INTRODUÇÃO Anteriormente ao início da era da antibioticoterapia um considerável número de adenóides (tonsilas faríngeas) e amígdalas (tonsilas palatinas), principalmente em crianças, eram cirurgicamente retiradas com o intuito de controlar as infecções de repetição. Atualmente a maioria dos quadros de infecções repetidas pode ser controlada com medicamentos, mas existem ainda circunstâncias em que há a necessidade de tratamento operatório.
As indicações para o tratamento operatório estão: a amigdalite de repetição, caracterizada por crianças com cinco a sete episódios de infecções por ano, em pelo menos dois anos consecutivos (1), os abscesso periamigdaliano (2), a halitose por acúmulo de case os, um fator social de indicação operatória, amígdalas volumosas ou hipertróficas, a apnéia do sono (3) e a otite média é quase sempre secundária a uma infecção das vias aero-digestivas superiores (nariz ou faringe) (4).
A adenoidectomia, amigdalectomia ou a adenoamigdalectomia são procedimentos praticados desde a antiguidade e constantemente vem sofrendo alterações a fim de diminuir suas complicações, sendo o sangramento a mais comum delas (5).
Há relatos de Paulo de Aegina (625-690aC) em seu Epítome de Medicina (sete livros) sobre a amigdalectomia (6 7).
Constantemente as técnicas operatórias e os instrumentais cirúrgicos vêm sofrendo modificações a fim de diminuir as complicações (retirada incompleta das tonsilas, dor pós-operatória, náuseas e vômitos, dificuldades de respiração e deglutição). Atualmente o sangramentoétido como a complicação mais comum, que exige revisões pósoperatórias (5, 7, 8).
O objetivo deste trabalho foi de estudar o perfil dos pacientes atendidos pela Disciplina de Otorrinolaringologia da UNISA e comparar os resultados com dados com a literatura pertinente.
MÉTODOEstudo previamente cadastrado no SISNEP e posteriormente aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Universidade de Santo Amaro sob o protocolo número 183/7.
Foram analisados, retrospectivamente, os prontuários dos pacientes submetidos a tratamento cirúrgico na Disciplina de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da Universidade de Santo Amaro (UNISA), na região Sul do Município de São Paulo, no período de janeiro de 2002 a fevereiro de 2003 e de janeiro de 2006 a agosto de 2006.
Os dados foram coletados em protocolo padronizado e transcritos para o programa de computador Epi-Info 6.0 para complementação da análise estatística.
Foram consultados todos os prontuários de pacientes atendidos consecutivamente no período selecionado, tendo como critério de inclusão todo e qualquer paciente submetido a uma das seguintes intervenções operatórias: adenoidectomia, amigdalectomia ou adenoamigdalectomia.
Foram excluídos os pacientes com operações concomitantes (exceto postectomia, hérnia umbilical ou hérnia inguinal) ou com comorbidades.
Foram coletados dados sobre sexo, faixa etária, diagnóstico, indicação operatória, tipo de anestesia, técnica operatória empregada, tempo de internação, causas de eventual revisão pós-operatória e complicações pós-operatórias.
RESULTADOSOs dados levantados mostraram que houve uma maior freqüência no sexo feminino (54,66%) sobre o sexo masculino (45,33%) (Tabela 1).
Predominou a faixa etária de 6 a 10 anos (41,86%), seguida da idade de 1 a 5 anos (40,53%) (Tabela 2).
As principais indicações operatórias foram para os casos de respirador oral (70,93%), otites média secretora (16,8%) e amigdalite de repetição ou abscesso periamigdaliano (8,0%) (Tabela 3).
A operação de adenoamigdalectomia foi realizada em 75,73% dos casos, sendo que a adenoidectomia em 17,86% e a amigdalectomia em 6,4% (Tabela 4).
A ocorrência de sangramento foi a única complicação observada em 0,8% do total de casos analisados (Tabela 5).
Todos os pacientes foram submetidos à anestesia geral balanceada: endovenosa (Propofol - 2 a 4mg/kg para crianças e 2 a 3mg/kg para adultos) e inalatória (Isoflurano). Como medicação pré-anestésica foi administrado Midazolam (0,1mg/kg EV).
Todos os pacientes foram submetidos à técnica de dissecação mecânica do tecido amigdaliano para as amigdalectomias e curetagem do tecido adenóideano localizado no cavum com auxílio da cureta de Beckman. A hemostasia foi realizada por compressão utilizando gaze embebida em subgalato de bismuto e, persistindo a hemorragia no intra-operatório foram realizados pontos simples separados de categute 2.0 simples com agulha de 2 cm. O tempo de internação foi padronizado de acordo com as normas do Hospital-Dia, sendo que o período máximo obrigatório foi de seis horas após o ato operatório. Só ultrapassaram o tempo máximo três pacientes que evoluíram com hemorragia no pós-operatório, sendo que estes permaneceram internados por mais vinte e quatro horas.
DISCUSSÃOAs amígdalas, também conhecidas como Tonsilas palatinas, e a adenóide, conhecida como tonsila faríngea, são partes de uma estrutura chamada anel linfático de Waldeyer. Este anel se situa na entrada do trato respiratório superior, e por isso é acometido por um grande número de infecções. Além das tonsilas palatinas e da tonsila faríngea, fazem parte dessa estrutura as tonsilas tubáreas, lingual e o tecido linfático localizado na faringe (9). Estão dispostos na forma geométrica de um anel, e são formadas por aglomerados de células que tem a função de produzir anticorpos (tecido linfóide), que são proteínas envolvidas na defesa do organismo contra as mais diversas infecções (10). Esta função é mais importante na infância e puberdade, período no qual começam a diminuir de tamanho.
Até um passado recente a retirada das tonsilas faríngeas e/ou palatinas era um procedimento difundido e corriqueiro, sendo que a população brasileira hoje com idade entre cinqüenta e sessenta anos tem uma alta prevalência destas cirurgias.
Após estudos que demonstraram a importância da conservação do tecido linfóide das tonsilas para o desenvolvimento da criança e adolescente, concomitante com os avanços da farmacologia no tratamento das doenças infecciosas e inflamatórias do nariz e garganta o procedimento operatório tem indicação bastante determinada.
O objetivo desta pesquisa foi traçar o perfil dos pacientes que são atendidos em um hospital universitário e comparar com a revisão da literatura mundial com a intenção de verificar eventuais pontos discordantes em nossa população.
Segundo o sexo, a pesquisa mostrou que 54,66% dos pacientes foram do sexo masculino e 45,33% do sexo feminino. Isto demonstra não haver nítida freqüência de um ou outro sexo na distribuição das doenças pesquisadas, o que é corroborado por outro estudo realizado no Brasil que mostrou, no período de um ano, 52,6% de sexo masculino e 47,4% do sexo feminino. Estudo semelhante nos Estados Unidos da América mostrou um índice de 70% mulheres e 30% homens (10,11).
A distribuição segundo o sexo sugere sofrer influência do meio, porém foge ao escolpo deste trabalho elucidar as possíveis causas, mas abre perspectivas para pesquisas futuras.
O grupo etário dos pacientes selecionados variou principalmente entre seis e dez anos representando um percentual de 41,86%, porém destaca-se com relevância o número encontrado para a faixa de um a cinco anos representando 40,53% dos casos. Segundo a literatura a faixa etária dos pacientes abrange geralmente o grupo de onze a vinte e dois anos (10).
O fato pode ser atribuído ao segmento de população da região atendida pelo Hospital Universitário, onde falta saneamento básico e cuidados médicos suficientes, associados a desnutrição que colaboram para o aumento do número de infecções respiratórias, que por sua vez, acarretam em incremento do número de operações com intuito de prevenir problemas futuros, como alterações morfológicas.
A análise dos resultados mostrou que a maior parte das indicações (75,73%) foi para pacientes portadores de apnéia do sono. Esta é uma complicação tardia das infecções das tonsilas, porque revelam um processo crônico de repetição que acaba por levar a obstrução da vias aéreas superiores. Pacientes não tratados convenientemente são os principais portadores da síndrome do respirador oral.
Como salientado, a população atendida tem acesso limitado aos serviços de Saúde e isto talvez explique a porcentagem alcançada. O mesmo se diga em relação à segunda causa mais freqüente de indicação (16,8%), que foi otite média secretora, resultante do avanço de microrganismos pela tuba auditiva a partir de infecções das tonsilas faríngeas.
As amigdalites de repetição ou abscessos foram a terceira a causa mais freqüente ao contrário do que refere a literatura onde ela aparece em primeiro lugar sendo resultado de tratamentos prolongados em pacientes com alguma deficiência imunológica ou vítimas de microrganismos resistentes a tratamento antibiótico, podendo levar a sinusites recorrentes, otites médias de repetição, ronco e apnéia (12,13).
A adenoamigdalectomia foi o procedimento mais realizado (75,73%) mostrando que o comprometimento do tecido linfóide é generalizado em torno do anel de Waldeyer, o que é concordante com outro trabalho nacional que encontrou indicação em 72,14% dos casos (3,13). A adenoidectomia isolada ficou em segundo lugar (17,86%) mostrando que o comprometimento da adenóide é maior que a da amígdala isoladamente e que leva a sintomas mais relevantes como a respiração oral a maioria das indicações operatórias. A amigdalectomia isoladamente foi realizada em 6,4% dos casos e aqui difere da literatura nacional onde a ocorrência é em torno de 0,24% (3). O fato pode decorrer de o Hospital Universitário ser centro de referência e receber uma amostra maior(viés).
As intervenções operatórias foram caracterizadas por serem de curta duração, sendo que a maioria dos procedimentos (60,6%) variou entre dezesseis e trinta minutos, o que foi concorde com os dados da literatura a qual mostra uma média em torno de trinta minutos. O tempo de internação no Hospital Universitário, onde o estudo foi realizado, no chamado de Hospital-Dia, o paciente permaneceu internado por seis horas (o tempo necessário para que cessasse o efeito da anestesia geral) e caso não houvesse complicações poderia receber alta. Dados pesquisados na literatura confirmam que o período de seis horas para a liberação do paciente é um período seguro e caso haja alguma intercorrência o paciente deve permanecer internado por pelo menos vinte e quatro horas (14).
O sangramento intra e pós-operatório pode ser minimizado por investigação de antecedentes pessoais e familiares de sangramento, suspensão com antecedência de medicamentos que alterem a coagulação sanguínea ou agregação plaquetária e a solicitação de um coagulograma prévio. Todos os pacientes operados tinham antecedentes familiares e pessoais negativos para discrasias sanguíneas e coagulograma normal (14).
O sangramento corresponde a primeira e mais comum intercorrência, aproximadamente variando de 2 a 3,99% (15, 16, 17), sendo que os casos que necessitam de uma segunda intervenção variam entre 0,7 a 0,8% (15, 18, 19).
Os casos de sangramento são mais comuns em crianças com menos de dois anos (17,20), por isso esses tipos de cirurgias são contra-indicadas na faixa etária entre zero e dois anos (16). Neste estudo, os três tipos de cirurgias apresentam uma ocorrência 0,8% de hemorragia pós-operatória, o que está de acordo com a literatura.
CONCLUSÃO A avaliação do perfil dos pacientes atendidos na Disciplina de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da Universidade de Santo Amaro (UNISA) no tocante as operações de adenoidectomia, amigdalectomia e adenoamigdalectomia, seguem os padrões da literatura nacional e internacional.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Albernaz PLM. Amidalectomia e adenoidectomia: indicações e contra-indicações. Disponível em www.brasilmedicina.com.br, acessado em 30/08/07.2. Equipe autores ABC da Saúde. Abscesso periamigdaliano. Disponível em http://abcdasaude.com.br, acessado em 30/08/04.
3. Vieira FMJ, Diniz FL, Figueiredo CRW, Luc LM - Hemorragia na adenoidectomia e/ou amigdalectomia: estudo de 359 casos. Rev Bras de Otorrinolaringol. 2003, 69(3):338- 341.
4. Equipe médica da Medgraf - S.Paulo. Tratamento da Síndrome de Apnéia do Sono tipo obstrutivo. Disponível em www.respiremelhor.com.br/medicina, acessado em 30/08/07.
5. Molina FD, Maniglia JV, Magalhães FP, Dafico SR, Rezende, RS. A eficácia do subgalato de bismuto em tonsilectomias como agente hemostático. Rev Bras de Otorrinolaringol. 2000, 66(3 pt. 1): 194-7.
6. Liu JH, Anderson KE, Willging JP, Myer CM, Shott SR, Bratcher GO, Cotton RT. Posttonsillectomy hemorrhage: what is it and what should be recorded? Arch Otolaryngol Head Neck Surg. 2001, Out, 127 (10): 1271-5.
7. Walner DL, Parker, Noah PBA, Miller, PR. MD Past and present instrument use in pediatric adenotonsillectomy Otolaryngol Head Neck Surg. 2007, 137(1):49-53.
8. Gurunluoglu R, Gurunluoglu A . Paul of Aegina: landmark in surgical progress. World J Surg. 2003, 27(1):18-25.
9. Santos RP. Amígdalas e adenoides. Disponível em http://www.unifesp.br/dotorrino/orl/info/a2.htm, acessado em 09/08/07.
10. Zakirullah. Post-tonsillectomy and adenotonsillectomy morbility & complications at District Headquarter Hospital Daggar. J Ayub Med Cool Abbottabad. 2001, 13(3):4-6.
11. Paredes P, Paul P. Evaluación de amigdalectomias y adenoidectomias realizadas em el Hospital Regional Honorio Delgado de Arequipa entre 1975 a 1994. [Tese] Arequipa, San Agustin. UNSA; 1995.
12. Otacilio e Campos. Tratado de Otorrinolaringologia. Editora Roca; 1994.
13. Diniz FMJ, Figueiredo FL, Weckx LR, Luc LM. Hemorragia na adenoidectomia e/ou amigdalectomia: estudo de 359 casos. Rev Bras de Otorrinolaringol. 2003, 69(3): 338-341.
14. Windfuhr JP MD, Chen YS MD, Remmert S MD. Hemorrhage following tonsillectomy and adenoidectomy in 15,218 patients. Otolaryngol Head Neck Surg. 2005, 132(2):281-286.
15. Kendrick D, Gibbin K. An audit of the complications of paediatric tonsillectomy, adenoidectomy and adenotonsillectomy. Clin Otolaryngol. 1993, 18 (2):115-7.
16. Crysdale WS, Russel D. Complications of tonsillectomy and adenoidectomy in 9409 children observed overnight. CMAJ. 1986, 135(10):1139-42.
17. Walker P, MBBS, FRACS, and Gillies BN. Posttonsillectomy hemorrhage rates: Are they techniquedependent? Otolaryngology-Head and Neck Surgery. 2007, 136(3):27-31.
18. Hungria H. Tratado de Otorrinolaringologia. Rio de Janeiro, RJ. 6ª ed. Guanabara Koogan; 1991.
19. Prim MP, Diego D, Jimenez JL,Yuste V, Sastre N, Rabanae I, Gavilan J. Analysis of the cause of imediate unanticipated bleeding after pediatric adenotonsillectomy. Int. J Pediatric Otoaryngol. 2003, 67(4):341-4.
20. Slovicky TA, Shapira Y, Tarasiuk A, Leiberman A. Complications of adenotonsillectomy in children with OSAS younger than 2 years of age. Int. J Pediatric Otoaryngol. 2003, 67(8):847-51.
1. Residência Médica em Otorrinolaringologia. Médico Residente.
2. Especialista em Otorrinolaringologia. Médico Especialista Coordenador da residência Médica em Otorrino da UNISA.
3. Professora Doutora em Otorrinolaringologia Professora Titular (Chefe do departamento de Otorrinolaringologia da UNISA.
4. Professor Doutor em Otorrinolaringologia. Chefe da Otologia da Disciplina de Otorrinolaringologia da UNISA.
5. Acadêmico de Medicina.
Instituição: Faculdade de Medicina de Santo Amaro - UNISA. São Paulo / SP - Brasil.
Endereço para correspondência:
Roberto Gaia Coelho Júnior
Alameda Franca, 1436 - Apto 13 - Cerqueira César
São Paulo / SP - CEP: 01422-001
Telefax:(11) 3082-5301 - E-mail: betogaia@bol.com.br
Artigo recebido em 18 de dezembro de 2007.
Artigo aceito em 24 de junho de 2008