tantos fatores endógenos, como hereditariedade ou doenças (por exemplo: diabetes e hipertensão), como fatores exógenos, nutrição, stress e exposição ao ruído podem influenciar na perda de audição (3).
O audiograma da presbiacusia inicia-se com perda auditiva nas freqüências mais altas, depois as freqüências mais baixas também são afetadas (3). Isto é, geralmente a audição encontra-se normal nas freqüências de 250 a 2000 Hz, com declínio gradual para uma perda auditiva leve em altas freqüências nas mulheres e perda auditiva moderada mais abrupta nos homens (2). Além destas características, a performance da inteligibilidade de fala pode cair em torno de 35% (4).
Apesar da sua alta incidência, não há como prevenir, curar ou descobrir o fator desencadeante da presbiacusia, apenas sabe-se que aparece e é inevitável.
SCHUKNECHT (5) descreveu quatro classificações de presbiacusia: sensorial, é caracterizada pela perda de células ciliadas e atrofia do nervo auditivo no giro basal da cóclea. O audiograma é caracterizado por perda auditiva com queda abrupta em altas freqüências e uma redução proporcional da habilidade de reconhecimento de fala. A presbiacusia neural está associada à degeneração primária dos neurônios e das fibras nervosas, com a perda maior na base da cóclea. É caracterizada pela perda da habilidade de reconhecimento de fala desproporcional à perda auditiva para tons puros. A presbiacusia metabólica ou da estria vascular envolve a atrofia da estria vascular. O audiograma tem configuração com perda auditiva plana e as habilidades de fala tendem a se manter intactas apesar da perda. Por último, presbiacusia mecânica que envolve o enrijecimento da membrana basilar ou outras desordens mecânicas, o que interfere na transmissão do som dentro da cóclea. A perda auditiva é lentamente progressiva, com configuração descendente.
A presbiacusia tem sido mencionada como principal fator explicativo da dificuldade de compreensão de fala em indivíduos. Porém, esta dificuldade relatada pelo idoso parece ser maior do que a esperada à quantidade de perda auditiva (6). Pois, em muitos casos, pela configuração audiométrica recomenda-se protetização auditiva com bom prognóstico, porém observa-se que mesmo com a amplificação sonora, a dificuldade de compreensão da fala continua sendo queixa mais comum entre estes indivíduos (7).
Os testes de fala são meios importantes para avaliar a função comunicativa receptiva dos idosos de uma forma quase sistemática. Fornecem informações objetivas e facilmente quantificáveis sobre alterações derivadas da perda auditiva e habilidade de reconhecimento de fala em diferentes situações (2).
A habilidade de fala pode ser avaliada tanto por meio do limiar da logoaudiometria, em que é pesquisada a menor intensidade na qual o indivíduo consegue identificar 50% das palavras familiares que lhe são apresentadas, seria o Limiar de Recepção de Fala (LRF) ou o termo mais utilizado Speech Reception Threshold (SRT). Ou por meio do Índice de Reconhecimento de Fala (IRF) em que avalia a discriminação da fala por meio de uma lista de monossílabos e dissílabos 40 dB acima dos limiares de recepção de fala (SRT) (8).
Na experiência clínica é comum observar indivíduos com o mesmo grau e configuração de perda auditiva neurossensorial que possuem diferentes resultados do IRF (9).
Além dos testes da fala fornecerem dados sobre a eficiência comunicativa dos indivíduos, proporcionam também, informações para o diagnóstico diferencial relacionadas ao local da lesão e auxiliam na seleção da prótese auditiva individual.
O presente trabalho teve como objetivo verificar o grau e configuração audiométrica e relacionar com a habilidade de fala por meio de valores do SRT e IRF de indivíduos com presbiacusia.
CASUÍSTICA E MÉTODOO trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa - CAPPesp da Diretoria do Hospital das Clínicas e da FMUSP pelo protocolo número 1042/06.
A amostra constou de pacientes do setor de Otorrinolaringologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo encaminhados para o setor de Audiologia para realização da audiometria que apresentaram os seguintes critérios de inclusão:
- Indivíduos com idade superior a 60 anos de ambos os sexos, com base no critério estabelecido pelo Estatuto do Idoso (10).
- Apresentarem configuração audiométrica de presbiacusia, isto é, hipoacusia bilateral e simétrica, geralmente com curva audiométrica descendente e acima de 2000 Hz no estágio inicial, sendo que as freqüências graves também podem ser afetadas (11).
- Dados da Logoaudiometria: SRT - os resultados são expressos em dB, que representam o reconhecimento de 50% do material de fala, deve ser encontrada em níveis de até 10 dB acima dos limiares médios de 500, 1000 e 2000 Hz (Redondo e Lopes Filho, 1997). E IRF que são expressos em porcentagem de acertos e consideram limites normais entre 90 e 100% e limites alterados abaixo de 89% (12).
- Sem passado otológico ou cirurgia de orelha.
- Não sejam portadores de síndromes congênitas ou malformações craniofaciais.
Na audiometria os limiares de audibilidade foram classificados segundo BIAP - (Recomendação número 02/1 bis, 1996) (13) sendo a média dos limiares auditivos das freqüências de 500, 1000, 2000 e 4000 Hz:
- limiares auditivos normais: até 20 dB;
- perda auditiva mínima: de 21 dB a 40 dB ;
- perda auditiva moderada:
Grau 1: de 41 dB a 55 dB
Grau 2: de 56 dB a 70 dB
- perda auditiva severa:
Grau 1: de 71 dB a 80 dB
Grau 2: de 81 dB a 90 dB
- perda auditiva profunda:
Grau 1: de 91 dB a 100 dB
Grau 2: de 101 dB a 110 dB
Grau 3: de 111 dB a 119 dB
- anacusia: 120 dB
A classificação dos valores de IRF foram baseados em JERGER e SPEAKS (14):
- Limites normais: 100% a 92%
- Ligeira dificuldade: 88% a 80%
- Dificuldade moderada: 76% a 60%
- Discriminação pobre: 56% a 52%
- Discriminação muito pobre: abaixo de 50%
Foi realizado o levantamento de 50 prontuários de pacientes atendidos que apresentaram os critérios de inclusão, sendo estes 27 do sexo masculino e 23 do sexo feminino, com média de idade de 73,6 anos (faixa etária de 60 a 97 anos).
Os resultados foram colocados em tabelas para melhor visualização.
RESULTADOSObserva-se a presença de grau mínino, moderado grau I e II e severo, sendo as mais frequentes grau mínino (41%) e moderado grau I (36%). Comparando a classificação do IRF com a perda auditiva mínima, observa-se que a maioria está dentro dos limites da normalidade (51%) e ligeira dificuldade (32%). Porém, na perda auditiva moderada grau I oberva-se número igual de pacientes com limites dentro da normalidade (25%), ligeira dificuldade (25%) e dificuldade muito pobre (25%) de IRF (Tabela 1).
Na Tabela 2 encontra-se a média dos valores de IRF (em %) nos diferentes graus de perda auditiva, nota-se queo valor de IRF diminui conforme a perda auditiva aumenta, porém esta diminuição é pequena.
Os dados de IRF também foram comparados com valores de SRT dos pacientes e realizado porcentagem média do IRF (Tabela 3).
Nos limites normais de SRT, os valores de IRF encontram-se dentro da normalidade (41%) ou com ligeira dificuldade (36%). Entre 26-40 dBNA a maioria encontra-se dentro da normalidade (41%), seguido de ligeira dificuldade (21%) e discriminação muito pobre (15%). O SRT de 41-55dBNA, a classificação de ligeira dificuldade (35%) é mais frequente, após limites normais, dificuldade moderada e discriminação muito pobre aparecem com mesma frequência (19%). Entre 56-70dBNA, a dificuldade mais frequente é moderada e discriminação muito pobre (36,5% cada) (Tabela 4).
DISCUSSÃOObserva-se predomínio do sexo masculino na amostra total com 54% sendo o sexo feminino com 46%, o que concorda com a literatura que observa perda auditiva significativamente maior em homens (15).
A configuração audiométrica foi bilateral, simétrica, descendente (16), de grau mínimo e moderado grau I e II e severo. O que concorda com os achados de BARALDI et al (17) que em seu estudo, comparando idosos com e sem hipertensão, encontraram no grupo sem hipertensão 38,9% com grau leve e 27,8% com grau moderado e 2,8% com grau severo, assemelhando-se ao resultados encontrados neste estudo.
Observa-se que os limiares de SRT dentro da normalidade têm os melhores resultados de reconhecimento de fala, o que é esperado para alterações cocleares. Porém, os resultados mostram em alguns casos com o mesmo grau de perda auditiva foram encontrados diferentes valores de IRF. Apesar do aumento da perda auditiva, encontra-se uma distribuição homogenea de valores de reconhecimento de fala, que variaram dos melhores resultados (96%) aos piores (6%). Mesmo em orelhas normais também foram encontradas porcentagem de idosos com pobre performance de reconhecimento de fala.
Acredita-se que há um decréscimo na performance de inteligibilidade de fala com o avançar da idade. JERGER(18) já mencionava em seu estudo a desproporção de perda auditiva, quando a média da perda auditva estava entre 40-49dB, o valor máximo de discriminação de fala decline 80% de reconhecimento no grupo de 10-19 anos de idade para 60% no grupo de 80-89 anos. Como também suspeitava que a discriminação da fala possui evidências mais centrais do que periféricas para explicar este fenômeno.
YOSHIOKA e THORNTON (19) comentam que a discriminação da fala é muito afetada quando a perda auditiva é leve, mudando o reconhecimento de "muito bom" para "razoável" quando a rampa da perda auditiva é íngreme. Para perdas moderadas a severa todos apresentaram discriminação pobre, entretanto em nossos achados foi possível observar que mesmo em perdas moderadas há grande variedade na habilidade de fala.
Estudos sobre o processamento auditivo temporal de idosos que se queixam de dificuldade de entender a fala mostram que essa habilidade não guarda relação com o nível de perda auditiva. PINHEIRO e PEREIRA (20) avaliaram o processamento auditivo em idosos e encontraram a habilidade de síntese binaural alterada, que seria responsável pela compreensão em lugares ruidosos. Então, a queixa de dificuldade de compreensão auditiva mesmo com uma boa adaptação de aparelho de amplificação sonora poderia ser explicada por uma disfunção do processamento auditivo (7). Assim, estudos sobre o processamento auditivo seriam interesantes, uma vez que o IRF é realizado em situação ideal de escuta o que não ocorre na realidade diária (21).
Diante de tantos índices diferentes de habilidade de fala nos idosos, achamos que a classificação de SCHUKNECHT (5) é fundamentada e necessária para compreendemos melhor as diferenças entre as presbiacusias.
Embora existam várias explicações e sugestões sobre a relação de discriminação pobre e nível de audição, o que encontramos é a real dificuldade de compreensão de fala no idoso, sendo assim prejudicada sua comunicação e consequentemente afetada sua qualidade de vida.
CONCLUSÃOA amostra apresentou como média de idade de 73,6 anos, com predomínio de sexo masculino (54% e 46% feminino), com perda auditiva neurossensorial simétrica, bilateral e descendente de grau predominantemente mínino e moderado grau I segundo BIAP (13).
Os valores de IRF, baseado em JERGER e SPEAKS (14), e de SRT segundo a perda auditiva, apresentaram resultados variados, observando-se que mesmo a perda auditiva sendo mínina a discriminação por vezes era muito pobre ou nas perdas auditivas moderadas apresentavam limites normais de IRF.
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21.Almeida LC. Comportamento auditivo: estudo em um grupo de idosos, 2006 (Tese de Mestrado - UNIFESP - EPM).
1. Aprimoramento. Fonoaudióloga.
2. Fonoaudióloga Doutora em Ciências dos Distúrbios da Comunicação pela UNIFESP - EPM. Fonoaudióloga da Clínica de Otorrinolaringologia do Hospital das Clínicas da FMUSP.
Instituição: Hospital das Clínicas - Faculdade de Medicina da Universidade Estadual de São Paulo.
Endereço para correspondência: Ana Tereza de Matos Magalhães
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Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da R@IO em 2 de abril de 2007. Cod. 236. Artigo aceito em 17 de abril de 2007.