INTRODUÇÃOAs neoplasias neuroendócrinas são uma família de tumores que possuem uma variedade de características morfológicas, funcionais e comportamentais. O diagnóstico depende do reconhecimento das características morfológicas e da presença de marcadores indicativos de diferenciação neuroendócrina.
As neoplasias neuroendócrinas da laringe são divididas de acordo com sua origem epitelial ou neural. Desde sua primeira descrição por BLANCHARD E SAUNDERS em 1955, houve muitas classificações. Atualmente, a Organização Mundial da Saúde (1991) recomenda utilizar os termos: tumor carcinóide típico, tumor carcinóide atípico, carcinoma de pequenas células e paragangliomas (1,2,3).
Os tumores carcinóides atípicos na laringe são neoplasias raras, com aproximadamente 200 casos descritos na literatura. Acometem principalmente homens na proporção de 3:1 e são considerados tumores agressivos com metástases precoces principalmente para linfonodos cervicais. O tratamento preconizado na literatura envolve cirurgia acompanhada de esvaziamento cervical seletivo ou radical (1-7).
Descreveremos um caso de um paciente com tumor carcinóide atípico na laringe sem acometimento linfonodal cervical, em que foi optado por um tratamento cirúrgico conservador. Analisaremos sua evolução após 3 anos de acompanhamento clínico.
RELATO DE CASOHomem, 45 anos, natural e procedente de São Paulo (capital), mecânico, com história de sensação de corpo estranho na garganta há 5 meses, associado com leve queixa de pirose, sem disfagia ou disfonia. Etilista moderado há 7 anos e tabagista (2 maços/dia) há 10 anos. Sem doenças prévias ou história familiar de doença neoplásica. Negava emagrecimento ou febre. Procurou um serviço médico onde foi realizada uma endoscopia digestiva alta que evidenciou "lesão na laringe". Tal lesão foi biopsiada, cujo estudo anátomo patológico resultou em processo inflamatório crônico inespecífico. Realizou tratamento com corticóide tópico oral e omeprazol durante 1 mês, sem melhora dos sintomas. Nesta ocasião, foi encaminhado ao nosso serviço.
No exame otorrinolaringológico não se palpavam massas cervicais e o exame de endoscopia rígida da laringe revelou lesão pedunculada com aproximadamente 5 cm de diâmetro em região de aritenóide direita e prega ariepiglótica (Figura 1). As pregas vocais estavam móveis e sem lesões mucosas. Optamos por biópsia excisional da lesão sob laringoscopia direta. Durante o intra-operatório realizou-se congelação da peça cirúrgica que sugeriu uma neoplasia maligna pouco diferenciada. O resultado final do anátomo patológico em parafina foi de um carcinoma neuroendócrino moderadamente diferenciado (carcinóide atípico) com imunohistoquímica positiva para calcitonina e cromogranina.
Figura 1. Endocopia laringea: lesão em aritenóide direita.
Após este diagnóstico, realizou-se uma tomografia computadorizada cervical que não mostrou linfonomegalias, com presença de espessamento em região de aritenóide direita (Figura 2). O paciente estava assintomático, sem queixas de disfagia ou dispnéia e o exame de endoscopia rígida laríngea mostrou ausência de lesão. Mesmo assim com estes achados após 1 mês da primeira cirurgia, realizamos uma aritenoidectomia à laser de CO
2 sob laringoscopia direta com finalidade de obter margens cirúrgicas do tumor. O exame anátomo-patológico da peça cirúrgica demonstrou ausência de neoplasia.
Figura 2. Presença de espessamento em região de aritenóide direita (flecha), após biópsia excisional da lesão.
Devido não haver sinais de metástases ao exame clinico, de endoscopia laríngea, tomografia e medicina nuclear (mapeamento com metaiodobenzilguanidina) optou-se por acompanhamento clínico do paciente sob seu consentimento que não apresenta sinais de recidiva da lesão após três anos da primeira cirurgia.
DISCUSSÃOO carcinoma atípico da laringe ocorre em mais de 90% dos casos na região supraglótica com predileção para prega ariepiglótica, aritenóide e face laríngea da epiglote. É mais comum em homens (3:1), sendo a maioria fumantes. O paciente deste relato tinha 45 anos, porém na literatura o pico de incidência ocorre entre a sexta e sétima década de vida (1,3).
Os sintomas dependem do sítio da lesão. Os pacientes podem apresentar disfonia e disfagia, embora esses sintomas estivessem ausentes em nosso paciente. Neuralgia glossofaríngea antes do tumor ser clinicamente aparente pode ocorrer. Geralmente, os carcinoma de células escamosas na laringe não produzem dor local ou referida até que sejam extensos ou associados com erosão de cartilagem laríngea e/ou extensão hipofaríngea, portanto tumores pequenos associados a dor podem implicar em outros diagnósticos como os carcinomas neuroendócrinos. Apesar disto, o nosso paciente não referia dor.
Por serem tumores originários de células que fazem parte de um sistema neuroendócrino difuso conhecido como APUD (amino precursor uptake and descarboxylation) pode ocorrer a síndrome carcinóide neste tipo de tumor (1,3).
Os tumores carcinóides atípicos são geralmente subepiteliais, podendo ter um epitélio normal sobre ele (3). A primeira biópsia realizada em nosso paciente foi inconclusiva, provavelmente por ter sido superficial. É importante que a biópsia seja profunda, para garantir que o diagnóstico anátomo-patológico seja obtido.
A microscopia do tumor carcinóide atípico revela células com arranjo tipo "Zellballen" que ocorre também nos paragangliomas, por isso freqüentemente existe confusão diagnóstica entre estas duas afecções (1-7). Porém, os paragangliomas, além de apresentarem melhor prognóstico, não apresentam na imunohistoquímica marcadores postitivos para calcitonina e citoqueratinas. Outros diagnósticos diferenciais devem incluir: granuloma, papiloma, carcinoma escamoso anaplásico, carcinoma medular de tireóide, melanoma maligno e carcinoma renal metastático (3).
Os tumores carcinóides atípicos devem ser tratados cirurgicamente, sendo que cirurgia conservadora poder ser realizada se o tumor for removido adequadamente. Grandes tumores podem requerer laringectomia total (6). O tumor carcinóide atípico tem grande propensão para metástase cervical. FERLITO et al. (6) encontrou um envolvimento de 80% dos linfonodos cervicais e WOODRUFF et al. (7) de 43%. Se houverem linfonodos comprometidos, o esvaziamento radical ou radical modificado é preconizado. O esvaziamento seletivo para linfonodos negativos é recomendado pela alta incidência de metástase (1-7). Metástase cutânea ocorre em 22% dos casos e envolve um pior prognóstico. Outro fator importante que diminui a taxa de sobrevida do paciente são tumores maiores que 1 cm (7).
Em nosso paciente, um tratamento cirúrgico conservador foi preconizado pela ausência de neoplasia após a aritenoidectomia total e metástases à distância, tratando-se também de um tumor raro na laringe, cujo melhor tratamento ainda é controverso. Radioterapia ou quimioterapia não parecem ser eficientes neste tipo de tumor (1).
Novos exames de medicina nuclear como o mapeamento com metaiodobenzilguanidina e cintilografia com somastotastina radiomarcada estão sendo usados para detecção de tumores carcinóides e avaliação de possíveis metástases. O nosso paciente realizou o primeiro exame que não encontrou metástases à distância.
COMENTÁRIOS FINAISRelatamos um caso de uma neoplasia rara na laringe em que foi optado por um tratamento cirúrgico conservador sem recidiva da lesão após 3 anos de seguimento clínico através de exames de endoscopia laríngea, tomografia e cintilografia.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS1. Ferlito A, Barnes L, Rinaldo A, Gnepp DR, Milroy CM. A Review of Neuroendocrine Neoplasms of the Larynx: Update on Diagnosis and Treatment. The Journal of Laryngology and Otology, 1998, 112:827-34.
2. Overholt SM, Donovan DT, Schwartz MR, Laucirica R, Green LK, Alford BR. Neuroendocrine Neoplasms of Larynx. Laryngoscope, 1995, 105:789-94.
3. Watters GWR, Molyneux AJ, Path MRC. Patology in Focus Atypical Carcinoid Tumor of the Larynx. The Journal of Laryngology and Otology, 1995, vol 109:445-58.
4. Ereno C, Lopez JI, Sanches JM. Atypical Carcinoid of Larynx: Presentation with Scalp Metastases. The Journal of Laryngology and Otology, 1997, 111:89-91.
5. Ferlito A, Milroy CM, Barnes L, Wenig BM, Silver CE. Laryngeal Paraganglioma Versus Atypical Carcinoid Tumor. Ann Otol Rhinol Laryngol, 1995, 104:78-83.
6. Ferlito A, Friedmann I. Review of Neuroendocrine Carcinomas of the Laryx. Annals of Otol Rhinol Laryngol, 1989, 98:780-90.
7. Woodruff JM, Senie RT. Atypical Carcinoid Tumor of the Larynx. A Critical Review of the Literature. ORL; Journal of Otol-Rhino-Laryngology and its Related Specialities, 1991, 53:194-209.
1. Médico Otorrinolaringologista. Doutorando em Otorrinolaringologia pela USP.
2. Doutor em Otorrinolaringologia pela USP. Médico Assistente da Disciplina de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
3. Professor Livre Docente da Disciplina de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Professor Associado da Disciplina de Otorrinolaringologia da FMUSP.
Instituição: Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
Endereço para correspondência:
Flavio Akira Sakae
Rua Nanuque, 432 - Apto 102
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Fax: (11) 3763-2715
E-mail: sakaeflavio@yahoo.com.br
Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da R@IO em 11 de abril de 2006. Cod. 101. Artigo aceito em 12 de outubro de 2007.