INTRODUÇÃOA ectasia venosa, ou flebectasia como também é chamada, é uma entidade rara que consiste na dilatação fusiforme das veias. Por apresentarem paredes finas, as veias são as estruturas vasculares acometidas por excelência, propiciando sua dilatação. No pescoço, isso ocorre durante a Manobra de Valvalsa, revelando aspecto de abaulamento cervical. São descritas flebectasias principalmente em veia jugular interna, mas também podem afetar a veia jugular externa, veia jugular anterior e veias comunicantes cervicais superficiais.
A ectasia jugular é uma alteração congênita, e por isso mais comumente diagnosticada em crianças. A relação homem: mulher é de 2:1 (1) ou 3:2 (2) (há discordâncias), e a predominância é pelo lado direito (5,8:1) (2), sendo raros os casos bilaterais. Não se sabe, entretanto, a causa desta predileção. O diagnóstico deve ser precoce para diferenciá-la de outras patologias, assim como para instituir tratamento adequado quando necessário.
OBJETIVORelatamos dois casos em crianças, uma do sexo masculino e outra do sexo feminino, ambas com dilatação bilateral das jugulares internas, que tornam-se casos interessantes pela raridade. O diagnóstico nesses casos apresenta importância pela diferenciação entre laringoceles ou outras malformações congênitas, que requerem tratamento ou apresentam risco ao paciente infante.
RELATO DE CASOSO primeiro caso é de MHN, feminina, 5 anos (Figura 1), procurou serviço de otorrinolaringologia pois a mãe queixava-se de que "o pescoço da criança inchava" quando a mesma gritava ou fazia esforços grandes, desde o nascimento. Negava disfonia, disfagia, odinofagia, dispnéia, febre. Sem antecedentes de traumas, cirurgias ou patologias cervicais.
Figura 1. MHN, feminina, 5 anos - Exame físico revelando abaulamento cervical bilateral à Manobra de Valsalva.
Ao exame físico, observamos bom estado geral, higidez, sinais vitais estáveis e dentro dos padrões de normalidade. Oroscopia, rinoscopia e otoscopia sem alterações. Palpação do pescoço em repouso também sem alterações. Entretanto, ao solicitar que a criança fizesse esforço, simulando uma manobra de Valsalva, observamos abaulamento das regiões cervicais ântero - laterais bilateralmente, aproximadamente nos níveis II, III e IV, simétrico, e que retornava à posição original após cessado o esforço. O abaulamento era de consistência amolecida, imóvel, porém sem características de nodulações fixas.
Foi realizada uma nasofibrolaringoscopia, que apresentou-se sem alterações.
Foi então solicitado ultrassonografia cervical com doopler, que revelou aumento do tamanho e do fluxo das veias jugulares internas bilateralmente à Manobra de Valsalva. Tomografia computadorizada foi também solicitada, entretanto não foi possível realiza-la com a Manobra de Valsalva e não pôde ser registrada a ectasia.
A criança permanece então em acompanhamento clínico até o momento, sem outras queixas.
O segundo caso refere-se a HOT, masculino, 4 anos (Figuras 2 e 3), com história semelhante. A mãe procurou serviço de otorrinolaringologia por perceber abulamento na região cervical anterior do filho quando este chorava ou fazia esforços. Não referia dor, falta de ar ou outro sintoma faríngeo.
Figura 2. HOT, masculino, 4 anos - Exame físico revelando abaulamento cervical direito à Manobra de Valsalva.
Figura 3. HOT, masculino, 4 anos - Exame físico revelando abaulamento cervical esquerdo à Manobra de Valsalva.
Ao exame, observamos ectoscopicamente ausência de alterações, à exceção do abaulamento visível quando a criança fazia algum tipo de esforço. O abaulamento era bilateral, maior à esquerda, consistência cística e sem aderência a planos profundos. Acima do músculo esternocleiodomastóideo. Sem adenomegalias cervicais.
Nasofibrolaringoscopia revelou ausência de alterações.
Tomografia computadorizada com contraste (Figuras 4 e 5), realizada em Manobra de Valsalva prolongada confirmou o diagnóstico de ectasia de veia jugular interna bilateral, com preenchimento do contrataste nas veias túrgidas.
Figura 4. Tomografia computadorizada cervical durante a Manobra de Valsalva - Exame revelando aumento do diâmetro das veias jugulares internas bilateralmente.
Figura 5. Tomografia computadorizada cervical com contraste durante a Manobra de Valsalva - Exame revelando aumento do diâmetro das veias jugulares internas bilateralmente.
DISCUSSÃOAté o momento estima-se que tenham sido descritos na literatura médica menos de 50 casos de ectasia jugular (3), apesar de haver uma concordância geral de que esses números devam ser maiores por passarem despercebidos na clínica diária. O primeiro caso descrito foi em 1928 por HARRIS (3), que a descreveu como anomalia venosa que envolvia as veias jugular direita, inominada e tireoideana inferior.
As possíveis causas da dilatação da veia jugular interna são: reduplicação anômala (descrita no caso ZUKSCHWERDT em 1929), pressão do músculo escaleno (descrita por ROWE em 1946), compressão da veia inominada (sugerida por LAMONTE em 1976). Na maioria dos casos, entretanto, permanecem como idiopáticas (4). O que se observa na maioria dos casos é uma diminuição nas fibras elásticas que compõem as camadas da parede venosa.
Quando apresenta-se unilateralmente, poucos são os sintomas evidentes, exceto a visualização do aumento de volume cervical aos esforços. Mostra-se como uma massa não-pulsátil, de aspecto cístico, redonda ou fusiforme, localizada a nível supraesternal, supraclavicular ou na borda anterior do músculo esternocleidomastóideo, e indolor à palpação. Quando se procede à Manobra de Valsalva,ocorre compressão da extremidade inferior da ectasia, e seu conseqüente abaulamento.
O diagnóstico é basicamente clínico, sendo confirmado a partir de ultrassonografia com doopler, que revela formação aneurismática fusiforme na veia jugular interna durante a Manobra de Valsalva. Atualmente a tomografia computadorizada também pode ser utilizada para confirmação diagnóstica, revelando a dilatação venosa no momento da Manobra de Valsalva. Entretanto, a ultrassonografia ainda é o método de eleição por ser nãoinvasivo e menos dispendioso. É importante ressaltar que em ambos os métodos necessita-se da colaboração do paciente no que diz respeito à realização de esforço no momento do exame, para que o aumento da pressão intratorácica possa revelar a dilatação venosa. Sem a Manobra de Valsalva, o exame não confirma a suspeita.
Os diagnósticos diferenciais consistem basicamente nas massas cervicais que aumentam o volume com o esforço, como é o caso da laringocele externa (principal causa de abaulamento cervical à Manobra de Valsalva) e dos cistos branquiais ou mediastinais. Outras causas de abaulamentos cervicais que não têm variação de tamanho ao esforço são descartadas logo ao exame físico.
O tratamento está basicamente na dependência da presença ou não de complicações. Se houver compressão de estruturas vasculares, infecções, trombose ou rotura da dilatação, o tratamento cirúrgico se faz necessário. Consiste na ressecção do segmento dilatado ou recobrimento com segmento muscular (geralmente do omohioídeo) que funciona comprimindo e dando tônus à região flácida (5). Entretanto, nos casos bilaterais, a ressecção das duas ectasias está contra-indicada pela possibilidade de causar edema cerebral (6). Na maioria dos casos, entretanto, por ser assintomática e causar apenas alterações estéticas, impera a conduta expectante (1,7).
CONCLUSÃOA ectasia jugular é um achado incomum, mas freqüentemente diagnosticado em crianças pelos sinais clínicos que apresenta. Nos dois casos diagnosticados em nosso serviço, a conduta foi expectante pelos quadros serem assintomáticos.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS1. Pul N, Pul M. External jugular phlebectasia in children. Eur J Pediatr 1995; 154:275-6.
2. Walsh RM, Lanningan JÁ, Bowdler DA. Jugular bulb phlebectasia. Int J Pediatr Otorhinolaryngol 1993; 25:249-54.
3. Ocampos JR, Granato L, Padula F. Flebectasia da jugular interna em criança. Relato de caso e revisão da literatura. Rev Bras Otorrinolaringol 1999; 65:181-4.
4. Leung A, Hampson SJ, Chir B, Singh MP, Carr D. Ultrasonic diagnosis of bilateral congenital internal jugular venous aneurysms. Br J Radiol 1983; 56:588-91.
5. Uche MG, Vargas HT, Zabalza MEE, Sola JJM. Flebectasia yugular. A propósito de dos casos. Na otorrinolaringol Ibero Am 1996; 23:235-41.
6. Walsh RM, Murty GE, Bradley PJ. Bilateral internal jugular phlebectasia. J Laryngol Otol 1992; 106:753-4.
7. Al-Dousary S. Internal jugular phlebectasia. Int J Pediatr Otorhinolaryngol 1997; 38:273-80.
1. Médica. Residente de Otorrinolaringologia do Hospital Geral de Fortaleza / CE.
2. Otorrinolaringologista. Chefe da Residência de Otorrinolaringologia do Hospital Geral de Fortaleza / CE.
Instituição: Hospital Geral de Fortaleza / CE.
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Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da R@IO em 6/8/2006 e aprovado em 14/11/2006 03:26:36.