INTRODUÇÃOA audição é um dos mais importantes canais de comunicação do ser humano com o mundo exterior. É por ela que os indivíduos recebem informações do mundo sonoro e desenvolvem suas habilidades cognitivas e psicossociais. A perda auditiva, sensório-neural, mista ou condutiva de grau moderado a severo, pode acometer o indivíduo nas diversas etapas de sua vida causando prejuízos diretos e/ou indiretos (1). O processo de (re) habilitação imediatamente após o diagnóstico, tende a minimizar esses danos e inserir o indivíduo socialmente.
A tecnologia da prótese auditiva externa evoluiu rapidamente na última década tornando-se amplamente indicada para diversas configurações de perda auditiva, inclusive nas perdas com maior resíduo auditivo nas frequências graves (2). Contudo, pacientes com perda auditiva sensório-neural com maior perda em frequências agudas relatam, frequentemente, baixa qualidade sonora enquanto que, pacientes com perda auditiva mista ou condutiva referem desconforto físico da prótese, infecções provenitentes do uso de molde e intolerância como principais motivos do abandono de seu uso (3).
Como alternativa no processo de intervenção, a prótese auditiva implantável de orelha média foi aprovada na Europa após o conselho Diretivo Europeu ter estabelecido em Junho de 1990 as normas regulamentadoras para uso seguro (AIMD 90/385/EEC) (4) e em Agosto de 2000 nos Estados Unidos da América para seu uso clínico (5,6).
No Brasil, este dispositivo foi regulamentado em 2007 pela Anvisa. A Divisão de Clínica Otorrinolaringológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, desde o ano de 1989 (7) trabalha no atendimento e aprimoramento técnico-científico do implante coclear, iniciou estudo técnico e científico para oferecer o implante de orelha média Vibrant como mais um recurso reabilitador de audição.
A prótese auditiva implantável de orelha média foi inicialmente utilizada no tratamento de pessoas adultas com perda auditiva tipo sensório-neural de grau moderado a severa com contra-indicação ou rejeição das próteses auditivas externas (8).
Atualmente, sua indicação inclui perda condutiva e/ou mista de grau moderado (9).
O equipamento Vibrant Soundbridge® é uma prótese auditiva cirurgicamente implantável de orelha média composta basicamente por duas partes, uma externa, chamada "processador de audio digital" formada por: microfone omnidirecional, processador do sinal e pilha, e outra parte interna que é implantada que transmite o sinal chamado Prótese ossicular vibratória (Vibranting Ossicular Prothesis - VORP) formada por: pacote demodulador, receptor, um link condutor e pelo Floating Mass Transducer que tem a função de transformar o sinal amplificado em vibração, imitando a movimentação da cadeia ossicular em resposta ao estímulo sonoro (2,4,5,7,8).
O funcionamento geral do dispositivo Vibrant soundbridge baseia-se na transmissão do som pelo processador de audio, pela a pele, para o receptor interno no VORP (2,5,9) conforme Figura 1.
Os critérios de avaliação médica e audiológica mais precisos favorecem o prognóstico do indivíduo a ser implantado e auxiliam o cirurgião na decisão do posicionamento do clip do transdutor "floating mass transducer", na janela redonda ou no ramo longo da bigorna.
Nos casos de perda condutiva ou mista, localização do transdutor é realizada de forma diferente que no caso da perda auditiva sensório-neural (8). O mesmo pode ser colocado diretamente sobre a janela redonda ou em conjunto com com a prótese passiva de orelha média, tais como TORP e PORP de titânio ou pistão de estapedotomia. A tomografia torna-se essencial no planejamento cirúrgico (7,8).
Apesar dos estudos mundiais na última década referirem o uso das próteses auditivas implantáveis de orelha média, no Brasil esta técnica é recente. O presente estudo tem como objetivo descrever e padronizar os critérios de avaliação, médica e audiológica,objetiva e subjetiva (5) de acordo com as considerações específicas da equipe, apontando, desta maneira, a prótese auditiva implantável de orelha média como mais uma alternativa no processo de reabilitação de pacientes com perda auditiva.
O protocolo descrito a seguir é adotado pela equipe do HC-FMUSP, e pode variar de acordo com os diferentes centros de pesquisa.
Avaliação otorrinolaringológicaO otorrinolaringologista responsável levantará o histórico do paciente completo, considerando seu passado otológico e cirúrgico. Serão canditados apenas os pacientes:
- maiores de 18 anos;
- pacientes com experiência prévia negativa;
- perda auditiva com limiares estáveis nos últimos 2 anos.
Em casos de perda auditiva sensório-neural:
- anatomia de orelha média normal;
- ausência de perda retrococlear;
- perda auditiva com limiares até 55dBNA em 500Hz; 65 dBNA em 1000Hz; 80dBNA nas frequências de1500Hz e 2000 Hz e 85dBNA em 3000Hz e 4000Hz.
- teste vocal superior a 52% de compreensão de palavras em situação de teste de campo livre com prótese auditiva
- timpanometria normal.
Em casos de perda auditiva condutiva e/ou mista as possíveis indicações são:
- malformações de orelha externa ou média;
- seqüela de patologia crônica de orelha média;
- cirurgias mal sucedidas de orelha média;
- timpanosclerose;
- otosclerose com perda auditiva mista;
- ausência de infecção ativa em orelha média;
- membrana timpânica íntegra;
- experiência negativa com prótese auditiva por causas diversas, tais como: otite externa crônica, eczema de conduto auditivo externo, psoríse, furúnculos, estenose de conduto, produção excessiva de cerúmen, transpiração excessiva;
- perda auditiva com limiares de via óssea até 45dBNA em 500Hz; 50dBNA em 1000Hz; 55dBNA em 1500Hz; 65dBNA em 2000Hz; 65dBNA em 3000Hz; 65dBNA em 4000Hz;
- teste vocal superior a 52% de compreensão de palavras em teste de campo livre com prótese auditiva.
Avaliação audiológicaA avaliação audiológica deve ser registrada detalhadamente com o objetivo de auxiliar a seleção do paciente e acompanhamento, caso o candidato venha a ser implantado.
O registro deve conter:
- Anamnese, para avaliação da história do paciente (Anexo I)
- Audiometria tonal e vocal, por via aérea e via óssea, com limiar de reconhecimento de fala e índice percentual de reconhecimento de palavras monossílabas e dissílabas, caso o paciente apresente perda auditiva condutiva ou mista, deverá ser realizado o teste vocal por transdutor ósseo (Anexo II).
- Imitânciometria com curva timpanométrica e pesquisa de reflexos acústicos (AnexoII).
- Avaliação em campo livre com e sem prótese auditiva convencional, inclusive orelhas separadas no silêncio e no ruído (Anexo II).
- Avaliação da característica eletroacústica da prótese auditiva com o objetivo de verificar o funcionamento do circuito da prótese antes da avaliação em campo (Anexo III).
- Aplicação de questionário de expectativas aplicado aos pacientes do implante coclear da FMUSP, adaptado para avaliação Vibrant Soundbrigde.
DISCUSSÃOConsiderando a prótese implantável de orelha média Vibrant Soundbridge como alternativa para o tratamento de perda auditiva sensório-neural, mista ou condutiva de grau moderado a severo, torna-se fundamental o trabalho em equipe (2) para a obtenção de melhor prognóstico.
A avaliação médica detalhada com o suporte da avaliação audiológica permite ao cirurgião definir, na etapa pré-operatória, o melhor local para a colocação do clipping do Floating Mass Transducer (2,3) e além de maior controle no acompanhamento pós- cirurgico.
Dentre as considerações médicas mais relevantes, cabe ressaltar importância da Tomografia Computadorizada, para visualização estrutural da região que receberá a prótese implantável (10) e experiência prévia com prótese auditiva externa, devendo esta ser negativa (13,14), como informações fundamentais antes da decisão cirúrgica.
Atualmente, com a diversidade de próteses auditivas externas, o paciente deve ser encaminhado a um serviço de prótese auditiva afim de esgotar possibilidades de sucesso com as diversas tecnologias disponíveis no mercado (5) e garantir experiência auditiva prévia à avaliação do implante de orelha média de, no mínimo, 3 meses (1,6).
A investigação dos fatores etiológicos deve ser realizada durante a verificação da prótese auditiva e comparação com as expectativas do paciente em relação ao implante de orelha média assim como a aferição dos limiares auditivos se estáveis no período dos últimos 2 anos (5).
No caso de perda auditiva neurossensorial, o diagnóstico audiológico deve estar complementado com o resultado imitanciométrico apresentando curva timpanométrica do tipo A (4).
Para a perda auditiva mista e condutiva a Audiometria Vocal deverá ser realizada tanto pelo transdutor aéreo quanto ósseo (9).
A avaliação auditiva em Campo sem e com a prótese auditiva em situação de silêncio e ruído medirá se o paciente possui reconhecimento de fala maior que 52% quando avaliado na intensidade de 65 dBNPS no silêncio e no ruído (10,12,13,14).
O resultado da discriminação auditiva superior a 50% sem prótese auditiva em situação de silêncio sugere relativo grau de satisfação pós-cirúrgica quando a prótese auditiva é implantada na orelha avaliada(10) com possibilidade de melhora de ganho e percepção sonora para sons vindo à frente do paciente quando complementada com adaptação binaural com prótese auditiva de tecnologia similar ao Vibrant Soundbridge na orelha contralateral (11).
Os dados encontrados na avaliação minuciosa permite auxiliar o cirurgião a complementar os exames clínicos e de imagem (5), a escolha do lado a ser implantado (3), fornecer dados para que o candidato tenha real ou aproximada expectativa quanto ao resultado pós-cirurgico (7,15) como obter dados para a programação do Processador de audio da prótese implantável de orelha média.
CONCLUSÃOOs critérios definidos pela equipe objetivam oferecer à população mais uma alternativa de tratamento de perdas auditivas apontando considerações técnicas fundamentadas em estudos científicos de centros de referência.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS1. Carmen R. The Consumer Handbook. Hearing Loss and Hearing Aids. 2nd ed. Sedona, Arizona: Auricle Ink Publishers; 2004.
2. Snik FM, Van Dujinhoven NTL, Mylanus EAM, Cremers CWRJ. Estimated Cost-effectiviness of active middle-ear implantation in hearing patients with several external otitis. Arch otolaryngol head neck surg.2006;132:1210-15.
3. Fish U, Cremers C,Lenarz T, Weber B, Babighian, Uziel A, Proops D, O´Connor A, Charachon R, Helms J, Fraysse B.Clinical experience with the Vibrant Soundbradge implant device.2001; 22: 962-92.
4. Wood MW, Hough JVD. Implantable hearing device: contemporary options. Otology & neurotology.2002;10(5): 350-4.
5. Sterkers O, Boucarra D, Labassi S, Bebear JP, Dubreil C, Frachet B, Fraysse B, Lavieille JP, Magnan J,Martin C, Truy E, Uziel, Vaneecloo F. A middle ear implant , the Symphonix Vibrant Soundbridge: retrospective study of the first 125 patients implanted in France. Otology and neurotology.2003; 24:427-36.
6. Soundbridge product Q&A. available from: www.vibrant-medel.com [cited sep 2007].
7. Gomez V, Guedes M, Sant.Anna S, Peralta C, Tsuji R, Castilho A, Brito Neto R, Bento R. Critérios de seleção e avaliação médica e audiológica dos candidatos ao impante coclear: protocolo HC-FMUSP. Arq. Otorrinolaringol.2004; l8(4):295-321.
8. Huber A, Ball G, Veraguth D, Diller N, Bodmer D, Sequeira D. A new implatable middle ear hearing device for mixed hearing loss: A feasibility study in human temporal bones.Otology & neurotology.2006;27:1104-09.
9. Aigner E, Maier H, Tish M. New developments in middle ear implants. Available from: www.vibrant-medel.com [ cited oct 2007].
10. Patient selection criteria. Available from: http://www.vibrantmedel.us/archive/layout/audio.asp?SCREEN= audio&page=audioWhatIs[ cited nov 2007].
11. Garin P, thill MP, Gerard JM, Galle C, Gersdorff M. Speech discrimination in background noise with the Vibrant Soundbridge® middle ear implant.Otorrinolaringol. Nova .2002-03;12(3):119-23.
12. Schmuziger N, Schimman F, àWengen D, Patscheke J, Probst R. Long-term assessment after implantation of the Vibrant Soundbridge® device.Otology and neurotology. 2005; 27 (2):83-90.
13. Saliba I, Calmels MN, Wanna G,Iversenc G,James C, Deguine O, Fraysse B. Binaurality in middle ear implant recipients using contralateral digital hearing aids. Otology and Neurotology.2005; 26(4):680-9.
14. Fraysse B, Lavieille J, Schmerber S, Véronique E, Truy E,Vicent C,Vaneecloo FM, Sterceks O. Multicenter study of the vibrtan Soundbridge middle ear implant: early clinical results and experience.Otology and neurotology. 2001;22(6):952-67.
15. Todt I, Seidl R, Ernest A.Hearing benefit of patients after Vibrant SoundbridgeR Implantation..ORL. 2005; 67:203-6.
Fonctionnement du Vibrant Soundbridge. Available from :http://www.vibrant-medel.com/Lang/fre/Function/index.asp?m=2&u=1[ cited mar2008]
1 Doutoranda em Ciências pela FMUSP. Fonoaudióloga - Fundação Otorrinolaringologia.
2 Médica. Residente de Otorrinolaringologia do Terceiro Ano do HCFMUSP.
3 Otorrinolaringologista. Estágiária de Complementação Específica em Base de Crânio e Cirurgia Otologica no HCFMUSP.
Intituição: Centro de Audiologia Fundação Otorrinolaringologia
Endereço para correspondência: Isabela de Souza Jardim - Rua Teodoro Sampaio, 352 conj 151 - Pinheiros - São Paulo / SP- Brasil - CEP: 05406-000 - Telefax: (11) 3062-9328 - E-mail para correspondência: isasjardim@gmail.com
Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da R@IO em 19 de novembro de 2007. Cod. 369. Artigo aceito em 4 de março de 2008.