INTRODUÇÃOO pneumomediastino espontâneo é uma entidade clínica rara, com freqüência estimada de um caso por 700- 1200 admissões hospitalares (1). As principais causas relatadas na literatura são em conseqüência a exercício físico intenso, trabalho de parto, barotrauma pulmonar, mergulhos profundos em submarinos ou com snorkel, tosse intensa, asma, inalação de cocaína, vômitos, convulsões (2,3,4). Um grande estudo retrospectivo conduzido em três grandes hospitais terciários dos Estados Unidos concluíram que a principal causa de pneumomediastino ocorreu em conseqüência ao uso de drogas inalatórias (5).
O ar encontrado nas vias aéreas superiores podem sofrer aumento da pressão e dissecar os planos faríngeos, proporcionando enfisema subcutâneo cervical, pneumomediastino e até mesmo pneumopericárdio.
O caso descrito revela importância pela raridade e pela riqueza semiológica. Desta forma, o objetivo deste relato de caso é descrever uma rara complicação do aumento da pressão intratorácica com dissecção de planos superficiais, como conseqüência a quadro de tosse e alertar o especialista para esser diagnóstico nos atendimentos de urgência.
CASO CLÍNICOKMTC, feminino, 42 anos, branca, procurou serviço de emergência apresentando odinofagia intensa, cervicalgia e dor na região interescapular que se exacerbavam com a inspiração. O quadro apresentava 12 horas de evolução e foi desencadeado por episódio de tosse seca, tipo irritativa, que tinha se iniciado 3 dias antes.
Não apresentava febre, adinamia ou expectoração. Negava tabagismo, etilismo, uso de drogas, doenças crônicas, traumas ou cirurgias recentes.
O exame físico revelou paciente ansiosa com fácies de dor apresentando limitação da movimentação cervical. Os sinais vitais eram estáveis. Apresentava leve hiperemia de parede posterior de orofaringe e pequeno abaulamento da região cervical antero-inferior, bilateralmente, que crepitava à palpação. Laringoscopia indireta sem alterações. A ausculta cardíaca revelou crepitações sincrônicas com a sístole cardíaca (Sinal de Hamman) e a ausculta pulmonar se encontrava normal.
Foram realizadas radiografias de região cervical e tórax que mostraram a existência de pneumomediastino, pneumopericárdio, enfisema subcutâneo pré-traqueal e ar no espaço retrofaríngeo.
Foi tratada com analgésicos e oxigênio, mantida sob observação e liberada logo após a melhora dos sintomas (a paciente não necessitou de internação hospitalar devido à ausência de comprometimento do estado geral). Permaneceu em observação por cerca de três horas, como relativa melhora dos sintomas e boa evolução. O uso de oxigênio neste caso foi empírico, principalmente como rotina do hospital para casos de dispnéia, apesar de a paciente apresentar no momento uma boa saturação de oxigênio medida sob oximetria de pulso. Como não havia sinais clínicos nem radiológicos de infecção, assim como normotermia e estado geral regular, optou-se por não iniciar antibióticos ou antiinflamatórios, assim como qualquer outra medicação específica.
A paciente encontra-se há 03 anos em acompanhamento clínico, sem novo episódio.
DISCUSSÃOEnfisema subcutâneo associado a pneumomediastino foi descrito pela primeira vez em 1850 por KNOTT, em paciente com episódio de acesso de tosse (3). Desde então, teorias têm sido formuladas para tentar explicar sua fisiopatologia, sendo que várias já foram propostas. Marcklin propôs que a hipertensão intra-alveolar causada pelo fechamento glótico brusco e repetido ou pela obstrução das vias aéreas levaria a ruptura de alvéolos terminais, com aumento da pressão intra-torácica. A conseqüência seria extravasamento deste ar contido anteriormente nos alvéolos para o espaço intersticial pulmonar e dissecção pelos espaços vasculares, que encaminhariam este ar até o mediastino. MORERE, em 1966, propôs que a tosse levaria ao desbalanço secundário da pressão pulmonar capilar. Com a ruptura alveolar e saída de ar para o interstício, haveria uma dissecção através dos planos vasculares e eventualmente em direção ao mediastino. Um terceiro possível mecanismo seria a ruptura de prováveis bolhas ou cistos subpleurais pré-existentes. De uma maneira geral, entretanto, o consenso é de que realmente há um aumento da pressão nos alvéolos levando ao extravasamento do ar (2, 3).
O quadro clínico é basicamente relacionado aos sintomas pulmonares, sendo que 82% dos pacientes apresentam dispnéia ou dor torácica. Outros sintomas presentes são sensação de entalo na garganta, odinofagia, dor no pescoço ou disfagia, dor irradiada para as costas, ombro ou pescoço de curta duração e agravada à inspiração.
Cerca de 88% dos pacientes apresentam enfisema subcutâneo e/ou sinal de Hamman ao exame físico. Oenfisema subcutâneo pode extender-se ao pescoço, face, língua, axila, braços e peito. Pode haver abafamento das bulhas cardíacas e da percussão precordial. O sinal de Hamman caracteriza-se pela presença de estertores ou crepitações sincrônicas com a ausculta das bulhas cardíacas no precórdio (5, 6).
O estudo radiológico das regiões cervical e torácica confirmam a presença de ar na região para-faríngea e mediastinal. Importante se faz lembrar da incidência lateral, pois 50% dos pneumomediastinos não são detectados na incidência antero-posterior (6). O esofagograma com bário, por sua vez, pode ser utilizado para afastar possível ruptura esofageana como sendo a causa do pneumomediastino. Em estudo com 36 casos, confirmou-se a importância da radiografia como o principal método diagnóstico (7).
Kirchner destaca seis pontos importantes no diagnóstico do pneumomediastino: dor subesternal; enfisema subcutâneo ou retroperitoneal; abafamento das bulhas cardíacas; sinal de Hamman; evidência de aumento da pressão mediastinal com dispnéia, cianose, engurgitamento venoso ou falência circulatória; e evidências radiológicas de ar no mediastino (6). Apesar disso, é necessário um alto índice de suspeição para que o diagnóstico seja feito (7).
Em geral este quadro é auto-limitado, e medidas conservadoras são suficientes para seu tratamento. Analgésicos e oxigênio a 100% são basicamente as medidas necessárias, quando o quadro exigir. Entretanto, em revisão na literatura, observou-se que nem mesmo o oxigênio é necessário, na maioria das vezes a saturação de oxigênio está satisfatória e apenas o uso de analgésicos para aliviar a dor e a tensão muscular são suficientes. Eventuais tratamentos da causa de base devem ser instituídos (6).
Figura 1. Radiografia simples cervical em perfil - Exame revelando enfisema retrofaríngeo.
Figura 2. Radiografia simples torácia ântero-posterior - Exame revelando pneumomediastino.
Figura 3. Radiografia simples torácia em perfil - Exame revelando pneumomediastino anterior.
CONCLUSÃOEste é um importante diagnóstico diferencial a ser realizado nos serviços de emergência, visto que se pode confundir com processos infecciosos, alérgicos ou até mesmo neoplásicos, e o paciente muitas vezes apresenta sintomatologia súbita e intensa. Apesar do quadro, o tratamento é bastante simples e até paliativo, apenas com medidas de suporte, sendo o quadro auto-limitado e benigno. Um diagnóstico correto, portanto, em tempo hábil, pode tranqüilizar o paciente e ser menos dispendioso para os serviços de saúde em geral.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS1. Sleeman D, Turner R. Spontaneous pneumomedistinum with alteration in voice. J Laryngol Otol 1989; 103:1222-3.
2. Wiesner B; Frey M. Spontanes Pneumomediastinum bei Asthma bronchiale. Schweiz Rundsch Med Prax 2006;95(10):369-73.
3. Parker GS, Mosborg DA, Foley RW, Stiernberg CM. Spontaneous cervical and mediastinal emphysema. Laryngoscope 1990; 100:938-40.
4. Avaro JP, DJourno XB, Hery G, Marghli A, Doddoli C, Peloni JM, et al. Pneumomédiastin spontané du jeune adulte: Ferreira LMBM une entité clinique bénigne. Rev Mal Respir 2006;23 (1 Pt 1):79-82.
5. Chujo M, Yoshimatsu T, Kimura T, Uchida Y, Kawahara K Spontaneous pneumomediastinum. Kyobu Geka 2006;59(6):464-8.
6. Jabourian Z, McKenna EL, Feldman M. Spontaneous pneumomediastinum and subcutaneous emphysema. J Otolaryngol 1988; 17:50-3.
7. Campillo-Soto A, Coll-Salinas A, Soria-Aledo V, Blanco- Barrio A, Flores-Pastor B, Candel-Arenas M, et al. Neumomediastino espontáneo: estudio descriptivo de nuestra experiencia basada en 36 casos. Arch Bronconeumol 2005;41(9):528-31.
1. Médica. Residente de Otorrinolaringologia do Hospital Geral de Fortaleza / CE.
2. Otorrinolaringologista. Chefe da Residência de Otorrinolaringologia do Hospital Geral de Fortaleza / CE.
Instituição: Hospital Geral de Fortaleza / CE.
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Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da R@IO em 6/8/2006 e aprovado em 14/11/2006 19:46:47.