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Ano: 2008  Vol. 12   Num. 4  - Out/Dez Print:
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Manifestações Otorrinolaringológicas da Fibrose Cística: Revisão da Literatura
Otorhinolaryngologic Manifestations of Cystic Fibrosis: Literature Review
Author(s):
Carolina Pimenta Carvalho1, Daniel Caldeira Teixeira2, Ana Carolina Gonçalves Ribeiro3, Aureliano Carneiro Barreiros4, Marconi Teixeira Fonseca5
Palavras-chave:
fibrose cística, sinusite, pólipos nasais
Resumo:

Introdução: A Fibrose Cística é a doença genética autossômica recessiva mais comum entre caucasianos. Ocorre devido a mutações no gene que codifica proteína reguladora de condução transmembrana, acarretando deficiência transporte de cloro. Objetivo: Realizar revisão da literatura sobre Fibrose Cística, enfatizando manifestações otorrinolaringológicas. Método: Utilizou-se consulta do banco de dados on line do Pub Med, aplicando a pesquisa dos termos Fibrosis Cystic and Sinusitis e Mucoviscidosis and Sinusitis. Considerações Finais: Embora não seja a principal causa de morte, as manifestações otorrinolaringológicas da Fibrose Cística trazem importante morbidade para estes pacientes.

INTRODUÇÃO

A Fibrose Cística é uma exocrinopatia grave que afeta principalmente pacientes caucasianos. É a doença autossômica recessiva mais letal que afeta essa população (1,2), ocorrendo na freqüência de 1 para cada 2000 a 2500 nascidos vivos na Europa (3). Nos Estados Unidos, aproximadamente 30000 pessoas são afetadas, com a freqüência de um gene a cada 20 a 25 pessoas. É menos freqüente em pacientes Africanos e Asiáticos, ocorrendo em 1 para 15300 e 1 para 32100, respectivamente (4).

A fim de estudar melhor esta doença, resolvemos realizar uma revisão da literatura analisando artigos encontrados no Pub Med. A pesquisa foi feita utilizando os termos "Fibrosis Cystic and Sinusitis", sendo encontrados 304 artigos e 214 artigos com "Mucoviscidosis and Sinusitis", que estavam contidos no primeiro grupo. Uma pré seleção foi realizada excluindo artigos que não estavam em línguas portuguesa, espanhola ou inglesa, caindo para 102. Estes tiveram seus resumos estudados e foram retirados os que não abordavam manifestações otorrinolaringológicas da Fibrose Cística. Foram solicitados, portanto, 63 artigos através Capes, Bireme e Ovid, conseguindo um total de 34, compreendendo os anos de 1981 a 2007.


REVISÃO DA LITERATURA

Mutação


A mutação da Fibrose Cística foi localizada num gene encontrado no braço longo do cromossoma 7 (7q31) que codifica a proteína reguladora de condução transmembrana na Fibrose Cística (CFTR). Essa proteína é bomba de cloro dependente de adenosino-monofosfato cíclico (AMPc), cuja mutação leva a falha no transporte de tal íon (1,4).

Existem mais de 1000 mutações identificadas, sendo a mais comum a deleção de três pares de bases que codificam a fenilalanina na posição 508, conhecida como delta F508 ou DF508 (4,5).

A mutação CFTR pode ser dividida em cinco categorias: 1)Ausência de produção da CFTR; 2)Produção da CFTR, porém falha no processamento e transporte intracelular; 3)Transporte intracelular normal, porém desregulação na membrana celular; 4)Expressão normal da membrana celular, porém alteração na condutância do cloro e 5) Síntese diminuída. As classes de 1 a 3 são associadas a doença mais grave (4).

Manifestações clínicas

Também chamada de Mucoviscidose, a Fibrose Cística caracteriza-se por um mecanismo anormal de transporte iônico sistêmico, o que gera permeabilidade diminuída ao cloro (6), ocasionando infecções pulmonares recorrentes; doença pulmonar obstrutiva crônica; rinossinusites; polipose nasossinusal; má absorção gastrointestinal secundária à insuficiência pancreática, íleo meconial; prolapso retal e infertilidade por obstrução dos ductos deferentes (5,7).

No epitélio das glândulas sudoríparas, leva a baixa absorção de cloro e sódio do lúmen glandular, o que resulta em um suor com grande concentração destes (1,8).

No epitélio respiratório, há falha na secreção de cloro, o que acarreta uma absorção excessiva de sódio, resultando em maior influxo de água para as células e, portanto, aumentando a viscosidade do muco (1,8). O muco torna-se cerca de 30 a 60 vezes mais espesso que o normal. Não afeta de forma direta o batimento mucociliar, porém o mesmo torna-se ineficaz no clearance de substância tão viscosa, gerando estase, que predispõe a obstrução dos óstios e aumento de colonização bacteriana (6,9,10,11).

As manifestações otorrinolaringológicas mais freqüentes são rinossinusite crônica e polipose nasossinusal (2,4). A presença de doença nos seios paranasais é observada em 100% dos pacientes (4,12). Os sintomas incluem obstrução nasal, rinorréia, tosse, cefaléia, dor facial e gotejamento naso-posterior (2,4,12), sendo estes raramente os primeiros a serem notados (13). (A doença pulmonar, com infecções de repetição, é a 1ª manifestação da Fibrose cística em 40% dos pacientes) (14).

A faixa etária de maior ocorrência de sintomas nasossinusais é, em torno de, 5 a 14 anos (15), porém, é baixa a incidência de sintomas mesmo nesta faixa. Estes são subestimados devido a priorização de manifestações mais graves da doença, como infecções pulmonares e gastrointestinais, além da adaptação que os pacientes apresentam aos sintomas nasossinusais e a falta de conhecimento do quanto essas manifestações otorrinolaringológicas interferem na qualidade de vida e na progressão do quadro pulmonar (15).

A incidência de polipose em pacientes com Fibrose Cística varia na literatura de 6 a 67% (1), com pico entre a idade de 4 e 12 anos (8), sendo incomum abaixo de 4 e voltando a tornar-se raro o seu aparecimento após os 20 anos (16). Já na primeira avaliação otorrinolaringológica, 75% das crianças com Fibrose Cística apresentam polipose bilateral (17).

Uma hipótese para explicar a formação dos pólipos é de que a liberação de fatores de crescimento pela infecção crônica leva a proliferação de tecido submucoso, edema e prolapso da mucosa, que é visto como polipose nasal (9,18). Há ainda hiperplasia de células caliciformes, metaplasia de células escamosas e perda de células ciliadas aumentando a espessura do muco, o que contribui para o ciclo vicioso (4,18).

Estudos demonstram diferença histopatológica entre os pólipos encontrados em pacientes com Mucoviscidose e os sem esta doença. Os primeiros possuem fina membrana basal, não possuem hialinização submucosa, apresentam mucina ácida abundante nas glândulas mucosas e uma predominância de neutrófilos. Os pólipos de pacientes sem Fibrose Cística apresentam membrana basal espessa, infiltração eosinofílica e mucina neutra (2,4,19). Rowe-Jones et al não encontram diferença estatisticamente significante no número de pacientes com polipose e eosinofilia quando comparados pacientes com e sem Fibrose Cística, apesar de terem encontrado mais eosinófilos no grupo sem essa doença e neutrófilos nos mucoviscidóticos (18).

Era de se esperar que pacientes com Fibrose Cística apresentassem incidência maior de otite média, uma vez que possuem muco espesso, dificuldade no clearance mucociliar e aumento da freqüência de sinusites. Porém, estes pacientes possuem ampla pneumatização da mastóide, o que indica que possuem poucos episódios de otites (20,21). Todd et al sugerem que o gene da tuba auditiva com boa conformação esteja atrelado ao gene da Fibrose Cística, favorecendo a uma adequada aeração e drenagem do ouvido médio (20).

Mucoceles são raramente encontradas em adultos e menos ainda em crianças. Diante de um diagnóstico de mucocele deve-se levantar a hipótese de ser paciente com Fibrose Cística. Sua manifestação se dá através de edema orbital indolor, podendo apresentar ainda epífora, diplopia e quemose. Apesar de tais sinais e sintomas, a mucocele geralmente é assintomática, provavelmente devido ao seu crescimento lento e progressivo (5).

Microbiologia

Os pacientes com Fibrose Cística estão freqüentemente infectados. Os organismos mais encontrados são Pseudomonas aeruginosa, Haemophilus influenzae, α-streptococci e anaeróbios. Encontramos ainda Staphilococcus aureus, Escherichia coli, Burkholderia cepacia, Acinetobacter sp e Stenotrophomonas maltophilia (2). Existe pouca informação quanto a bacteriologia em crianças menores. Muhlebach et al encontraram um grande número de Staphilococcus aureus como causador de sinusite em crianças com Fibrose Cística e, Pseudomonas, só em pacientes de idade maior (22).

Pacientes que tiveram diagnóstico de Fibrose Cística na idade adulta apresentam menor freqüência de colonização por P. aeruginosa do que os diagnosticados na infância. Os germes mais encontrados nos pacientes com diagnóstico tardio são o S. aureus, seguido de Burkholderia cepacia, bem como Mycobacterium não tuberculosis (7).

Cândida albicans é o fungo mais isolado em pacientes com Fibrose Cística, com incidência de 60 a 75%, seguido do Aspergillus fumigatus, 6 a 57%, de acordo com Wise et al (2).

Há grande controversa quanto à concordância entre microorganismos encontrados em via aérea superior e inferior. Wise et al acreditam que em 80% dos casos são os mesmos microorganismos (2). Entretanto, para Muhlebach and col apenas a minoria dos pacientes possuem os mesmos germes. Eles compararam culturas de orofaringe e de lavado broncoalveolar na identificação de microbiota sinusal. Não houve diferença entre os exames na identificação das bactérias, porém a sensibilidade dos mesmos foi muito baixa (40 a 50%) (22).

Radiologia

As alterações radiológicas são encontradas muito cedo em pacientes com Fibrose Cística, mesmo nos assintomáticos 8). Cerca de 90 a 100% dos pacientes maiores de oito meses já demonstram evidência radiológica da doença (19). Isto é de tal importância que a ausência dessas alterações excluem o diagnóstico de Mucoviscidose (23).

Kennedy classifica as alterações tomográficas de sinusite crônica em quatro estágios: 1) Alterações anatômicas, doença em um seio unilateral ou doença bilateral limitada ao etmóide; 2) Doença bilateral em etmóide com envolvimento de mais um seio paranasal; 3) Doença bilateral em etmóide com envolvimento de dois ou mais seios em cada lado e 4) Polipose difusa. Krzeski et al encontraram predominância dos estágios 3 e 4 em pacientes com Fibrose Cística. Estes achados são compatíveis com os de outros autores (3).

Existem várias alterações tomográficas comumente encontradas nos pacientes com Mucoviscidose, sendo a tríade descrita por Nishioka composta por extensa polipose nasossinusal, agenesia de frontal e abaulamento medial da parede lateral do nariz (3,23).

A incidência de agenesia frontal em pacientes sadios é de 5 a 9%, em contraste com 63% dos pacientes com Fibrose Cística (3). A ocorrência de agenesia e/ou hipoplasia de outros seios paranasais, como maxilares e esfenoidais também são comuns na Fibrose Cística (3), assim como a ausência de pneumatização de agger nasi, células de Haller, concha média, entre outros (23). Isto provavelmente é explicado pela infecção, que ocorre desde os primeiros meses de vida nestes pacientes, acarretando alterações de desenvolvimento dessas estruturas. Por algum motivo ainda desconhecido, a mastóide destes pacientes se desenvolve muito bem e os mesmos têm menor incidência de otite média, como citado anteriormente (24).

A medialização da parede lateral nasal, muito encontrada na Mucoviscidose, ocorre devido à polipose extensa e, em alguns casos, chega a tocar o septo nasal. Tais achados ocorrem numa freqüência de 60 a 80% dos casos, dependendo dos autores (3,9). Esta alteração está geralmente associada à desmineralização do processo uncinato (13,24), causado pela pressão que os pólipos exercem nas estruturas ósseas, além da osteíte e periostite crônicas. Outros autores sugerem que esta osteopenia decorre das freqüentes exacerbações de sinusites (3)

É rara a ocorrência de níveis hidroaéreos nestes pacientes provavelmente devido a extensão da doença e da alta viscosidade do muco que ocupa os seios da face (9).

Diagnóstico

O diagnóstico da Fibrose Cística é realizado na presença de uma ou mais manifestações clínicas já citadas, associada à presença de duas mutações no gene da Fibrose Cística ou dois resultados positivos na prova do suor (4), (até 30 mmol/L é normal, de 30 a 60 mmol/L é duvidoso e maior 60 é alterado) (25,26) ou alteração na diferença de potencial nasal (4).

De acordo com o grau de mutação encontrada nos pacientes existem inúmeros fenótipos da doença (23,27). O clássico inclui disfunção pancreática e das glândulas sudoríparas (disfunção exócrina), doença do trato respiratório e má formação dos ductos deferentes. Esses pacientes normalmente têm seu diagnóstico nos primeiros seis meses de vida (7). Algum dos critérios diagnóstico, como por exemplo o teste do suor, podem falhar em certos pacientes, dificultando a sua identificação, podendo passar despercebido na infância (7,27).

Há ainda a presença de pacientes portadores de mutação no gene de condutância transmembrana da Fibrose Cística, os quais apresentam maior predisposição à sinusite crônica, pancreatite recorrente ou obstrução de ducto deferente sem outros aspectos da doença, o que pode confundir o diagnóstico (25,27,28,29).

Tratamento

O objetivo do tratamento é reduzir os sintomas do paciente através do restabelecimento da ventilação e drenagem nasossinusal (30) controlar as infecções, acabar com reservatório de infecção pulmonar e melhorar o estado nutricional do paciente (9,26).

Os pacientes com Fibrose Cística, apesar do uso de medicamentos ou até mesmo de cirurgia, não ficam curados (10,31). Entretanto, os pacientes sem esta doença apresentam um índice de cura espontânea de rinossinusite que pode chegar a 64,8% (32). O tratamento na Mucoviscidose é basicamente para melhorar a qualidade de vida (30).

O tratamento nasal consiste na lavagem com solução salina, corticosteróides intranasais, terapia antimicrobiana e a cirurgia endoscópica funcional dos seios paranasais (FESS) (26).

A solução salina tem o objetivo de fluidificar as secreções e higiene nasal. Pode ser usada isotônica ou em irrigações hipertônicas que possuem a vantagem de descongestionar o nariz (4).

Os corticosteróides tópicos nasais têm função de diminuir a polipose, auxiliando na melhora dos sintomas. Os corticosteróides orais não devem ser usados devido ao número aumentado de efeitos colaterais (4).

Os antibióticos são os mais importantes no tratamento da Fibrose Cística. Estes devem cobrir Pseudomonas, Staphylococcus e também germes anaeróbios (4,22). Os antibióticos mais utilizados são aminoglicosídeos e quinolonas, apesar de estas não serem liberadas para crianças pelo FDA. Outros utilizados são piperacilina, ceftazidima e imipenem (4).

Estudos comprovam que o uso de macrolídeos, por exemplo a azitromicina, em pequenas doses e por período prolongado têm efeito imunomodulador, diminuindo IL-8 e o tamanho do pólipos, sem atingir a concentração plasmática suficiente para ser bactericida (4,15).

A Dornase α, uma desoxirribonuclease recombinante humana, é uma nova droga que age destruindo os DNAs liberados por leucócitos durante a inflamação. Estes DNAs liberados aumenta a viscosidade do muco e diminuem o clearance mucociliar. Pacientes tratados com a Dornase a têm melhora no edema mucoso, menor recorrência de pólipos e menor necessidade de nova cirurgia (4,6). Tal droga pode ser uma útil ferramenta para melhoria dos sintomas e a extensão dos efeitos cirúrgicos (6,30).

Quando todas essas medidas falham no controle da sinusite, deve-se pensar na cirurgia (4). Cerca de 15 a 20% dos pacientes vão necessitar de FESS (1,31).

As indicações cirúrgicas consistem em obstrução nasal, rinorréia, tosse, dor facial, cefaléia, mucocele e deterioração da função pulmonar, refratários aos tratamentos medicamentosos (1,6,31).

A FESS não altera o crescimento facial como demonstraram Senior et al e Bothwell et al e é bastante segura, com índice de complicações menor que 1% (32).

As cirurgias variam de uma simples polipectomia a uma pan-sinusectomia (4). Esta é preferida por uns devido ao alto grau de infecção que pacientes com Fibrose Cística têm e por tentar promover maior tempo livre de doença. Os que advogam sobre polipectomia, escolhem-na devido ao menor tempo cirúrgico (33).

Sabe-se que os pacientes com Mucoviscidose apresentam maior risco cirúrgico por causa da sua doença pulmonar avançada, extensa doença sinusal, alterações anatômicas ocasionadas pelas cirurgias prévias, coagulopatia por deficiência de vitamina K, doenças pancreáticas e hepáticas, além de deficiência nutricional (1,4).

Apesar disto, Schulte et al não apresentaram maiores taxas de complicações e demonstrou que a anestesia geral, durando mais que uma hora, foi segura em todos os 42 casos estudados (31).

A principal complicação cirúrgica é a epistaxe, que pode ocorrer devido ao grau de polipose nasal, uso de medicações pelo paciente e deficiência de vitamina K, que ocorre na freqüência de 6 a 55% dos pacientes com Fibrose Cística. Alguns autores sugerem a reposição desta vitamina previamente à cirurgia. Há controversa quanto ao uso de tamponamento nasal pós sinusectomia. Alguns o utilizam de rotina (1).

Outra importante complicação é a orbitária, com violação da lâmina papirácea. Pacientes com Fibrose Cística apresentam maior risco de lesão (12,2%), quando se compara com a população normal, devido às anormalidades anatômicas (1,4). Apresentam ainda maior risco de fístula liquórica (4).

Diante do maior risco cirúrgico, alguns indicam a internação hospitalar prévia para antibioticoterapia endovenosa e fisioterapia respiratória (17,31).

Os cuidados pós-operatórios são lavagens nasais abundantes, uso de antibióticos, desbridamento periódico de crostas e corticosteróide tópico (4,8,33).

Apesar do tratamento rigoroso, a recorrência é uma regra (2,6), sendo que a média de tempo livre dos sintomas varia de 1 a 4 anos (13,31,33).

Weber et al realizaram um estudo sobre a proteína catiônica eosinofílica como marcador de inflamação nasal em pacientes com Fibrose Cística. Observaram que pacientes com polipose extensa e os que tiveram mais recorrências, apresentaram níveis mais altos desta proteína. Talvez esta proteína possa ser usada no futuro como marcador da atividade da Fibrose Cística e, assim, guiar a terapia desta doença (34).

Prognóstico

A Fibrose Cística é uma doença letal, cuja expectativa de vida é de 40 anos aproximadamente (4). Antes do advento da antibioticoterapia, a morte ocorria na infância, em virtude das infecções pulmonares graves, que levavam a bronquiectasias e falência respiratória num pequeno espaço de tempo (33).

A expectativa de vida varia de acordo com o sexo do paciente e época do diagnóstico. Foi observado que mulheres vivem em média 3 a 5 anos menos que os homens e pacientes, que tiveram seu diagnóstico com idade maior que 36 meses, têm redução no risco de morte de 50% quando comparados com os diagnosticados antes dos 6 meses. Isso ocorre provavelmente por ser mutação mais leve, não apresentando todos os estigmas da doença e podendo chegar até a idade de 60 anos (7).

A principal causa de morte continua sendo a complicação respiratória (7,14,22). ou cor pulmonale (31).


DISCUSSÃO

As alterações genéticas encontradas na Fibrose Cística estão bem estabelecidas e os autores concordam que a mutação mais encontrada é a deleção de três pares de bases que codificam a fenilalanina na posição 508 do cromossoma 7 (4,5). Esta mutação altera o transporte iônico sistêmico, com conseqüente aumento da viscosidade do muco e várias manifestações clínicas tais como, infecções de vias aéreas crônicas; alterações no trato gastrointestinal e infertilidade (2,5,7).

Segundo Raynor and col, Eggesbø and col, Madonna and col e McShane and col, não há alteração do batimento mucociliar, sendo o muco muito espesso, cerca de 30 a 60 vezes o normal, o responsável pelo clearance ineficaz e o aumento das infecções (6,9,10,11).

A maioria dos autores revisados encontraram sintomas de obstrução nasal, rinorréia, tosse, cefaléia, dor facial e gotejamento naso-posterior como os principais sintomas otorrinolaringológicos da Mucoviscidose, compatível com o quadro de rinossinusite crônica e polipose nasal destes (2,4,12). Apesar de muito freqüentes, nem sempre as manifestações nasossinusais são as primeiras no diagnóstico. Damas et al observa em seu estudo que, em 40% dos pacientes, a primeira manifestação é infecção pulmonar recorrente (13,14). A faixa etária de maior ocorrência de sintomas foi de 5 a 14 anos, coincidindo com o pico de incidência de polipose (8,15).

Para Wise et al, Tandon et al e Sobol et al, há diferença histopatológica entre os pólipos encontrados em portadores de Fibrose Cística e outros pólipos nasais. No entanto, Rowe-Jones et al não encontraram diferença estatisticamente significante (2,4,18,19).

Os pacientes com Mucoviscidoses são cronicamente infectados por Pseudomonas e Staphilococcus, germes mais encontrados em adultos e crianças, respectivamente. Ainda não se sabe se microorganismos encontrados na via aérea superior são os mesmos da inferior. Wise et al encontraram em seu estudo 80% de concordância entre esses germes, enquanto Muhlebach and col acreditam numa flora individual (2,22).

Diante de suspeita de Fibrose Cística, um exame radiológico negativo exclui o diagnóstico devido ao alto índice de alterações encontradas nestes pacientes, mesmo em tenra idade (8,23).

O tratamento visa melhorar a qualidade de vida dos pacientes, visto que a cura ainda não é possível (30). Nos casos refratários ao tratamento clínico, utiliza-se FESS, que é muito segura, conforme demonstraram Schulte et al, Senior et al e Bothwell et al, mesmos nestes pacientes de Mucoviscidose que apresentam maiores riscos cirúrgicos (31,32).

Apesar de o tratamento adequado, a recorrência é regra (2,6) e pacientes evoluem para óbito principalmente por complicação respiratória segundo a maioria dos autores (7,14,22) ou por cor pulmonale de acordo com Shulte et al (31).


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Apesar de não serem a principal causa de morte nos pacientes com Fibrose Cística, as manifestações otorrinolaringológicas desta doença trazem importante morbidade para os mesmos. Com o advento da antibioticoterapia e da melhoria nas técnicas cirúrgicas houve um aumento na expectativa de vida, porém com qualidade de vida precária devido à intensa sintomatologia. Esperamos que com novas drogas, como Dornase a e surgimento de outras, possamos promover melhoria nas condições de vida destes pacientes.


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1. Residente do 3º Ano de especialização em ORL.
2. Residente do 2º ano de especialização em ORL.
3. Pediatra do 1º ano de especialização em ORL.
4. Otorrinolaringologista. Preceptor do Serviço de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico-Facial do Hospital Socor.
5. Doutor em Otorrinolaringologia pela Faculdade de Medicina da USP. Coordenador do Serviço de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico-Facial do Hospital Socor.

Instituição: Hospital Socor. Belo Horizonte / MG - Brasil.

Endereço para correspondência:
Carolina Pimenta Carvalho
Rua Augusto Moreira, 237 Apto 202 - Santa Amélia
Belo Horizonte / MG - Brasil - CEP: 31555-100
Fax: (+55 31) 3330-3294 - E-mail: cpcarvalho8@yahoo.com.br

Artigo recebido em 9 de Agosto de 2008.
Artigo aprovado em 19 de Novembro 2008.
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